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Doença coronariana no grande idoso: conduta conservadora ou agressiva?

EDITORIAL

Doença coronariana no grande idoso. Conduta conservadora ou agressiva?

Mauricio Wajngarten; Sergio Almeida Oliveira

Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Mauricio Wajngarten INCOR Av Dr Eneas C Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo, SP

Cada vez torna-se mais freqüente a necessidade de decidir qual é o melhor tratamento de uma doença arterial coronariana em pacientes com mais de 80 anos. O envelhecimento promove uma verdadeira conspiração que aumenta a prevalência e as conseqüências da doença coronariana nos grandes idosos1.

As diretrizes consideram os idosos como grupo especial e reconhecem carências de informações para essa população. Apesar das limitações, elas nos auxiliam a nortear as condutas e, portanto, devem ser utilizadas2. Um exemplo típico é o da prevenção, principalmente a secundária, indicada mesmo sem evidências oriundas de grandes ensaios randomizados.

Quanto ao tratamento da doença arterial coronariana, a escolha da melhor opção é crítica, no sentido de preservar ou restituir a qualidade de vida e aumentar a sobrevida em uma população mais suscetível à iatrogenia. No caso dos grandes idosos, a prioridade é quanto à qualidade de vida que, contudo, pode induzir a condutas exageradamente conservadoras. As três opções terapêuticas - clínica, revascularização percutanea e revascularização cirúrgica – serão analisadas em função dos três principais determinantes dos resultados de uma intervenção terapêutica: doente, doença e tipo de tratamento.

Com relação ao doente, os grandes idosos caracterizam-se pela heterogeneidade de comportamento e pela presença concomitante de múltiplas afecções , as cormobidades. Há idosos "jovens", bem conservados, com uma só doença e preservados das repercussões da senecência. Outros idosos exibem várias doenças concomitantes, seqüelas, ou perdas funcionais, causadas pelo envelhecimento, caracterizando os idosos "velhos". Obviamente, estes últimos não são candidatos a condutas mais agressivas. Desse modo, é fundamental avaliação que contemple, além do quadro clínico, outros domínios, como social, psicológico, cognitivo e grau de independência. Avaliação que exige trabalho em equipe, envolvimento pessoal de clínicos, hemodinamicistas e cirurgiões.

Quanto à doença, cabe lembrar que a doença arterial coronariana abrange um espectro de doenças, que inclue a doença crônica, a angina instável /infarto sem supra-desnivelamento do segmento ST e o infarto do miocardio com supradesnivelamento do segmento ST. Em todas elas há prejuízo da qualidade de vida. Constata-se, por exemplo, que cerca de 40% dos casos de doença arterial coronariana crônica apresentam redução da capacidade física3. Contudo, é fundamental ressaltar que a idade é um marcador independente de risco4, implicando na necessidade de considerar opções terapêuticas mais agressivas sem adotar, como regra, conduta conservadora ou contemplativa.

Nos idosos com a modalidade angina instável/ infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, o risco é extremamente elevado. De fato, esse grupo de pacientes representa a maioria das mortes um ano após infarto do miocárdio5. Assim sendo, a estratégia invasiva torna-se muito atraente e preferida em relação às estratégias conservadoras.

Quanto à terceira modalidade, o infarto com supradesnivelamento do segmento ST, a mortalidade imediata é enorme, mesmo nos casos de infarto inferior6. Os sobreviventes sofrem com as complicações imediatas e tardias, como insuficiencia cardíaca, embolias, etc. Nesses casos, a conduta agressiva com indicação precoce da cinecoronariografia é recomendada em presença de isquemia recorrente, instabilidade hemodinamica ou complicações mecânicas potencialmente tratáveis, cirurgicamente.

Finalmente, a análise quanto ao tipo de tratamento. Em todos os pacientes acima de 80 anos o tratamento clínico deve ser básico e prioritário, principalmente, em caso de boa resposta clínica com controle de sintomas. É a melhor opção nos casos de doença arterial coronariana crônica, principalmente nos pacientes assintomáticos , oligossintomáticos, ou com comorbidades que comprometem o prognóstico. De fato, o emprego de antiplaquetários, betabloqueadores, inibidores da enzima de conversão e das vastatinas oferece possibilidade do controle de sintomas e da redução de riscos7.

A revascularização percutânea em pacientes com doença arterial coronariana crônica é uma opção muito atraente, sempre que possível, mesmo em lesões multiarteriais8 e está sendo cada vez mais utilizada por ser menos relacionada do que a cirurgia às complicações imediatas, como por exemplo, acidente vascular cerebral e alterações cognitivas. Nesse sentido, o estudo ARTS9 comparou cirurgia à revascularização percutânea em pacientes com lesões multiarteriais e verificou, que é precisamente na faixa etária maior que os procedimentos percutâneos começam a oferecer resultados comparáveis aos da cirurgia. Infelizmente, os estudos controlados que comparam modalidades de tratamento incluem, em geral, amostras de idosos com a doença coronariana menos grave do que os pacientes que representam a realidade vivida na pratica médica, determinando resultados que nem sempre devem nortear a conduta do dia a dia.

Por outro lado, a revascularização percutânea precoce de "artéria culpada" por angina instável/ infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST deve ser a opção preferencial sempre que possível5,7.

A revascularização percutânea nos grandes idosos com infarto com supradesnivevelamento de ST tem sido comparada ao tratamento trombolítico. Nesses pacientes o uso de trombolítico é controverso, principalmente devido ao risco de sangramento cerebral. Apesar disso, os trombolíticos continuam sendo indicados nas diretrizes, como primeira opção para pacientes selecionados recebidos em fase precoce de infarto. Contudo , há muitas evidências de que a reperfusão percutânea oferece vantagem sobre os trombolíticos, desde que realizada sem perda de tempo e com equipe treinada10,11.

A revascularização cirúrgica nos grandes idosos pode ser indicada em casos selecionados, com risco cirúrgico aceitável, persistência de sintomas ou risco elevado. Recentemente, verificou-se, no estudo TIME12,13, que ao final de um ano, a evolução de grandes idosos com doença coronariana crônica teve mortalidade e morbidade semelhantes com os tratamentos cirúrgico ou clínico. Entretanto, a cirurgia associou-se a riscos imediatos, enquanto o tratamento clínico mostrou-se insuficiente na metade dos casos, obrigando a adoção do tratamento invasivo. Favorecem a escolha da cirurgia as presenças de lesões em tronco de coronária esquerda ou multiarteriais, disfunção ventricular, valvopatias, bem como impossibilidade de revascularização percutânea.

Por outro lado, a cirurgia nos casos de infarto com supradesnivelamento do segmento ST é quase sempre uma conduta de exceção em casos extremamente graves e complicados. Seus resultados nos pacientes idosos em choque cardiogenico são particularmente desapontadores14, como ocorre, aliás, com qualquer modalidade terapêutica.

Todos os esforços devem ser empenhados para se evitar uma cirurgia de urgência, porque ela se acompanha de pior evolução pós operatória, particularmente nos idosos. Assim, a fim de fazer preparo adequado e reduzir as complicações pós-operatórias, devemos enfrentar o dilema e indicar a cirurgia antes do agravamento do quadro clínico.

Atualmente, a revascularização sem uso de circulação extracorpórea simplifica o procedimento e reduz riscos. Além disso, o uso de enxertos arteriais evita o manuseio da aorta com grandes benefícios para os pacientes.

Em conclusão, a doença coronariana é uma condição grave no grande idoso e a escolha da estratégia terapêutica adequada é complexa. Essa estratégia no idoso deve ser individualizada e o paciente considerado em sua totalidade, incluindo repercussão da doença, riscos do procedimento, capacitação da equipe médica, opinião do paciente e de seus familiares. A idade por si não deve definir ou limitar a escolha do tipo de tratamento.

Referências

1. Lloyd-Jones DM, Larson MG, Beiser A, et al. Lifetime risk of developing coronary heart disease. Lancet 1999; 353:89-92.

2. Iªs Diretrizes do Grupo de Estudos em Cardiogeriatria da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Arq Bras Cardiol 2002; 79 (suppl.1).

3. Ades PA. Cardiac rehabilitation and secondary prevention of coronary heart disease. N Engl J Med 2001; 345:892-902.

4. Kannel WB. Cardiovascular risk factors in the elderly. Coron Artery Dis 1997; 8:565-75.

5. Mehta RH, Rathore SS, Radford MJ, et al. Acute myocardial infarction in the elderly: diferences by age. J Am Coll Cardiol 2001; 38:736-41.

6. Bueno H, Lopez–Palop R, Perezm-David E, et al. Combined effect of age and right ventricular involvement on acute inferior myocardial infarction prognosis. Circulation 1998; 98:1714-20.

7. Rich MW. Therapy of acute myocardial infarction. In: Cardiovascular Disease in the Elderly Patient. Edited by DD Tresch and WS Aronow. New York: Marcel Dekker, 1999;223-64.

8. Taddei CF, Weintraub WS, Douglas JS Jr, et al. Influence of age on outcomne after percutaneous transluminal coronary angioplasty. Am J Cardiol 1999;84: 245-1.

9. Patrick W, Serruys MD, Unger F, Sousa JE, et al. Comparison of coronary – artery bypass surgery and stenting for the treatment of multivessel disease. N Engl J Med 2001; 344: 1117 – 24.

10. Stone GW, Grines CL, Browne KF, et al. Predictors of in-hospital and 6- month outcome afther acute myocardial infarction in the reperfusion era: the Primary Angioplasty in Myocardial Infarction (PAMI) trial. J Am Coll Cardiol 1995; 25:370-7.

11. Holmes DR Jr, White HD, Pieper KS, et al. Effect of age on outcome with primary angioplasty versus thrombolysis. J Am Coll Cardiol 1999; 33:412-9.

12. The TIME Investigators. Trial of invasive versus medical therapy in elderly patients with chonic symptomatic coronary- artery disease (TIME): a randomised trial. Lancet 2001; 358:951-7.

13. Pfisterer M, Buser P, Osswald S, et al. Outcome of elderly patients with chronic symptomatic coronary artery disease with an invasive vs optimized medical treatment strategy. JAMA 2003; 289: 1117-23.

14. Hochman JS, Sleeper LA, Webb JG, et al. Early revascularization in acute myocardial infarction complicated by cardiogenic shock. Should we emergently revascularize occluded coronaries for cardiogenic shock? (SHOCK) investigatrors. N Engl J Med 1999; 341:625-34.

Recebido para publicação em 29/1/03

Aceito em 31/3/03

  • Endereço para correspondência
    Mauricio Wajngarten
    INCOR
    Av Dr Eneas C Aguiar, 44
    05403-000 – São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2003
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