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Efeitos da associação propafenona - propofol na contratilidade miocárdica, freqüência cardíaca, fluxo coronariano e incidência de arritmia em corações isolados de ratos

Resumos

OBJETIVO: Estudar a influência da propafenona associada ao propofol na contratilidade miocárdica (dP/dt e freqüência cardíaca), fluxo coronariano e incidência de arritmia em corações isolados de ratos. MÉTODOS: Estudados 40 corações de ratos albinos anestesiados com éter sulfúrico, adaptados a sistema de perfusão, tipo Langendorff modificado, nutridos com solução de Krebs-Henseleit (K-H), (95% de O2, 5% de CO2, pH de 7,4±0,1, pressão de perfusão entre 90 e 100cm de água e temperatura de 37±0,5º C), obtidos registros de controle após período de estabilização e distribuídos em quatro grupos: I (controle), II (propafenona, na dose de 100mcg), III (propofol, na dose de 25mcg) e IV (propafenona-propofol). RESULTADOS: Verificou-se diminuição (p<0,05) da freqüência cardíaca nos grupos II e IV, com maior queda no grupo II. Na relação dP/dt, houve queda (p< 0,05) nos grupos II e IV, em todos os períodos, sendo que o grupo III apresentou depressão do 1º ao 3º minuto. O fluxo coronariano apresentou diminuição (p<0,05) em todos os grupos, em relação ao controle, principalmente no grupo IV com queda de 14 para 11ml/min. O efeito arritmogênico da propafenona (pró-arritmia) foi constatado em 50% no grupo II. Na associação com propofol (grupo IV), não houve diferença significativa, sendo observadas arritmias (efeito pró-arrítmico) em 40% dos corações. CONCLUSÃO: A associação propafenona-propofol não foi mais nociva do que o uso da propafenona isoladamente, quanto aos efeitos na contratilidade miocárdica, no fluxo coronariano e na incidência de arritmia.

contratilidade miocárdica; propafenona; propofol


OBJECTIVE: To study the influence of propafenone associated with propofol on myocardial contractility (dP/dt and heart rate), coronary flow, and the incidence of arrhythmia in isolated rat hearts. METHODS: Forty albino rats were anesthetized with sulfuric ether, a modified Langendorff method was performed, and the rats were fed with Krebs-Henseleit (K-H) solution, (95% O2, 5% CO2, pH 7.4±0.1, perfusion pressure between 90 and 100cm of water, and temperature 37± 0.5ºC). Control records were obtained after a stabilization period and rats were distributed into the following 4 groups: I (control), II (100mcg propafenone), III (25mcg propofol), and IV (propafenone-propofol). RESULTS: A decrease (P<0.05) in the heart rate in groups II and IV was observed, with a greater decrease in group II. A decrease was noted in the dP/dt ratio (P< 0.05) in groups II and IV, during all periods. Group III experienced depression from the 1st to the 3rd minute. Coronary flow had a decrease (P<0.05) in all groups, compared with the control group, especially in group IV with a decrease from 14mL/min to 11mL/min. Arrhythmogenic effects of propafenone (pro-arrhythmia) were verified in 50% of group II. In the association with propofol (group IV), no significant difference occurred, and arrhythmias (pro-arrhythmic effect) were observed in 40% of the hearts. CONCLUSION: The association propafenone-propofol was not harmful to the use of propafenone solely, regarding the effects observed in myocardial contractility, coronary flow, and in the incidence of arrhythmias.

myocardial contractility; propafenone; propofol


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da associação propafenona - propofol na contratilidade miocárdica, freqüência cardíaca, fluxo coronariano e incidência de arritmia em corações isolados de ratos

Nilcéa Leal de Moraes Assis; Otoni Moreira Gomes; Silvério Leonardo Macedo Garcia; Guilherme Gustavo do Valle

Fundação Cardiovascular São Francisco de Assis - Serviço do Coração - Belo Horizonte, MG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Nilcéa Leal Moraes Assis Rua Barão do Rio Branco, 737 Cep 35010-030 - Governador Valadares, MG E-mail: nilcealm@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Estudar a influência da propafenona associada ao propofol na contratilidade miocárdica (dP/dt e freqüência cardíaca), fluxo coronariano e incidência de arritmia em corações isolados de ratos.

MÉTODOS: Estudados 40 corações de ratos albinos anestesiados com éter sulfúrico, adaptados a sistema de perfusão, tipo Langendorff modificado, nutridos com solução de Krebs-Henseleit (K-H), (95% de O2, 5% de CO2, pH de 7,4±0,1, pressão de perfusão entre 90 e 100cm de água e temperatura de 37±0,5o C), obtidos registros de controle após período de estabilização e distribuídos em quatro grupos: I (controle), II (propafenona, na dose de 100mcg), III (propofol, na dose de 25mcg) e IV (propafenona-propofol).

RESULTADOS: Verificou-se diminuição (p<0,05) da freqüência cardíaca nos grupos II e IV, com maior queda no grupo II. Na relação dP/dt, houve queda (p< 0,05) nos grupos II e IV, em todos os períodos, sendo que o grupo III apresentou depressão do 1º ao 3º minuto. O fluxo coronariano apresentou diminuição (p<0,05) em todos os grupos, em relação ao controle, principalmente no grupo IV com queda de 14 para 11ml/min. O efeito arritmogênico da propafenona (pró-arritmia) foi constatado em 50% no grupo II. Na associação com propofol (grupo IV), não houve diferença significativa, sendo observadas arritmias (efeito pró-arrítmico) em 40% dos corações.

CONCLUSÃO: A associação propafenona-propofol não foi mais nociva do que o uso da propafenona isoladamente, quanto aos efeitos na contratilidade miocárdica, no fluxo coronariano e na incidência de arritmia.

Palavras-chave: contratilidade miocárdica, propafenona, propofol

Os distúrbios do ritmo cardíaco constituem achado freqüente em portadores de cardiopatias, tornando-se responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisas clínicas e experimentais cada vez mais destrinçadas. Reconhecer e tratar corretamente as arritmias é de importância precípua, uma vez que são fatores de risco de morte súbita cardíaca. Desde a demonstração por Wenckeback1, no início do século XX, sobre a eficácia da terapêutica antiarrítmica, os estudos sobre fármacos antiarrítmicos vêm se acumulando, revelando que o controle dos distúrbios do ritmo é fundamental na prevenção de morte súbita cardíaca e na redução da mortalidade no infarto agudo do miocárdio2-5.

A manutenção no controle das arritmias exige, muitas vezes, cuidados adicionais, sendo o tratamento crônico ainda um desafio, principalmente, frente a várias evidências dos efeitos pró-arrítmicos da maioria dos fármacos conhecidos6-9. Neste sentido, a decisão clínica de tratar pacientes com arritmias cardíacas envolve cuidadosa análise e conhecimento considerável do tipo de antiarrítmico eleito.

Dentre os antiarrítmicos mais utilizados em nosso meio para tratamento de arritmias ventriculares e supraventriculares, destaca-se a propafenona, classificada como grupo IC segundo Vaughan Willians10,11. O cloridrato de 2-3 (propilamino-2-hidroxi) propoxi-3-fenil (propiofenon) ou propafenona foi sintetizado em 1970 e vem sendo largamente utilizado na supressão de arritmias supraventriculares e ventriculares. O fármaco atua na redução da permeabilidade da membrana celular ao sódio e, menos intensamente, ao cálcio, interferindo, assim, no potencial de ação das fibras miocárdicas12,13. Possui ainda efeito antiadrenérgico por bloqueio de betarreceptores não seletivos. Esses mecanismos sugerem ações inotrópica e cronotrópica negativas, especialmente se a dose utilizada exceder a dose terapêutica prevista.

Face a estudos específicos que demonstram a eficácia antiarrítmica da propafenona14-17, a mesma tem sido também empregada em portadores de cardiopatias passíveis de tratamento cirúrgico.

No que se refere à anestesia em cirurgia cardiovascular, a gravidade das cardiopatias abordadas suscita preocupação constante com o grau de depressão miocárdica determinado pela maioria dos fármacos anestésicos.

O propofol (2,6-diisopropilfenol) é um agente de indução e manutenção da anestesia com ação e eliminação rápidas, sendo largamente utilizado nas cirurgias cardiovasculares. A administração endovenosa de dose terapêutica produz rápida hipnose, com mínimo de excitação. O propofol liga-se em mais de 95% às proteínas plasmáticas com eliminação por metabolismo hepático, formando conjugados inativos que são excretados na urina 18. Estudos com propofol19-20 têm demonstrado a queda de pressão arterial sistólica e diastólica e do índice cardíaco, além da diminuição na resistência vascular periférica, sem alteração significativa da freqüência cardíaca. A demonstração do efeito inotrópico negativo tem sido apresentada, tanto em estudos clínicos como em modelos de experimentação animal21-24.

O fato de que os portadores de cardiopatias em uso de propafenona possam ser submetidos à cirurgia cardíaca e receber administração do propofol, motiva preocupação especial, porque os dois fármacos têm efeito depressor do miocárdio, com possibilidade de efeito somatório no que diz respeito à contratilidade miocárdica. Como não foram encontrados na literatura alcançada estudos sobre o possível efeito somatório de interação desses fármacos, desenvolveu-se a presente investigação experimental, que tem por objetivo estudar o desempenho do coração, analisando-se as variáveis: contratilidade miocárdica, freqüência cardíaca, fluxo coronariano e incidência de arritmias.

Métodos

Foram estudados 40 ratos albinos, adultos, sem distinção de sexo, raça Wistar, provenientes do biotério da Faculdade de Medicina de Barbacena - UNIPAC, com peso entre 210 e 350 (média de 280)g. Todos os animais receberam cuidados humanísticos conforme os "Princípios Éticos de Experimentação Animal" formulados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA)25, e pelo "Guia para cuidados e uso de animais de laboratório" publicados pelos Institutos Nacionais de Saúde - EUA26.

Os animais foram anestesiados por inalação de éter sulfúrico em campânula fechada e realizada toracotomia ampla, sendo rebatida a parede torácica anterior no sentido cefálico, obtendo-se exposição do coração e vasos da base. Em seguida, 500 UI de heparina sódica foram administradas na veia cava posterior para a prevenção de trombose. A aorta do animal foi isolada e reparada com fio de algodão 2.0, e canulada com cateter plástico, calibre 20G, tendo-se o cuidado de, na sua introdução, manter a integridade da valva aórtica. O cateter foi então fixado à aorta com outro fio de algodão 2.0. Em seguida, o ventrículo esquerdo foi drenado mediante a introdução de cânula plástica fenestrada, calibre 18G, através do átrio esquerdo e exteriorizada pelo ápice cardíaco, evitando-se lesão de vasos coronarianos maiores. O coração foi liberado pela secção em bloco das veias cavas, artéria pulmonar e aorta, acima da região de canulação, sendo imediatamente conectado ao sistema de perfusão coronariana.

O método empregado foi o de Langendorff 27,28, com modificações, utilizando-se para a perfusão a solução de Krebs-Henseleit (composição: NaCl 126mM/l, NaHCo3 25mM/l, KH2PO4 1,2mM/l, KCl 4,8mM/l, MgSO4 1,2mM/l, CaCl2 2,5mM/l e glicose 11,5mM/l), gaseificada com mistura contendo 95% de O2 e 5% de CO2, obtendo-se pH de 7,4±0,1 e temperatura de 37±0,5oC, pela utilização de unidade de aquecimento para permutação térmica (COMEX Ind. Com. Ltda, Belo Horizonte, MG). A solução foi filtrada com filtro do tipo cardioprot monofilamentar com porosidade média 3 micra, colocado logo após o reservatório da solução de Krebs-Henseleit. A pressão de perfusão foi ajustada, constantemente, entre 90 e 100cm H2O.

Após a perfusão do coração por 15min, com a finalidade de recuperação e estabilização da atividade cardíaca, foi introduzido o balão de látex vazio no ventrículo esquerdo, através de orifício no átrio esquerdo. A valva mitral foi preservada e o balão conectado, com auxílio de cânula metálica, ao biomonitor (mod. DH 073, BESE-Bioengenharia, Belo Horizonte, MG). Foram registrados (impressora matricial Epson LX-810) as pressões sistólica, diastólica, freqüência cardíaca e eletrocardiograma. A pressão diastólica foi ajustada para 5±2mmHg, por movimentos de introdução e retirada de água bidestilada no balão de látex, em todos os períodos do grupo I; nos grupos II, III e IV, a pressão diastólica só não foi ajustada em t1(fig. 1). O fluxo coronariano foi determinado pela aferição do volume drenado em um minuto das cavidades direita e esquerda, recolhido em frasco de vidro graduado. A incidência de arritmia foi analisada pela observação do ritmo cardíaco, registrado em traçado eletrocardiográfico na derivação D2 por dois eletrodos fixados no coração.


Os 40 corações foram distribuídos em quatro grupos e preparados segundo o método descrito. Foram perfundidos pela solução de Krebs-Henseleit, à temperatura de 37o C, por um período de 30min, fazendo-se registro dos parâmetros pesquisados no controle (t0), após o 1º (t1), 3º (t2), 5º (t3), 10º (t4) e 15º (t5) minutos, com as seguintes características: grupo I - controle: 10 corações sem administração de fármacos; grupo II - propafenona: 10 corações diferindo do grupo controle pela administração, após o tempo zero, de 100mcg de propafenona diluídos em 0,1ml da solução K-H por via lateral própria acima do bulbo da cânula inserida na aorta; grupo III-propofol: 10 corações diferindo do grupo controle pela administração, após o tempo zero, de 25mcg de propofol diluídos em 0,1ml da solução K-H por via lateral própria, acima do bulbo da cânula inserida na aorta; grupo IV - propafenona-propofol: 10 corações diferindo dos grupos anteriores, pela administração de 0,1ml da solução K-H, contendo 100mcg de propafenona, em via lateral própria acima do bulbo da cânula inserida na aorta e a seguir 0,1ml da solução contendo 25 mcg de propofol, pela mesma via lateral.

Foram estudadas as variações da freqüência cardíaca, referida em bpm, da velocidade máxima de encurtamento da fibra cardíaca (dP/dt em mmHg.s-1), do fluxo coronariano (ml/min) e a incidência de arritmia. A análise estatística constituiu-se na aplicação do teste "t" de Student para dados emparelhados (nível de significância: p<0,05) e análise de variância para único fator, com igual nível de significância.

Resultados

A freqüência cardíaca diminuiu (p<0,05) nos grupos II e IV (1º ao 15ºmin) e no grupo III, apenas, no 3º e 10ºmin, porém não apresentou alteração estatisticamente significativa no grupo I. No grupo II, foi registrada queda de 100% (controle) para 71% (1ºmin), 68% (3ºmin), 71% (5ºmin), 83% (10ºmin) e 78% (15omin); no grupo IV, houve quedas em valores percentuais de 100% para 77% (1ºmin), 69% (3ºmin), 70% (5ºmin), 76% (10ºmin) e 80% (15ºmin), em médias. Na comparação entre grupos, os grupos II e IV mostraram variação significante em relação ao grupo controle, porém não demonstraram variação significativa quando comparados entre si. A freqüência cardíaca apresentou variação significativa (p<0,05) apenas no 1ºmin na comparação entre os grupos II e III (fig. 2 e tab. I).


A dP/dt diminuiu no grupo II (do 1º ao 15ºmin), no grupo III (1º e 3ºmin) e no grupo IV (do 1º ao 15ºmin). Em valores percentuais, no grupo II, foi registrada queda de 100% (controle) para 62% (1ºmin), 75% (3ºmin), 80% (5ºmin), 78% (10ºmin) e 76% (15ºmin). No grupo III houve queda percentual de 100% (tempo zero) para 77% (1ºmin) e 86% (3ºmin). No grupo IV houve queda percentual de 100% (tempo zero) para 54% (1ºmin), 62% (3omin), 68% (5ºmin), 73% (10ºmin) e 76% (15ºmin). Todas essas quedas, evidenciadas em valores médios percentuais, foram estatisticamente significantes (p<0,05). Na comparação entre grupos, a relação dP/dt foi menor (p<0,05) no grupo II quando comparado ao grupo controle em todos os períodos. O grupo III apresentou diminuição significante (p<0,05) apenas no 1o min em relação ao grupo controle. O grupo IV apresentou diminuição significante (p<0,05) do 1º ao 5º min quando comparado com o grupo controle. Na comparação entre os grupos II e III a relação dP/dT não apresentou diminuição significante. As variações ocorridas entre os grupos II e IV e III e IV não foram significantes (fig. 3 e tab. II).


O fluxo coronariano diminuiu nos grupos II e IV (1o ao 15omin) e no grupo III (3o, 5o, 10o e 15omin). Percentualmente, no grupo II foi registrada queda de 100% (controle), para 88% (1omin), 86% (3omin) 80% (5omin), 75 (10omin) e 72% (15omin). No grupo III houve queda percentual de 100% (controle) para 99% (1omin), 92% (3omin), 89 % (5omin), 84% (10omin) e 77% (15omin). No grupo IV houve queda percentual de 100% (controle) para 91% (1omin), 88% (3omin), 85% (5omin), 79% (10omin) e 74% (15omin). Todas essas quedas, evidenciadas em valores médios percentuais, foram estatisticamente significantes (p<0,05). Na comparação entre grupos, o fluxo coronariano não diminuiu nos grupos II e IV quando comparados ao grupo controle. Ocorreu queda significante (p<0,05) no 10o e 15omin do grupo III, na comparação com o grupo controle. Não houve diferença significante (p<0,05) entre os grupos II e IV, entre os grupos III e IV e quando o grupo II foi comparado ao grupo III (fig. 4 e tab.III).


Durante o estudo, não foram constatadas arritmias nos grupos I (controle) e III (propofol). No grupo II (propafenona) foram observadas arritmias em cinco dos 10 corações, sendo que na associação propofol-propafenona (grupo IV) não se observou aumento das arritmias, constatadas em quatro dos 10 corações estudados.

Discussão

Apesar dos grandes avanços em eletrofisiologia clínica e experimental nos últimos 20 anos, a morte súbita de origem cardíaca ainda representa uma entidade de complexa fisiopatologia. Os portadores de coronariopatia, assim como os de insuficiência cardíaca congestiva, constituem grupos de importante risco para morte súbita29-31.

Em cerca de 75% das mortes súbitas são evidenciados episódios de taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular32-35. Pacientes com insuficiência cardíaca congestiva apresentam arritmias ventriculares graves e morte súbita em até 50% dos casos36. Com o intuito de tentar prevenir essas complicações severas, é instituida a terapêutica antiarrítmica. Entretanto, devido aos efeitos adversos dos antiarrítmicos, que podem inclusive piorar a insuficiência cardíaca congestiva pelo efeito negativo na contratilidade miocárdica, tratar adequadamente uma arritmia cardíaca é um desafio na prática clínica.

Face a esses dados, vários estudos têm procurado o fármaco antiarrítmico ideal para prevenção e tratamento dessas arritmias. No entanto, apesar de estudos realizados, alguns dos antiarrítmicos, até então disponíveis, têm demonstrado efeito pró-arrítmico, depressão miocárdica e aumento da mortalidade 37,38.

O Cardiac Arrhythmia Supression Trial (CASH)39, estudo multicêntrico com randomização, demonstrou que os pacientes tratados com antiarrítmicos do grupo IC apresentaram maior risco de morte súbita, comparados ao grupo placebo. Outros estudos40,41 demonstraram resultados semelhantes com o uso de fármacos do grupo IC, o que levou à utilização desses antiarrítmicos somente em casos potencialmente letais, evitando-se seu uso crônico.

As dificuldades para a abordagem de um paciente clínico, muitas vezes, estão na existência de doenças concomitantes, que requer a administração de vários fármacos em um mesmo momento. A interação desses fármacos pode gerar conseqüências nem sempre esperadas na abordagem inicial do paciente. Múltiplas são as possibilidades de interação e, por isso, geram um campo inesgotável de pesquisa, extremamente importantes na prática clínica. Pesquisar a interação de fármacos em ensaios clínicos gera dificuldades e, assim, o uso de modelos em experimentação animal é fundamental. Além disso, os efeitos de um fármaco in vivo podem ser difíceis de analisar devido às interferências metabólicas do sistema nervoso autônomo e às mudanças na freqüência cardíaca, pré-carga e pós-carga.

Entre os fármacos utilizados na prática clínica, a propafenona vem se destacando pela eficiência na supressão de arritmias ventriculares e supraventriculares. Não é raro a utilização deste fármaco durante cirurgias em que também são utilizados anestésicos,existindo, portanto, a possibilidade de efeito interativo.

O propofol é um fármaco que vem sendo utilizado freqüentemente em cirurgias cardiovasculares com possibilidade de interação com a propafenona. Entretanto, não foram encontrados na literatura, estudos sobre o efeito somatório da associação propafenona-propofol. Considerando que os dois fármacos têm efeito depressor do miocárdico, um estudo torna-se necessário.

Salerno e cols.42 evidenciaram queda da função ventricular esquerda em pacientes tratados com a propafenona. Baker e cols.43 relataram resultados semelhantes. Meneghin44 observou que mesmo em corações sadios, a propafenona apresenta efeito inotrópico negativo, porém de modo reversível. Fato semelhante foi evidenciado por Santana45, Faraj46, e Nakamura e cols.47, todos estudando corações isolados de ratos.

Na presente investigação, a propafenona produziu significativa depressão miocárdica. Ao associar-se o proprofol, entretanto, não houve intensificação do efeito depressor.

Rouby e cols.48, estudando os efeitos do propofol em pacientes com coração artificial, concluiram que a depressão cardiovascular do propofol está relacionada ao efeito de vasodilatação venosa e arterial e não à depressão miocárdica. No presente estudo porém, comprovou-se efeito depressor significante do propofol no miocárdio.

A freqüência cardíaca diminuiu significativamente em todos os períodos avaliados no grupo da propafenona e do propofol, contrariando Rioul e cols.23 que não demonstraram efeito cronotrópico negativo significativo em miocárdio de ratos.

A análise do fluxo coronariano não revelou diminuição significativa nos grupos II e IV em todos os tempos analisados, em relação ao grupo controle, exceto no 10º e 15ºmin do grupo II.

Efeito pró-arrítmico da propafenona foi relatado por Podrid37 e Zipes38. Na nossa investigação, 50% dos corações estudados no grupo II apresentaram arritmia. Entretanto, com o uso do propofol, isoladamente, não foram observadas arritmias e não ocorreu aumento da incidência de arritmias quando associou-se propofol à propafenona.

Com base nos resultados obtidos, pode-se concluir que a propafenona exerce efeitos inotrópico e cronotrópico negativos, com efeito arritmogênico e diminuição do fluxo coronariano. A associação propafenona-propofol não exacerbou o efeito inotrópico negativo da propafenona, quando em uso isolado e nem aumentou a sua ação arritmogênica.

Recebido para publicação em 19/11/01

Aceito em 5/5/03

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  • Endereço para correspondência
    Nilcéa Leal Moraes Assis
    Rua Barão do Rio Branco, 737
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2004
    • Data do Fascículo
      Jan 2004

    Histórico

    • Aceito
      05 Maio 2003
    • Recebido
      19 Nov 2001
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