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Qualidade de vida de quem cuida de portadores de demência com corpos de Lewy

Quality of life of caregivers of patients with Lewy body dementia

Resumos

INTRODUÇÃO: Cuidar de portadores de demência pode provocar impacto na qualidade de vida dos familiares. OBJETIVO: Verificar a qualidade de vida de familiares que cuidam de portadores de demência com corpos de Lewy (DCL). MÉTODO: Estudo transversal, realizado com 90 familiares de portadores de DCL atendidos em hospital universitário de Goiânia/GO (Brasil), que responderam ao instrumento de avaliação de qualidade de vida WHOQOL-BREF. RESULTADOS: Os entrevistados eram 53,3% homens, na maioria casados e com ensino médio de escolaridade, com idade média de 47,4 ± 13,8 anos e média de tempo como cuidador de 13,9 ± 9,3 meses. O domínio Meio Ambiente obteve maior média (26,92 ± 5,88) e o Psicológico (19,66 ± 4,32) e Relação social (9,84 ± 2,18), as menores. A média dos domínios foi influenciada pelo sexo e pelo tempo que o familiar era cuidador. CONCLUSÃO: Atenção especial deve ser dada às alterações na saúde do cuidador, para que ele não se torne um "paciente oculto" e incapaz de lidar com as demandas do portador de DCL. O conhecimento das especificidades e compreensão dos sintomas da patologia auxiliam na adequação dos recursos pessoais para enfrentar as alterações comportamentais, apontadas como o fator mais impactante na vida do cuidador.

Qualidade de vida; doença por corpos de Lewy; cuidadores


INTRODUCTION: Taking Taking care of people with dementia may have an impact on the quality of life for family members. OBJECTIVE: To verify the quality of life for family members who take care of people with dementia with Lewy bodies (DLB). METHOD: A cross-sectional study with 90 relatives of patients with DLB treated in a University hospital in Goiânia/GO (Brazil), who responded to the instrument of evaluation for the quality of life WHOQOL-BREF. RESULTS: From the people who were interviewed, 53.3% were male, most married and high school graduated, average age of 47.4 ± 13.8 years and average time as a care taker 13.9 ± 9.3 months. The Environment Domain got the highest average (26.92 ± 5.88), the Psychological (19,66 ± 4,32) and the Social Relationship (9.84 ± 2.18) the lowest. The average for the domains was influenced by genus and by the time that the family member was a care taker. CONCLUSION: Special attention should be given to changes in the health of caretakers, so they do not become a "hidden patient", and unable to deal with the demands of patients with DLB. The knowledge and understanding of the specific symptoms of the pathology helps to accommodate the human resources to face the behavioral changes, identified as the most impacting factor in the lives of caretakers.

Quality of life; Lewy body disease; caretakers


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida de quem cuida de portadores de demência com corpos de Lewy

Quality of life of caregivers of patients with Lewy body dementia

Eberson Rodrigues do NascimentoI; Maria Alves BarbosaII; Virginia Visconde BrasilIII; Ana Luiza Lima SousaIV; Geraldo Francisco do AmaralV; Paula Jardim JácomoVI

IUniversidade Federal de Goiás (UFG), Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade de São Paulo (USP); UFG

IIIUSP; UFG

IVUFG, Faculdade de Enfermagem; USP, Saúde Pública

VUFRJ; UnB; UFG; UFMS; UFG, Faculdade de Medicina, Departamento de Saúde Mental e Medicina Legal

VIUFG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Eberson Rodrigues do Nascimento Rua Juazeiro do Norte, Chácara 81, casa 2, Residencial Ville Del Mont, Parque Amazonas Goiânia, GO, Brasil E-mail: silvaeberson@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Cuidar de portadores de demência pode provocar impacto na qualidade de vida dos familiares.

OBJETIVO: Verificar a qualidade de vida de familiares que cuidam de portadores de demência com corpos de Lewy (DCL).

MÉTODO: Estudo transversal, realizado com 90 familiares de portadores de DCL atendidos em hospital universitário de Goiânia/GO (Brasil), que responderam ao instrumento de avaliação de qualidade de vida WHOQOL-BREF.

RESULTADOS: Os entrevistados eram 53,3% homens, na maioria casados e com ensino médio de escolaridade, com idade média de 47,4 ± 13,8 anos e média de tempo como cuidador de 13,9 ± 9,3 meses. O domínio Meio Ambiente obteve maior média (26,92 ± 5,88) e o Psicológico (19,66 ± 4,32) e Relação social (9,84 ± 2,18), as menores. A média dos domínios foi influenciada pelo sexo e pelo tempo que o familiar era cuidador.

CONCLUSÃO: Atenção especial deve ser dada às alterações na saúde do cuidador, para que ele não se torne um "paciente oculto" e incapaz de lidar com as demandas do portador de DCL. O conhecimento das especificidades e compreensão dos sintomas da patologia auxiliam na adequação dos recursos pessoais para enfrentar as alterações comportamentais, apontadas como o fator mais impactante na vida do cuidador.

Palavras-chave: Qualidade de vida, doença por corpos de Lewy, cuidadores.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Taking Taking care of people with dementia may have an impact on the quality of life for family members.

OBJECTIVE: To verify the quality of life for family members who take care of people with dementia with Lewy bodies (DLB).

METHOD: A cross-sectional study with 90 relatives of patients with DLB treated in a University hospital in Goiânia/GO (Brazil), who responded to the instrument of evaluation for the quality of life WHOQOL-BREF.

RESULTS: From the people who were interviewed, 53.3% were male, most married and high school graduated, average age of 47.4 ± 13.8 years and average time as a care taker 13.9 ± 9.3 months. The Environment Domain got the highest average (26.92 ± 5.88), the Psychological (19,66 ± 4,32) and the Social Relationship (9.84 ± 2.18) the lowest. The average for the domains was influenced by genus and by the time that the family member was a care taker.

CONCLUSION: Special attention should be given to changes in the health of caretakers, so they do not become a "hidden patient", and unable to deal with the demands of patients with DLB. The knowledge and understanding of the specific symptoms of the pathology helps to accommodate the human resources to face the behavioral changes, identified as the most impacting factor in the lives of caretakers.

Keywords: Quality of life, Lewy body disease, caretakers.

INTRODUÇÃO

O declínio cognitivo que ocorre com o aumento da idade é uma das grandes preocupações dos profissionais de saúde que trabalham com o envelhecimento humano. Dados estatísticos revelam que a quantidade de casos de demência aumenta com o avanço da idade em todo o mundo, mostrando uma prevalência média, acima de 65 anos de idade, variando de 2,2% na África, 5,7% na Ásia, 6,2% na América do Norte, 7,1% na América do Sul, até 9,0% na Europa1.

O número de pessoas acima de 60 anos ou mais com demência nos países em desenvolvimento no ano 2000 era de aproximadamente 11 milhões, e no Brasil, de 390 mil pessoas2.

A demência representa um grupo heterogêneo de doenças que têm em comum a alteração das funções cognitivas - memória, linguagem, práxis, capacidade de reconhecer e identificar objetos, abstração, organização, capacidade de planejamento e sequenciamento de atos3. É causada por múltiplas etiologias, tem caráter permanente e progressivo ou transitório, acarretando repercussões sociais e ocupacionais ao portador4.

Lewy (1912)5 identificou, entre um grupo de portadores de doença de Parkinson, alguns sintomas inespecíficos como perda da memória, sintomas psiquiátricos e flutuação no desempenho cognitivo e no nível de consciência, hipotetizando que esses sintomas poderiam compor um quadro demencial diferente, denominado demência com corpos de Lewy. Com o passar do tempo, foram confirmados, além do comprometimento cognitivo, sintomas neurológicos (parkinsonismo, distúrbios do sono, falência autonômica), psiquiátricos (alucinações, alterações comportamentais, sintomas depressivos) e clínicos em geral (síncope, hipotensão postural, quedas)6,7.

O agravamento das alterações de humor e do comportamento acaba por interferir na vida cotidiana do portador e determina a necessidade de acompanhamento de um cuidador8. Muitos desses cuidadores têm parentesco com o portador de demência, podendo haver conflito e desagregação na estrutura familiar pela sobrecarga, e refletir na qualidade de vida dos familiares9.

A qualidade de vida de pessoas que cuidam de portadores de demência com corpos de Lewy e convivem com eles ainda se mostra um objeto de estudo pouco explorado, justificando a realização de estudos para subsidiar os profissionais sobre os aspectos que demandam orientação profissional com a intenção de amenizar o impacto de cuidar de um portador de demência.

Como qualidade de vida é um constructo subjetivo e multidimensional e foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como "a percepção do indivíduo sobre sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"10, sua avaliação pressupõe perguntar ao sujeito como ele avalia o que está acontecendo na sua vida.

O estudo teve como objetivo geral avaliar a qualidade de vida de familiares que convivem com portadores de demência com corpos de Lewy e cuidam deles. Foram objetivos específicos: identificar o perfil sociodemográfico de familiares de portadores de demência com corpos de Lewy; analisar o valor atribuído pelos familiares de portadores de demência com corpos de Lewy aos domínios do instrumento de avaliação de qualidade de vida WHOQOL-BREF; e comparar os estratos das variáveis sociodemográficas à média dos escores dos domínios do WHOQOL-BREF, atribuídos pelos familiares de portadores de demência com corpos de Lewy.

MÉTODO

Estudo transversal, realizado no ambulatório do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG).

A população constituiu-se dos familiares de portadores de demência com corpos de Lewy, cadastrados e em tratamento no Serviço de Neurologia Cognitiva Comportamental do Núcleo de Neurociências do HC-UFG. O diagnóstico de DCL foi realizado por dois neurologistas e um psiquiatra segundo os critérios de McKeith et al.11 (Tabela 1), durante o ano de 2010. Todos os pacientes apresentavam, além das características essenciais para o diagnóstico, dois critérios centrais e pelo menos um dos sugestivos.

Foram considerados familiares cuidadores os indivíduos que conviviam diariamente com portador de demência com corpos de Lewy e prestavam cuidados a ele. Esses cuidadores foram identificados no ambulatório quando acompanhavam o portador de demência em consulta de rotina agendada no período da coleta de dados, sendo convidados a participarem do estudo. Sua anuência foi registrada com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Aqueles que concordaram em participar foram visitados pelo pesquisador em seus domicílios, quando foi realizada a coleta de dados. Para essa visita foi feito aprazamento de acordo com o horário mais conveniente para a família.

A amostra foi composta por 90 familiares cuidadores maiores de 18 anos. Foram excluídos aqueles cuidadores com idade inferior a 18 anos e/ou cujo familiar não preenchia os critérios para demência com corpos de Lewy.

Foram utilizados: um questionário sociodemográfico contendo variáveis referentes a sexo, idade, tempo de cuidado ao paciente, escolaridade e estado civil, e o Questionário de Avaliação da Qualidade de Vida - WHOQOL-BREF, proposto pela OMS10.

É um instrumento validado no Brasil que contém 26 questões, duas questões gerais sobre qualidade de vida e as 24 demais abordando quatro domínios da qualidade de vida, divididos em 24 facetas (Tabela 2)12.

Os dados foram digitados em planilha eletrônica do programa Microsoft Office Excel e analisados com a utilização do SPSS [Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0].

As variáveis quantitativas foram apresentadas em valores absolutos e médias, com sua variabilidade identificada pelo desvio-padrão e valores máximos e mínimos. As variáveis categóricas foram apresentadas segundo as proporções. Para a análise de associação entre as variáveis categóricas, utilizouse o teste qui-quadrado. Foi utilizado para análise do padrão de distribuição das variáveis quantitativas o teste de Kolmogorov-Smirnov.

Para verificação da existência de diferença entre as médias nos domínios em relação às variáveis sociodemográficas e tempo que o familiar era cuidador, foram utilizados os testes de Mann-Whitney-U e Kruskal-Wallis. Os testes de correlação foram o índice de Pearson ou Spearman. Para todos os testes o nível de significância estatística foi estabelecido em 5%.

Para o cálculo dos escores da qualidade de vida do WHOQOL-BREF, foram seguidas as recomendações de sintaxe padronizada10, usando escores com valores de 4 a 20, transformados em uma escala tipo Likert variando de 0 a 100. As respostas foram recodificadas, de maneira que todas tivessem o mesmo significado numérico (quanto menor o valor, pior a situação). As questões Q3, Q4 e Q26 são originalmente formuladas com valores na direção oposta (quanto maior o escore mais desfavorável a situação), e assim foi feita inversão para composição final do escore (1 = 5; 2 = 4; 3 = 3; 4 = 2; 5 = 1).

Não se calculou escore total de QV por ser um constructo multidimensional, tendo cada domínio um escore independente, apresentado por meio da média e do desvio-padrão. Foi avaliada a consistência interna do WHOQOL-BREF pelo coeficiente de fidedignidade de Cronbach para cada domínio.

O projeto de pesquisa foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, obtendo-se parecer favorável sob Protocolo nº 098/2010. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de qualquer procedimento do estudo.

RESULTADOS

Em média, os cuidadores levaram 10 minutos para o preenchimento do questionário. Eles eram na maioria homens, casados, com idade entre 18 e 92 anos, sendo a idade média 47,4 ± 13,4 anos. Quanto à escolaridade, 38,9% eram analfabetos e cuidadores, em média, há 13,9 (± 7,93) meses (Tabela 3).

As médias dos domínios da qualidade de vida do WHO-QOL-BREF variaram entre 26,92 ± 5,88 do domínio Meio Ambiente e 9,84 ± 2,18 do domínio Relação Social. A confiabilidade do instrumento foi avaliada por meio do alfa de Cronbach, que variou entre 0,670 e 0,926 (Tabela 4).

As respostas às questões 2 e 3 do WHOQOL-BREF (overall) sobre avaliação da qualidade de vida e satisfação com a própria saúde obtiveram média de 12,8 (± 2,1).

Nas respostas às demais questões do WHOQOL-BREF, foi evidenciado que, no domínio Físico, contribuíram para elevar a média desse domínio os itens: "O quanto você precisa de algum tratamento médico para levar sua vida diária?", "Em que medida você acha que sua dor (física) impede você de fazer o que você precisa?" e "Você tem energia suficiente para seu dia a dia?" (Tabela 5).

Contribuíram para elevar a média do domínio Psicológico as respostas das questões frequência de sentimentos negativos como mau humor, desespero, ansiedade, depressão e aceitar sua aparência física (Tabela 5).

As médias dos escores dos domínios do WHOQOL-BREF foram analisadas em relação aos estratos das variáveis do estudo e não foi identificada diferença significativa entre a média de escores nos domínios Psicológico e Meio Ambiente em relação a sexo, idade, estado civil e faixa de escolaridade. No entanto, houve diferença significativa na distribuição das médias dos escores dos domínios Físico e Relações Sociais em relação à variável sexo.

Outra variável que esteve associada com os escores médios foi o tempo em que o indivíduo era cuidador. Somente os escores do domínio Físico não estiveram associados significativamente com essa variável. No domínio Psicológico, aqueles com 18 a 24 meses como cuidadores apresentaram melhores médias (22,80; p = 0,017), ocorrendo o mesmo nos domínios Relações Sociais (10,93; p = 0,030) e Meio Ambiente (31,60; p = 0,013) (Tabela 6).

No domínio Relações Sociais as mulheres apresentaram escore médio menor (p = 0,027) em relação aos homens. E no domínio Físico também as mulheres apresentaram melhor escore médio (p = 0,017) (Tabela 6).

Na análise de correlação entre os escores dos domínios que apresentaram associação significativa com a variável "Tempo como Cuidador" (domínios Psicológico, Relação Social e Meio Ambiente), foi encontrada correlação significativa nos três domínios citados, p = 0,017 no Psicológico, 0,030 no Relação Social e 0,013 no Meio Ambiente (Figuras 1 e 2).



A correlação da idade em todos os domínios foi negativa, ou seja, na medida em que aumentava a idade, diminuía a média do escore de qualidade de vida. No entanto, não foi encontrado nível de significância na análise de correlação.

Quanto ao sexo, houve correlação significativa nos domínios Físico (p = 0,017) e Relação Social (p = 0,027).

Não houve covariação entre o tempo que o familiar é cuidador e o sexo ou qualquer outra variável.

DiSCUSSÃO

Estudos recentes têm demonstrado atenção com a qualidade de vida não só dos pacientes alvos das múltiplas terapêuticas, mas também daqueles que são os seus cuidadores. É possível identificar pesquisas envolvendo variadas patologias, entre elas aquelas classificadas dentro da especialidade da neurologia e psiquiatria. Apesar disso, não foi localizada nenhuma publicação especificamente relacionada com os cuidadores de pacientes com demência com corpos de Lewy.

Cuidar de um portador de alteração cognitiva tem sido culturalmente atividade atribuída ao sexo feminino13-15. À mulher é atribuído o papel social de organizadora do lar e ao homem, de manutenção financeira16. Neste estudo também houve distinção entre os sexos dos familiares cuidadores.

O fato de a maioria ser casada era de se esperar, a exemplo de outros estudos com cuidadores13-15, considerando-se a idade média dos cuidadores do presente estudo. Chamou atenção o fato de haver um cuidador com 92 anos, o que também foi encontrado no estudo de Figueiredo et al., indicando que cada vez mais "idosos estão cuidando de idosos"19.

Difere, contudo, de outros estudos em que os cuidadores eram mais jovens que os portadores de demência18,16, mas ainda em torno dos 60 anos15.

A escolaridade dos cuidadores do presente estudo ficou entre ensino médio e analfabetos, corroborando outros estudos cuja média ficou entre 814 e mais anos13 ou até quatro anos19 de estudos. A maior escolaridade foi associada ao maior escore da escala de avaliação subjetiva do impacto da demência de Alzheimer no cuidador16 e como fator que permite melhor compreensão da doença, em função do uso de recursos adequados para lidar com a situação e minimizar o impacto do cuidar20.

O baixo valor atribuído à média das respostas sobre a avaliação da qualidade de vida e satisfação com a saúde (overall) sugere que os cuidadores não estão satisfeitos, como também evidenciado no estudo de Figueiredo et al.19, que avaliou a satisfação com a vida e a percepção do estado de saúde em cuidadores de idosos com e sem demência. Esses autores consideram que cuidar durante tempo longo de um portador de demência pode ser física e psicologicamente esgotante e prejudicar a saúde e o bem-estar do cuidador. Há, inclusive, registros de que o cuidador do portador de Alzheimer busca os serviços médicos com maior frequência e utiliza mais psicotrópicos que os demais cuidadores21. A preocupação com a saúde do cuidador é pertinente, considerando-se que pode ser esse um dos fatores que contribui para a institucionalização do dementado.

A segunda maior média dos domínios do WHOQOL-BREF obtida no domínio Físico, que avalia as condições de locomoção, de energia física, de sono, de capacidade de trabalho e de desempenho das atividades da vida diária, pode ser compreendida considerando-se a idade jovem dos cuidadores do estudo. Contudo, a baixa satisfação com a capacidade de desempenhar atividades cotidianas pode indicar que a preocupação constante e o tempo exigido para o cuidado ao portador de demência13,14 estão interferindo na vida do cuidador. Os estudos indicam que a sobrecarga é relacionada à presença de transtornos psiquiátricos dos portadores de demência18,22.

A menor média no domínio Físico foi dos cuidadores com idade acima de 60 anos, o que pode ser atribuído à fragilidade da idade, ao uso de medicações e ao tratamento médico23 e ao impacto do cuidado sobre a saúde do cuidador17. O trabalho de Pawlowski et al.15 mostrou resultados semelhantes ao presente estudo, ao evidenciar que aqueles na faixa de idade entre 60 e 80 anos eram os que sofriam maior impacto ao realizar o cuidar de pacientes, com mais dores, desconforto, perda de energia, alteração do sono e sensação diminuída da capacidade de desempenhar atividades do dia a dia15. Essa relação também foi evidenciada no trabalho de Valente et al.24, em que os cuidadores com problemas físicos foram mais velhos do que aqueles sem tais problemas.

Outros estudos têm apontado que os familiares cuidadores de idosos dementes relatam sentir mais desgaste, revolta, cansaço e depressão do que familiares de idosos em geral. As características próprias da doença que levam o doente a ter manifestações de agressividade e perda de domínio cognitivo produzem impacto sobre a qualidade de vida dos seus cuidadores. E quando tais cuidadores são os próprios familiares, isso parece ser ainda mais relevante, pois o ato de cuidar está envolvido com sentimentos e emoções. E muitas vezes tais sentimentos são conflitantes para o cuidador que se vê responsável por uma situação com a qual não sabe exatamente como lidar25.

Considerando-se que a sobrevida do portador de demência com corpos de Lewy é em torno de cinco anos26, é esperado que o tempo de cuidador não seja longo. A média do tempo obtida nos resultados desta pesquisa também foi encontrada em estudos que incluem portadores de síndrome demencial13, diferente daqueles realizados com cuidadores de portadores de demência de Alzheimer15, cuja sobrevida à doença é mais longa26.

Quando se relaciona o impacto na qualidade de vida dos cuidadores com o tempo como cuidador, observa-se que este pode ser um fator de perda na QV, influenciando nos domínios Psicológico, Meio Ambiente e Físico. Não há consenso nas pesquisas em relação ao impacto do tempo de cuidador21. Há estudos realizados com portadores de Alzheimer que indicam que com o passar do tempo o impacto tende a melhorar27, mas outros consideram que há uma piora13.

No presente estudo foi evidenciada piora das médias daqueles com menor tempo de cuidado, exceto no domínio Relação Social. Há de se considerar que esse resultado é limitado, por se tratar de uma coorte transversal, mas ele leva à hipótese de que o diagnóstico e a velocidade da evolução da demência com corpos de Lewy podem não ter permitido, ainda, adaptação dos cuidadores a essa nova condição. Alguns autores se referem às adaptações requeridas desde o ambiente físico à inversão de papéis no ambiente familiar, até as estratégias de gerenciamento de problemas do dementado, que interferem no ajuste emocional do cuidador, ou seja, a forma como ele interage com o dementado27,15, construindo um relacionamento pessoal diferenciado com ele.

A literatura indica a presença de depressão, sentimento de desprazer, alteração do interesse sexual, culpa e ideias suicidas15,18,28,29 nos cuidadores, principalmente associados à presença de transtornos psiquiátricos dos dementados. O fato de reconhecer que a doença é progressiva e que está diante de uma situação imutável, prolongada e que pode piorar também é apontado como fator que influencia na piora da qualidade de vida e saúde dos cuidadores29. Esses autores encontraram associação entre a qualidade de vida do cuidador e a boa saúde do dementado. No estudo de Lima-Costa et al.30, a variável insatisfação/muita insatisfação com os relacionamentos pessoais se relacionou positivamente com pior autoavaliação da saúde entre idosos, ressaltando a importância da boa interação entre cuidador e paciente. No nosso estudo o domínio Relação Social, que inclui aspectos sexuais, relações sociais e suporte social, foi o que apresentou menor média entre os domínios.

O isolamento social do cuidador também tem sido descrito como fator de impacto na qualidade de vida28, interferindo inclusive na sua saúde16.

Foram limitações do presente estudo a ausência de dados relativos às alterações comportamentais, que permitiriam melhor compreensão do impacto da tarefa de cuidar, a ausência de grupo controle e o fato de a natureza da amostra estudada ser de base ambulatorial, com escores provavelmente mais baixos nas escalas de sobrecarga em relação a uma amostra comunitária.

CONCLUSÃO

Os familiares cuidadores de portadores de demência com corpos de Lewy estudados são jovens, casados e com nível médio de escolaridade ou analfabetos.

A qualidade de vida desses cuidadores é afetada principalmente nos domínios Meio Ambiente, Físico e Psicológico. A melhor situação foi referida no domínio Meio Ambiente.

As variáveis associadas à qualidade de vida foram o sexo e o tempo de cuidador. As mulheres apresentaram pior escore no domínio Relação Social, mas apresentaram melhor escore no domínio Físico. E quanto mais tempo como cuidador, pior foi a qualidade de vida nos domínios Físico, Psicológico e Meio Ambiente.

É fundamental o suporte profissional aos aspectos emocionais e às alterações na saúde do cuidador, para que ele não se torne um "paciente oculto" e incapaz de lidar com as demandas do portador de demência com corpos de Lewy.

O conhecimento das especificidades e a compreensão dos sintomas dessa patologia também podem auxiliar na adequação dos recursos pessoais para o enfrentamento das alterações comportamentais, apontadas como o fator mais impactante na vida do cuidador.

Com base no envelhecimento humano, no número crescente de portadores de demências em geral e no consequente aumento do número de cuidadores, instrumentos específicos de avaliação poderiam ser desenvolvidos para possibilitar a definição das necessidades dos cuidadores e melhor planejamento de intervenções eficazes em reduzir os efeitos negativos no cotidiano deles.

CONTRIBUIÇÕES INDIVIDUAIS

Eberson Rodriques do Nascimento - Revisão teórica e sistematizada sobre o tema; elaboração e execução do projeto que originou o artigo; coleta dos dados, análise , discussão e revisão final do artigo.

Maria Alves Barbosa - Análise estatística dos dados, orientação na discussão dos resultados, revisão final do artigo.

Ana Luiza Lima Sousa - Análise estatística dos dados e orientação na discussão dos resultados.

Virginia Visconde Brasil - Análise e discussão.

Geraldo Francisco do Amaral - Análise e discussão.

Paula Jardem Jácomo - Coleta dos dados, análise e discussão.

CONFLITOS DE INTERESSE

Declaramos a não existência de CONFLITOS DE INTERESSE e a não existência de fontes de financiamento para a realização deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

Aos pacientes do Núcleo de Neurociência, sem os quais este trabalho não teria sido realizado, nosso profundo AGRADECIMENTO pelo compromisso e pela participação.

E a todos que direta ou indiretamente contribuíram com este trabalho.

Recebido em 21/3/2012

Aprovado em 23/2/2013

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  • Endereço para correspondência:

    Eberson Rodrigues do Nascimento
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Mar 2012
    • Aceito
      23 Fev 2013
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