Acessibilidade / Reportar erro

Dor torácica por compressão atrial direita por timolipoma

RELATO DE CASO

Dor torácica por compressão atrial direita por timolipoma

José Ramos Filho; Ricardo F. Melo; Marcelo de Macedo; Luiz Antônio Fiorelli; Alexandre Costa; Roberto B. Isolatto

Universidade São Francisco, Disciplina de Cardiologia - Atibaia, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Ramos Filho Rua Rui Barbosa, 29 12940-000 - Atibaia, SP E-mail: joseramos@cardiol.br

Timolipomas são tumores raros do mediastino constituídos de tecido gorduroso e tímico, que podem atingir grandes proporções e se manifestar clinicamente através de compressão a estruturas adjacentes. Seu comportamento é benigno e o tratamento é a excisão cirúrgica. Relatamos o caso de um jovem hígido que apresentava precordialgia e dispnéia como principais sintomas de um timolipoma de aproximadamente 12cm comprimindo o átrio direito.

Timolipomas são tumores infrequentes do mediastino anterior, compostos por associação de tecidos adiposo, epitelial e linfóide do timo1. Foi descrito, primariamente, por Hall, em 1948, que estudou tumores compostos por células adiposas e do timo2. Representam 2 a 9% de todas as neoplasias tímicas e, até 1950, só havia registros de aproximadamente 50 casos3. Não foram descritos, nos últimos anos, dados da literatura que atualizassem o número exato de casos existentes na atualidade, mas acredita-se que, com a melhora dos métodos diagnósticos e a relativa facilidade de acesso aos serviços médicos, esse número seja consideravelmente maior. Não se observa nenhum predomínio de sexo e o tumor pode surgir em qualquer idade, embora surjam mais freqüentes em indivíduos jovens do sexo masculino4.

Relato do Caso

Paciente do sexo masculino, de 21 anos de idade, natural do interior do Estado de São Paulo, com história de dor torácica, de início, há aproximadamente uma semana, do tipo peso, contínua, localizada na região precordial, mal definida, sem irradiação, com melhora parcial e temporária com o uso de dipirona e piora, de acordo com determinadas posições assumidas pelo paciente, como o decúbito dorsal. Apresentava concomitante dispnéia aos leves/moderados esforços e, também, durante à noite, ao se deitar, impossibilitando-o de dormir, bem como sintomas dispépticos, como epigastralgia do tipo queimação, que piorava após ingestão alimentar, astenia e inapetência.

Como antecedentes não apresentava outras doenças, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, tabagismo, etilismo ou uso de drogas. Sem antecedentes de cardiopatia na família.

Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, corado, hidratado, acianótico, anictérico, eupnéico, afebril, sem turgência jugular, sem edema periférico. Pressão arterial: 140x100mmHg. Freqüência cardíaca: 120 bmp. Pulsos palpáveis simétricos, rítmicos, sem alterações de perfusão periférica. Íctus cordis localizado no 5º espaço intercostal esquerdo, ao nível da linha hemiclavicular esquerda, de aproximadamente duas polpas digitais. Bulhas cardíacas normofonéticas sem sopros. À ausculta pulmonar, murmúrio vesicular presente bilateralmente sem ruídos adventícios. Abdome plano, flácido com ruídos hidro-aéreos presentes, indolor à palpação, sem visceromegalias.

Os exames bioquímico e eletrocardiograma não evidenciaram alterações. À radiografia de tórax, observava-se discreto aumento da área cardíaca e lesão expansiva no mediastino ântero-inferior, sem solução de continuidade com a imagem cardíaca (fig.1). O esofagograma não evidenciou sinais de compressão extrínseca do esôfago. Foi realizada endoscopia digestiva alta que demonstrou apenas gastrite antral enantematosa leve.


O estudo ecodopplercardiográfico transtorácico mostrou discreta compressão extrínseca da região ântero-lateral do átrio direito e o ecocardiograma transesofágico confirmou tal compressão, sem repercussões hemodinâmicas significativas, com a presença de discreto refluxo sistólico (escape) valvar tricúspide (fig. 2).


Como complemento da investigação, o paciente foi submetido à tomografia computadorizada de tórax, realizada com cortes axiais de 5 e 10mm de espessura, após infusão intravenosa de contraste, que revelou a presença de lesão expansiva com coeficiente de atenuação de gordura, de contornos regulares e precisos, localizada no mediastino anterior à direita, desviando de forma discreta o átrio direito posteriormente, medindo: 12,0 x 7,4 x 9,6 cm, sugerindo timolipoma ou lipoma pericárdico (fig. 3).


Com estas hipóteses, o paciente foi encaminhado para tratamento cirúrgico, realizada toracotomia com excisão completa da massa tumoral, pesando, aproximadamente, 580g, sem evidências de metástases macroscópicas regionais, com posterior confirmação diagnóstica através do exame anátomo-patológico de timolipoma (fig. 4).


Discussão

Não se conhece a natureza exata do timolipoma5. Inicialmente, acreditava-se que as lesões representavam lipomas no interior do timo, o que não foi confirmado, dada à existência de significativo incremento na quantidade do tecido tímico, propriamente dito 1,5. Também se propôs que esses tumores constituir-se-iam de uma combinação de lipoma e timoma, e que o predomínio de tecido adiposo poder-se-ia refletir uma involução normal do órgão. Entretanto, o aspecto normal do tecido tímico contesta a afirmação. Por fim, outra hipótese postula que esses tumores começariam com uma hiperplasia tímica verdadeira (ou seja, um aumento da quantidade de tecido normal do timo), que, posteriormente, degeneraria para tecido gorduroso 1,5.

Macroscopicamente, os timolipomas são de cor amarela, consistência suave e com uma configuração bilobulada, fazendo-os assemelhar-se muito à glândula tímica normal1. Em geral, são grandes e podem alcançar volumes enormes. Em 68% dos casos publicados, esses tumores pesavam mais de 500g, sendo que em 23% superaram 2.000g. O maior tumor descrito pesava mais de 12.000g 3,6.

Histologicamente consistem em tecido adiposo adulto em meio a tecido tímico normal5. Nos casos típicos, não se observam núcleos germinativos, como nos casos detectados na hiperplasia do timo 4,5.

Os timomas pequenos não apresentam particularidades radiológicas que permitam diferenciá-los de outras massas mediastinais anteriores. Entretanto, como já mencionado, costumam ter grandes tamanhos e, devido a sua consistência, tendem a descender acima do diafragma. Os tumores se adaptam ao contorno diafragmático, situando-se em uma posição inferior e deixando o mediastino superior relativamente desocupado2. Seu conteúdo, às vezes ajuda na diferenciação de outras massas do mediastino devido a sua rádio- lucidez relativa, característica que, em algumas situações, é observada à radiografia de tórax, mas identificado claramente à tomografia7.

Timomas tipicamente causam poucos sintomas, a não ser quando atingem grandes dimensões. Assim, essas lesões podem ser descobertas ocasionalmente durante exames de imagem, em pacientes completamente assintomáticos.

No nosso relato, os sintomas de dor torácica e dispnéia ocorreram tipicamente pela característica compressiva do tumor, de volume significativo que, comprimindo o átrio direito, causasse alterações hemodinâmicas não só alterando os fluxos venosos na entrada do átrio direito e valvar tricúspide, como também provocando modificações no fluxo de reserva coronariana, o que certamente pode ter contribuído para os sintomas de dor torácica e dispnéia apresentados pelo paciente. Esses sintomas poderiam ser, inclusive, agravados pelo grau de compressão do tumor no coração, uma vez que costumavam piorar com determinadas posições adotadas pelo paciente.

Existem publicações de casos raros onde se encontram associações com myasthenia gravis8,9, anemia aplásica10, doença de Graves, hipoplasia eritrocítica e hipogamaglobulinemia8. O comportamento desses tumores costuma ser benigno e não são relatadas recorrências após a ressecção.

O principal objetivo do clínico deve ser, portanto, o diagnóstico precoce, o que só será possível se houver alto grau de suspeita clínica e raciocínio fisiopatológico, uma vez que os indivíduos costumam ser jovens, oligossintomáticos e, muitas vezes, sem fatores de risco conhecidos para doença cardiovascular. Assim, lembramos da importância de se atentar na pesquisa de tumores do mediastino, como diagnóstico diferencial dos pacientes com dor torácica.

Referências

1. Haynes BF. Human thymic epithelium and T cell development: Current issues and future directions. Thymus 1990; 16: 143.

2. Hall GFM. A case of thymolipoma with observations on a possible relationship to intrathoracic lipoma. Br J Surg 1948; 36: 321-4.

3. Teplick JG, Nedwich A, Haskin ME. Roentgenographic features of thymolipoma. Am J Roentgenol 1973; 117: 873.

4. Levine S, Labiche H, Chandor S. Thymolipoma. Am Rev Respir Dis 1968; 98: 875.

5. Rosai J, Levine GD. Atlas of Tumor Pathology: Tumors of the Thymus. Second Series, Fascicle 13. Washington DC, Armed Forces Institute of Pathology, 1976.

6. Marchevsky AM, Kaneko M. Surgical Pathology of the Mediastinum. 2nd ed. New York: Raven, 1992; 151-54.

7. Yeh HC, Gordon a, Kirschner PA, et al. Computed tomography and sonography of thymolipoma. Am J Roentgenol 1983; 131: 40.

8. Reintgen D, Fetter BF, Roses A, et al. Thymolipoma in association with myasthenia gravis. Arch Pathol Lab Med 1978; 102: 463.

9. Otto HF, Löning T, Lachenmayer L, et al. Thymolipoma in association with myasthenia gravis. Cancer 1982; 50: 1623.

10. Barnes RDS, O'Gorman P. Two cases of aplastic anaemia associated with tumours of the thymus. J Clin Pathol 1962; 15: 264.

Recebido para Publicação em 30/12/02

Aceito em 31/3/03

  • Endereço para correspondência

    José Ramos Filho
    Rua Rui Barbosa, 29
    12940-000 - Atibaia, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Maio 2004
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br