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Tratamento da superdosagem de anticoagulantes orais

Reversal of excessive oral anticoagulation

Resumos

OBJETIVO: Verificar a resposta de 73 pacientes com superdosagem de droga anti-vitamina K (AVK) a 3 esquemas de tratamento. MÉTODOS: Os 73 pacientes foram avaliados em 94 ocasiões e divididos em 3 grupos: grupo A (N=32) , suspensão do AVK por 2 dias e introdução de dose menor; grupo B (N=37), suspensão do AVK e reavaliação em 4 dias; grupo C (N=25), vitamina K por via oral. A razão normalizada internacional (RNI) final foi considerada adequada quando entre 2,0 e 4,0. RESULTADOS: Não houve diferença entre os tratamentos (chi²=2,352, p=0,671) para 61 pacientes com RNI inicial <8. Houve mais pacientes com RNI <2 no grupo C (chi²=9,998, p=0,007) entre 33 pacientes com RNI inicial >8. Cinco dos 7 pacientes do grupo B que continuaram com superdosagem tinham RNI <4,5 e pequeno risco de hemorragia. Entretanto, 6 dos 10 pacientes do grupo C com anticoagulação insuficiente tinham RNI <1,6 e risco de trombose. Treze pacientes sangraram, mas sem necessidade de transfusão. CONCLUSÃO: A reversão da superdosagem de AVK pode ser feita pela suspensão da droga Administração de vitamina K, por via oral, deve se restringir a pacientes com RNI mais elevado para se evitar anticoagulação insuficiente.

anticoagulação oral; vitamina K; sangramento; tromboembolismo


PURPOSE: To evaluate the response of 73 patients with antivitamin K (AVK) overdose to 3 different therapeutic regimens. METHODS: Seventy three patients were evaluated in 94 occasions: group A (N=32), consisted of drug withdrawal for 2 days followed by reduced dosage; group B (N=37), drug withdrawal and reassessment within 4 days; group C (N=25), oral administration of vitamin K. Therapeutic range was set between INR-values of 2 and 4. RESULTS: Reversal regimens did not result in differences among 61 patients who had initial INR <8 (chi²=2.352, p=0.671). There were more patients bellow therapeutic range in group C (N=14) than group B (N=19) (chi² =9.998, p=0.007). After intervention, 7 patients in group B still had INR >4, but 5 of them were bellow 4.5, without increased bleeding risk. There were 10 patients in group C bellow therapeutic range, 6 of them with INR < 1.6, with risk of thromboembolism. Thirteen patients bled, but none required transfusion. CONCLUSION: Reversal of excessive oral anticoagulation can be safely performed by initial withdrawal of the drug, followed by lower doses. Vitamin K administration may lead to INR bellow the therapeutic range. This should be reserved for patients with high INR or in the presence of bleeding.

oral anticoagulation; vitamin K; bleeding; throboembolism


Artigo Original

Tratamento da Superdosagem de Anticoagulantes Orais

Dayse Maria Lourenço, Vânia Maria Morelli, Carla Valadares Vignal

São Paulo, SP

OBJETIVO: Verificar a resposta de 73 pacientes com superdosagem de droga anti-vitamina K (AVK) a 3 esquemas de tratamento.

MÉTODOS: Os 73 pacientes foram avaliados em 94 ocasiões e divididos em 3 grupos: grupo A (N=32) , suspensão do AVK por 2 dias e introdução de dose menor; grupo B (N=37), suspensão do AVK e reavaliação em 4 dias; grupo C (N=25), vitamina K por via oral. A razão normalizada internacional (RNI) final foi considerada adequada quando entre 2,0 e 4,0.

RESULTADOS: Não houve diferença entre os tratamentos (c2=2,352, p=0,671) para 61 pacientes com RNI inicial <8. Houve mais pacientes com RNI <2 no grupo C (c2=9,998, p=0,007) entre 33 pacientes com RNI inicial >8. Cinco dos 7 pacientes do grupo B que continuaram com superdosagem tinham RNI <4,5 e pequeno risco de hemorragia. Entretanto, 6 dos 10 pacientes do grupo C com anticoagulação insuficiente tinham RNI <1,6 e risco de trombose. Treze pacientes sangraram, mas sem necessidade de transfusão.

CONCLUSÃO: A reversão da superdosagem de AVK pode ser feita pela suspensão da droga Administração de vitamina K, por via oral, deve se restringir a pacientes com RNI mais elevado para se evitar anticoagulação insuficiente.

Palavras-chave: anticoagulação oral, vitamina K, sangramento, tromboembolismo

Reversal of Excessive Oral Anticoagulation

PURPOSE: To evaluate the response of 73 patients with antivitamin K (AVK) overdose to 3 different therapeutic regimens.

METHODS: Seventy three patients were evaluated in 94 occasions: group A (N=32), consisted of drug withdrawal for 2 days followed by reduced dosage; group B (N=37), drug withdrawal and reassessment within 4 days; group C (N=25), oral administration of vitamin K. Therapeutic range was set between INR-values of 2 and 4.

RESULTS: Reversal regimens did not result in differences among 61 patients who had initial INR <8 (c2=2.352, p=0.671). There were more patients bellow therapeutic range in group C (N=14) than group B (N=19) (c2 =9.998, p=0.007). After intervention, 7 patients in group B still had INR >4, but 5 of them were bellow 4.5, without increased bleeding risk. There were 10 patients in group C bellow therapeutic range, 6 of them with INR < 1.6, with risk of thromboembolism. Thirteen patients bled, but none required transfusion.

CONCLUSION: Reversal of excessive oral anticoagulation can be safely performed by initial withdrawal of the drug, followed by lower doses. Vitamin K administration may lead to INR bellow the therapeutic range. This should be reserved for patients with high INR or in the presence of bleeding.

Key-words: oral anticoagulation, vitamin K, bleeding, throboembolism

Os anticoagulantes orais ou drogas anti-vitamina K (AVK) são administrados para profilaxia de fenômenos tromboembólicos. Sua ação é impedir a carboxilação dos fatores VII, IX, X e II da coagulação, levando à síntese de fatores inativos. Sua ação deve ser monitorizada, de forma cuidadosa e periódica, no sentido de se evitar a superdosagem, que pode levar a sangramento 1. A monitorização é feita através da medida do tempo de protrombina (TP), expresso pela razão normalizada internacional (RNI), e reflete o efeito anticoagulante do AVK, cuja dose varia para cada indivíduo 2, 3. Valores de RNI >5 estão associados a risco de sangramento e a reversão do efeito do AVK pode ser conseguido com várias medidas, desde a simples suspensão da droga, a administração de vitamina K ou a administração de plasma fresco congelado (PFC) ou complexo protrombínico, de acordo com a urgência da situação. O objetivo dessa intervenção é levar o valor do RNI, novamente, à faixa terapêutica, entre 2 e 4, minimizando o risco de sangramento, sem contudo expor o paciente ao risco de recorrência do tromboembolismo 4.

No presente estudo avaliamos, retrospectivamente, a resposta de 73 pacientes em anticoagulação oral, que apresentaram valores de RNI acima da faixa terapêutica, a três esquemas diferentes de reversão do efeito do AVK.

Métodos

Foram selecionados 73 pacientes consecutivos com RNI >5, durante as consultas de rotina no ambulatório de pacientes anticoagulados da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da UNIFESP. O período de observação variou de maio/95 a março/97. Nesse período foram realizadas no serviço cerca de 160 consultas mensais, de um total de, aproximadamente, 4.600 consultas para controle de anticoagulação oral.

Havia 34 mulheres e 39 homens, com idades variando de 16 a 85 (mediana de 56,5) anos. A distribuição destes pacientes por doença de base foi: trombose venosa profunda (TVP) 35 casos, embolia pulmonar (EP) nove, TVP e EP nove, embolia arterial 15, acidente vascular cerebral isquêmico quatro, colocação de stent em artéria coronária, um.

A maioria dos pacientes fazia uso de warfarina sódica (Marevan®) e, apenas, quatro estavam em uso de femprocumona (Marcoumar®).

Os 73 pacientes foram avaliados em 94 ocasiões em que o RNI foi >5 e houve necessidade de modificação da dose do AVK. Os pacientes foram divididos em 3 grupos, de acordo com o tipo de tratamento recebido: grupo A - 32 pacientes tratados com a suspensão da droga por dois dias e introdução de dose menor, com reavaliação do RNI em até 15 dias; grupo B - 37 pacientes tratados com a suspensão da droga e reavaliação do RNI dentro de quatro dias; grupo C - 25 pacientes tratados com vitamina K por via oral, na dose de 1 a 10mg, e reavaliação do RNI em até três dias.

A decisão do tratamento a ser instituído baseou-se no valor do RNI e na presença ou não de sangramento, segundo protocolo adotado no serviço de anticoagulação. Após a intervenção realizada, o RNI de controle foi considerado adequado quando situado na faixa terapêutica recomendada, entre 2 e 4 e, inadequado, quando fora desses limites 5.

O controle do nível de anticoagulação foi feito pelo TP, através do método de Quick 6 e os resultados foram expressos em RNI 7.

A análise estatística foi feita pelo teste do qui-quadrado (c2) e o nível de significância 5%.

Resultados

O valor do RNI inicial variou de 5 a 28 em todos os pacientes. Os 31 pacientes do grupo A tinham RNI inicial entre 5 e 8; no grupo B, 24 pacientes tinham RNI inicial entre 5 e 8 e 14 tinham RNI acima de 8 e no grupo C, seis pacientes tinham RNI entre 5 e 8 e 19 tinham RNI >8.

Após a intervenção, o número de pacientes com nível adequado de anticoagulação foi de 21 (68%) no grupo A, 15 (63%) no grupo B e de três (50%) no grupo C. No grupo A, houve três (10%) pacientes com RNI abaixo da faixa terapêutica, enquanto no grupo B houve quatro (17%) pacientes e no grupo C houve dois (33%) pacientes com anticoagulação insuficiente. A prevalência de pacientes acima da faixa terapêutica foi de sete (23%) pacientes no grupo A, cinco (21%) no grupo B e um (17%) no grupo C. A análise estatística mostrou haver diferença significante entre os grupos A, B e C, quando analisados todos os pacientes (c2=15,570, p=0,004).

Para tornar comparável a eficiência de cada intervenção, a análise dos resultados foi feita de acordo com o RNI inicial e com o tipo de intervenção realizada:

Pacientes com RNI inicial entre 5 e 8 - Para os 61 pacientes com RNI inicial entre 5 e 8 não houve diferença entre os três esquemas de tratamento (c2=2,352 , p=0,671). A distribuição dos valores de RNI inicial e final em cada grupo está representada na figura 1.


Havia apenas seis pacientes no grupo C, que receberam vitamina K apesar de RNI <8. Uma paciente, vista em duas ocasiões (com RNI de 6,6 e 7,33), recebia anticoagulação após colocação de stent em artéria coronária e fazia uso concomitante de ácido acetil-salicílico. Por isso ela foi tratada com vitamina K, apesar de não apresentar hemorragia. Três outros pacientes, com RNI de 5,6 , 6,8 e de 7,47 receberam vitamina K por apresentarem sangramento: um com hematoma extenso em membro superior direito e dois com hematúria macroscópica. Uma paciente com RNI de 7,43 fazia uso de femprocumona e não tinha sangramento.

Pacientes com RNI inicial maior do que 8 - Os 33 pacientes com RNI inicial >8 foram tratados com a suspensão da droga e avaliação logo após (grupo B, N=14) ou com vitamina K (grupo C, N=19).

Houve diferença estatisticamente significante entre os dois tratamentos, havendo maior número de pacientes com anticoagulação insuficiente no grupo C, que recebeu vitamina K (c2=9,998, p=0,007). A distribuição dos valores de RNI inicial e final em cada grupo está representada na figura 2.


Dos sete pacientes do grupo B com RNI acima da faixa terapêutica depois da intervenção, cinco estavam <4,5, o que é um valor seguro do ponto de vista de sangramento. Dos 10 pacientes do grupo C com anticoagulação insuficiente, seis tinham RNI <1,6, o que representa risco de trombose nos pacientes necessitando de profilaxia antitrombótica. Entretanto, não houve recorrência do fenômeno tromboembólico nesses indivíduos.

Como somente quatro pacientes faziam uso de femprocumona, não foi possível comparar esta droga com a warfarina. O RNI inicial desses pacientes foi de 7,43 , 7,47, 9,05 e 10,9 e todos receberam vitamina K (grupo C), embora apenas dois apresentassem sangramento (RNI de 7,47 e 10,9). Após a intervenção, dois pacientes tinham RNI dentro da faixa terapêutica (2,2 e 3,34) , um tinha RNI de 1,91 e outro de 5,3.

O tempo em que o paciente vinha usando a droga AVK até o momento da consulta variou de um a 144 meses. Quarenta e seis por cento dos pacientes tinham menos de três meses de anticoagulação e sendo que apenas 14% estavam anticoagulados há mais de 24 meses.

A distribuição dos pacientes segundo o tempo de anticoagulação e o RNI inicial está representada na figura 3. Não houve diferença, estatisticamente, significante no tempo de anticoagulação decorrido até a consulta para pacientes com RNI inicial abaixo ou acima de 8 (c2=3,264, p=0,477).


Os 25 pacientes do grupo C receberam doses variáveis de vitamina K por via oral. No início do trabalho, nove receberam 10mg, o que se mostrou inadequado, pois seis deles tinham RNI abaixo da faixa terapêutica depois da intervenção. Passou-se então a usar doses menores: dois pacientes receberam 1mg, cinco receberam 2mg e nove receberam 5mg. A figura 4 mostra a distribuição dos valores de RNI inicial e final para os pacientes do grupo C, segundo a dose de vitamina K administrada.


Houve maior número de pacientes com RNI abaixo da faixa terapêutica entre os que receberam maiores doses de vitamina K, entretanto, esta diferença entre os grupos não alcançou significância estatística (c2=12,214, p=0,057).

Houve 12 pacientes com 13 episódios de sangramento: 10 mulheres e dois homens. A análise estatística mostra número significantemente mais elevado de mulheres entre os pacientes com hemorragia (10 em 12 pacientes), do que naqueles sem sangramento (24 em 61 pacientes, c2=4,202, p=0,040).

A idade dos pacientes que sangraram variou de 27 a 81 (mediana de 50) anos, o que não diferiu daqueles sem hemorragia, com idades variando de 16 a 85 (mediana de 56,5) anos.

O RNI inicial dos pacientes que apresentaram sangramento variou de 5,4 a 16 com mediana de 7,5. O valor do RNI estava entre 5 e 8 em 67% desses pacientes, mostrando que o sangramento pode ocorrer já neste nível de anticoagulação.

Dois pacientes apresentavam epistaxe e hematoma sem maior gravidade e, por isso, o AVK foi apenas suspenso com introdução de dose menor (grupo A). Três pacientes foram tratados apenas com a suspensão da droga e medida do RNI em quatro dias (grupo B): uma paciente com sangramento retal e RNI de 6,5, um homem com sangramento conjuntival e RNI de 6,6 e, finalmente, uma paciente com hematoma e RNI de 7,5. Os oito pacientes restantes receberam vitamina K (grupo C): dois com hematomas (RNI de 5,6 e 16), dois com hematúria macroscópica (RNI de 7,5 e 6,8), um com epistaxe (RNI de 9,4) e três com hemorragia conjuntival (RNI de 10,9, 12,3 e 14). Nenhum paciente apresentou queda de hemoglobina nem necessidade de transfusão.

Discussão

Os autores observaram 94 episódios de superdosagem de AVK em 73 pacientes ao longo de 29 meses. Durante este período foram realizadas cerca de 4.600 consultas para controle de anticoagulação oral no serviço. Isto permite estimar a prevalência de superdosagem de AVK, que corresponde a 2% das consultas realizadas no período. A ocorrência de sangramento em 13 ocasiões representa 0,3% das consultas e em todos os casos ele foi de menor gravidade. Foram observados epistaxe, hematomas localizados, hemorragia conjuntival e retal e hematúria macroscópica, todos tiveram resolução rápida, sem queda de hemoglobina ou necessidade de transfusão.

A reversão do efeito anticoagulante das drogas AVK deve ser cuidadoso, uma vez que ao mesmo tempo em que o paciente tem risco de sangramento, especialmente com RNI mais elevado, ele também é um paciente de risco para a recorrência do fenômeno tromboembólico, que constitui a indicação da anticoagulação. Ademais, a administração de vitamina K, especialmente por via intravenosa, pode tornar esse paciente refratário à ação do AVK por períodos longos, até de semanas 4.

Pacientes com RNI entre 5 e 8 apresentaram resposta igualmente adequada, quando tratados com a suspensão da droga por dois dias e reintrodução de dose menor por cerca de 15 dias, até nova avaliação do RNI (grupo A), ou quando a droga AVK era suspensa e o RNI reavaliado dentro de quatro dias (grupo B). Nestes pacientes, a administração de vitamina K foi feita em seis casos (grupo C) e em dois deles o RNI caiu abaixo da faixa terapêutica, após esta intervenção.

Mesmo naqueles pacientes com RNI acima de 8, a prevalência de anticoagulação insuficiente após administração de vitamina K (grupo C) foi significantemente maior do que a suspensão da droga e reavaliação precoce (grupo B). Quanto maior a dose de vitamina K maior a chance de ocorrer anticoagulação insuficiente, de modo que devem ser administradas doses baixas, entre 1 e 2mg. A administração de vitamina K por via oral é eficaz em reverter a superdosagem de AVK, mas deve ser reservada para pacientes com RNI elevado e na presença de sangramento. A avaliação precoce é importante para que o tratamento anticoagulante possa ser rapidamente reinstituído, evitando-se que o paciente permaneça por longo tempo abaixo da faixa terapêutica. No Brasil, não se dispõe da preparação de vitamina K administrada por via oral. Pode ser usada a preparação destinada à administração parenteral, com 10mg de vitamina K por ml. A dosagem de 1 ou 2mg deve ser ajustada com cuidado, de preferência por pessoal treinado, de modo a evitar erros de posologia.

A administração parenteral de vitamina K, mesmo em doses baixas como 1mg, leva grande parte dos pacientes a se situar abaixo da faixa terapêutica. Doses menores, como 0,5mg, foram recomendadas para administração intravenosa de vitamina K , para a se evitar a anticoagulação insuficiente 8.

Os principais fatores de risco para sangramento em pacientes recebendo AVK são o nível do RNI e a idade avançada. O sexo feminino representa maior risco para sangramentos de menor intensidade, como foi observado no nosso estudo, mas não para sangramentos mais graves 9.

A prevenção de tromboembolismo é mais eficiente com drogas AVK, mas apresenta maior risco de sangramento, como demonstrado em estudo clínico multicêntrico envolvendo 1.100 pacientes com fibrilação atrial e idade média de 70 anos. Os autores observaram que a prevalência de RNI, acima da faixa terapêutica, foi de 5%. A freqüência de sangramento foi de 6,1% nos pacientes com warfarina e 2,9% naqueles pacientes recebendo ácido acetil-salicílico. Os fatores associados a maior risco de sangramento foram a idade avançada e maior intensidade da anticoagulação 10. A população avaliada no presente estudo era mais jovem, com idade média de 55 anos e, além disto, a faixa terapêutica a ser atingida foi menor, com RNI entre 2 e 4, fatos que devem contribuir para a menor incidência de pacientes com superdosagem e com sangramento.

O tempo de anticoagulação também aumenta o risco de sangramento, uma vez que aumenta o tempo de exposição do indivíduo à droga AVK, assim como a existência de outras doenças concomitantes, como AVC, história de sangramento gastrointestinal, insuficiência renal, infarto do miocárdio recente ou anemia 11. Neste estudo, 46% dos pacientes estavam em tratamento anticoagulante, há menos de três meses, período em que o ajuste da dose de AVK ainda não se estabilizou, havendo maior possibilidade de ocorrer superdosagem ou anticoagulação insuficiente. É importante que o paciente seja bem orientado, quanto a possibilidade de superdosagem do AVK e que seja avaliado, a intervalos regulares e freqüentes, a fim de se reduzir o risco de hemorragia.

A complicação hemorrágica mais temida durante o uso de AVK é a hemorragia cerebral, por sua alta mortalidade. Seu tratamento é difícil e deve ser individualizado. A administração de vitamina K é inadequada na maioria dos casos, pois são necessárias algumas horas até que se elevem os níveis de fatores de coagulação e se restabeleça a hemostasia. Além disto, a administração de vitamina K torna o paciente de risco para tromboembolismo refratário ao tratamento anticoagulante, após a resolução do processo hemorrágico 4. A administração de PFC reverte mais rapidamente a hipocoagulabilidade nos pacientes com hemorragia cerebral, e deve ser usado em situações de emergência. O uso de complexo protrombínico reverte mais precocemente o efeito do AVK, embora com maior risco de trombose. O complexo protrombínico permite a infusão de menor volume do que o PFC (10ml do complexo protrombínico equivalem a 600ml de PFC) evitando-se causar hipervolemia em pacientes que não suportam sobrecarga de volume 12.

Finalmente, o maior risco para o paciente em uso de AVK é o nível de anticoagulação, expresso pelo valor do RNI, o que deve ser cuidadosamente monitorizado, segundo Hyek e Singer 13. A segurança do tratamento anticoagulante depende do controle cuidadoso e freqüente dos pacientes. De um modo geral, os pacientes em início de tratamento devem ser vistos semanalmente, até que o RNI esteja adequado, e os pacientes estáveis devem ser avaliados a intervalos não superiores a cinco ou seis semanas. A observação deste controle permite que muitos indivíduos sejam beneficiados com o tratamento anticoagulante, reduzindo-se o risco de tromboembolismo, sem que lhes seja imposto um risco inaceitável de sangramento 14.

Escola Paulista de Medicina - UNIFESP

Correspondência: Dayse Maria Lourenço - Rua Estilo Barroco, 630/152 - 04709-011 - São Paulo, SP

Recebido para publicação em 6/8/97

Aceito em 9/9/97

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2002
  • Data do Fascículo
    Jan 1998

Histórico

  • Aceito
    09 Set 1997
  • Recebido
    06 Ago 1997
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