A mobilidade do Septum primum não depende do diâmetro do forame oval em fetos normais

Resumos

OBJECTIVE: To test the hypothesis that a correlation exists between the maximum foramen ovale diastolic diameter and the excursion index (EI) of the septum primum in normal fetuses. METHODS: One hundred and two normal fetuses with gestational ages ranging from 20 to 40 weeks were submitted to echocardiography. The foramen ovale diameter and the "maximal excursion" of the septum primum were measured in a 4-chamber view. The data were analyzed by Pearson's correlation coefficient. RESULTS: The mean foramen ovale (FO) diameter was 5.06 ± 1.29 mm; the maximal excursion of the septum primum was 5.42 ± 1.41 mm; the left atrium diameter 11.47 ± 2.76 mm; the septum primum "excursion index" was 0.48 ± 0.09. Mean FO/EI ratio was 11.35 ± 3.94 mm. No FO/EI correlation (r = -0.03) existed, and a weak foramen ovale/left atrium correlation (r = 0.31) was observed, as well as a weak foramen ovale/excursion of septum primum correlation (r = 0.21). CONCLUSION: Septum primum mobility does not depend on the foramen ovale diameter in normal fetuses, suggesting that the modifications of its diastolic displacement is not influenced by the size of the interatrial opening.

fetal echocardiography; foramen ovale; septum primum; ventricular diastolic function

ARTIGO ORIGINAL

A mobilidade do Septum primum não depende do diâmetro do forame oval em fetos normais

Paulo Zielinsky; Marcelo Sallum; Fabíola Satler; Eduardo Ioschpe Gus; Luiz Henrique Nicoloso; João Luiz Mânica; Antônio Luiz Piccoli Jr

Porto Alegre, RS

Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul / Fundação Universitária de Cardiologia

^{Endereço para correspondência}

RESUMO

OBJETIVO: Testar a hipótese de que existe correlação entre o diâmetro máximo diastólico do forame oval e o índice de excursão do septum primum em fetos normais.

MÉTODOS: Foram examinados, por ecocardiografia, 102 fetos normais de gestantes com idades gestacionais entre 20 e 40 semanas. O diâmetro do forame oval e a excursão máxima do septum primum foram medidos num corte de 4 câmaras. Na análise dos dados utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson.

RESULTADOS: A média do forame oval foi de 5,06 ± 1,29 mm; a da excursão máxima do septum primum de 5,42 ± 1,41 mm; a do átrio esquerdo 11,47 ± 2,76 mm e a do índice de excursão 0,48 ± 0,09. A relação média FO/IE foi de 11,35 ± 3,94 mm. Não houve correlação FO/IE (r = -0,03) e observou-se correlação fraca do forame oval com o átrio esquerdo (r = 0,031) e com a excursão do septum primum (r = 0,21).

CONCLUSÃO: A mobilidade do septum primum não depende do diâmetro do forame oval em fetos normais, sugerindo que as modificações da sua excursão diastólica não decorram do grau de abertura interatrial.

Palavras-chave: Ecocardiografia fetal, forame oval, septum primum, função diastólica ventricular

Durante a vida fetal, o septum primum funciona como válvula para fechar o forame oval, quando ocorre a contração atrial. Na diástole, ele protrui para dentro do átrio esquerdo, permitindo o máximo de abertura e de fluxo no sentido da direita para a esquerda. Essa protrusão é utilizada como referência para identificar o átrio esquerdo ao exame ecocardiográfico fetal ^1,2.

Em trabalhos prévios, estudou-se a mobilidade do septum primum, sua evolução durante a vida intra-uterina ³ e sua relação com a presença de extra-sístoles atriais ^4,5. Para avaliar quantitativamente a excursão do septum primum a cada ciclo cardíaco, foi criado um índice que relaciona a sua máxima excursão ao diâmetro atrial esquerdo, denominado índice de excursão (IE).

Estudo anterior⁶ concluiu que o índice de excursão está diminuído em fetos portadores de hipertrofia septal secundária ao diabetes materno após 32 semanas de idade gestacional, havendo uma correlação inversa entre o índice de excursão e a espessura do septo interventricular, sugerindo que o índice de excursão possa ser utilizado como índice de função diastólica ventricular mais adequado que os classicamente aceitos, uma vez que apresenta uma relação inversa mais estreita com a hipertrofia do septo interventricular do que os fluxos valvares atrioventriculares.

Outro estudo prévio já demonstrou que, durante a respiração fetal, o índice de excursão do septum primum está significativamente aumentado, achado relacionado a um aumento da distensibilidade ventricular esquerda conseqüente aos movimentos respiratórios ⁷.

A excursão do septum primum depende, portanto, de múltiplos fatores, não tendo sido estudada sua relação com o tamanho do forame oval. O presente estudo foi desenhado com o intuito de testar a hipótese de que existe correlação entre o diâmetro do forame oval e a excursão máxima do septum primum.

Métodos

Estudo transversal não controlado, tendo sido examinados 102 fetos sem anormalidades estruturais ou funcionais do coração, de gestantes sem fatores de risco para cardiopatia, a partir da 20ª semana de gestação até o termo, que realizaram ecocardiograma fetal de triagem em Centro Especializado de Cardiologia Fetal, de forma seqüencial e não intencional.

Foram excluídos do estudo fetos portadores de qualquer anormalidade anatômica ou funcional do coração ou de outros órgãos e sistemas, fetos cujas mães apresentassem doença sistêmica ou fatores de risco para cardiopatia fetal, impossibilidade de obtenção de janela ecocardiográfica adequada e idade gestacional menor que 20 semanas.

Os exames ecocardiográficos fetais foram obtidos seguindo a abordagem seqüencial segmentar^8,9 iniciando-se na região umbilical materna, e procurando como referenciais anatômicos a espinha dorsal, o fígado e o septum primum fetais. Determinou-se o situs atrial, a posição do coração no tórax, o tipo e modo das conexões atrioventricular e ventrículo-arterial, o arco aórtico e eventuais defeitos associados.

Foram utilizados ecocardiógrafos ACUSON modelos XP-10 e ASPEN para imagem bidimensional e medidas diretas por cursor eletrônico, empregando-se transdutor curvo de 4 a 7 MHz ou transdutor phased array de 2,25 a 5 MHz.

O índice de excursão (IE) do septum primum foi determinado a partir das seguintes medidas, obtidas em um corte de 4-câmaras: A) máxima excursão do septum primum para o interior do AE durante a diástole atrial, B) máximo diâmetro diastólico do AE. A razão entre A e B expressa o IE. Assim, IE=A/B (fig. 1).

O diâmetro do forame oval foi medido num corte de 4 câmaras, no final da diástole, obtendo-se este parâmetro através do cursor eletrônico do equipamento, sendo considerada a maior distância entre as bordas livres do septo interatrial (fig. 2).

Foi estabelecido o coeficiente de correlação de Pearson entre o diâmetro do forame oval e o índice de excursão do septum primum. Foram quantificados, também, os coeficientes de correlação entre o diâmetro do forame oval e a excursão máxima do septum primum na diástole, assim como o diâmetro atrial esquerdo.

Esta pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Médica da Instituição, e todas as pacientes assinaram um termo de consentimento pós-esclarecimento. Utilizou-se formulário padrão da Unidade de Pesquisa assegurando confidencialidade dos dados.

Resultados

A idade média das gestantes que participaram do estudo foi 26,26 ± 6,18 anos. A idade gestacional variou entre 20 e 40 semanas, média 29,45 ± 4,15 semanas.

A figura 3A mostra a variação do diâmetro do forame oval nos 102 fetos estudados. A média obtida foi de 5,06 ± 1,29 mm.

Os valores da excursão máxima do septum primum encontram-se na figura 3B. Foi obtida uma média de 5,42 ± 1,41mm.

Na figura 3C está representado o diâmetro máximo diastólico do átrio esquerdo dos fetos, cuja média obtida foi de 11,47 mm com um desvio padrão de 2,76 mm.

A média dos índices de excursão do septum primum dos 102 fetos foi de 0,48 ± 0,09 conforme figura 3D.

O coeficiente de correlação de Pearson estabelecido entre o diâmetro do forame oval e o índice de excursão do septum primum foi de -0,03 (fig. 4A).

O coeficiente de correlação entre o diâmetro do forame oval e o diâmetro máximo do átrio esquerdo foi de 0,31 e a correlação entre o diâmetro do forame oval e a excursão do septum primum de 0,21 (fig. 4B e 4C).

Discussão

Durante a embriologia humana, o aparecimento dos septos cardíacos representa um contínuo sistema de protrusões ocorrido em conexão com o desenvolvimento da forma externa das paredes cardíacas. Os bordos livres dessas protrusões crescem, uns em direção aos outros, até o ponto em que se fundem¹⁰. A septação dos dois átrios inicia-se quando o septum primum começa a crescer a partir da porção póstero-superior da parede da cavidade comum, em direção à junção atrioventricular, onde os coxins endocárdicos em desenvolvimento estão separando os átrios e os ventrículos¹¹. O septum primum é uma fina membrana com fenestrações na sua porção média, que separa parcialmente os dois átrios. A porção baixa do septum primum se funde com o tecido dos coxins endocárdicos¹². Posteriormente, desenvolve-se o septum secundum, paralelo e à direita do anterior. Inicia-se na região póstero-superior da parede atrial e também cresce em direção à junção atrioventricular. Tem um bordo semilunar cuja porção ântero-inferior é côncava e cobre só parcialmente o orifício central do septum primum. Esse bordo forma a crista dividens do coração fetal. O espaço entre a crista dividens e o bordo livre do septum primum chama-se forame oval. Esse orifício somente se fechará após o nascimento, por aposição dessas suas estruturas ¹³.

A importância do forame oval se dá pelo fato de que, devido à diminuta circulação sangüínea pulmonar intra-útero, a imensa maioria do fluxo sangüíneo que alcança o coração fetal chega ao órgão pelo átrio direito, e é por essa estrutura que parte do sangue alcança o átrio esquerdo, somando-se à porção que retorna pelas veias pulmonares.

A literatura já estudou o diâmetro do forame oval, e sugere que ele seja aproximadamente igual ao diâmetro aórtico¹⁴ ou um pouco menor^15,16. Um forame oval restritivo (diâmetro < 2mm de abertura máxima)^17,18 tem sido associado a hipoplasia de cavidades esquerdas, aneurismas congênitos do septo interatrial, taquicardia fetal supraventricular e insuficiência cardíaca intra-uterina^19,20.

O conhecimento da dinâmica cardiocirculatória fetal tem sido ampliado ao longo dos últimos anos, com a constante agregação de novos conceitos. A hipótese testada por este trabalho foi a de que as modificações da excursão do septum primum relacionadas a alterações da complacência e/ou do relaxamento ventricular esquerdo, poderiam, também, ser influenciadas pelo diâmetro do forame oval, que é o elo de ligação entre os dois lados do coração.

Entretanto, os resultados obtidos com presente estudo demostraram não haver correlação entre o diâmetro do forame oval e o índice de excursão do septum primum. O que se observou, foi uma fraca correlação entre o diâmetro do forame oval e o diâmetro máximo do átrio esquerdo, bem como entre o diâmetro do forame oval e a excursão do septum primum, embora sem significado clínico.

Estudos prévios demonstraram que a mobilidade do septum primum é influenciada pela função diastólica do ventrículo esquerdo, tanto em um modelo com diminuição da complacência (hipertrofia miocárdica esquerda)⁶ como em um modelo de aumento da complacência ventricular (respiração fetal)³. Um eventual viés de confusão poderia ser representado pelo diâmetro do forame oval, motivo da presente investigação. O posicionamento das bordas do forame oval observado em um mesmo momento do ciclo cardíaco, em conformidade com as mensurações efetuadas na literatura^14-16, minimizam as eventuais limitações da mensuração do forame oval na imagem bidimensional.

Este trabalho constitui uma etapa de uma linha de pesquisa que visa estudar a função diastólica do ventrículo esquerdo fetal. Estudos realizados com velocidade de fluxo através do forame oval, cuja avaliação não fez parte do delineamento deste trabalho, mostraram-se úteis para quantificar a complacência ventricular esquerda em fetos com hipertrofia miocárdica^*. Em conclusão, os dados da presente investigação sugerem que as modificações da excursão diastólica do septum primum não decorrem do grau de abertura interatrial em fetos normais.

Recebido para Publicação em 11/8/03

Aceito em 26/1/04

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Zielinsky P, Scheid MM, Gus EI et al. Comportamento do fluxo pelo forame oval em fetos de mães diabéticas com hipertrofia miocárdica [enviado para publicação em Arq Bras Cardiol].

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Out 2004
• Data do Fascículo
  Out 2004

Histórico

• Aceito
  26 Jan 2004
• Recebido
  11 Ago 2003