Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do perfil arritmogênico ventricular de pacientes com miocardiopatia dilatada e fração de ejeção diminuída

Evaluation of the arrhythmogenic profile of patients with dilated cardiomyopathy and reduced ejection fraction

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o perfil arritmogênico ventricular de pacientes com miocardiopatia dilatada e fração de ejeção diminuída. MÉTODOS: Estudo prospectivo em 40 pacientes com fração de ejeção média ao ecocardiograma de 32,5±2,1%, obtida pela análise do Holter de 24h, do balanço autonômico cardíaco, determinado por índices de variabilidade da freqüência cardíaca (rMSSD e pNN50), do eletrocardiograma (ECG) de alta resolução (ECGAR) e do grau de dispersão da repolarização ventricular determinado no ECG de superfície. Por regressão logística determinaram-se, a partir dos resultados, os preditores de risco para morte cardíaca e morte súbita. RESULTADOS: Observou-se na população envolvida uma elevada incidência de ectopias ventriculares isoladas, pareadas e de surtos não sustentados de taquicardia ventricular. Pela análise do balanço autonômico notou-se depressão da atividade vagal cardíaca em mais da metade dos pacientes, sendo que apenas 30% apresentaram ECGAR positivo. O grau de dispersão temporal da repolarização ventricular variou de 20 a 100ms. A presença de >30 extra-sístoles isoladas por hora e de taquicardia ventricular não sustentada ao Holter foram os preditores de risco com valores mais elevados para a morte cardíaca e morte súbita, com uma razão de risco respectiva de 1,9 e 3,2 (p= 0,01 e 0,000). CONCLUSÃO: Foram observadas importantes alterações no comportamento elétrico e autonômico cardíaco, constituindo-se fatores de risco para a ocorrência de eventos arrítmicos graves ou fatais.

miocardiopatia dilatada; perfil arritmogênico


PURPOSE: To evaluate the arrhythmogenic profile of patients with dilated cardiomyopathy of low ejection fraction and its prognostic significance. METHODS: Data from 40 patients (30 males; mean age: 52±13 years) were analysed including ventricular arrhythmias (24h - Holter monitoring), autonomic balance from heart rate variability in time domain (rMSSD and pNN50 indexes), ventricular late potentials (signal averaged electrocardiogram (ECG)) and dispersion of ventricular repolarization measured from 12-lead ECG. RESULTS: There was a high prevalence of ventricular arrhythmias with at least one episode of nonsustained ventricular tachycardia (VT) in 60% of the patients. Depressed vagal activity was observed in more than half of the patients. In only 30% of the patients the signal-averaged ECG was positive. The dispersion of ventricular repolarization ranged from 20 to 100ms. The presence of >30 ventricular premature beats or nonsustained VT on Holter monitoring was the most significant predictor of cardiac death and sudden cardiac death with a relative risk of 1.9 and 3.2, respectively (p= 0.01 and 0.000). CONCLUSION: In this study population it was noted that patients with dilated cardiomyopathy and low ejection fraction had an abnormal electrical and autonomic cardiac behaviour. These findings could represent risk factors for the ocurrence of life-threatening arrhythmias or fatal events.

dilated cardiomyopathy; arrhythmogenic profile


Artigo Original

Avaliação do Perfil Arritmogênico Ventricular de Pacientes com Miocardiopatia Dilatada e Fração de Ejeção Diminuída

Ivan G. Maia, Cantidio Drumond Neto, Marcelo Montera, Lilian Soares da Costa, Paulo A. G. Alves

Rio de Janeiro, RJ

OBJETIVO: Avaliar o perfil arritmogênico ventricular de pacientes com miocardiopatia dilatada e fração de ejeção diminuída.

MÉTODOS: Estudo prospectivo em 40 pacientes com fração de ejeção média ao ecocardiograma de 32,5±2,1%, obtida pela análise do Holter de 24h, do balanço autonômico cardíaco, determinado por índices de variabilidade da freqüência cardíaca (rMSSD e pNN50), do eletrocardiograma (ECG) de alta resolução (ECGAR) e do grau de dispersão da repolarização ventricular determinado no ECG de superfície. Por regressão logística determinaram-se, a partir dos resultados, os preditores de risco para morte cardíaca e morte súbita.

RESULTADOS: Observou-se na população envolvida uma elevada incidência de ectopias ventriculares isoladas, pareadas e de surtos não sustentados de taquicardia ventricular. Pela análise do balanço autonômico notou-se depressão da atividade vagal cardíaca em mais da metade dos pacientes, sendo que apenas 30% apresentaram ECGAR positivo. O grau de dispersão temporal da repolarização ventricular variou de 20 a 100ms. A presença de >30 extra-sístoles isoladas por hora e de taquicardia ventricular não sustentada ao Holter foram os preditores de risco com valores mais elevados para a morte cardíaca e morte súbita, com uma razão de risco respectiva de 1,9 e 3,2 (p= 0,01 e 0,000).

CONCLUSÃO: Foram observadas importantes alterações no comportamento elétrico e autonômico cardíaco, constituindo-se fatores de risco para a ocorrência de eventos arrítmicos graves ou fatais.

Palavras-chave: miocardiopatia dilatada, perfil arritmogênico

Evaluation of the Arrhythmogenic Profile of Patients with Dilated Cardiomyopathy and Reduced Ejection Fraction

PURPOSE: To evaluate the arrhythmogenic profile of patients with dilated cardiomyopathy of low ejection fraction and its prognostic significance.

METHODS: Data from 40 patients (30 males; mean age: 52±13 years) were analysed including ventricular arrhythmias (24h - Holter monitoring), autonomic balance from heart rate variability in time domain (rMSSD and pNN50 indexes), ventricular late potentials (signal averaged electrocardiogram (ECG)) and dispersion of ventricular repolarization measured from 12-lead ECG.

RESULTS: There was a high prevalence of ventricular arrhythmias with at least one episode of nonsustained ventricular tachycardia (VT) in 60% of the patients. Depressed vagal activity was observed in more than half of the patients. In only 30% of the patients the signal-averaged ECG was positive. The dispersion of ventricular repolarization ranged from 20 to 100ms. The presence of >30 ventricular premature beats or nonsustained VT on Holter monitoring was the most significant predictor of cardiac death and sudden cardiac death with a relative risk of 1.9 and 3.2, respectively (p= 0.01 and 0.000).

CONCLUSION: In this study population it was noted that patients with dilated cardiomyopathy and low ejection fraction had an abnormal electrical and autonomic cardiac behaviour. These findings could represent risk factors for the ocurrence of life-threatening arrhythmias or fatal events.

Key-words: dilated cardiomyopathy, arrhythmogenic profile

Apesar do avanço nos meios diagnósticos, propiciando inclusive intervenções mais precoces, e do nítido progresso nas opções terapêuticas, as miocardiopatias dilatadas (MCD) continuam apresentando significativa morbidade e mortalidade. Estima-se que a mortalidade em um ano, englobando pacientes com comprometimento da fração de ejeção (FE), possa atingir até 30%,1,2 sendo um terço a um quarto dessas mortes de caráter súbito 3.Esses dados epidemiológicos enfatizam a importância clínica das MCD, indicando também a necessidade de acharmos, através de métodos invasivos ou não invasivos, parâmetros que permitam selecionar ou estratificar grupos de maior risco dentro dessa população específica.

No presente estudo, através de métodos não invasivos, objetivamos avaliar o perfil arritmogênico de pacientes com MCD, tentando definir, a partir dos resultados, sua importância prognóstica.

Métodos

Foram avaliados, prospectivamente, 40 portadores de MCD, com diagnósticos nosológico e etiológico estabelecidos através de dados clínicos e exames complementares de rotina, que incluíam o eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações, ecocardiograma, radiografia de tórax e prova de esforço. Trinta pacientes eram do sexo masculino e 10 do feminino, com idade média de 52±13 anos. Todos encontravam-se em classe funcional II ou III da New York Heart Association, com uma FE média ao ecocardiograma de 32,5± 2,1%. Em 16 pacientes, a MCD foi considerada de origem idiopática; em 15, isquêmica, e, em cinco e quatro pacientes, chagásica e alcoólica, respectivamente. Por questões éticas, todos os pacientes foram submetidos aos exames complementares para avaliação do perfil arritmogênico na vigência de medicação específica, que incluía digitálicos, diuréticos e captopril.

Para avaliação do perfil arritmogênico foram analisados dados dos seguintes exames complementares não invasivos: 1) eletrocardiografia dinâmica pelo sistema Holter com gravações de 24h, utilizando-se gravadores convencionais e leitura das fitas em sistema computadorizado de fabricação DMI (Diagnostic Medical Instruments). Em todos, foi definido o ritmo de base, quantificando-se e qualificando-se as arritmias ativas ventriculares em: isoladas, respostas pareadas (RP - duas despolarizações sucessivas), taquicardia ventricular não sustentada (TVNS - >3 despolarizações sucessivas, >100bpm <30s) e taquicardia ventricular sustentada (TVS - >30s de duração); 2) eletrocardiografia dinâmica para definição do perfil autonômico cardíaco por índices de variabilidade da freqüência cardíaca (VFC). Após a edição manual das gravações, eliminando-se os ruídos aleatórios, extraíram-se dois índices de 24h da VFC em domínio de tempo com forte expressão da atividade parassimpática - rMSSD definido como a raiz quadrada das diferenças da VFC de ciclos normais sucessivos, durante o período de registro, e pNN50 (%) definido como o percentual de ciclos normais adjacentes com uma VFC >50ms, durante o período de registro. Foram considerados como indicativo de depressão da atividade vagal cardíaca valores do rMSSD <30ms e do pNN50 <5% 4. Foram excluídos da análise nove pacientes, por apresentarem fibrilação atrial sustentada ou crônica; 3) eletrocardiografia de alta resolução (ECGAR), excluindo-se quatro pacientes que apresentavam bloqueio de ramo direito. O teste foi realizado com a finalidade de definir a presença de potenciais arritmogênicos no final do complexo QRS e obtido em um sistema de fabricação Corazonix Predictor II. O sinal eletrocardiográfico captado através das derivações X, Y e Z era amplificado, promediado e filtrado bidirecionalmente (40Hz), analisando-se o final do complexo QRS filtrado (vetor-magnitude resultante de x2 + y2 + z2), tendo sido considerados os seguintes parâmetros para análise 5: valor da voltagem média (VM) dos 40ms finais do complexo QRS filtrado com corte de normalidade >20,0 mV; duração dos sinais de baixa amplitude (SBA) <40 mV no final do QRS filtrado com corte de normalidade <38,0ms; duração total do complexo QRS filtrado com corte de normalidade <114,0ms. Para pacientes com bloqueio de ramo esquerdo (BRE), considerou-se o teste como positivo frente a uma VM <15,0 mV e os SBA >55ms, desprezando-se os valores da DQRS 6. Considerou-se um teste positivo quando pelo menos dois dos três parâmetros analisados encontravam-se alterados; 4) eletrocardiografia convencional para determinação do grau de dispersão temporal da repolarização ventricular. Com a finalidade de se definir a vulnerabilidade miocárdica, determinaram-se, manualmente e, por um único observador, os valores dos intervalos QT nas 12 derivações clássicas. Definiu-se o grau de dispersão da repolarização ventricular a partir da diferença entre o maior e o menor intervalo QT medido em ms, independente da derivação observada 7.Foram excluídos da análise nove pacientes que apresentavam fibrilação atrial.

Após a realização dos exames complementares, os pacientes foram acompanhados em seguimento ambulatorial. A orientação terapêutica incluía para todo o grupo o uso de captopril em dose otimizada, digital e diuréticos (furosemida isolada ou associada à espironolactona). Nenhum paciente foi submetido a qualquer tipo de tratamento não farmacológico, nem fizeram uso, por orientação específica, de drogas antiarrítmicas. Os óbitos foram classificados em função de suas circunstâncias: morte cardíaca, quando ocorrida em regime de internação hospitalar, e morte súbita quando fora desse ambiente, de caráter inesperado, com ou sem testemunhas.

Os resultados foram confrontados entre as diversas etiologias das MCD em busca de diferenças entre as mesmas.

Análise estatística - os resultados foram expressos pela média e um desvio padrão. Para análise comparativa dos dados, usou-se um teste de variância, considerando-se um p<0,05 como significativo. Os dados foram também avaliados através de regressão logística (stepwise), introduzindo-se ou sendo removida em cada etapa uma variável. Foi estimada a razão de risco para morte cardíaca e morte súbita, com as seguintes variáveis testadas no modelo: fibrilação atrial, >10 <30 ectopias ventriculares por hora ao Holter, >30 ectopias ventriculares por hora ao Holter, presença de RP ventriculares ou de TVNS ao Holter, rMSSD <30ms e pNN50 <5%, ECGAR positivo e dispersão temporal da repolarização ventricular com valores >70ms.

Resultados

Na eletrocardiografia dinâmica foram observadas: extra-sístoles ventriculares isoladas com densidade média >30 por hora em 18 (45%) pacientes, com média para o grupo de 5848,2±5740,9 eventos (mediana: 4089,0); extra-sístoles ventriculares isoladas com densidade média <30 >10 por hora em oito (20%) pacientes com média para o grupo de 479,8±142,2 eventos (mediana: 473,5); RP ventriculares em um total de 31 dos 40 (77,5%) pacientes, sendo a média de eventos para o grupo de 79,1±146,8 (mediana: 17,0); TVNS em um total de 24 dos 40 (60%) pacientes, com média para o grupo de 15,7±46,6 episódios (mediana de 4,0). Não foram observados episódios de TVS.

No perfil arritmogênico (fig. 1), os dados apresentaram ampla dispersão. rMSSD <30ms e pNN50 <5% foram observados em um total de 16 dos 31 (52%) pacientes. A média do rMSSD para o grupo foi de 21,2±4,3ms e do pNN50 de 2,2±1,6%.


No ECGAR, o teste foi positivo em 11 (30,5%) dos 36 pacientes. A média da VM para o grupo foi de 10,6±4,2 uV, dos SBA de 57,4±13,2ms e da DQRS de 147,8±18,4ms. Os testes foram considerados negativos nos casos 7, 19, 22, 29 e 40 da tabela I por apresentarem BRE e não preencherem os critérios adotados frente a esse distúrbio da condução.

O grau de dispersão da repolarização ventricular variou de 20 a 100ms com média de 46,7±19,9ms. Os resultados individualizados encontram-se na tabela I.

Não foram observadas diferenças significativas nos resultados quando comparados às diversas etiologias das MCD. Esses dados não foram avaliados em relação ao ECGAR dos pacientes chagásicos em função de seu número irrisório.

Em seguimento clínico médio de 25±8 meses, ocorreram 16 (40%) óbitos. Morte cardíaca ocorreu em 10 (25%) pacientes (cinco idiopáticos, quatro isquêmicos e um chagásico) e morte súbita em seis (15%) pacientes (três isquêmicos, um chagásico, um alcoólico e um idiopático).

A análise por regressão logística mostrou que os preditores de risco com valores mais elevados e significativos para a morte cardíaca e morte súbita foram a presença de TVNS ao Holter com uma razão de risco de 3,2 (p= 0,000) e a presença de >30 extra-sístoles por hora ao Holter com uma razão de risco de 1,9 (p= 0,01). As outras variáveis analisadas não atingiram significância estatística.

Discussão

Durante registros de Holter, pelo menos 60% dos pacientes com MCD apresentam arritmias ventriculares complexas com uma prevalência de TVNS, variando entre 40 a 80% 8,9 . O valor preditivo desses eventos arrítmicos para a morte cardíaca e súbita cardíaca ainda permanece assunto controverso. Um dos estudos mais abrangente sobre o assunto foi desenvolvido por Gradman e col 10, envolvendo um total de 295 pacientes, com um tempo médio de seguimento de 16 meses. Esses autores encontraram uma nítida relação entre morte súbita cardíaca e a presença de TVNS ao Holter. No entanto, outros autores, como Maskin e col 11 e von Olshausen 12 e col, não observaram este tipo de associação. As discrepâncias nos resultados muito provavelmente relacionam-se com fases distintas de avaliação dos pacientes, pois parece haver um estreita relação entre o grau de disfunção miocárdica e a presença de TVNS ao Holter 13.

Nossos resultados não diferiram dos encontrados na literatura e confirmaram a importante prevalência de arritmias ventriculares em pacientes com MCD. Este perfil, inclusive, representou um importante preditor de risco para morte cardíaca e morte súbita nesta pequena população avaliada.

As vantagens ou benefícios resultantes da abolição dos eventos arrítmicos ventriculares com o uso de drogas antiarrítmicas, permanecem ainda questão muito polêmica. Ensaios como o GESICA 14 mostraram uma significativa redução da mortalidade cardíaca com o uso de amiodarona, independente da abolição ou não dos eventos arrítmicos. Posteriormente, o ensaio STAT-CHF 15 não confirmou este achado, embora tenha demonstrado que o subgrupo de pacientes com MCD não isquêmica apresentou resultados mais positivos. Assim, parece plausível admitir que as arritmias ventriculares complexas constituem um sinal de alerta para os pacientes com MCD e que a terapêutica deverá ser dirigida muito mais para a doença de base do que para os eventos arrítmicos em si.

Quanto ao perfil autonômico, apesar do uso rotineiro de drogas que aumentam a atividade parassimpática cardíaca, como os inibidores da enzima conversora da angiotensina, uma significativa parcela de pacientes com MCD evolui com depressão da atividade vagal, como demonstrado em alguns estudos 16,17,bem como no nosso trabalho. Constatamos que mais da metade dos pacientes envolvidos apresentava um rMSSD <30ms e um pNN50 <5%, acreditando que em função do pequeno número de casos avaliados, estes achados não atingiram significância estatística como preditores de risco. A depressão da atividade vagal cardíaca, com conseqüente liberação do simpático representa um fator de risco indiscutível, pois favorece a ocorrência de eventos arrítmicos graves e morte súbita como bem demonstrado em literatura 18.

A presença de uma baixa VFC, avaliada por alguns índices em domínio de tempo, representa um útil preditor prognóstico para essa população 19 , no entanto não está demonstrado se a mudança deste perfil poderá alterar sua história natural. É possível que parte dos benefícios que se tem demonstrado com o uso de betabloqueadores em pacientes com MCD seja proveniente de uma modificação no perfil autonômico cardíaco induzido por essas drogas 20.

Considera-se que a presença de potenciais tardios de baixa amplitude e alta freqüência no final do complexo QRS filtrado representa um importante substrato arritmogênico, preditor de risco para a morte súbita 21.O valor prognóstico desses potenciais anormais encontra-se muito bem estabelecido nas CMD de origem isquêmica, sendo ainda discutível nas não relacionadas à doença coronária. Trabalhos como os de Mancini e col 22 e Turitto e col 23 observaram estreita relação entre a presença dos potenciais anormais detectados pelo ECGAR em domínio de tempo e morte súbita cardíaca ou indução de TVS por estimulação elétrica ventricular programada. Como esses são estudos isolados, o real valor do método nas CMD não isquêmicas ainda necessita ser estabelecido.

Em nosso estudo, a positividade do teste foi baixa (30%) envolvendo seis pacientes com CMD isquêmica e cinco não isquêmica. Em ambos os grupos, os resultados não serviram como divisor prognóstico tanto para a morte cardíaca como morte súbita.

A diferença entre o maior e menor valor do intervalo QT no ECG de superfície expressa o grau de dispersão temporal da repolarização ventricular 7, que representa o estado de vulnerabilidade miocárdica para a ocorrência de arritmias ventriculares sustentadas bem como para a fibrilação ventricular. Parece haver uma relação direta entre o grau de dispersão e mortalidade cardíaca, conforme Zareba e col 24.Por ser um método novo, existem poucos trabalhos avaliando o seu valor nas MCD. Bar e col 25 observaram existir uma significativa diferença no grau de dispersão da repolarização ventricular entre 44 pacientes com miocardiopatia que apresentaram morte súbita e morte por progressão da doença. Em nosso material, a medida do grau de dispersão da repolarização ventricular mostrou valores muito amplos, não atingindo significância estatística para previsão de risco.

Em relação ao seguimento clínico, a abordagem terapêutica proposta parece-nos não ter contribuído para o desencadeamento de complicações que possam ter auxiliado ou facilitado os eventos finais dos pacientes.

Finalizando, gostaríamos de enfatizar que, confirmando os dados da literatura, demonstramos que pacientes com MCD apresentam importantes alterações do perfil elétrico e autonômico cardíaco, que constituem, de forma indiscutível, fatores de risco para o desenvolvimento de arritmias graves ou fatais.

Embora inúmeros trabalhos de literatura tenham utilizado para suas conclusões uma casuística menor, achamos ser um fator limitante, especialmente em relação aos dados estatísticos, o número de pacientes envolvidos no presente estudo. Outro fator limitante e passível de crítica seria a inclusão de pacientes com MCD de etiologias distintas, em um só grupo de estudo, existindo entre eles possíveis histórias naturais diversas. No entanto, em recente estudo envolvendo 3787 pacientes, Bart e col 26 demonstraram que os preditores de risco têm comportamento semelhante entre as CMD isquêmicas e não isquêmicas, sendo diferenciáveis em termos prognósticos apenas pelo grau de extensão da doença coronária.

Hospital Pró-Cardíaco/Pró-Ritmo, Hospital da Santa Casa de Misericórdia -Rio de Janeiro

Correspondência: Ivan G. Maia - Rua Raul Kennedy 81 - 22631-200 - Rio de Janeiro, RJ -

Recebido para publicação em 5/1/98

Aceito em 12/2/98

  • 1. Unverterth DV, Magorien RD, Moeschberger ML et al - Factors influencing the one-year mortality of dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol 1984; 54: 147-52.
  • 2. Diaz AD, Obasohan A, Oakley CM - Prediction of outcome in dilated cardiomyopathy. Br Heart J 1987; 58: 393-9.
  • 3. Tamburro P, Wilber DJ - Sudden death in idiopathic dilated cardiomyopathy. Am Heart J 1992; 124: 992-7.
  • 4. Malik M, Camm J - Heart rate variability. Clin Cardiol 1990; 13: 570-6.
  • 5. Breithardt G, Cain ME, El-Sherif N et al - Standard for analysis of ventricular late potentials using high-resolution or signal-averaged electrocardiography. J Am Coll Cardiol 1991; 17: 999-1006.
  • 6. Fontaine JM, El-Sherif N - Bundle branch block and the signal averaged electrocardiogram. In: El-Sherif N, Turitto G. Eds - High Resolution Electrocardiography. New York: Futura, 1992: 533-68.
  • 7. Day CP, McComb JM, Campbell RWF - QT dispersion: an indication of arrhythmic risk in patients with long QT intervals. Br Heart J 1990; 63: 342-4.
  • 8. De Maria R, Gavazi A, Caroli A et al - Ventricular arrhythmias in dilated cardiomyopathy as an independent prognostic halmark (SPIC). Am J Cardiol 1992; 69: 1451-7.
  • 9. Francis GS - Development of arrhythmias in patients with congestive heart failure: pathophysiology, prevalence and prognosis. Am J Cardiol 1986; 57: 3B-7B.
  • 10. Gradman A, Deedwania P, Cody R et al - Predictors of total mortality and sudden death in mild to moderate heart failure. J Am Coll Cardiol 1989; 14: 564-70.
  • 11. Maskin CS, Siskind SJ, Lejentel TH - High prevalence of nonsustained ventricular tachycardia in severe congestive heart failure. Am Heart J 1984; 107: 896-901.
  • 12. Olshausen KV, Stienen U, Schwarz F et al - Long-term prognostic significance of ventricular arrhythmias in idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol 1988; 61: 146-51.
  • 13. Anastasiou MI, Menlove RL, Mason JW - Western Enoximone Study Group. Quantification of prevalence of asyntomatic ventricular arrhythmias in patients with heart failure. ANE 1997; 2: 346-53.
  • 14. Doval HC, Nul DR, Grancelli HO et al - Randomized trial of low dose amiodarone in severe heart failure. Lancet 1994; 344: 493-8.
  • 15. Singh SN, Fletcher RD, Fisher SG et al - Amiodarone in patients with congestive heart failure and ventricular arrhythmias. N Eng J Med 1995; 333: 77-82.
  • 16. Binder T, Frey B, Porenta G et al - Prognostic value of heart rate variability in patients awaiting cardiac transplantation. PACE 1992; 15: 2215-20.
  • 17. Lu F, Keeling PF, Gil JS et al - Heart rate variability and its relation to ventricular arrhythmias in congestive heart failure. Br Heart J 1994; 71: 322-8.
  • 18. Schwartz PJ, La Rovere MT, Vanoli E - Autonomic nervous system and sudden cardiac death. Experimental basis and clinical observations for post-myocardial infarction risk stratification. Circulation 1992; 85(suppl I): 177-91.
  • 19. Fauchier L, Babuty D, Cosnay P et al - Heart rate variability in idiopathic dilated cardiomyopathy: characteristics and prognosis. J Am Coll Cardiol 1997; 30: 1009-14.
  • 20. Tomita F, Kohya T, Kaji T et al - Beneficial effects of captopril and metroprolol treatment in idiopathic dilated cardiomyopathy: correlation of restored autonomic nervous activity with improvement of ventricular arrhythmias. ANE 1997; 2: 346-53.
  • 21. Grimm W, Winzenburg J, Knop V et al - Incidence and clinical significance of ventricular late potentials in idiopathic dilated cardiomyopathy compared to coronary artery disease. ANE 1997; 2: 20-26.
  • 22. Mancini DM, Wong K, Simson MB - Prognostic value of an abnormal signal-averaged electrocardiogram in patients with nonischemic congestive cardiomyopathy. Circulation 1993; 87: 1083-92.
  • 23. Turitto G, Ahuja R, Caref EB et al - Risk stratification for arrhythmic events in patients with nonischemic dilated cardiomyopathy and NSVT: role of programmed ventricular stimulation and the signal averaged electrocardiogram. J Am Coll Cardiol 1994; 24: 1523-8.
  • 24. Zareba W, Moss AJ, LeCessie S - Dispersion of ventricular repolarization and arrhythmic cardiac death in coronary artery disease. Am J Cardiol 1994; 74: 550-3.
  • 25. Barr CS, Naas A, Freeman M et al - QT dispersion and sudden unexpected death in chronic heart failure. Lancet 1994; 343: 327-9.
  • 26. Bart BA, Shaw LK, McCants CB et al - Clinical determinants of mortality in patients with angiographically diagnosis ischemic and nonischemic cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol 1997; 30: 1002-1008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2002
  • Data do Fascículo
    Abr 1998

Histórico

  • Aceito
    12 Fev 1998
  • Recebido
    05 Jan 1998
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br