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Perfil epidemiológico e tendência temporal da mortalidade por suicício em adolescentes

Epidemiological profile and temporal trend of suicide mortality in adolescents

RESUMO

Objetivo

Descrever o perfil epidemiológico e analisar a tendência temporal da mortalidade por suicídio entre adolescentes (10-19 anos) do Nordeste brasileiro, no período de 2001 a 2015.

Métodos

Trata-se de estudo observacional, que teve como cenário a região Nordeste do Brasil. O período de estudo foi de 2001 a 2015. Consideraram-se as mortes por lesão autoprovocada intencionalmente (X60 a X84), intoxicação exógena de intenção indeterminada (Y10 a Y19) e sequela de lesões autoprovocadas intencionalmente (Y87.0), de acordo com a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), de adolescentes de 10 a 19 anos. As variáveis analisadas foram: sexo, faixa etária, raça/cor, CID específico, estado de residência e taxa de mortalidade por suicídio/100.000 habitantes.

Resultados

Foram registrados 3.194 óbitos em decorrência de suicídio na faixa etária estudada, com predomínio do sexo masculino (62,1%; n = 1.984), faixa etária de 15 a 19 anos (84,8%; n = 2.707), raça/cor parda (65,4%; n = 2.090); entre quatro e sete anos de escolaridade (31,7%; n = 1.011) e no CID X70 (47,8%; n = 1.528). A tendência temporal de mortalidade foi crescente de 2001 a 2015 (APC: 2,4%; p < 0,01), com maiores taxas no sexo masculino. Observou-se tendência crescente da taxa de suicídios, no sexo masculino, em todo o período (AAPC: 2,9%; p < 0,01). No sexo feminino, identificou-se tendência decrescente a partir de 2004 (APC: -2,2%; p < 0,01).

Conclusão

O perfil epidemiológico foi caracterizado pelo sexo masculino, faixa etária de 15-19 anos, cor/raça parda e escolaridade média. A tendência apresentou padrão de crescimento no sexo masculino e declínio no feminino. Recomenda-se que políticas públicas sejam voltadas para a população adolescente.

Mortalidade; suicídio; adolescente; saúde mental; epidemiologia

ABSTRACT

Objective

To describe the epidemiological profile and analyze the time trend of suicide mortality among adolescents (10-19 years old) from the Brazilian Northeast, from 2001 to 2015.

Methods

This is an observational study, which took place in the Northeast region, Brazil. The study period was from 2001 to 2015. Deaths from intentional self-harm (X60 to X84). exogenous poisoning of undetermined intent (Y10 to Y19) and intentional self-harm (Y87.0) were considered, according to the 10th Review of the International Classification of Diseases (ICD-10), for adolescents aged 10 to 19 years. The variables analyzed were: sex, age group, race / color, specific ICD, state of residence and suicide mortality rate/100,000 inhabitants.

Results

There were 3,194 deaths due to suicide in the age group studied, with a male predominance (62.1%; n = 1,984), age group 15 to 19 years (84.8%; n = 2,707), race/brown color (65.4%; n = 2,090); between 4 and 7 years of schooling (31.7%; n = 1,011) and at CID X70 (47.8%; n = 1,528). The time trend of mortality was increasing from 2001 to 2015 (APC: 2.4%; p < 0.01), with higher rates in males. There was an increasing trend in the suicide rate, among men, throughout the period (AAPC: 2.9%; p < 0.01). In women, a decreasing trend was identified as of 2004 (APC: -2.2%; p < 0.01).

Conclusion

The epidemiological profile was characterized by male gender, age group 15-19 years, color/brown race and average schooling. The trend showed a growth pattern in males and a decline in females. It is recommended that public policies are aimed at the adolescent population.

Mortality; suicide; adolescent; mental health; epidemiology

INTRODUÇÃO

O suicídio é definido como o ato de cessar a própria vida intencionalmente, o que o caracteriza como uma violência autoinfligida. Constitui importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo, refletindo um evento polissêmico com repercussões não apenas individuais, mas também coletivas11. Zalsman G, Hawton K, Wasserman D, Heeringen KV, Arensman E, Sarchiapone M, et al. Suicide prevention strategies revisited: 10-year systematic review. Lancet Psychiatry. 2016;3(7):646-59. . É descrito como o resultado de uma associação entre experiências traumáticas e de perdas, com fatores de risco psicológicos, culturais, sociais e genéticos22. Dantas AP, Azevedo UN, Nunes AD, Amador AE, Marques MV, Barbosa IE. Analysis of suicide mortality in Brazil: spatial distribution and socioeconomic context. Braz J Psychiatry. 2018;40:12-8. .

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma pessoa morre a cada 40 segundos por suicídio no mundo, e estima-se que para cada ato concretizado outras 20 tentativas estejam ocorrendo. Assim, cerca de 800 mil pessoas, por ano, tiram a própria vida, e um número ainda maior tenta realizá-lo33. World Health Organization. Suicide in the world: global health estimates [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 19]. 32 p. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/326948
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. No mundo, o suicídio aparece como a segunda principal causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos, ficando atrás apenas dos acidentes de trânsito. Nos próximos anos, a tendência é de que esses números cresçam, caso não sejam tomadas medidas preventivas eficazes44. Wanzinack C, Temoteo A, Oliveira AL. Mortalidade por suicídio entre adolescentes/jovens brasileiros: um estudo com dados secundários entre os anos de 2011 a 2015. Diver Rev Elet Interdisciplinar [Internet]. 2017[cited 2020 Apr 13];10(2):106-17. Available from: https://revistas.ufpr.br/diver/article/view/54974/34899
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Desde a década de 1960, no Brasil, os óbitos por causas externas estão superando os de causas infecciosas e parasitárias, caracterizando uma transição epidemiológica55. Marinho F, Passos VM, Barboza SE. Novo século, novos desafios: mudança no perfil da carga de doença no Brasil de 1990 a 2010. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(4):713-24. . Entre as causas externas, o suicídio ocupa o quarto lugar de prevalência no país, ficando atrás apenas dos homicídios, acidentes de transporte e outras causas acidentais66. Malta DC, Minayo MC, Soares AM Filho, Silva MM, Montenegro MM, Ladeira RM. Mortalidade e anos de vida perdidos por violências interpessoais e autoprovocadas no Brasil e Estados: análise das estimativas do Estudo Carga Global de Doença, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(Supl 1):142-56. . No período de 2011 a 2015, ocorreram 52.537 óbitos por lesões autoprovocadas intencionalmente, das quais 8.637 (16,44%) ocorreram na faixa etária de 15 a 24 anos77. Sistema de Informação sobre Mortalidade/Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (SIM/Datasus) [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2020 Jan 15]. Available from: http://datasus.saude.gov.br/
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. Esses números podem ainda ser maiores, visto que os óbitos se encontram difusos nos registros de acidentes, homicídios e outras causas de morte88. World Health Organization. Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2020 Dec 16]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/131056/9789241564779_eng.pdf;jsessionid=4AC3DD029AD1038F87AA51F04A0AFB2F?sequence=1
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No território brasileiro, as taxas e o perfil epidemiológico da mortalidade por suicídio podem divergir entre suas regiões, devido às características geográficas, de idade, gênero e origens étnicas diversas44. Wanzinack C, Temoteo A, Oliveira AL. Mortalidade por suicídio entre adolescentes/jovens brasileiros: um estudo com dados secundários entre os anos de 2011 a 2015. Diver Rev Elet Interdisciplinar [Internet]. 2017[cited 2020 Apr 13];10(2):106-17. Available from: https://revistas.ufpr.br/diver/article/view/54974/34899
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. Nos últimos anos, observou-se queda relativa nos números absolutos do suicídio no país, entretanto nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste as taxas vêm se elevando. Por essa razão, o assunto tem sido alvo de estudos que tentam compreender o impacto desse fenômeno entre os jovens e identificar formas para sua prevenção33. World Health Organization. Suicide in the world: global health estimates [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 19]. 32 p. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/326948
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A adolescência é considerada um período de transição entre a infância e a vida adulta99. Coutinho MP, Pinto AV, Cavalcanti JG, Araújo LS, Coutinho ML. Relação entre depressão e qualidade de vida de adolescentes no contexto escolar. Psic Saúde Doenças. 2016;17(3):338-51. . O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera como “criança” o indivíduo com até 12 anos de idade incompletos, definindo a “adolescência” como a faixa etária dos 12 aos 18 anos1010. Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Ministério da Justiça; 1990 [cited 2020 Jan 7]. Available from: http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
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. Já a OMS a define como sendo dos 10 aos 19 anos completos1111. World Health Organization. The global strategy for women’s, children’s and adolescent’s health (2016-2030) [Internet]. 2015 [cited 2020 may 16]. Available from: http://www.who.int/life-course/partners/global-strategy/ewec-globalstrategyreport-200915.pdf?ua=1
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. Independentemente das definições cronológicas, a adolescência tem sido compreendida como uma fase de transição que implica o distanciamento da infância e a busca de um estado adulto e autônomo, constituindo um marco importante na construção da personalidade e dos diferentes sistemas que integram o ser humano99. Coutinho MP, Pinto AV, Cavalcanti JG, Araújo LS, Coutinho ML. Relação entre depressão e qualidade de vida de adolescentes no contexto escolar. Psic Saúde Doenças. 2016;17(3):338-51. .

Além disso, a adolescência é também caracterizada pelo início de um amplo processo de desenvolvimento físico, mental, emocional, social e sexual e pelo empenho na busca pelos objetivos estabelecidos pelas expectativas socioculturais da comunidade em que o indivíduo vive1212. Florêncio CB, Silva SS, Ramos MF. Adolescent perceptions of stress and future expectations. Paidéia (Ribeirão Preto). 2017;27(66):60-8. . Devido à complexidade dessa fase, o nível de satisfação do indivíduo com a própria vida pode provocar alterações em sua capacidade de enfrentar situações de estresse, o que acarreta grandes riscos à sua saúde, podendo culminar na ideação e na tentativa de suicídio1313. Magnani RM, Staudt AC. Estilos parentais e suicídio na adolescência: uma reflexão acerca dos fatores de proteção. Pensando Fam. 2018;22(1):75-86. . Os principais fatores envolvidos no comportamento suicida nessa faixa etária estão relacionados a situações de violência, conflitos familiares e sociais, diferenças econômicas, uso de substâncias psicoativas, solidão e histórico familiar de comportamento suicida1414. Sousa CM, Mascarenhas MD, Gomes KR, Rodrigues MT, Miranda CE, Frota KM. Suicidal ideation and associated factors among high school adolescents. Rev Saúde Pública. 2020;54:33. .

Diante da relevância desse tema para a sociedade atual, bem como para o desenvolvimento de políticas públicas e estratégias de caráter preventivo e interventivo, este estudo tem por objetivo descrever o perfil epidemiológico e analisar a tendência temporal da mortalidade por suicídio entre adolescentes (10-19 anos) no Nordeste brasileiro, no período de 2001 a 2015.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo epidemiológico observacional envolvendo todos os óbitos em decorrência de suicídio em adolescentes (10 a 19 anos) no Nordeste do Brasil, no período de 2001 a 2015.

O cenário da pesquisa foi a região Nordeste do Brasil, composta por nove estados: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. O Nordeste possui extensão territorial de 1.554.291 km2 e 56,5 milhões de habitantes1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diretoria de pesquisas, coordenação de trabalho e rendimento. Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua 2012-2019 [Internet]. Brasil: IBGE; 2019 [cited 2020 Dec 12]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9127-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios.html?=&t=resultados
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. Entre as regiões brasileiras, sua população ocupa a segunda posição em número de crianças e adolescentes (20,6 milhões) e a primeira em números absolutos de crianças e adolescentes residentes em zona rural (6,2 milhões)1616. Fundação Abrinq. Cenário da Infância e Adolescência no Brasil [Internet]. 2020 [cited 2020 Dec 9]. 94p. Available from: https://www.fadc.org.br/sites/default/files/2020-03/cenario-brasil-2020-1aedicao.pdf?utm_source=noticia-cenario
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A população foi composta por todos os óbitos por suicídio em adolescentes (10-19 anos) residentes no Nordeste entre os anos de 2001 e 2015. Consideraram-se os seguintes critérios, conforme a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10): lesão autoprovocada intencionalmente (X60 a X84), intoxicação exógena de intenção indeterminada – envenenamento (Y10 a Y19) e sequela de lesões autoprovocadas intencionalmente (Y87.0). A inclusão dessas duas últimas categorias (Y10 a 19 e Y87.0) está em consonância com as recomendações do Ministério da Saúde brasileiro1717. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico 24. v. 50 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde. 2019 [cited 2020 dec 12]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/setembro/13/BE-suic--dio-24-final.pdf
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Foram avaliadas as seguintes variáveis:

  1. variáveis sociodemográficas (sexo, faixa etária, raça/cor, CID específico, estado de residência);

  2. um indicador epidemiológico (taxa de mortalidade de adolescentes por suicídio/100.000 habitantes).

Os dados referentes aos óbitos foram coletados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), a partir do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). As informações populacionais foram obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considerando o censo populacional de 2010 e as estimativas populacionais para os demais anos.

O SIM é um sistema de vigilância epidemiológica nacional que reúne dados qualitativos e quantitativos sobre os óbitos ocorridos no Brasil, com a finalidade de fornecer informações sobre o perfil de mortalidade. Com base nessas informações, é possível realizar análises estatísticas, epidemiológicas e sociodemográficas, proporcionando a construção dos principais indicadores de saúde1818. Morais RM, Costa AL. Uma avaliação do Sistema de Informações sobre Mortalidade. Saúde Debate. 2017;41(spe):101-17. . Dessa forma, as intervenções podem ser mais bem estruturadas e direcionadas.

Após a coleta e a elaboração do banco de dados, foi realizado o tratamento estatístico. Inicialmente, foi realizada a análise descritiva das variáveis (frequência absoluta e relativa). Para a análise temporal, foi adotado o modelo de regressão por pontos de inflexão ( joinpoint regression model ). Esse modelo investiga se uma linha com múltiplos segmentos é estatisticamente melhor para descrever a evolução temporal de um conjunto de dados em detrimento de uma linha reta ou com menos segmentos1919. Kim HJ, Fay MP, Midthune DN. Permutation tests for joinpoint regression with applications to cancer rates. Stat Med. 2000;19(3):335-51. . Dessa forma, o modelo permite constatar a tendência do indicador (se estacionária, crescente ou decrescente) e os pontos em que há alteração dessa tendência ( joins ), possibilitando a identificação da variação percentual anual (APC – annual percent change ) e a do período completo (variação percentual anual média; AAPC – average annual percent change ). Para cada tendência detectada, foram considerados intervalo de confiança (IC) de 95% e nível de significância de 5%. As análises foram realizadas no Joinpoint Regression Program , versão 4.5.0.1 ( National Cancer Institute , Bethesda, MD, EUA).

Por utilizar dados secundários de domínio público, nos quais não é possível a identificação de nenhum sujeito, este estudo dispensou a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme preconizado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

RESULTADOS

No período estudado, foram registrados 3.194 óbitos em decorrência de suicídio na faixa etária de 10 a 19 anos, no Nordeste brasileiro, com predomínio do sexo masculino (62,1%; n = 1.984). Destacou-se a faixa de 15 a 19 anos (84,8%; n = 2.707), tanto no sexo masculino (86,6%; n = 1.719) quanto no feminino (81,7%; n = 988). A cor/raça com maior número de suicídios foi a parda (65,4%; n = 2.090). Quanto ao grau de escolaridade, a maioria dos indivíduos (31,7%; n = 1.011) tinha entre quatro e sete anos de estudo. Ressalta-se o elevado número de campos ignorados nessas duas variáveis (12,6% na variável raça/cor e 29,6% na variável escolaridade) ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica dos óbitos de adolescentes em decorrência de suicídio no Nordeste do Brasil, 2001-2015 (n = 3.194)

Em relação à categoria CID-10, a causa X70 (Lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, estrangulamento ou sufocamento) apresentou o maior percentual (47,8%; n = 1.528) dos óbitos, em ambos os sexos. No sexo masculino, a segunda principal causa foi a X74 (Lesão autoprovocada intencionalmente por disparo de arma de fogo não especificada) (8,2%; n = 163). Já no sexo feminino, destacou-se o CID X68 (Autointoxicação por exposição, intencional, a pesticidas) (24,9%; n = 302) ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Distribuição de óbitos dos óbitos de adolescentes em decorrência de suicídio, segundo categoria do CID-10, no Nordeste do Brasil, 2001-2015 (n = 3.194)

A análise de série temporal na faixa etária de 10 a 19 anos, em ambos os sexos, mostrou tendência crescente na mortalidade (APC: 2,4%; p < 0,01), cuja taxa passou de 1,6 para 2,4/100.000. No sexo masculino, a taxa de mortalidade apresentou tendência crescente linear (AAPC: 2,9%; p < 0,01), passando de 2,0 para 3,1/100.000. No sexo feminino, apresentou tendência estacionária no período completo (AAPC: 1,2%; p = 0,5) ( Figura 1 ).

Figura 1
Tendência temporal da mortalidade de adolescentes em decorrência de suicídio no Nordeste do Brasil, 2001-2015.

Na faixa etária de 10 a 14 anos, em ambos os sexos, observou-se tendência linear de crescimento no período (AAPC: 1,8%; p < 0,01), passando de 0,5 para 0,6/100.000. Esse mesmo comportamento linear foi observado no sexo masculino (AAPC: 3,0%; p < 0,01), passando de 0,55 para 0,6/100.000. Já no sexo feminino, apresentou tendência estacionária no período completo (AAPC: 0,7%; p = 0,7), passando de 0,4 para 0,5/100.000. Entretanto, nesse grupo, foi registrada uma inflexão em 2007, com crescimento no período de 2001-2007 (APC: 9,8%; p < 0,01) e tendência de declínio a partir de 2007 (APC: -5,7%; p < 0,01) ( Figura 1 ).

Na faixa etária de 15 a 19 anos, considerando ambos os sexos, foram observadas três tendências: crescimento no período 2001-2007 (APC: 5,7%; p < 0,01), estabilização no período entre 2007-2010 (APC -3,4; p = 0,5) e nova tendência de crescimento a partir de 2010 (APC: 3,5%; p < 0,01). Ao considerar a série temporal completa, a tendência foi de crescimento (AAPC: 2,6%; p < 0,01), passando de 2,8 para 4,0/100.000. No sexo masculino, a tendência observada foi de crescimento linear (AAPC: 3,0%; p < 0,01), passando de 3,6 para 5,5/100.000; e no sexo feminino, o padrão temporal foi estacionário (AAPC: 1,9%; p = 0,5) ( Figura 1 ).

Na faixa etária de 10 a 19 anos, considerando ambos os sexos, quatro estados apresentaram tendência de crescimento: Maranhão, Ceará, Paraíba e Bahia. Destaca-se a Paraíba como o estado de maior crescimento percentual (APC: 8,1%; p < 0,001), cuja taxa passou de 0,64 para 3,67/100.000. Somente Pernambuco apresentou tendência decrescente a partir de 2007 (-7,0%; p < 0,001). No sexo masculino, cinco estados apresentaram tendência crescente (Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba e Bahia), destacando-se a Paraíba com o maior crescimento (APC: 8,0%; p < 0,001), passando de 1,01 para 4,95/100.000. No sexo feminino, nenhum estado apresentou tendência crescente, e dois deles apresentaram tendência decrescente (Rio Grande do Norte e Bahia). Destaca-se o Rio Grande do Norte com o maior declínio percentual (APC: -8,8%; p < 0,001), cuja taxa decresceu de 1,93 para 0,68/100.000 ao longo da série temporal ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Regressão por pontos de inflexão da mortalidade de adolescentes (10-19 anos) em decorrência de suicídio segundo o estado de residência – Nordeste, Brasil, 2001-2015

Considerando ambos os sexos, na faixa etária de 10 a 14 anos, todos os estados apresentaram tendência estacionária na análise do período total (2001-2015). Contudo, o Maranhão, a partir de 2007, apresentou tendência de crescimento da mortalidade (24,9%; p < 0,001). No sexo masculino, o estado do Ceará apresentou tendência crescente (APC: 4,3; p < 0,001), passando de 0,45 para 1,69/100.000, e Sergipe apresentou tendência decrescente (APC: -27,1; p < 0,001), passando de 0,96 para 0,01/100.000. Já no sexo feminino, o estado de Pernambuco apresentou mais de uma tendência, sendo decrescente no período de 2006-2015 (APC: -13,3; p < 0,001). Todos os demais estados apresentaram comportamento temporal estacionário ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Regressão por pontos de inflexão da mortalidade de adolescentes (10-14 anos) em decorrência de suicídio segundo o estado de residência – Nordeste, Brasil, 2001-2015

Na faixa etária de 15 a 19 anos, cinco estados apresentaram tendência de crescimento (Maranhão, Ceará, Paraíba, Sergipe e Bahia), destacando-se o estado da Paraíba com o maior crescimento percentual anual (APC: 7,9%; p < 0,001), passando de 1,27 para 7,31/100.000. Pernambuco apresentou três tendências, sendo decrescente a partir de 2007 (APC: -5,9%: p < 0,001). No sexo masculino, quatro estados apresentaram tendência crescente (Maranhão, Piauí, Paraíba e Bahia), destacando-se a Paraíba com a maior variação de percentual (APC: 6,8%: p < 0,001), passando de 2,01 para 10,33/100.000. No sexo feminino, três estados apresentaram tendência decrescente (Rio Grande do Norte, Alagoas e Bahia), destacando-se o Rio Grande do Norte com a maior variação (APC: -18,8%; p < 0,001), passando de 3,85 para 1,37/100.000. Destaca-se ainda que o estado de Pernambuco apresentou tendência de declínio a partir de 2006 (-9,4%; p < 0,001) e o Ceará apresentou tendência de crescimento a partir de 2007 (7,5%; p < 0,001) ( Tabela 5 ).

Tabela 5
Regressão por pontos de inflexão da mortalidade de adolescentes (15-19 anos) em decorrência de suicídio segundo o estado de residência – Nordeste, Brasil, 2001-2015

DISCUSSÃO

O suicídio caracteriza-se como fenômeno multicausal e que diz respeito a um processo que não pode ser reduzido a uma ocorrência específica. Entender suas razões e características exige que seja considerada a trajetória de vida do sujeito, seus processos psicossociais, bem como os aspectos ligados ao contexto histórico, cultural e econômico2020. Figueiredo AE. Suicida: avaliação e manejo. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(11):3633-4. .

Na análise dos fatores relacionados ao suicídio, uma importante ação é a identificação dos transtornos mentais, com maior associação aos episódios de suicídio, como os transtornos de humor, sobretudo depressão; os transtornos decorrentes do uso abusivo de substâncias psicoativas, consumo abusivo de álcool; transtornos de personalidade, quadros de esquizofrenia e diversos transtornos de ansiedade2121. Associação Brasileira de Psiquiatria. Suicídio: informando para prevenir. Brasília: Conselho Federal de Medicina [Internet]; 2014. [cited 2021 Feb 7]. 52p. Available from: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwi-5fSX59juAhV2JbkGHcPeD1kQFjACegQIAhAC&url=https%3A%2F%2Fww3.icb.usp.br%2Fwp-content%2Fuploads%2F2019%2F08%2FSuicidio-Informando-para-prevenir.pdf&usg=AOvVaw1c10JPQWUKdT5Ntx3KVTqY
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. Além desses aspectos, devem-se considerar os fatores de natureza psicológica, tais como aqueles relacionados ao processo de luto, os conflitos intrafamiliares, datas pretéritas marcantes, personalidade impulsiva, agressividade excessiva e humor lábil88. World Health Organization. Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2020 Dec 16]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/131056/9789241564779_eng.pdf;jsessionid=4AC3DD029AD1038F87AA51F04A0AFB2F?sequence=1
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. Sofrimentos e angústias que fomentam a ideação suicida podem alcançar alto grau de intensidade e resultar na prática do ato.

No ensejo desse fenômeno, também se faz necessária uma especial atenção à posvenção ao suicídio, visto que os óbitos por suicídio são apenas a ponta do iceberg . Estima-se que, para cada suicídio, 100 pessoas são afetadas, incluindo amigos, familiares e conhecidos, os chamados “ sobreviventes2222. Kreuz G, Antoniassi RP. Grupo de apoio para sobreviventes do suicídio. Psicol Estud. 2020;25:e42427. . Essas pessoas comumente convivem com a necessidade de atribuir sentido a tal ato e de justificar o sentido de sua vida. O impacto de viver esse luto é tão significativo que, por exemplo, um indivíduo que se relacionou com alguém que cometeu o ato é um dos principais indicadores de risco futuro de suicídio2323. Rocha PG, Lima DM. Suicídio: peculiaridades do luto das famílias sobreviventes e a atuação do psicólogo. Psicol Clin [Internet]. 2019[cited 2020 Dec 7];31(2):323-44. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pc/v31n2/07.pdf
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. Destaca-se, então, o profundo impacto emocional, social e econômico causado por esse tipo de violência.

O suicídio na adolescência vem se tornando um assunto cada vez mais preocupante devido ao crescimento nos números de tentativas concretas e de não efetivas. Estima-se que 60% dos suicídios ocorreram na primeira tentativa e que 80% das tentativas não concretizadas serão efetivas em até um ano, caso não haja acompanhamento psicológico ou medidas de prevenção instituídas2424. Bostwick JM, Pabbati C, Gesk JR, Mackean AJ. Suicide attempt as a risk factor for completed suicide: Even more lethal than we knew. Am J Psychiatry. 2016;173(11):1094-100. . Assim, tentativas anteriores representam importante fator de risco para um ato concreto de suicídio.

Neste estudo, o perfil geral predominante dos casos de suicídio foi de indivíduos do sexo masculino, com idade entre 15 e 19 anos, com a cor/raça parda e escolaridade média. Com relação ao método mais utilizado pelos adolescentes, observou-se o predomínio de lesões autoprovocadas intencionalmente por enforcamento, estrangulamento ou sufocamento. A tendência da mortalidade por suicídio em adolescentes apresentou padrão de crescimento na região Nordeste, no período de 2001 a 2015, embora com comportamentos diferentes entre os sexos. Desigualdades espaciais nas tendências também foram observadas entre os estados da região.

Corroborando esses achados, a população adolescente masculina comumente apresenta maior percentual de mortes por suicídio do que a feminina, sendo a proporção da mortalidade de 2,06 homens para 1 mulher2525. Cicogna JI, Hillesheim D, Hallal AL. Mortalidade por suicídio de adolescentes no Brasil: tendência temporal de crescimento entre 2000 e 2015. J Bras Psiquiatr. 2019;68(1):1-7. . Apesar de as mulheres serem mais propensas a tentar cometer o ato, os homens acabam tendo êxito mais frequentemente, devido ao maior acesso a recursos mais agressivos, como as armas de fogo. Além disso, o desempenho da masculinidade, o que inclui a competitividade, a impulsividade e a violência, pode ser um comportamento que predispõe a uma autoagressão mais violenta2626. D’Eça Júnior A, Rodrigues LS, Meneses Filho EP, Costa LD, Rêgo AS, Costa LC, et al. Mortalidade por suicídio na população brasileira, 1996-2015: qual é a tendência predominante? Cad Saúde Coletiva. 2019; 27(1):20-4. .

Em investigação nacional envolvendo as tentativas de suicídio no Brasil, de 1998 a 2014, foi constatado que os homens representavam 88,6% das tentativas utilizando armas de fogo e também 81,8% das tentativas com objetos contundentes2727. Martins Junior DF, Felzemburgh RM, Dias AB, Caribé AC, Bezerra-Filho S, Miranda-Scippa A. Suicide attempts in Brazil, 1998-2014: an ecological study. BMC Public Health. 2016;16:990. . Esses dados estão em consonância com o cenário global do problema. Nos Estados Unidos, 61% dos suicídios masculinos são por armas de fogo2828. Bachmann S. Epidemiology of Suicide and the Psychiatric Perspective. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(7):1425. . Outro estudo especificou os principais métodos utilizados por adolescentes. Com dados de 101 países, verificou-se que o enforcamento é o método mais prevalente em ambos os sexos, as armas de fogo ocupam o segundo lugar no sexo masculino, e o envenenamento por pesticidas ocupa o segundo lugar no sexo feminino2929. Kõlves K, De Leo D. Suicide methods in children and adolescents. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2017;26:155-64. . No Brasil, o enfraquecimento da regulação de armas de fogo e de agrotóxicos pode resultar em agravamento da situação nos próximos anos. Nesse sentido, restringir o acesso aos meios mais comuns para a prática do suicídio é um passo importante na prevenção desses eventos.

Esse perfil de causas do suicídio também tem sido observado em outras faixas etárias. Considerando-se as notificações de violência autoinfringida e mortes em decorrência suicídio em jovens na faixa etária 15-29 anos, no período 2011-2018, o enforcamento foi o mecanismo mais adotado pelos indivíduos na prática do ato de suicídio, com destaque para a população masculina (70,3%), em comparação com a feminina (53,8%). Em segundo lugar estão as intoxicações exógenas, duas vezes mais frequentes nas mulheres (28,0%) do que nos homens (11,9%). Por fim, a proporção de homens que utilizaram arma de fogo foi quase duas vezes maior do que a proporção de mulheres (8,7% e 4,6%, respectivamente)1717. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico 24. v. 50 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde. 2019 [cited 2020 dec 12]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/setembro/13/BE-suic--dio-24-final.pdf
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Em relação às mulheres, em comunidades conservadoras, o início precoce da vida sexual, abortos, violência doméstica, gravidez indesejada, abuso sexual, exercício da prostituição, exploração sexual e problemas com a imagem corporal constituem sérios riscos para a autoagressão nas adolescentes3030. Meneghel SN, Moura R, Hesler LZ, Gutierrez DM. Tentativa de suicídio em mulheres idosas – uma perspectiva de gênero. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(6):1721-30. . Apesar de ficarem atrás dos homens nos números concretos de óbitos por suicídio, elas os superam em número de tentativas. No período de 2011 a 2018, 67,3% das violências autoprovocadas no Brasil, registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), foram cometidas por mulheres1717. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico 24. v. 50 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde. 2019 [cited 2020 dec 12]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/setembro/13/BE-suic--dio-24-final.pdf
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. Apesar disso, em comparação aos homens, elas apresentam um número maior de fatores de proteção, a exemplo da autoidentificação precoce dos fatores de risco e da rápida procura por assistência psicoemocional, o que pode ser determinante no menor número de tentativas efetivas, em comparação com o sexo masculino2626. D’Eça Júnior A, Rodrigues LS, Meneses Filho EP, Costa LD, Rêgo AS, Costa LC, et al. Mortalidade por suicídio na população brasileira, 1996-2015: qual é a tendência predominante? Cad Saúde Coletiva. 2019; 27(1):20-4. .

A análise de faixas etárias deste estudo identificou maiores taxas de mortalidade por suicídio em adolescentes entre 15 e 19 anos, o que também foi constatado em outra pesquisa desenvolvida com dados de 29 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na qual a taxa de suicídio masculino na faixa etária de 15 a 19 anos foi 8,85 vezes maior do que no grupo mais jovem (10-14 anos) e no sexo feminino foi 5,39 vezes maior3131. Roh BR, Jung EH, Hong HJ. A comparative study of suicide rates among 10-19-year-olds in 29 OECD countries. Psychiatry Investig. 2018;15(4):376-83. . Uma possível explicação é que esse grupo de adolescentes pode sofrer mais com estresse relacionado ao futuro profissional, vivenciar eventos negativos na vida particular, nas relações familiares e no grupo social no qual está inserido, bem como o excesso no uso de substâncias psicoativas. Porém, o aumento da mortalidade na faixa de 10 a 14 anos revela uma exposição cada vez mais precoce a esses fatores de risco3232. Fernandes FY, Freitas BH, Marcon SR, Arruda VL, Lima NV, Bortolini J, et al. Tendência de suicídio em adolescentes brasileiros entre 1997 e 2016. Epidemiol Serv Saúde. 2020; 29(4):e2020117. .

Em relação à cor/raça, neste estudo, a grande maioria dos óbitos constam como pardos, o que corresponde aos resultados encontrados em outras pesquisas que mostram a associação da raça à saúde mental, sendo a população negra a mais tendenciosa a esses transtornos, o que se evidencia pelo suicídio estar situado entre as três principais causas de morte da população parda em 20163333. Matos CC, Tourinho FS. Saúde da população negra: como nascem, vivem e morrem os indivíduos pretos e pardos em Florianópolis (SC). Rev Bras Med Fam Comunidade. 2018[cited 2021 Feb 14];13(40):1-13. Available from: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1706/914
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. Merece destaque o grande número de ignorados nessa variável, que evidencia a falta de atenção no preenchimento da declaração de óbito por parte dos profissionais de saúde, algo totalmente evitável com a implantação de medidas de conscientização e orientação.

Estatísticas mundiais demonstram o crescimento da tendência de suicídio entre os jovens, causando grande debate a respeito dos motivos e fatores envolvidos. Um dos fatores mais debatidos é a exposição a comportamentos suicidas (ESB – exposure to suicidal behavior ), que leva ao chamado “contágio suicida”3434. Yildiz M, Orak U, Walker MH, Solakoglu O. Suicide contagion, gender, and suicide attempts among adolescents. Death Stud. 2019;43(6):365-71. . Estudos recentes sugerem que quanto maior a exposição de um indivíduo a comportamentos suicidas, como planos, tentativas e conclusões, mais aceitável e factível esse comportamento se torna3535. Mueller A, Abrutyn S. Suicidal Disclosures among Friends: Using Social Network Data to Understand Suicide Contagion. J Health Soc Behav. 2015;56(1):131-48. . Sendo essa exposição muito comum, principalmente entre os jovens e adolescentes com acesso aberto às mídias sociais, e sendo esses indivíduos muito suscetíveis às influências externas, por estarem ainda no processo de construção da sua autoimagem e visão de mundo, pode-se ter uma relação clara de causa-efeito3434. Yildiz M, Orak U, Walker MH, Solakoglu O. Suicide contagion, gender, and suicide attempts among adolescents. Death Stud. 2019;43(6):365-71. .

Uma pesquisa realizada com adolescentes de idades entre 10 e 14 anos, em 81 países, de 1990 a 2009, verificou um padrão decrescente na tendência de mortalidade por suicídio no sexo masculino em todos os continentes, com exceção da América do Sul, na qual a tendência foi crescente3636. Kõlves K, De Leo D. Suicide rates in children aged 10-14 years worldwide: changes in the past two decades. B J Psych. 2014;205(4):283-5. . Em outra pesquisa realizada no Brasil de 2000 a 2015, na faixa etária de 10 a 19 anos, observou-se tendência crescente na mortalidade por suicídio no país, mais especificamente nas regiões Norte e Nordeste. Observou-se também tendência de crescimento entre os adolescentes do sexo masculino e flutuação nos valores do sexo feminino. No Nordeste, esse mesmo estudo verificou aumento maior na população masculina do que na feminina2525. Cicogna JI, Hillesheim D, Hallal AL. Mortalidade por suicídio de adolescentes no Brasil: tendência temporal de crescimento entre 2000 e 2015. J Bras Psiquiatr. 2019;68(1):1-7. . Esses estudos corroboram os nossos achados.

Com o aumento geral de comportamentos suicidas entre jovens e adolescentes, intervenções efetivas são necessárias. Como já exposto, o conhecimento dos variados fatores de risco é essencial para a elaboração de intervenções eficazes3737. Brás M, Jesus S, Carmo C. Fatores psicológicos de risco e protetores associados à ideação Suicida em Adolescentes. Psicol Saúde Doenças [Internet]. 2016 [cited 2020 Dec 9];17(2):132-49. Available from: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-00862016000200003&lng=pt
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. Os indivíduos com histórico de tentativa de suicídio devem ser acompanhados com especial zelo, tendo em vista o maior risco de novas tentativas. A tentativa de suicídio é a representação um processo de grave crise, que se desenvolve ao longo de anos e é resultado das múltiplas experiências vivenciadas. Portanto, identificar situações de risco e intervir de modo rápido e adequado implica considerar o indivíduo no seu contexto social e possuidor de uma história singular1717. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico 24. v. 50 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde. 2019 [cited 2020 dec 12]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/setembro/13/BE-suic--dio-24-final.pdf
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Mesmo considerando os cuidados metodológicos, este estudo possui limitações. Uma delas é a utilização de dados secundários, com influência do sub-registro de óbitos, uma vez que o SIM apresenta significativa variação na cobertura entre os estados do país. Outra limitação refere-se ao elevado número de campos ignorados nas variáveis raça/cor e escolaridade, o que compromete o entendimento desses fatores na ocorrência de suicídio.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o perfil epidemiológico da mortalidade por suicídio em adolescentes do Nordeste brasileiro foi caracterizado pelo predomínio de indivíduos do sexo masculino, na faixa etária de 15 a 19 anos de idade, com cor/raça parda e escolaridade média. O CID X70 (lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, estrangulamento ou sufocamento) foi o método mais frequentemente utilizado pelos adolescentes de ambos os sexos para tirar a própria vida.

A análise geral da tendência da taxa de mortalidade apresentou padrão de crescimento em ambos os sexos. Na análise estratificada, o sexo masculino apresentou tendência linear de crescimento e o sexo feminino apresentou tendência de declínio a partir de 2004. Na análise por estados, destaca-se o da Paraíba, que apresentou as maiores variações percentuais de crescimento nas faixas etárias de 10 a 19 e de 15 a 19 anos.

Os resultados aqui apresentados demonstram a importância da temática no âmbito da saúde dos brasileiros e das brasileiras e permite uma adequada compreensão do fenômeno na população infantojuvenil da região Nordeste do Brasil. O conhecimento resultante deste estudo pode ser utilizado para a elaboração de planos e/ou políticas públicas específicos para essa população. A adoção de medidas preventivas é, ao mesmo tempo, necessária e urgente.

AGRADECIMENTOS

Não se aplica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2021
  • Aceito
    6 Jun 2021
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