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Valvoplastia mitral percutânea de urgência em gestante

Emergency percutaneous balloon mitral valvoplasty in a pregnant woman

Resumos

Gestante com 33 anos na 28ª semana e sinais de óbito fetal foi admitida em caráter de urgência com quadro de edema pulmonar agudo secundário à estenose mitral grave. Com o insucesso do tratamento medicamentoso intensivo, a paciente foi submetida à valvoplastia mitral percutânea de emergência com melhora imediata. O agravamento subseqüente do quadro, atribuído ao óbito fetal, foi tratado através parto cesáreo com melhora clínica considerável. A paciente teve alta hospitalar no 10º dia, e 11 meses após o procedimento, encontra-se em classe funcional I, sem uso de medicação e com sinais ecocardiográficos de estenose mitral leve (área valvar: 2,0 cm²).


We report the case of a 33-year-old woman in the 28th week of pregnancy and with signs of fetal death, admitted to hospital in an emergency due to pulmonary edema secondary to severe mitral valve stenosis. Intensive medical treatment was unsuccessful and the patient was submitted to an emergency percutaneous balloon mitral valvoplasty with prompt clinical improvement. Subsequent clinical deterioration secondary to fetal death was managed by cesarean section resulting in clinical estabilization. The patient was discharged 10 days after admission and at 11 months after the procedure she had mild symptons without drug therapy and echocardiographic signs of mild residual mitral stenosis (mitral valve area: 2,0cm²).


Relato de Caso

Valvoplastia Mitral Percutânea de Urgência em Gestante

Luiz A. Gubolino, Fernando Amaral, Antoninha M. L. de A. Bragalha, Ronaldo Moschini, Luis Henrique F. Silva, Amir M. Kalafe

Piracicaba, SP

Gestante com 33 anos na 28ª semana e sinais de óbito fetal foi admitida em caráter de urgência com quadro de edema pulmonar agudo secundário à estenose mitral grave. Com o insucesso do tratamento medicamentoso intensivo, a paciente foi submetida à valvoplastia mitral percutânea de emergência com melhora imediata. O agravamento subseqüente do quadro, atribuído ao óbito fetal, foi tratado através parto cesáreo com melhora clínica considerável. A paciente teve alta hospitalar no 10º dia, e 11 meses após o procedimento, encontra-se em classe funcional I, sem uso de medicação e com sinais ecocardiográficos de estenose mitral leve (área valvar: 2,0 cm2).

Emergency Percutaneous Balloon Mitral Valvoplasty in a Pregnant Woman

We report the case of a 33-year-old woman in the 28th week of pregnancy and with signs of fetal death, admitted to hospital in an emergency due to pulmonary edema secondary to severe mitral valve stenosis. Intensive medical treatment was unsuccessful and the patient was submitted to an emergency percutaneous balloon mitral valvoplasty with prompt clinical improvement. Subsequent clinical deterioration secondary to fetal death was managed by cesarean section resulting in clinical estabilization. The patient was discharged 10 days after admission and at 11 months after the procedure she had mild symptons without drug therapy and echocardiographic signs of mild residual mitral stenosis (mitral valve area: 2,0cm2).

Desde o relato inicial, em 1984, por Inoue 1, a valvoplastia mitral percutânea tem sido amplamente utilizada, constituindo-se opção inicial de tratamento da estenose mitral. Seu emprego eletivo em gestantes encontra-se bem documentado, apesar do número limitado de publicações 2,3. Relatamos o caso de uma gestante com quadro de edema pulmonar agudo e insuficiência respiratória, submetida à valvoplastia mitral percutânea em caráter de urgência após insucesso da terapêutica clínica.

Relato do caso

Primípara de 33 anos, idade gestacional provável de 28 semanas, foi admitida com quadro de dispnéia intensa em repouso, ortopnéia e sudorese, iniciado há cinco dias com piora acentuada nas últimas 24h. Ao exame físico observaram-se taquipnéia, palidez, sudorese fria e cianose periférica. A freqüência respiratória era de 32/min, pressão arterial 90/60mmHg e havia estase venosa jugular a 45º. Na ausculta cardíaca, o ritmo era irregular com freqüência aproximada de 130bpm e sopro sistólico mitral de difícil caracterização. Na ausculta pulmonar, havia diminuição do murmúrio vesicular e estertores crepitantes bilaterais. O eletrocardiograma (ECG) mostrava fibrilação atrial de alta freqüência e a radiografia simples do tórax, cardiomegalia com sinais de dilatação atrial esquerda e intensa congestão pulmonar (fig 1). O ecodopplercardiograma (ECO) de urgência detectou estenose severa da valva mitral com área valvar de 0,9cm2, gradiente átrio esquerdo-ventrículo esquerdo (AE-VE) 33mm/Hg, pressão sistólica da artéria pulmonar 76mm/Hg, insuficiência mitral leve e fração de ejeção 0,65. A gasometria arterial mostrou pO2 44,5 e saturação de O2 81,6%. Ao exame ginecológico, o útero gravídico era compatível com 28ª semana, bolsa íntegra, colo uterino espesso e pérvio com 1cm de dilatação e suspeita de óbito fetal, baseado na dinâmica uterina de fraca intensidade, movimentação fetal ausente e ausência de batimento cardiofetal. A paciente foi tratada intensivamente com lanatosídeo associado a altas doses de furosemida e, devido a resposta clínica insatisfatória, optou-se pela valvoplastia mitral sob anestesia e entubação orotraqueal, pois a paciente não suportava o decúbito dorsal. Através punção femoral arterial e venosa obteve-se pressão em mm/Hg de capilar pulmonar (45), artéria pulmonar (95/40/65), AE (37), VE (100/0/5) e gradiente AE-pd2 VE (32). O septo interatrial foi puncionado com agulha de Brockenbrough revestida pela bainha de Mullins, sendo posicionado o balão de Inoue nº 28, realizando-se três insuflações sobre a valva mitral com diâmetros de 24, 26 e 27mm. Após o procedimento, foram obtidas pressão em mm/Hg de capilar pulmonar (10), artéria pulmonar (50/10/33), AE (6), VE (100/0/4) e AE-pd2 VE (2). O ECO mostrou área valvar de 2,0cm2 e gradiente AE-VE de 14mm/Hg com insuficiência mitral mínima. Nas 12h iniciais a paciente foi mantida em respirador artificial sob monitorização contínua da pressão arterial média, débito urinário, saturação de O2, pressão venosa central, controle hidroeletrolítico e função renal, havendo piora hemodinâmica com queda da pressão arterial, diminuição da diurese e aumento do CO2 plasmático. Exame ultra-sonográfico mostrou óbito fetal há aproximadamente 24-48h, sendo então realizado parto cesáreo após insucesso do parto via normal. Através incisão infra-umbilical retirou-se feto único, masculino, com sinais de óbito recente. Houve melhora clínica considerável da paciente, sendo gradativamente liberada da medicação de suporte. Teve alta da UTI no 4º dia pós-valvoplastia e alta hospitalar 10 dias após admissão, em ritmo sinusal e com melhora acentuada da congestão pulmonar (fig. 2). Atualmente, 11 meses após o procedimento, a paciente encontra-se em classe funcional I, sem medicação, com ritmo sinusal no ECG e sinais de estenose residual leve da valva mitral (área valvar: 2,0cm2) no ECO.



Discussão

Seqüelas da febre reumática, representadas com maior freqüência pela estenose da valva mitral, constituem ainda um grande problema socioeconômico nos chamados países em desenvolvimento. Particularmente nos casos de valva mitral gravemente estenótica, o cateterismo terapêutico, promovendo dilatação valvar com aumento significativo de sua área, é considerado no momento a opção de escolha para a maioria desses pacientes. Descrito há apenas 13 anos 1, este método costuma ser eficaz na maioria dos casos e seu uso encontra-se bastante difundido. Situação peculiar é aquela encontrada na gestante portadora de estenose mitral: a adaptação cardiovascular nessa fase é prejudicada fundamentalmente pelo aumento da freqüência cardíaca e encurtamento do tempo de enchimento diastólico, além do aumento do volume sangüíneo e do débito cardíaco. Conseqüentemente, há aumento na pressão atrial esquerda com graus variáveis de dispnéia, colocando em risco mãe e feto. A experiência com valvoplastia mitral na gravidez é limitada, particularmente no nosso meio, e também quando comparada à experiência em pacientes não grávidas. Trabalhos relevantes relatam intervenção em pacientes com grau funcional 3-4, documentando a efetividade do método 2,3. Velasco e col 4, num estudo multicêntrico de 689 pacientes, relataram somente 10 casos de valvoplastia mitral durante a gestação, todos bem sucedidos. Baseados nessas informações e outras já relatadas, nota-se que a maioria desses procedimentos foram realizados em pacientes sintomáticas, porém de forma eletiva. Nosso caso é interessante, particularmente por dois aspectos: 1º) houve necessidade de intervenção em caráter de urgência em paciente com sinais clínicos e laboratoriais de extrema gravidade; 2º) presença de feto morto retido como fator complicante pós-valvoplastia. Na nossa literatura indexada, há somente um relato de valvoplastia mitral na gravidez 5, apesar de dois outros trabalhos clássicos autores nacionais 2,3. Um aspecto que chama a atenção no nosso caso foi a gravidade do quadro clínico, aferida através alterações hematológicas importantes (pO2: 44,5 e sat O2 arterial: 81,6%). Esta situação não parece ser muito freqüente, apesar da experiência de outros autores com pacientes igualmente graves 2,3.

Concluindo, este relato reafirma um aspecto relevante que é a potencialidade de complicação da estenose mitral durante a gravidez, com provável ineficácia do tratamento clínico, conforme já demonstrado 6. Além disso, fica demonstrado a possibilidade de tratamento bem sucedido em caráter de urgência, o que pode, idealmente, ser evitado através medidas profiláticas pré-natais básicas.

Agradecimentos

À Dra Fátima Boni e Dr Nicolau A. Merino pela realização dos ecocardiogramas. Ao Dr. Luiz A. P. Viotti chefe do Depto. cirúrgia cardíaca.

Instituto de do Coração do Hospital dos Fornecedores de Cana de Piracicaba

Correspondência: Luiz A Gubolino - Depto de Hemodinâmica - Incor - Hospital dos Fornecedores de Cana - Av. Barão de Valença 716- 3º - 13405-126 - Piracicaba, SP

Recebido para publicação em 3/12/96

Aceito em 23/4/97

  • 1. Inoue K, Owaki T, Nakamura T, Kitamura F, Miyamoto N - Clinical application of transvenous mitral commissurotomy by a new balloon catheter. J Thorac Cardiovasc Surg 1984; 87: 394-402.
  • 2. Mangione JA, Zuliani MFM, Del Castilho JM, Nogueira EA, Arie S - Percutaneous double balloon mitral valvoplasty in pregnant women. Am J Cardiol 1989; 64: 99-102.
  • 3. Esteves CA, Ramos AIO, Braga SLN, Harrison JK, Sousa EMR - Effectiveness of percutaneous balloon mitral valvotomy during pregnancy. Am J Cardiol 1991; 68: 930-4.
  • 4. Velasco ML, Trevińo AT, Caro GD et al - Registro nacional de comisurotomía mitral percutánea. Experiencia de 8 ańos. Arch Inst Cardiol Mex 1996; 66: 244-53.
  • 5. Mangione JA, Arie S, Oliveira AS et al - Valvoplastia mitral por cateter balăo em pacientes grávidas. Relato de tręs casos. Arq Bras Cardiol 1989; 52: 99-101.
  • 6. Smith R, Brender D, McCredie M - Percutaneous transluminal balloon dilatation of the mitral valve in pregnancy. Br Heart J 1989; 61: 551-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Fev 2001
  • Data do Fascículo
    Jul 1997

Histórico

  • Aceito
    23 Abr 1997
  • Recebido
    03 Dez 1996
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