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Tomada de Decisão Apoiada: quando usar?

Supported Decision Making: when to use?

PREZADO EDITOR,

A psiquiatria vem se modernizando em conformidade com os avanços da medicina, das relações sociais e também das leis que influenciam a prática da psiquiatria clínica e forense11. Teixeira EH. Perícia em Direito Civil. In: Barros DM, Teixeira EH, orgs. Manual de Perícias Psiquiátricas. 1ᵃ ed. Porto Alegre: Artmed; 2015.. Com a criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência em 2015 (Lei n° 13.146/2015)22. Brazil D. Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei n° 13.146. [Internet]. 2015. Disponível em: https://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm
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, atualmente não é mais suficiente apenas concluir se um indivíduo é capaz ou incapaz de responder civilmente por seus atos, sendo necessário que a incapacidade constatada seja detalhada e delimitada de forma cuidadosa22. Brazil D. Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei n° 13.146. [Internet]. 2015. Disponível em: https://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm
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A Lei n° 13.146/2015 é estruturada para dar maior autonomia às pessoas com necessidades especiais e trata dos direitos e da acessibilidade das pessoas com impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. A lei promoveu mudanças nos artigos 3° e 4° do Código Civil e a criação do instituto da Tomada de Decisão Apoiada (TDA)33. Teixeira EH, Buchalla CM. New trends in assessment of mental disability in psychiatric reports – The use of International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). J Bras Psiquiatr. 2019;68(2):133-4.,44. Abdalla-Filho E. Psychiatric evaluation of civil capacity with the new Brazilian Statute of the Person with Disabilities. Rev Bras Psiquiatr. 2017;39(3):271-3..

A TDA, nos termos do atual Estatuto da Pessoa com Deficiência, surge como uma possibilidade alternativa à curatela, pois manteria a autonomia do indivíduo. Contudo, sua aplicabilidade ainda gera muita discussão em razão da falta de critérios objetivos e claros55. Rosenvald N. A curatela como a terceira margem do rio. RBDCivil. 2018;16:105-23.,66. Rachman S. Perícias em Direito Civil. In: Barros DM, Castellana GB, orgs. Psiquiatria Forense. 2ᵃ ed. Porto Alegre: Artmed; 2019. p. 48-56..

Sua utilização é mais clara para pessoas com alguma limitação física ou sensorial, mas que apresentem capacidade mental plena. Nesse caso, o quesito central da perícia psiquiátrica será identificar se o indivíduo é capaz de expressar sua vontade e de indicar duas pessoas de sua confiança para gerenciá-lo, lembrando que o ato volitivo depende de funções cognitivas que envolvem capacidade de avaliar, julgar, analisar e decidir.

Todavia, pode ser adotada também para condições exclusivamente psiquiátricas, mas que podem cursar com capacidade mental limítrofe, permanente ou intermitente, como acontece no transtorno bipolar, dependência química, entre outras, mas ainda não está claro o benefício desse novo instituto para esses casos.

Na condição de psiquiatras peritos da Secretaria Estadual de Saúde, Regional de Campinas/SP, levantamos todas as perícias desde o início da vigência do estatuto, de 1/2016 a 12/2019, nas quais indicamos a TDA, como descrito na tabela 1. De um número aproximado de 4.000 perícias na área civil (>95% de curatela), foram encontrados 68 casos com indicação da TDA. Todas essas perícias foram realizadas por um dos cinco autores desta Letter.

Tabela 1
Aspectos da perícia, segundo grupo diagnóstico, que tiveram indicação da Tomada de Decisão Apoiada (n = 68)

Pode-se observar que a prevalência foi de ação de curatela com predomínio dos quadros demenciais e transtornos orgânicos. Todos tinham a capacidade de expressão da vontade preservada, mas o exame do estado mental não estava normal em quase 75% dos casos. Foram identificadas diferenças nas tendências entre esses peritos, reforçando a necessidade de critérios mais claros para indicar a TDA. Alguns somente usaram a condição da TDA quando o exame mental estava normal, apesar de não ser essa uma condição que define a aplicação dessa nova condição.

Nesse sentido, questiona-se se a TDA é uma condição que deveria ser mais explorada pelos psiquiatras forenses e em que condição deve ser indicada. Pacientes com TAB não grave que no momento da perícia têm capacidades mental e de volição plenas seriam beneficiados com a TDA? O mesmo se aplicaria aos dependentes químicos em fase de manutenção ou esquizofrênicos estabilizados?

Apesar das dificuldades ainda presentes em definir para quais condições psiquiátricas a TDA pode ser utilizada, parece correto seguir a tendência proposta pelo estatuto, que é de preservar ao máximo a autonomia do indivíduo, a qual deverá ser determinada após uma perícia minuciosa da capacidade mental do periciando.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Teixeira EH. Perícia em Direito Civil. In: Barros DM, Teixeira EH, orgs. Manual de Perícias Psiquiátricas. 1ᵃ ed. Porto Alegre: Artmed; 2015.
  • 2
    Brazil D. Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei n° 13.146. [Internet]. 2015. Disponível em: https://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm
    » https://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm
  • 3
    Teixeira EH, Buchalla CM. New trends in assessment of mental disability in psychiatric reports – The use of International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). J Bras Psiquiatr. 2019;68(2):133-4.
  • 4
    Abdalla-Filho E. Psychiatric evaluation of civil capacity with the new Brazilian Statute of the Person with Disabilities. Rev Bras Psiquiatr. 2017;39(3):271-3.
  • 5
    Rosenvald N. A curatela como a terceira margem do rio. RBDCivil. 2018;16:105-23.
  • 6
    Rachman S. Perícias em Direito Civil. In: Barros DM, Castellana GB, orgs. Psiquiatria Forense. 2ᵃ ed. Porto Alegre: Artmed; 2019. p. 48-56.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2020
  • Aceito
    11 Out 2020
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