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Mixoma atrial esquerdo com acidente vascular cerebral isquêmico em criança

Left atrial myxoma and isquemic stroke in a child

Resumos

É apresentado um caso de mixoma atrial esquerdo associado a acidente vascular cerebral embólico em paciente do sexo feminino, com oito anos de idade. Feita a exérese do tumor, a criança apresentava, dois meses após cirurgia, presença de massa septoatrial esquerda, sugerindo recidiva, mantendo-se, porém, assintomática. A revisão da literatura enfatiza a raridade e a agressividade com que este tumor acomete esta faixa etária, além de salientar baixas taxas de recidiva após sua retirada.


The authors present a case of left atrial myxoma with stroke in an 8-year-old female child. The tumor was removed and two months after the surgery a left atrial septum mass was observed suggesting recurrence. The child was asymptomatic. Literature review emphasizes the rarity and clinically aggressive behavior of this tumor at this age group and demonstrates rare recurrence rates after surgery.


Relato de Caso

Mixoma Atrial Esquerdo com Acidente Vascular Cerebral Isquêmico em Criança

Isabela Thomaz Takakura, Moacir Fernandes de Godoy, Marcelo José Soares, Airton Camacho Moscardini, Domingo Marcolino Braile

São José do Rio Preto, SP

É apresentado um caso de mixoma atrial esquerdo associado a acidente vascular cerebral embólico em paciente do sexo feminino, com oito anos de idade. Feita a exérese do tumor, a criança apresentava, dois meses após cirurgia, presença de massa septoatrial esquerda, sugerindo recidiva, mantendo-se, porém, assintomática. A revisão da literatura enfatiza a raridade e a agressividade com que este tumor acomete esta faixa etária, além de salientar baixas taxas de recidiva após sua retirada.

Left Atrial Myxoma and Isquemic Stroke in a Child

The authors present a case of left atrial myxoma with stroke in an 8-year-old female child. The tumor was removed and two months after the surgery a left atrial septum mass was observed suggesting recurrence. The child was asymptomatic. Literature review emphasizes the rarity and clinically aggressive behavior of this tumor at this age group and demonstrates rare recurrence rates after surgery.

Os tumores cardíacos primários são raros, com prevalência estimada de 0,05% em autópsias. Destes, os mixomas atriais são responsáveis por mais de 50% dos casos. Contudo, eles são pouco freqüentes em adolescentes e muito incomuns em crianças em idade escolar 1.

Em estudo realizado no Instituto de Patologia das Forças Armadas, em Washington, foram identificados 114 mixomas cardíacos, entre 1967 e 1993, sendo que em 102 foram realizadas operações para exérese e 12 foram detectados em autópsia. Do total, apenas quatro foram diagnosticados em pacientes com menos de 15 anos de idade 2.

Relata-se a ocorrência de um mixoma atrial esquerdo em criança com oito anos de idade, que apresentou acidente vascular cerebral isquêmico.

Relato do caso

Criança de oito anos de idade, sexo feminino, que chegou à emergência do hospital com hemiparesia direita súbita, acompanhada de desvio de rima labial à esquerda e afasia de expressão. Foi internada em mau estado geral, com Glasgow 7 e bradicárdica. Aproximadamente um ano antes da internação, a criança havia apresentado episódio semelhante de curta duração, ficando com parestesia de membro superior esquerdo durante um mês. Houve outro episódio um mês antes da internação, com duração de um dia. Na internação, suspeitou-se de um acidente vascular cerebral isquêmico, sem etiologia definida. Foi realizado ecodopplercardiograma que revelou massa móvel em átrio esquerdo (AE), aderida ao septo interatrial, medindo 46mm x 27mm, apresentando protusão diastólica para interior do ventrículo esquerdo com obstrução de sua via de entrada (fig. 1). O estudo tomográfico cerebral revelou área hipodensa, sugestiva de isquemia recente em regiões de lobo frontal, parietal e temporal do hemisfério cerebral esquerdo, com desvio de linha média para direita e compressão de estruturas adjacentes. A criança recebeu suporte terapêutico e evoluiu com seqüelas neurológicas, como hemiparesia direita e afasia de expressão. Foi submetida à operação cardíaca dois meses após a embolia cerebral, para exérese da massa atrial esquerda. A cavidade atrial foi exaustivamente limpa e, em seguida, feita sua rafia. O exame anatomopatológico confirmou a suspeita de mixoma cardíaco. O ecodopplercardiograma, realizado dois meses após a cirurgia, revelou fluxo sistólico turbulento em AE, compatível com insuficiência mitral de grau discreto. Havia imagem ecogênica medindo 7mm x 3mm, aderida ao septo interatrial. Um ano após a operação, outro ecodopplercardiograma foi realizado, revelando imagem ecogênica aderida ao septo interatrial, medindo 12mm x 7mm (fig. 2). A repetição do exame com um ano e oito meses de evolução mostrou imagem medindo 14mm x 5mm (fig. 3). Dois anos após a operação, a massa media 19mm x 5mm em seu maior diâmetro (fig. 4). A paciente está sendo acompanhada pela neuropediatria, apresentando atualmente déficit de força discreto em hemicorpo direito, mas deambula. Evoluiu também com grau discreto de disfasia de expressão. O crescimento da massa atrial está sendo acompanhado por ecodopplercardiogramas periódicos, constando da programação, uma nova intervenção cirúrgica.





Discussão

Os mixomas são os tumores primários cardíacos mais comuns, sendo que 75% deles estão localizados no AE, 23% no átrio direito (AD) e 2% na cavidade ventricular. A idade média mais comumente acometida é de 56 anos e 70% são mulheres. A herança genética constitui 10% de todos os pacientes com mixoma, sendo que a transmissão é autossômica dominante. Os mixomas familiares ocorrem em jovens (média 25 anos), com menor predominância feminina 2.

A tríade clássica, habitualmente, encontrada em portadores de mixoma cardíaco é caracterizada por obstrução ao fluxo sangüíneo, levando à insuficiência cardíaca intermitente, sintomas gripe-like com anorexia e perda de peso, e fenômenos embólicos 1. Outras alterações podem ser identificadas, tais como fenômeno de Raynaud, anemia, velocidade de hemossedimentação elevada, leucocitose, plaquetopenia e aumento de gamaglobulinas. Assim, algumas doenças podem fazer parte do diagnóstico diferencial de mixoma cardíaco, como endocardite, doença vascular do colágeno e doença maligna oculta 2. No presente caso, só foi constatado o embolismo.

O embolismo pode ocorrer em mais de 50% das crianças com mixoma, sendo acompanhado, muitas vezes, por seqüelas muito graves ou até mesmo fatais. Esse embolismo pode decorrer da formação de coágulos sobre a massa tumoral ou do desprendimento de fragmentos do próprio tumor. Há alguns casos de crianças com mixoma atrial relatados na literatura. Eles geralmente se apresentam com sintomas extracardíacos inespecíficos. Uma criança de sexo masculino, com 10 anos de idade, apresentava sintomas intermitentes e sinais laboratoriais persistentes de doença inflamatória crônica. Foram sugeridos, como diagnósticos, doenças do colágeno ou de origem auto-imune, como vasculites; porém, a avaliação ecocardiográfica revelou um grande mixoma atrial esquerdo 3. Um estudo feito na Universidade do Hawaii, em Honolulu, demonstrou que de 35 portadores de mixoma cardíaco, 46% deles apresentavam sintomas cardíacos (insuficiência cardíaca congestiva 26%, palpitações 14% e síncope 6%), enquanto a embolização arterial ocorreu em 11% dos pacientes 4.

Foi relatado o caso de um menino de oito anos de idade com mixoma atrial esquerdo, que apresentou embolização para ambas as mãos e pernas, depois em cérebro com déficits motores generalizados e hemiparesias e, finalmente, em olho esquerdo com oclusão da artéria central da retina, com grave comprometimento visual 5.

Manifestações intestinais não-embólicas foram encontradas em criança de cinco anos de idade, sexo masculino, com dor abdominal, vômitos, febre e prova de guaiaco positiva, apresentando mixoma em AD com isquemia em segmento de jejuno, necessitando ressecção. Foi demonstrado que a vasculite mesentérica não era de origem embólica, sendo especulado um possível mecanismo de arterite auto-imune associado ao tumor cardíaco 6.

Em todos os casos relatados e aqui citados, a ecocardiografia foi o método diagnóstico usado, revelando sua grande acurácia, mesmo sendo um método não-invasivo. Também pode ser útil, em casos selecionados, o uso de ressonância magnética e tomografia computadorizada 2.

As ressecções de mixomas cardíacos podem ser difíceis em virtude de não se conseguir, muitas vezes, delimitar a invasão do tumor no miocárdio, ou até mesmo, por não ser possível retirar toda a massa. Quanto à recorrência, tem sido relatada que são mais comuns em casos de tumores extra-septais. Cerca de 1 a 5% deles recidivam 1, usualmente, cerca de quatro anos após a ressecção inicial 2.

No presente caso, parece inquestionável a recorrência do mixoma, uma vez que a cavidade atrial foi exaustivamente limpa durante o ato operatório. A paciente ainda está em acompanhamento, e deverá necessitar reintervenção.

A primeira remoção cirúrgica de um mixoma em criança com sucesso ocorreu na década de 60. Atualmente, com os avanços da tecnologia em cirurgia cardíaca, os sucessos são muito freqüentes e a mortalidade diminuiu. Contudo, colapsos hemodinâmicos e embolia pulmonar ou sistêmica são perigos constantes que os pacientes enfrentam durante a cirurgia. Desta forma, o diagnóstico precoce deve ser feito, principalmente em crianças, pois seus corações são pequenos e o crescimento rápido do tecido tumoral leva muito mais precocemente ao óbito no curso da história natural da doença.

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP

Correspondência: Isabela Thomaz Takakura - Rua Amadeu Segundo Cherubini, 170/11 - 15091-250 - São José do Rio Preto, SP

Recebido para publicação em 4/5/98

Aceito em 20/5/98

  • 1. Pathi VL, Royse A, Doig W, Pollock JC - Left atrial myxoma in a preschool child. Ann Thorac Surg 1997; 63: 550-2.
  • 2. Roberts WC - Primary and secondary neoplasms of the heart. Am J Cardiol 1997; 80: 671-2
  • 3. Pfammatter JP, Iff T, Schupbach P - Imitation of a chronic recurrent inflammatory illness by a cardiac myxoma. Eur J Pediatr 1996; 155: 637-9.
  • 4. Premaratne S, Hasaniya NW, Arakaki HY, Mugiishi MM, Mamiya RT, NcNamara JJ - Atrial myxomas: experiences with 35 patients in Hawaii. Am J Surg 1995; 169: 600-3.
  • 5. Tonz M, Laske A, Carrel T, da Silva V, Real F, Turina M - Convulsions, hemiparesis and central retinal artery occlusion due to left atrial myxoma in child. Eur J Pediatr 1992; 151: 652-4.
  • 6. Park JM, Garcia RR, Patrick JK, Wagner D, Anuras S - Right atrial myxoma with a nonembolic intestinal manifestation. Pedriatr Cardiol 1990; 11: 164-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2002
  • Data do Fascículo
    Ago 1998

Histórico

  • Aceito
    20 Maio 1998
  • Recebido
    04 Maio 1998
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