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Associação entre diferentes indicadores de obesidade e prevalência de hipertensão arterial

The association between different measurements of obesity and the prevalence of hypertension

Resumos

OBJETIVO: Determinar a associação entre índice de massa corporal (IMC), índice cintura-quadril e cintura com a prevalência de hipertensão arterial (HAS) em amostra representativa de 1088 adultos de Porto Alegre, Brasil. MÉTODOS: Foram considerados hipertensos indivíduos com pressão sistólica (PAS) > ou = 160mmHg ou diastólica (PAD) > ou = 95mmHg e definidos como obesos aqueles com IMC > ou = 27kg/m², ou com razão cintura/quadril > ou = 0,95 (homens) e > ou = 0,80 (mulheres) ou com cintura > ou = 96cm (homens) e > ou = 92cm (mulheres). RESULTADOS: A obesidade aferida pelo IMC associou-se com a prevalência de HAS em ambos sexos (RR 1,9, IC 1,0 - 3,2 masculino; RR 2,2, IC 1,3 - 3,8 feminino). Os outros índices associaram-se, significativamente, apenas nas mulheres. CONCLUSÃO: IMC > ou = 27,0kg/m² associou-se mais, consistentemente, com o risco de HAS. A magnitude similar das associações dos demais indicadores demonstram sua utilidade na avaliação do risco para hipertensão.

hipertensão; obesidade; prevalência


PURPOSE: To evaluate the association between body mass index (BMI), waist-hip ratio and waist circumference with the prevalence of hypertension in a representative sample of 1088 adults of Porto Alegre (RS), Brazil. METHODS: In this cross-sectional survey, subjects were considered as having hypertension if they had systolic blood pressure > or = 160mmHg or diastolic > or = 90mmHg, and were considered obese if they had BMI > or = 27kg/m², or had a waist-hip-ratio > or = 0.95cm (men) or 0.80 (women) or had a waist circumference > or = 96 (men) or 92 (women). RESULTS: Obesity defined by the BMI was associated with hypertension in both genders (RR 1.9, CI 1.0 - 3.2 in men; RR 2.2, CI 1.3 - 3.8 in women). The other indices were significantly associated with hypertension just in women. CONCLUSION: BMI > or = 27.0kg/m² was strongly associated with increased odds to have hypertension. Similar magnitude of the association with the other indices indicate their utility to estimate the risk of hypertension.

hypertension; obesity; prevalence


Artigo Original

Associação entre Diferentes Indicadores de Obesidade e Prevalência de Hipertensão Arterial

Miguel Gus, Leila B. Moreira, Maurício Pimentel, Ana Luiza M. Gleisener, Renan S. Moraes, Flávio D. Fuchs

Porto Alegre, RS

OBJETIVO: Determinar a associação entre índice de massa corporal (IMC), índice cintura-quadril e cintura com a prevalência de hipertensão arterial (HAS) em amostra representativa de 1088 adultos de Porto Alegre, Brasil.

MÉTODOS: Foram considerados hipertensos indivíduos com pressão sistólica (PAS) ³160mmHg ou diastólica (PAD) ³95mmHg e definidos como obesos aqueles com IMC ³27kg/m2, ou com razão cintura/quadril ³0,95 (homens) e ³0,80 (mulheres) ou com cintura ³96cm (homens) e ³92cm (mulheres).

RESULTADOS: A obesidade aferida pelo IMC associou-se com a prevalência de HAS em ambos sexos (RR 1,9, IC 1,0 - 3,2 masculino; RR 2,2, IC 1,3 - 3,8 feminino). Os outros índices associaram-se, significativamente, apenas nas mulheres.

CONCLUSÃO: IMC ³27,0kg/m2 associou-se mais, consistentemente, com o risco de HAS. A magnitude similar das associações dos demais indicadores demonstram sua utilidade na avaliação do risco para hipertensão.

Palavras-chave: hipertensão, obesidade, prevalência

The Association between Different Measurements of Obesity and the Prevalence of Hypertension

PURPOSE: To evaluate the association between body mass index (BMI), waist-hip ratio and waist circumference with the prevalence of hypertension in a representative sample of 1088 adults of Porto Alegre (RS), Brazil.

METHODS: In this cross-sectional survey, subjects were considered as having hypertension if they had systolic blood pressure ³160mmHg or diastolic³90mmHg, and were considered obese if they had BMI ³27kg/m2, or had a waist-hip-ratio ³0.95cm (men) or 0.80 (women) or had a waist circumference ³96 (men) or 92 (women).

RESULTS: Obesity defined by the BMI was associated with hypertension in both genders (RR 1.9, CI 1.0 - 3.2 in men; RR 2.2, CI 1.3 - 3.8 in women). The other indices were significantly associated with hypertension just in women.

CONCLUSION: BMI ³ 27.0kg/m2 was strongly associated with increased odds to have hypertension. Similar magnitude of the association with the other indices indicate their utility to estimate the risk of hypertension.

Key-words: hypertension, obesity, prevalence

A obesidade é um fator de risco independente para hipertensão arterial sistêmica (HAS) 1,2, 3 e para mortalidade, especialmente em mulheres 5,6. Dieta hipocalórica tem sido considerada uma medida eficaz 4 e efetiva 6 no manejo da HAS.

O índice de massa corporal (IMC) e a razão cintura-quadril são as medidas antropométricas mais comumente utilizadas para a determinação do excesso de peso, estando, ainda, associadas a outros fatores de risco cardiovasculares, como hipercolesterolemia, baixos níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL) e resistência insulínica 8 .

Diversos índices antropométricos têm sido propostos para determinar a associação entre excesso de peso e fatores de risco cardiovasculares. A medida da cintura, um dado de fácil e rápida obtenção, associa-se tanto com o IMC como com a razão cintura-quadril, sendo capaz de detectar indivíduos com excesso de peso e outros fatores de risco cardiovascular com alta acurácia 9-11 . A medida da cintura também está relacionada com a gordura intra-abdominal e já foi sugerida como o índice antropométrico capaz de prever o risco cardiovascular 12.

O presente trabalho tem o objetivo de detectar qual o índice antropométrico que se associa mais significativamente com a prevalência de HAS e em qual deles um aumento importante estaria relacionado a maior prevalência de HAS, em uma amostra de indivíduos adultos não selecionados por doença e representativa da população de Porto Alegre.

Métodos

Selecionaram-se 1088 indivíduos com idade mínima de 18 anos através de processo de amostragem aleatória proporcional por estágios múltiplos e conglomerados. Os dados foram coletados em visita domiciliar por entrevistadores treinados para a aplicação de um questionário padronizado e aferição dos parâmetros físicos, incluindo a pressão arterial (PA). A descrição completa da amostragem e da coleta dos dados já foi publicada 2,12,14.

A PA foi aferida com manômetros aneróides, periodicamente calibrados, contra manômetros de mercúrio e seguindo as orientações do Joint National Committee 15. Considerou-se o 1o som de Korotkoff como a pressão arterial sistólica (PAS) e o 5o como pressão arterial diastólica (PAD). Para efeito de análise foi considerada a média de duas aferições, com correção para o perímetro braquial, segundo as fórmulas propostas por Maxwell 16: PAS = sistólica aferida + [32-(1,05 x perímetro braquial)] e PAD = diastólica aferida + [22-(0,72 x perímetro braquial)].

Verificou-se o peso corporal dos indivíduos vestindo roupas leves e descalços utilizando-se balanças portáteis com precisão de 0,1kg. Aferiram-se a altura, a circunferência braquial, a cintura e quadril com fita métrica e a altura com trenas.

Calculou-se IMC como peso dividido pela altura ao quadrado (kg/m2). A medida da cintura foi realizada na porção de menor circunferência entre o gradil costal e a crista ilíaca e a medida do quadril ao nível dos grandes trocânteres.

Utilizando-se como padrão ouro para determinação do excesso de peso um IMC ³27kg/m2 determinou-se através de curva ROC (receiver operating characteristics) 11 o ponto de corte da medida da cintura em 96cm para homens e 92cm para mulheres, como indicadores de excesso de peso. Com base em outros estudos 8,9, estabeleceu-se o ponto de corte para a razão cintura-quadril em 0,95 para homens e 0,80 para mulheres.

Consideraram-se hipertensos os indivíduos com PAS ³160mmHg e/ou PAD ³95mmHg 17, tomando-se a média de duas aferições corrigidas pelo perímetro braquial 16.

A associação entre os diferentes índices antropométricos e a prevalência de HAS foi analisada através de regressão logística. As variáveis de controle foram idade, história familiar de hipertensão (ambos os pais hipertensos), abuso de álcool (consumo ³30g) e alcance escolar.

Os cálculos estatísticos foram realizados utilizando-se o programa SPSS 16.

Resultados

A média de idade, IMC e razão cintura-quadril e a prevalência de HAS foram similares para homens e mulheres. A cintura foi significativamente maior nos homens (tab. I). Os homens apresentaram PAS maior do que as mulheres, assim como maior prevalência de abuso de álcool e maior freqüência de escolaridade <5 anos, variáveis que nesta amostra associaram-se, de maneira independente, com a prevalência de HAS 2.

A tabela II e III mostram as médias das PAS e PAD, prevalência de HAS e peso entre homens e mulheres com e sem excesso de peso definido pelos diferentes índices antropométricos. A PAS e a prevalência de HAS foram mais elevadas entre os homens com excesso de peso determinado por qualquer um dos índices antropométricos. A PAD foi significativamente mais elevada apenas entre os indivíduos com excesso de peso definido pelo IMC. Entre as mulheres, a PAS, PAD e a prevalência de HAS foram significativamente mais elevadas entre as com excesso de peso, determinado por qualquer um dos índices antropométricos.

Os riscos relativos estimados de HAS, ajustados para idade, história familiar de hipertensão, abuso de álcool e escolaridade são apresentados na tabela IV. O excesso de peso definido por IMC ³27kg/m2 apresentou associação estatisticamente significativa com a prevalência de HAS, tanto em homens (1,9 IC 1,0-3,2) como em mulheres (2,2 IC 1,3-3,8). A medida da cintura e a razão cintura-quadril apresentaram associação estatisticamente significativa apenas entre as mulheres (2,3 IC 1,3-4,1 e 2,2 IC 1,1-3,6, respectivamente).

Discussão

Os primeiros estudos sobre a composição corporal e distribuição da gordura corporal para identificar indivíduos com um risco maior para doença cardiovascular e diabetes mellitus tipo II utilizaram, principalmente, o IMC e a razão cintura-quadril 19, 20. A medida da cintura é um índice antropométrico de fácil e rápida aferição, dispensando a necessidade do emprego de fórmulas e cálculos.

Han e col 10,11 demonstraram, em estudo transversal e de base populacional, que a medida da cintura é capaz de identificar com alta acurácia indivíduos obesos. Estes autores identificaram que circunferências ³94cm em homens e ³80cm em mulheres são capazes de identificar indivíduos com IMC ³25kg/m2 com uma sensibilidade e especificidade de 96%. Além disto verificaram uma associação significativa entre a medida de cintura acima destes valores e a prevalência de hipertensão e outros fatores de risco, tanto em homens quanto em mulheres.

No presente estudo, igualmente, foi identificada uma associação positiva entre os diferentes índices antropométricos indicadores de obesidade e a prevalência de hipertensão. Em relação à cintura, as diferenças nos valores do risco relativo estimado no estudo de Han e col 10,11 para o estudo atual (1,9 vs 1,7 e 1,8 vs 2,3 para homens e mulheres, respectivamente) poderiam ser explicadas pelas diferenças nos pontos de corte ou características da população.

No modelo de regressão logística do presente estudo, o IMC foi o indicador de obesidade com associação mais consistente com a prevalência de hipertensão, tanto em homens como em mulheres, representando um risco duas vezes maior para valores maiores ou iguais a 27kg/m2.

A importância do IMC como indicador de excesso de peso já foi demonstrada em estudos de coorte 5,6 que avaliaram a relação entre mortalidade e obesidade. Nesses trabalhos foi demonstrado um aumento da mortalidade total associado a um IMC >27kg/m2. Devido a isto, escolheu-se valor diferentemente do valor de 25kg/m2 adotado no estudo de Han e col 10 no momento da identificação dos pontos de corte para a definição de obesidade, a partir da medida da cintura.

Embora não atingissem significância estatística, entre os homens, os resultados obtidos para os demais indicadores de obesidade são coerentes, mostrando riscos relativos estimados de magnitudes semelhantes, o que sugere que a cintura possa ser utilizada em substituição ao IMC, inclusive para os homens. A razão cintura-quadril demonstrou associação praticamente semelhante ao IMC.

Este trabalho permite concluir que em uma amostra populacional de adultos, representativa da cidade de Porto Alegre, a medida de cintura ³96cm para homens e ³92cm para mulheres associa-se, significativamente, à obesidade definida como IMC ³27kg/m2.O índice antropométrico que se associou mais consistentemente com a prevalência de HAS foi o IMC, mas a intensidade similar da associação entre o índice cintura/quadril e medida isolada da cintura demonstram que estes índices podem ser utilizados como opção durante a avaliação do risco de hipertensão e na avaliação de indivíduos hipertensos.

Unidade de Farmacologia Clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Depto de Farmacologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Correspondência: Miguel Gus - Rua Padre Chagas, 25 - 90570-080 - Porto Alegre, RS

Recebido para publicação em 23/7/97

Aceito em 3/12/97

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2002
  • Data do Fascículo
    Fev 1998

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 1997
  • Aceito
    03 Dez 1997
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