Acessibilidade / Reportar erro

Internação involuntária para dependente químico

Involuntary hospitalization for drug addicts

SR. EDITOR,

Dependentes químicos tendem a recusar tratamento por negação de sua doença, desesperança ou visão negativa do tratamento, mesmo cientes da gravidade. Em alguns casos, a internação involuntária pode ser uma das poucas ferramentas para garantir ainda a integridade e a saúde do paciente11. Opsal A, Kristensen Ø, Larsen TK, Syversen G, Rudshaug BEA, Gerdner A, et al. Factors associated with involuntary admissions among patients with substance use disorders and comorbidity: A cross-sectional study. BMC Health Serv Res. 2013;13.57..

Na Europa, o modelo de tratamento psiquiátrico involuntário varia muito entre os países, sem padronização e ainda em discussão na União Europeia22. Raboch J, Kališová L, Nawka A, Kitzlerová E, Onchev G, Karastergiou A, et al. Use of Coercive Measures During Involuntary Hospitalization: Findings From Ten European Countries. Psychiatr Serv. 2010;61(10):1012-7.. Nos Estados Unidos, a internação involuntária deve preencher dois critérios: perigo iminente e completa incapacidade de exercer o autocuidado, contudo ainda sem consenso nacional e com muitas diferenças entre os estados americanos33. Craw J, Compton MT. Characteristics associated with involuntary versus voluntary legal status at admission and discharge among psychiatric inpatients. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2006;41(12):981-8..

No Brasil, a Lei nº 10.216/2001 considera três tipos de internação psiquiátrica: voluntária (com o consentimento do paciente); involuntária (sem o consentimento); compulsória (determinada pela justiça).

Considerando que no Brasil o uso de drogas tem aumentado nos últimos anos, constituindo um sério problema de saúde pública44. Laranjeira R, Madruga CS, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro SS, Madruga CS, et al. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) – 2012. São Paulo: Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (INPAD), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); 2014., e que a internação involuntária, apesar de ainda controversa, pode ser a última possiblidade de intervenção terapêutica para determinados casos, relatamos abaixo um caso que recebeu essa abordagem.

Trata-se de J. B., 36 anos, sexo masculino, dependente de drogas, F19.2, com fracasso recorrente dos tratamentos prévios e grave prejuízo psicossocial. A internação involuntária foi solicitada pela família após o paciente passar longo período dormindo em via pública. A internação foi realizada em enfermaria psiquiátrica de hospital geral com abordagem multidisciplinar.

O paciente era totalmente contra sua internação e nos primeiros dias apresentava risco de fuga e agressividade. Sentia-se injustiçado e traído pela família. Após a terceira semana, apresentava-se mais ajustado ao projeto terapêutico e já manifestava concordância parcial em relação à internação. Recebeu alta após 45 dias com melhora do insight, reconhecimento da gravidade e da necessidade de internação. Após seis meses, como parte de um estudo prospectivo mais amplo, foi feito contato por telefone e o paciente encontrava-se ainda em abstinência e dizia ser grato pelo tratamento. Manifestava concordância em relação à internação involuntária, mesmo tendo sido contrário no início.

Entendemos que a autonomia é um dos pilares da atuação ética na assistência à saúde, contudo a capacidade de decidir do indivíduo pode estar seriamente comprometida em alguns casos. Apesar de polêmica, a internação involuntária pode ser uma das últimas ferramentas para garantir a integridade e a saúde do paciente. Soma-se a isso o aumento dos casos de dependência que seguem crescendo em nosso país44. Laranjeira R, Madruga CS, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro SS, Madruga CS, et al. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) – 2012. São Paulo: Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (INPAD), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); 2014..

Deve-se ficar atento a situações abusivas, negligência, inclusive pela possibilidade de ocorrência de experiências traumáticas, com consequências não desejáveis, como a recusa do paciente em procurar serviço psiquiátrico no futuro55. Zhang S, Mellsop G, Brink J, Wang X. Involuntary admission and treatment of patients with mental disorder. Neurosci Bull. 2015;31(1):99-112..

O caso apresentado permitiu reconhecer que alguns pacientes podem, sim, ser beneficiados pela internação involuntária. O resultado terapêutico foi positivo e o paciente pôde reconhecer, após um período de abstinência, os benefícios de ter sido internado em uma época em que sua vontade e autonomia estavam seriamente comprometidas. Essa resposta clínica e a mudança na percepção podem servir de alguma forma como embasamento nas discussões éticas sobre autonomia e direitos do paciente envolvendo a internação involuntária11. Opsal A, Kristensen Ø, Larsen TK, Syversen G, Rudshaug BEA, Gerdner A, et al. Factors associated with involuntary admissions among patients with substance use disorders and comorbidity: A cross-sectional study. BMC Health Serv Res. 2013;13.57..

REFERÊNCIAS

  • 1
    Opsal A, Kristensen Ø, Larsen TK, Syversen G, Rudshaug BEA, Gerdner A, et al. Factors associated with involuntary admissions among patients with substance use disorders and comorbidity: A cross-sectional study. BMC Health Serv Res. 2013;13.57.
  • 2
    Raboch J, Kališová L, Nawka A, Kitzlerová E, Onchev G, Karastergiou A, et al. Use of Coercive Measures During Involuntary Hospitalization: Findings From Ten European Countries. Psychiatr Serv. 2010;61(10):1012-7.
  • 3
    Craw J, Compton MT. Characteristics associated with involuntary versus voluntary legal status at admission and discharge among psychiatric inpatients. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2006;41(12):981-8.
  • 4
    Laranjeira R, Madruga CS, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro SS, Madruga CS, et al. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) – 2012. São Paulo: Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (INPAD), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); 2014.
  • 5
    Zhang S, Mellsop G, Brink J, Wang X. Involuntary admission and treatment of patients with mental disorder. Neurosci Bull. 2015;31(1):99-112.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2018
  • Aceito
    07 Nov 2018
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Venceslau Brás, 71 Fundos, 22295-140 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel./Fax: (55 21) 3873-5510 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editora@ipub.ufrj.br