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Diretrizes de cirurgia nas valvopatias

Diretrizes de cirurgia nas valvopatias

Editores

Pablo Maria Pomerantzeff

Gilberto Venossi Barbosa

Membros

Basílio Serrano de Sousa Filho

Carlos Manuel de Almeida Brandão

Edison José Ribeiro

Francisco Diniz Affonso Costa

Francisco Gregori Junior

Jayro Thadeu Paiva de Vasconcelos

José Carlos Haertel

Luiz Carlos Schimin

Luiz Daniel da Fraga Torres

Marcelo Gentil Almeida Guedes

Marcos Ramos Carvalho

Max Grinberg

Raul Correa Rabelo

Renato Abdala Karam Kalil

Ricardo Eloy Pereira

Waldemiro Carvalho Junior

Coordenador de Normatizações e Diretrizes

Jorge Ilha Guimarães

Apresentação

O desenvolvimento da diretriz sobre cirurgia nas valvopatias, seus tipos, indicações, estratificação de risco, avaliação e cuidados no pré, trans, e pós-operatório, constitui uma extensa tarefa, uma vez que, em cada tipo de lesão valvar, ocorrem peculiaridades específicas, quanto à etiologia, história natural, parâmetros úteis para o diagnóstico, momento oportuno para a indicação dos procedimentos, tipos de procedimentos e o risco específico de cada um deles, preparação pré-operatória adequada, cuidados durante e após a cirurgia, no intuito de obter uma evolução favorável para os pacientes. A estratégia que escolhemos foi a de buscar o que vem sendo utilizado nos países com grande produção em pesquisa e com estudos bem conduzidos, envolvendo grande número de pacientes e apoiados em publicações provenientes de sólidas universidades e experientes serviços.

O que será recomendado não tem o caráter opinativo individual, mas, à luz da vasta experiência de cada membro na sua área de domínio, construiu-se idéia coletiva para a conduta mais adequada a cada paciente.

Os Editores

Introdução

Durante as últimas duas décadas, grandes avanços ocorreram nas técnicas de diagnóstico, no entendimento da história natural, nos procedimentos da cardiologia intervencionista e da cirurgia nas lesões valvares. Houve uma expansão das informações, que permitiu a tomada de condutas clínicas mais adequadas e publicações explicitando pontos ainda controversos ou incertos.

Ao contrário do que ocorre em outras formas de doenças cardiovasculares, existem poucos estudos multicêntricos, com grande casuística, sobre o diagnóstico e o tratamento das doenças valvares, que apresentem conclusões definitivas, e a literatura representa, primariamente, a experiência de instituições isoladas e com número relativamente pequeno de pacientes.

Esta comissão designada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia recebeu a tarefa de revisar a literatura, organizar os conteúdos e informações no sentido de formar uma base sólida de dados coletados dentro dos princípios de medicina baseada em evidências, com o intuito de formular recomendações para os testes diagnósticos, tratamento e nível de atividade física para estes pacientes.

Estas recomendações seguem o formato estabelecido pelo American College of Cardiology e a American Heart Association que formularam uma classificação para as indicações de procedimentos de diagnóstico e de terapêutica.

Quadro


Estão descritos a seguir, de forma sintética, a avaliação dos pacientes, o uso de testes para o diagnóstico, incluindo exames por imagem, com a finalidade de selecionar o tratamento adequado.

Muitos fatos influem na escolha da conduta apropriada para um determinado paciente de uma determinada coletividade, entre os quais se encontram: 1) disponibilidade de equipamentos especiais para diagnóstico; 2) especialistas com boa qualidade técnica para interpretar de forma correta os exames; 3) cardiologistas intervencionistas e cirurgiões com treinamento adequado; 4) pacientes bem informados sobre os procedimentos e resultados.

Estas normas foram escritas com a assertiva de que os testes de diagnóstico serão realizados e interpretados com alta proficiência por profissionais cujo treinamento obedeceu aos ditames controlados pelas suas respectivas sociedades de especialidade, cumprindo os seus programas aprovados e qualificados, a partir de padrões de segurança conhecidos e exigidos aos profissionais. Além disso, os recursos necessários à execução destes procedimentos diagnósticos e terapêuticos, bem como os cuidados oferecidos aos pacientes deverão estar disponíveis.

Nas próximas tabelas encontram-se, de forma condensada, as diretrizes propostas para a avaliação diagnóstica e terapêutica das lesões das valvas cardíacas, oportunizando fácil consulta para um processo decisório. A não descrição de todas as variáveis num texto longo facilita a sua impressão em revista especializada e, também, mantém o nosso foco nos dados extraídos de trabalhos de medicina baseados em evidências.

Tabelas

Fatores de Risco em Cirurgia Valvar

Nas últimas décadas, os cirurgiões cardiovasculares se depararam com novos desafios. Ocorreu, na verdade, uma mudança de perfil dos pacientes, pois, gradativamente, foram aceitos para a cirurgia pacientes mais idosos, com graus de doença mais avançada ou portadores de doenças crônicas associadas. Outros desafios vieram da pressão para a diminuição do período de internação hospitalar e dos custos dos procedimentos e da utilização de técnicas menos invasivas. Todos estes fatores implicam a necessidade de uma avaliação cada vez mais aprimorada dos pacientes, tanto nos períodos pré como no intra- operatório. Esta avaliação está ligada diretamente às análises de fatores de risco.

Em 1986, o Departamento de Saúde dos Estados Unidos da América (Department of Health and Human Services Health Care Financing Administration) publicou uma lista com os hospitais que apresentaram taxas de mortalidade, excedendo os índices preditos, o que desencadeou uma resposta da Society of Thoracic Surgeons (STS), que considerou inadequada a análise das taxas de mortalidade publicada e formou um Comitê de Análise de Fatores de Risco em Cirurgia de Revascularização do Miocárdio. Este comitê organizou o banco de dados do STS que, posteriormente, incluiu também as cirurgias valvares.

Na década de 90, vários simpósios e congressos médicos sobre fatores de risco e prática médica foram realizados, gerando uma série de publicações sobre o assunto. Blackstone , em editorial de 1994, descreve o grande desenvolvimento das análises de fatores de risco nos últimos 20 anos, com métodos sofisticados, que utilizam o conhecimento médico adquirido ao longo dos anos sobre fatores de risco, modelos matemáticos biomédicos, de bioestatística e de epidemiologia. Segundo esse autor, dentre as diversas especialidades médicas, a Cirurgia Cardiovascular tem sido uma das mais preocupadas com a análise quantitativa de seus resultados.

A análise qualitativa da cirurgia valvar só pode ser realizada pelas relações entre os fatores de risco pré- operatórios e a mortalidade hospitalar. Para uma análise adequada desses fatores, é fundamental a obtenção de um banco de dados preciso, que deve ser prospectivo, multicêntrico e, as variáveis analisadas, objetivas.

A mortalidade operatória em cirurgia valvar varia de 1 a 15%, dependendo da posição, troca valvar múltipla, reoperações e presença de operações associadas, dentre outras variáveis. Várias análises de risco foram realizadas, identificando preditores para morbidade e mortalidade hospitalares em cirurgias valvares.

Jamieson e cols., em estudo multicêntrico do Database Committee of the Society of Thoracic Surgeons, que incluiu 86.580 pacientes submetidos à cirurgia valvar entre 1986 e 1995, analisaram 51 variáveis pré- operatórias, identificando como fatores de risco independentes o caráter de emergência ou salvamento da operação, insuficiência renal, reoperação e classe funcional IV (NYHA). Esse estudo é de grande importância, pois trata-se de uma grande série multiinstitucional, portanto capaz de sugerir consenso na indicação e nas condutas operatórias pela sua representatividade.

Outro estudo importante pela sua representatividade é o do Veterans Affairs , que incluiu 50 centros médicos dos Estados Unidos da América e que, desde 1972, analisa a qualidade dos procedimentos realizados nesses centros médicos. Foram identificadas como fatores de risco as variáveis idade, creatinina, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), pressão de artéria pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), hipertensão, endocardite, reoperação, classe funcional IV e operação de emergência.

A partir das experiências citadas, outros centros passaram a realizar análises de fatores de risco. Na Europa, foi criado, em 1995, o European System for Cardiac Operative Risk Evaluation (EuroSCORE), que incluiu, inicialmente, 132 centros médicos de 8 países. Foram analisadas 68 variáveis pré- operatórias e 29 operatórias em 19.030 pacientes. As variáveis idade, sexo feminino, creatinina, DPOC, reoperação, FEVE, hipertensão pulmonar, endocardite e urgência foram identificadas como preditivas de mortalidade hospitalar. No último ano, foi publicada a validação do EuroSCORE nos Estados Unidos da América Ficou demonstrado que, apesar de diferenças demográficas, como a idade significativamente maior e a maior prevalência da cirurgia de revascularização do miocárdio houve uma congruência entre o EuroSCORE e o banco de dados do STS, permitindo a sua utilização como sistema de estratificação de risco em ambos os continentes.

Atualmente, várias estratificações de risco são apresentadas na literatura, com maior ou menor poder preditivo, como o New York State Database, o Society of Cardiothoracic Surgeons of Great Britain and Ireland (SCTS) Database e outros.

Na literatura nacional, encontram-se algumas análises univariadas de fatores de risco , que os identificam, como idade, emergência, tempo de circulação extracorpórea (CEC) e tempo de pinçamento aórtico, dentre outros. No Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foi realizada análise multivariada de fatores de risco em reoperações valvares e identificadas, como preditivas independentes, as variáveis pré-operatórias, classe funcional IV e creatinina sérica ? 1,5 mg/dl e, a variável intra-operatória, tempo de CEC ? 120 minutos 21.

Em suma, a importância das análises de risco em cirurgia valvar se deve à possibilidade de avaliar a qualidade dos procedimentos, orientar os pacientes e familiares, auxiliar na programação das operações dentro de uma instituição hospitalar e auxiliar nas decisões médicas, incluindo-se na Medicina Baseada em Evidências.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Mar 2004
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