Ação do mononitrato-5 de isossorbida sublingual durante cinecoronariografia. Comparação com o uso de nitroglicerina sublingual

Sublingual isosorbide-5 mononitrate during coronary arteriography. Comparison with sublingual nitroglycerin

Artigo Original

Ação do Mononitrato-5 de Isossorbida Sublingual durante Cinecoronariografia. Comparação com o Uso de Nitroglicerina Sublingual

Anellys E. L. C. Moreira, Siguemituzo Arie, Evandro L. Costa, Luís F. A. Campos, Paulo R. Soares, Donaldo P. Garcia

São Paulo, SP

OBJETIVO: Avaliar o efeito sublingual do mononitrato-5 de isossorbida (MN5IS) e nitroglicerina (NTG) sobre o diâmetro luminal de artérias coronárias epicárdicas, pressão arterial média e efeitos colaterais.

MÉTODOS: Cinqüenta pacientes foram submetidos a cateterismo cardíaco e cinecoronariografia, na condição inicial e 5min após administração sublingual de MN5IS grupo A (GA) ou NTG grupo B (GB).

RESULTADOS: O diâmetro coronário de referência aumentou em ambos os grupos, sem significância estatística entre os mesmos. Nos GA e GB foram demonstrados uma diminuição (1,66mmHg) e um aumento (0,79mmHg) na pressão arterial média, respectivamente (p=0,123). Não foram observados efeitos colaterais com o uso destas drogas.

CONCLUSÃO: MN5IS sublingual é uma alternativa à administração de NTG durante cinecoronariografia e representa uma alternativa terapêutica para o tratamento de doença cardíaca isquêmica.

Palavras-chave: mononitrato-5 de isossorbida, nitroglicerina, angiografia quantitativa

Sublingual Isosorbide-5 Mononitrate during Coronary Arteriography. Comparison with Sublingual Nitroglycerin

PURPOSE: To evaluate the effect of sublingual isosorbide-5 mononitrate (ISMN) and nitroglycerin (NTG) on luminal diameter of epicardial coronary arteries, mean arterial pressure and deleterious effects.

METHODS: Fifty patients were submitted to cardiac catheterization and coronary arteriography, at baseline, and 5min after sublingual administration of ISMN, group A (GA) or NTG, group B (GB).

RESULTS: Reference vessel diameter increased in both groups, without statistical significance. In GA and GB, a decrease (1.66mmHg) and an increase (0.79mmHg) in mean arterial pressure, respectively, were demonstrated (p=0.123). There were no deleterious effects with the use of these drugs.

CONCLUSION: Sublingual ISMN is an alternative to administration of NTG during coronary arteriography, and represents a therapeutic alternative to ischemic heart disease treatment.

Key-words: isosorbide-5 mononitrate, nitroglycerin, quantitative angiography

Os nitratos são potentes dilatadores arteriais e venosos: seu mecanismo básico de ação é o relaxamento da musculatura lisa vascular ¹. Sua primeira utilização como vasodilatador coronário foi descrita em 1867 (Brunton - nitrato de amilo); desde então, vários outros compostos resultantes de seu desdobramento têm sido desenvolvidos, difundindo-se seu uso para o tratamento de diversas afecções cardiológicas ². A nitroglicerina (NTG) foi utilizada no tratamento de angina, inicialmente, por Murrel, em 1879, e somente recentemente, um metabólito do dinitrato de isossorbida, o mononitrato-5 de isossorbida (MN5IS) foi introduzido no arsenal terapêutico para doenças cardíacas ³. Brown e col demonstraram que o uso de NTG sublingual determina aumento de 18% na área luminal de segmentos coronários normais, em relação aos controles, e de 22% e 36% nos segmentos com lesões moderadas e graves, respectivamente ⁴. Entretanto, não encontramos, na literatura, estudos sobre a utilização dos MN5IS sublingual e seus efeitos no diâmetro coronário.

Este trabalho tem como objetivo estudar o efeito vasodilatador coronário da administração sublingual de MN5IS na cinecoronariografia, avaliar sua ação sobre a pressão média da aorta, analisar a incidência de efeitos adversos, e comparar estes achados com os determinados pela utilização da NTG sublingual na mesma situação.

Métodos

O estudo constou de doentes com indicação eletiva para realização de cinecoronariografia para investigação diagnóstica de doença coronária ou valvular, tendo sidos excluídos os pacientes que utilizassem qualquer medicação que não as propostas durante o procedimento. Selecionaram-se 50 pacientes, subdivididos em dois grupos: grupo A (GA), constituído de 25 pacientes, que receberam MN5IS sublingual, e o grupo B (GB), com 25 pacientes, que receberam NTG sublingual. Os procedimentos foram realizados no Setor de Hemodinâmica, em sistema de angiografia digital modelo Integris H3000 (Philips), as medidas de pressão obtidas através de transdutor Fisic e polígrafos Quinton e Bese, e as medidas angiográficas realizadas no sistema of line CAAS II (Cardiovascular Angiography Analysis System II).

Os pacientes foram submetidos a dissecção de artéria braquial ou punção da artéria femoral, conforme particularidades do caso e opção do médico executor. Posicionando o cateter na raiz da aorta, registrou-se curva de pressão. A cinecoronariografia foi realizada segundo a técnica de Sones ou Judkins, com opacificação seletiva da artéria coronária esquerda (ACE) na projeção oblíqua anterior direita (OAD), ajustada no sentido crânio-caudal para perfeita visibilização das artérias descendente anterior (DA) e circunflexa (Cx), sendo anotados os parâmetros nesta projeção. Administrou-se um comprimido sublingual de MN5IS (5mg) ou de NTG (0,3mg), nos GA e GB, respectivamente, e após 5min, novo registro de pressão aórtica foi realizado, bem como nova injeção de contraste na ACE, na mesma projeção anterior. O exame prosseguiu, então, de forma habitual, com injeções seletivas de contraste em ACE e artéria coronária direita em diversas projeções, bem como realização de ventriculografia esquerda. Efeitos adversos como cefaléia, hipotensão, náuseas, reação cutânea foram registrados. As imagens obtidas foram analisadas pela angiografia quantitativa (CAAS II) para mensuração do diâmetro coronário médio de referência, antes e depois da administração da droga. Estas medidas foram realizadas, sempre que possível, no terço médio do tronco de ACE, terços proximal, médio e distal de DA e Cx. Cada paciente recebeu alta entre 3 e 6h após o término do procedimento, sem interferência em seu tratamento posterior e com encaminhamento para seu médico de origem.

Foi realizada análise estatística dos valores obtidos através do teste "t" pareado, e compararam-se as médias das diferenças, usando a distribuição "t" de Student, considerando as amostras independentes. Adotou-se nível de significância igual a 0,05.

Resultados

Todas as medidas coronárias foram obtidas em imagens registradas na projeção OAD com angulação média de 25,64^o, e inclinação caudal média de 17,28^o. As características clínicas dos pacientes do GA e GB encontram-se na tabela I, não existindo diferenças significantes entre os dois grupos.

A monitorização da pressão arterial (PA) na raiz da aorta mostrou uma variação média de 107,44 para 106,04 mmHg, após administração da droga (p=0,079) no GA, e de 102,76 para 103,81 (p=0,679) no GB. Assim, houve uma diminuição média de 1,68mmHg no GA e uma elevação média de 0,79mmHg no GB (p=0,123). Não foram registradas arritmias cardíacas ou quaisquer efeitos colaterais.

Constatou-se que ambos os medicamentos tiveram ação efetiva 5min após sua administração sublingual, com aumento do diâmetro coronário de referência. As medidas dos diâmetros de referência coronários não puderam ser obtidas nos 7 pontos de referência propostos em todos os pacientes, devido a características anatômicas peculiares ao paciente (tronco da artéria coronária esquerda curto, com bifurcação precoce), ou devido a oclusões coronárias. Na tabela II podem ser observados o número de medidas realizadas em cada segmento coronário, conforme o grupo estudado, e na tabela III, os valores médios do diâmetro coronário de referência obtidos antes e depois da administração das drogas nos dois grupos.

A variação média do diâmetro coronário de referência pode ser analisada nas tabelas IV (deltas absolutos) e ^V (deltas percentuais). Não houve diferença estatística significante entre os aumentos obtidos com a administração de ambas as drogas.

Discussão

A utilização de vasodilatador coronário sublingual tornou-se uma rotina antes dos procedimentos hemodinâmicos, com o objetivo de não confundir eventuais espasmos coronários com obstruções coronárias fixas; entretanto, não raramente nos deparamos com situações em que a sua utilização determina efeitos adversos que vêm a complicar o procedimento. Sabemos que, dentre as diversas apresentações dos nitratos, o MN5IS intracoronário tem menor incidência de efeitos colaterais, devido à sua farmacocinética (apresenta meia vida de 5h, não depende do metabolismo hepático de primeira passagem para se tornar ativo), possui pouca variabilidade de ação entre os pacientes e, por suas particularidades farmacodinâmicas, exibe níveis terapêuticos com mínima repercussão sobre a resistência sistêmica e, portanto, sobre a PA ^5-7.

Experiências com uso intracoronário de MN5IS já foram relatadas com sucesso, e sua ação por via sublingual questionada por alguns, e defendida por outros ^1,5. A ação sublingual havia sido inferida por Abud e col através de critérios eletrocardiográficos, analisados em 1988 (informação pessoal). Entretanto, não há relatos, na literatura, que demonstrem, de forma objetiva, a vasodilatação coronária determinada pelo uso sublingual de MN5IS.

Conforme observado, este estudo não mostrou diferença significante entre a dilatação coronária promovida pelo uso do MN5IS e da NTG. Nenhum dos pacientes apresentou alterações hemodinâmicas deletérias (por exemplo, hipotensão arterial) secundárias ao uso das drogas, ou mesmo efeitos colaterais. Nossa experiência com MN5IS sublingual revelou uma droga com ação vasodilatadora coronária segura, uma vez que por não alterar significantemente a PA, não alterou a pressão de perfusão coronária, não determinando outras complicações.

Assim, a utilização do MN5IS sublingual representa uma alternativa à sua utilização intracoronária, não só pela facilidade na via de administração, bem como na possibilidade de utilização mais precoce do nitrato no procedimento. Além disso, a comprovação de sua ação como vasodilatador coronário por via sublingual representa uma alternativa terapêutica para insuficiência coronária, possibilitando, assim, sua utilização diária na clínica.

Agradecimentos

Ao Sr Luiz Sergio Barros pelo material fornecido e à Sra Dália Ballas pela análise estatística.

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP

Correspondência: Anellys E. L. C. Moreira - Rua Anjo Custódio, 321 - 03358-040 - São Paulo, SP

Recebido para publicação em 27/5/97

Aceito em 12/8/97

• 1. Batlouni M - Nitratos: farmacologia clínica e aplicaçőes terapęuticas. Arq Bras Cardiol 1986; 47: 363-78.
• 2. Brunton TL - On the use of nitrite of amyl in angina pectoris. Lancet 1867; 3: 97.
• 3. Murrel W - Nitroglycerin as a remedy for angina pectoris. Lancet 1879; 81: 113-
• 4. Brown BG, Bolson E, Peterson RB, Piece CD, Dodge HT - The mechanisms of nitroglycerin action: stenosis vasodilatation as a major component of the drug response. Circulation 1961; 64: 1089.
• 5. Botelho RV, Feres F, Săo Thiago LFK et al - Mononitrato de isossorbida intracoronário versus placebo. Estudo duplo-cego através da angiografia coronária quantitativa.. Arq Bras Cardiol 1995; 65: 313-5.
• 6. Abshagen U, Betzin G, Endele , Kaufman B - Pharmacokinetics of intravenous and oral isosorbide-5-mononitrate. Eur J Clin Pharmacol 1981; 20: 269-75.
• 7. Jansen W, Meyer L, Tauchert MA - Acute effect of various dose of isosorbide-5-mononitrate on hemodynamic and exercise performance in coronary artery disease. Am J Cardiol 1988; 61: 31E-5E.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  02 Fev 2001
• Data do Fascículo
  Out 1997

Histórico

• Aceito
  12 Ago 1997
• Recebido
  27 Maio 1997