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Estudo comparativo entre pacientes infartados fumantes, ex-fumantes e não-fumantes

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o impacto do tabagismo sobre a morbimortalidade intrahospitalar dos pacientes vítimas de infarto agudo do miocárdio e verificar sua associação a outros fatores de risco cardiovasculares e dados clínicos. MÉTODOS: Foram analisados, por meio de um estudo prospectivo de coortes, 121 pacientes, 54 fumantes, 35 ex-fumantes e 32 não fumantes. RESULTADOS: Houve associação pelo teste do qui-quadrado (p<0,05) entre tabagismo e os fatores de risco sexo, idade, diabetes. Entre as variáveis de morbimortalidade, houve apenas diferença estatiticamente significante (OR=9,5; IC de 95%) de edema agudo de pulmão, maior no grupo ex-fumante do que no grupo não fumante. CONCLUSÃO: Houve associação entre o tabagismo e alguns fatores de risco cardiovasculares, mas, não houve diferenças estatísticas de morbimortalidade entre os grupos estudados, exceto na variável edema agudo de pulmão.

tabagismo; infarto; miocárdio


OBJECTIVE: To assess the impact of smoking on in-hospital morbidity and mortality in patients who have experienced acute myocardial infarction and to assess the association between smoking and other cardiovascular risk factors and clinical data. METHODS: A prospective cohort study analyzed 121 patients, including 54 smokers, 35 ex-smokers, and 32 nonsmokers. RESULTS: Using the chi-square test (P<0.05), an association between smoking and the risk factors sex, age, and diabetes was documented. Among the morbidity and mortality variables, only acute pulmonary edema showed a statistically significant difference (OR=9.5; 95% CI), which was greater in the ex-smoker group than in the nonsmoker group. CONCLUSION: An association between smoking and some cardiovascular risk factors was observed, but no statistical difference in morbidity and mortality was observed in the groups studied, except for the variable acute pulmonary edema.

smoking; myocardial infarction


ARTIGO ORIGINAL

Estudo comparativo entre pacientes infartados fumantes, ex-fumantes e não-fumantes

Diogo Nozawa; Roberto Alexandre Franken; Karina de Cássia Braga Ribeiro; Afonso Celso Pereira; Sandra Regina Schwarzwälder Sprovieri; Valdir Golin

Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, SP

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Roberto A. Franken Rua Dr. Franco da Rocha, 163/52 Cep 05015-040 - São Paulo, SP E-mail: franken@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o impacto do tabagismo sobre a morbimortalidade intrahospitalar dos pacientes vítimas de infarto agudo do miocárdio e verificar sua associação a outros fatores de risco cardiovasculares e dados clínicos.

MÉTODOS: Foram analisados, por meio de um estudo prospectivo de coortes, 121 pacientes, 54 fumantes, 35 ex-fumantes e 32 não fumantes.

RESULTADOS: Houve associação pelo teste do qui-quadrado (p<0,05) entre tabagismo e os fatores de risco sexo, idade, diabetes. Entre as variáveis de morbimortalidade, houve apenas diferença estatiticamente significante (OR=9,5; IC de 95%) de edema agudo de pulmão, maior no grupo ex-fumante do que no grupo não fumante.

CONCLUSÃO: Houve associação entre o tabagismo e alguns fatores de risco cardiovasculares, mas, não houve diferenças estatísticas de morbimortalidade entre os grupos estudados, exceto na variável edema agudo de pulmão.

Palavras-chave: tabagismo, infarto, miocárdio

O tabagismo associa-se a maior morbidade e mortalidade por doença coronariana aterosclerótica, o que é confirmado em numerosos estudos1-9. Esta associação advém dos múltiplos efeitos deletérios causados pelo tabagismo nos mecanismos de aterogênese, trombose, vasomotor e arritmogênico1.

Vários estudos demonstraram que o tabagismo, no momento de um infarto agudo do miocárdio, não está implicado como fator de risco para morte subsequente1-5. Os fumantes apresentam melhor evolução clínica intrahospitalar, independente da terapia trombolítica1,2, havendo uma tendência entre os estudos, que os fumantes tenham um prognóstico melhor3,5-8. O tabagismo, surpreendentemente, chegou a emergir como um fator de melhor prognóstico após o evento5.

Alguns estudos multicêntricos, entretanto, ressaltam, que após ajuste da idade e outras variáveis, não há diferenças estatísticas no prognóstico intra e extrahospitalar, entre fumantes e não-fumantes2,5-8.

O objetivo do estudo é avaliar o impacto do tabagismo na morbimortalidade intrahospitalar dos pacientes vítimas de infarto agudo do miocárdio e verificar a associação do tabagismo com outros fatores de risco cardiovasculares e dados clínicos.

Métodos

Realizado estudo de coorte prospectivo envolvendo 121 pacientes com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, encaminhados ao Pronto Socorro Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, de janeiro/1999 a junho/2000, com diagnóstico baseado em critérios clínicos, eletrocardiográficos e elevação de enzimas cardíacas (fração MB de creatino-fosfoquinase)9 e acompanhados durante todo o tempo de internação.

Os pacientes foram divididos em três grupos: fumantes ex-fumantes e não-fumantes. Foram considerados fumantes os pacientes que fumavam, regularmente, até há 1 ano do infarto do miocárdio; ex-fumantes, os que fumavam, regularmente, porém interromperam o hábito há pelo menos 1 ano do infarto; não-fumantes nunca apresentaram hábito de fumar.

Cada paciente foi entrevistado a fim de se conhecer o perfil de risco de doença cardiovascular. Foram pesquisados dados como: idade, sexo, antecedentes pessoais: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, etilismo, dislipidemia, angina de peito, hiperuricemia, obesidade, sedentarismo e infarto do miocárdio prévio.

Foram avaliadas as condições clínicas na admissão de cada paciente, através das variáveis tempo de chegada ao serviço, Killip de entrada e de 24h.

A pesquisa da morbimortalidade de cada grupo foi baseada nos dados de cada paciente: complicações intrahospitalares – arritmias, edema agudo de pulmão, choque cardiogênico, acidente vascular cerebral, reinfarto, tromboembolismo pulmonar, trombose venosa profunda, óbito.

Para a análise da associação do tabagismo com os outros fatores de risco, tempo de chegada ao hospital, Killip na admissão e uso de trombolítico foi usado o teste do qui-quadrado. Para a análise de fatores de risco para morbimortalidade (óbito, arritmias, choque e outros) foi calculada a odds ratio para cada variável estudada e os respectivos intervalos de confiança. Para todos os testes, o nível de significância estatística adotado foi igual a 5%.

Resultados

No período estudado foram avaliados 121 pacientes, 54 (44,6%) fumantes, 32 (26,4%) ex-fumantes e 35 (29%) não fumantes. Três pacientes foram excluídos do estudo por terem falecido, imediatamente, após a entrada no hospital.

Foi observada uma associação, estatisticamente significativa, entre tabagismo e sexo (p=0,001), etilismo (p=0,03), diabetes (p=0,02) e idade (p=0,01). Não foram observadas associações, estatisticamente significativas, entre o tabagismo e os demais fatores de risco estudados (tab. I).

Foi observado um aumento significativo do risco de edema agudo de pulmão no grupo de pacientes ex-tabagistas, quando comparado ao grupo de pacientes não tabagistas (OR=9,5; IC 95%).

O grupo de pacientes fumantes apresentou uma redução do risco de óbito, choque, infecção. Porém essa redução não foi estatisticamente significativa para nenhum dos eventos. Por outro lado, houve um aumento do risco de fibrilação ventricular/taquicardia ventricular, hipotensão e edema agudo de pulmão, entretanto, também sem significado estatístico (tab. II).

Também pôde ser observada redução do risco de óbito, choque e infecção, mas sem significado estatístico, para os pacientes ex-fumantes. Houve nesse grupo um aumento do risco de fibrilação ventricular/taquicardia ventricular, e insuficiência cardíaca congestiva, sem significado estatístico (tab. II).

Discussão

Várias hipóteses já foram levantadas para explicar o paradoxo de melhor prognóstico do grupo fumante. Os tabagistas sofrem infarto agudo do miocárdio numa faixa etária mais jovem e apresentam perfil de risco mais benigno. Além disso, o desenvolvimento de um infarto agudo do miocárdio, geralmente, é visto como o resultado de dois mecanismos patogênicos (aterosclerose e trombose) e o tabagismo altera o balanço entre esses dois mecanismos. Devido ao efeito trombogênico do cigarro, os fumantes vítimas de infarto podem ter, relativamente, menor lesão aterosclerótica e mais trombo no sítio da oclusão coronariana e, conseqüentemente, respondem melhor à terapia trombolítica1-3,5,7. Outra causa aparente deste paradoxo é que uma grande proporção dos fumantes morre antes da admissão hospitalar. Há indicações também de que os sítios de infarto são diferentes entre os fumantes e não fumantes3,4.

Neste estudo, os fumantes são mais jovens que os não-fumantes, o que está de acordo com diversos estudos publicados na literatura1-5. O GISSI 2 (Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nell'Infarto Miocardico) relatou que os fumantes eram cerca de 11 anos mais jovens que os não fumantes2 e o Israeli Thorombolytic National Survey (ITNS) que os fumantes eram em média 10 anos mais jovens que os fumantes5. Esses dois estudos também relataram maior frequência de pacientes do sexo feminino entre os não-fumantes, associação também observada em nosso estudo. O tabagismo também não se associou significativamente com as variáveis óbito, choque e infecção.

Outro fator ressaltado na literatura é a admissão do paciente no hospital com 6h ou menos do início dos sintomas, mais comum entre os fumantes. Pode-se admitir que o fumante esteja mais preparado ou alerta para os sintomas de insuficiência coronariana aguda. Em nosso estudo, a proporção de pacientes que deu entrada no pronto socorro com tempo de sintomatologia menor que 6h também foi maior no grupo de fumantes, mas sem significância estatística.

Não houve associação, estatisticamente significativa, entre tabagismo e vários fatores de risco para infarto agudo do miocárdio, como hipertensão, obesidade, angina, sedentarismo, dislipidemia e ácido úrico. Apenas diabetes e etilismo estiveram associados ao tabagismo. Apesar de não significativo, nota-se que os fumantes apresentam, de uma forma geral, um perfil de risco mais benigno que os não fumantes e ex-fumantes, relatado também em outros estudos1,2,4,5,7.

A literatura refere que os fumantes apresentam incidência maior de fibrilação e taquicardia ventricular e os não fumantes de óbito e outras complicações (choque cardiogênico, infecções, regurgitação mitral severa, fibrilação atrial, etc)2,5. O tabagismo aumentou o risco de fibrilaçào ventricular/ taquicardia ventricular e hipotensão, mas sem significância estatística. Houve maior risco de choque cardiogênico, infecções e óbitos nos não-fumantes, porém sem significância estatística2,5. O ITNS e o GISSI-2 avaliaram, respectivamente, 999 e 9720 pacientes.

Da mesma forma que os fumantes, os ex-fumantes são mais jovens e apresentam menor número de mulheres. Em relação aos demais fatores de risco pesquisados, observamos que ambos os grupos apresentaram porcentagens semelhantes entre si. Logo, poderíamos supor que os ex-fumantes apresentariam probabilidade parecida de sofrer um evento cardiovascular, caso não tivessem fumado. O tabagismo teria, então, acelerado a doença aterosclerótica, fazendo com que sofressem um infarto agudo do miocárdio numa idade mais jovem que os não fumantes.

Em relação ao tempo de chegada, os ex-fumantes apresentaram porcentagens mais próximas com o grupo de fumantes, o que poderia lhes conferir uma razão para melhor prognóstico que os não-fumantes.

A única variável que causou maior surpresa foi o edema agudo de pulmão que, contrariando a literatura, teve maior risco, estatisticamente significante nos ex-fumantes. Talvez os pacientes estudados, coincidentemente, já apresentassem algum tipo de disfunção ventricular prévia, o que ajudaria a explicar a falta de significância estatística nas complicações entre os dois grupos.

Concluindo, em nosso estudo houve associação entre o tabagismo e alguns fatores de risco cardiovasculares. Entretanto, não houve diferenças estatísticas de morbimortalidade entre os grupos estudados, exceto na variável edema agudo de pulmão.

Referências

Recebido para publicação em 30/4/02

Aceito em 13/5/03

  • 1. Sahger D, Cercek B, Cannon CP, et al. How do smokers differ from non smokers in their response to trombolisis (The TIMI-4 trial). Am J Cardiol 1995; 75: 232-6.
  • 2. Maggioni AP, Piantadosi F, Santoro E, Franzosi MG. Smoking is not a protective factor for patients with acute myocardial infarction: the viewpoint of the GISSI-2 study. G Ital Cardiol 1998; 28: 970-8.
  • 3. Molstad P. First myocardial infarction in smokers. Eur Heart J 1991; 12: 753-9.
  • 4. Robinson K, Conroy RM, Mulcahy R. Smoking and acute coronary heart disease: a comparative study. Br Heart J 1988; 60: 465-9.
  • 5. Gottlieb S, Bokyo V, Zahger D, Balkin J, Hod H, Pelled B, Stern S, Behar S for Israeli Thrombolytic Survey Group. J Am Coll Cardiol 1996; 28:1506-13.
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  • 7. Gomez AM, Karagounis LA, Allen A, Anderson JL for the TEAM-2 Investigators. Effect of cigarrete smoking on coronary patency after thrombolytic therapy for myocardial infarction. Am J Cardiol 1993; 72:373-78.
  • 8. Kelly TL, Gilpin E, Ahnve S, Henning H, Ross Jr J. Smoking status at the time of acute myocardial infarction and subsequent prognosis. Am Heart J 1975; 110: 535-41.
  • 9. Nicolau JC, César LAM, Luz PL, et al. Como diagnosticar e tratar o infarto agudo do miocárdio. Revista Brasileira de Medicina 1998; 55: 139-45.
  • E
    ndereço para correspondência
    Roberto A. Franken
    Rua Dr. Franco da Rocha, 163/52
    Cep 05015-040 - São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      13 Maio 2003
    • Recebido
      30 Abr 2002
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