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Efeitos agudos dos estrogênios associados a progestogênios sobre a trigliceridemia e reatividade vascular pós-prandial

Resumos

OBJETIVO: Avaliar se a terapia de reposição hormonal com estrogênios e progestogênios, em mulheres hipertensas na pós-menopausa, modifica a trigliceridemia e a reatividade vascular pós-prandial. MÉTODOS: Estudo controlado, duplo cego, cruzado contra placebo em 15 mulheres na pós-menopausa (idade de 50 a 70, média = 61,6 ± 6 anos), sorteadas para 2 semanas de placebo ou ingestão oral de 0,625 mg de estrogênios conjugados eqüinos e 2,5 mg de medroxiprogesterona e alimentadas com refeição rica em gorduras (897 calorias; 50,1% de gorduras). Foi medida a reatividade vascular (RV - % de variação dos diâmetros do vaso entre o jejum e 2h após a alimentação), usando-se método ultra-sonográfico automatizado. Foram também determinados o perfil lipídico e a glicose, em jejum e 2h após a alimentação rica em gorduras. RESULTADOS: Com o placebo, a reatividade vascular (RV) diminuiu de 3,20 ± 17% em jejum para -2,1 ± 30%, 2h após a alimentação (p = 0,041), e com terapia de reposição hormonal, a reatividade vascular diminuiu de 6,14 ± 27% em jejum para -0,05±18%, 2h após a alimentação (p=NS). A trigliceridemia pós-prandial aumentou, 35 ± 25% com o placebo, e 12 ± 10% com a terapia de reposição hormonal (P < 0,05). CONCLUSÃO: Em mulheres hipertensas, na pós-menopausa, 2 semanas de reposição hormonal com uma associação de estrogênios e progestogênios, diminuiu a hipertrigliceridemia após uma refeição com alto teor de gorduras, efeito que pode melhorar a disfunção endotelial existente no período pós-prandial.

terapia de reposição hormonal; trigliceridemia; endotélio vascular


OBJECTIVE: To assess whether hormone replacement therapy with estrogens in association with progestogens in postmenopausal hypertensive women alters postprandial triglyceridemia and vascular reactivity. METHODS: A double-blind, placebo-controlled, crossover study was carried out with 15 postmenopausal women (age range: 50 to 70 years, mean = 61.6 ± 6 years) randomly assigned to 2 weeks of placebo or oral ingestion of 0.625 mg of equine conjugated estrogens and 2.5 mg of medroxyprogesterone, fed a high-fat diet (897 calories; 50.1% fat). Vascular reactivity (VR - % of vessel diameter variation in the fasting period and 2 hours after meals) was measured by using the automated ultrasound method. Lipid profile and glycemia during the fasting period and 2 hours after a high-fat meal were measured. RESULTS: With placebo, vascular reactivity (VR) decreased from 3.20 ± 17% during the fasting period to -2.1 ± 30% 2 hours after the meal (P=0.041). With the hormone replacement therapy, vascular reactivity decreased from 6.14 ± 27% during the fasting period to - 0.05 ± 18% 2 hours after the meal (P=NS). Postprandial triglyceridemia increased as follows: 35 ± 25% with placebo; and 12 ± 10% with hormone replacement therapy (P < 0.05). CONCLUSION: In postmenopausal hypertensive women, 2 weeks of hormone replacement with an association of estrogens and progestogens decreased hypertriglyceridemia after a high-fat meal, an effect that may reduce the endothelial dysfunction occurring in the postprandial period.

hormone replacement therapy; triglyceridemia; vascular endothelium


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos agudos dos estrogênios associados a progestogênios sobre a trigliceridemia e reatividade vascular pós-prandial

Silvio C.M. Santos; Jaime Augusto Canashiro; Otavio C.E.; Gebara José Mendes Aldrighi; Nubia Vieira; Amit Nussbacher; Humberto Pierri; João Serro-Azul; Maurício Wajngarten; Giuseppe Rosano; Jose A. F. Ramires

São Paulo, SP

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP, Instituto San Raffaele, Roma - Itália

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Silvio C.M. Santos InCor - Cardiogeriatria Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 Cep 05403-000 - São Paulo - SP E-mail: silviocmsantos@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar se a terapia de reposição hormonal com estrogênios e progestogênios, em mulheres hipertensas na pós-menopausa, modifica a trigliceridemia e a reatividade vascular pós-prandial.

MÉTODOS: Estudo controlado, duplo cego, cruzado contra placebo em 15 mulheres na pós-menopausa (idade de 50 a 70, média = 61,6 ± 6 anos), sorteadas para 2 semanas de placebo ou ingestão oral de 0,625 mg de estrogênios conjugados eqüinos e 2,5 mg de medroxiprogesterona e alimentadas com refeição rica em gorduras (897 calorias; 50,1% de gorduras). Foi medida a reatividade vascular (RV - % de variação dos diâmetros do vaso entre o jejum e 2h após a alimentação), usando-se método ultra-sonográfico automatizado. Foram também determinados o perfil lipídico e a glicose, em jejum e 2h após a alimentação rica em gorduras.

RESULTADOS: Com o placebo, a reatividade vascular (RV) diminuiu de 3,20 ± 17% em jejum para —2,1 ± 30%, 2h após a alimentação (p = 0,041), e com terapia de reposição hormonal, a reatividade vascular diminuiu de 6,14 ± 27% em jejum para —0,05±18%, 2h após a alimentação (p=NS). A trigliceridemia pós-prandial aumentou, 35 ± 25% com o placebo, e 12 ± 10% com a terapia de reposição hormonal (P < 0,05).

CONCLUSÃO: Em mulheres hipertensas, na pós-menopausa, 2 semanas de reposição hormonal com uma associação de estrogênios e progestogênios, diminuiu a hipertrigliceridemia após uma refeição com alto teor de gorduras, efeito que pode melhorar a disfunção endotelial existente no período pós-prandial.

Palavras-chave: terapia de reposição hormonal; trigliceridemia;endotélio vascular

A disfunção endotelial parece ser um dos fenômenos mais precoces envolvido na aterogênese, estando associada a diferentes fatores de risco cardiovasculares, como idade1-3, alterações hormonais pós-menopausa4,5, hipercolesterolemia6-8, hipertrigliceridemia9-11, diabetes mellitus12,13, tabagismo8,14, hiperhomocisteinemia15, e hipertensão arterial1,16,17.

Estudos recentes têm sugerido que dietas com alto teor de gorduras e lipoproteínas ricas em triglicérides (TG), ao produzirem alterações da função endotelial agudamente, desde 2h da sua ingestão, persistindo este efeito por várias horas, teriam influência nos mecanismos iniciais da aterosclerose9,11,18. Esse efeito seria exercido mais pela elevação aguda dos níveis de triglicérides no período pós-prandial do que pelos seus níveis e os do colesterol, em jejum. Vogel e cols.11 sugerem que dietas ricas em gorduras teriam influência nos mecanismos da aterogênese através de via direta (dependente do endotélio) e via indireta (dependente do colesterol), e que dietas com baixos teores de gordura seriam medidas importantes, entre outras, na prevenção e tratamento da doença arterial coronariana, mesmo em pessoas com níveis de colesterol consideradas isentas de risco11. As células endoteliais teriam importante papel regulador local através da secreção de várias substâncias que controlam o tônus e a estrutura vascular19. A relação direta entre os fatores de risco cardiovasculares e a disfunção endotelial podem ter significado relevante, pois ambos têm importante papel na gênese da trombose e da instabilidade da placa aterosclerótica.

Nas mulheres após a menopausa, além da idade e da queda dos níveis plasmáticos dos estrogênios, freqüentemente estão presentes outros fatores que alteram a função endotelial, como a hipertensão arterial e dislipidemia20.

Este conjunto de fatores tem demonstrado que existe impacto epidemiológico na doença aterosclerótica21.

Estudos observacionais22,23 e experimentais24 sugeriram benefícios cardiovasculares da terapia de reposição hormonal, com efeitos positivos sobre níveis de lipoproteínas, ação benéfica sobre o metabolismo de carboidratos e insulina25, além de efeitos vasculares diretos, dependentes26,27 ou independentes28,29 da participação do endotélio. Porém, recentemente, estudos clínicos falharam em confirmar esta proteção contra eventos cardiovasculares no seu uso por longo prazo30,31. Contudo, na prática clínica, a terapia de reposição hormonal continua a ser eficiente no controle das reações vasomotoras (no curto prazo), e da osteoporose (no longo prazo).

O objetivo deste estudo foi avaliar se o uso de estrogênios associados à progesterona, em curto prazo (2 semanas), em mulheres após a menopausa e com hipertensão arterial sistêmica, como fator de risco associado para disfunção endotelial, modifica os níveis plasmáticos de lípides e altera a reatividade vascular, antes e após a alimentação.

Métodos

Foram selecionadas 15 mulheres na pós-menopausa com idade entre 50 e 70 (média de 61,4 ± 6,06) anos, com tempo de menopausa de 13 ± 7,5 anos, todas em uso de hipotensores, com exceção de duas, controladas somente com dieta hipossódica.

Os critérios de inclusão no estudo foram: 1) ausência de contra-indicações ao uso de estrogênios; 2) idade entre 50 e 70 anos; 3) menopausa natural ou cirúrgica; 4) ser portadora de hipertensão arterial primária, independente dos níveis pressóricos; 5) ter dosagem recente (menos de 1 ano) de colesterol total de até 239 mg/dl e triglicérides de até 250 mg/dl, em amostra colhida após 12h de jejum absoluto; 6) ser não-tabagista ou ex-tabagista há pelo menos 2 anos; 7) ser não-diabética. As características da população estudada estão descritas na tabela I.

O estudo foi aprovado pela Comissão Científica e de Ética da Instituição, com o Termo de Consentimento Pós-Informação assinado.

As pacientes incluídas na pesquisa foram mantidas com terapêutica anti-hipertensiva sem modificações durante todo o estudo e sorteadas para receber, durante duas semanas, uma cápsula por dia de placebo ou estrogênios conjugados (0,625 mg) associados ao acetato de medroxiprogesterona (2,5 mg). Após esse período de ingestão de um dos fármacos, todas as pacientes compareceram à instituição, após 12h de jejum, no período da manhã, entre 7 e 9h, obedecendo à seqüência: 1) coleta de amostra de sangue venoso periférico no braço esquerdo das pacientes, para dosagens sangüíneas de glicose, colesterol total, HDL- colesterol, LDL- colesterol e triglicérides. 2) estudo ultra-sonográfico da artéria braquial do braço direito,com aparelho Philips sistema CVI - SD-800, transdutor linear de 7 MHz, com a paciente em decúbito dorsal, em sala com temperatura mantida a 22º C. Após 10 min de repouso para estabilização dos parâmetros, foram medidos diâmetro do vaso pela ultra-sonografia modo B e, em seguida, o diâmetro e o fluxo de sangue na artéria pela ultra-sonografia modo - CVI - Q (Cardio Vascular Imaging - M mode): a) em condições basais — 5 medidas e calculava-se a média; b) 1min de hiperemia reativa produzida por interrupção do fluxo sangüíneo, obtida por insuflação de manguito de esfigmomanômetro, com largura apropriada ao tamanho do braço, colocado no terço médio superior do braço direito, preservando-se espaço suficiente para a colocação do transdutor no terço inferior do braço, sobre o trajeto da artéria braquial. O manguito era insuflado a 300 mmHg e mantido por 5min e, em seguida, esvaziado. Eram efetuadas 3 medidas no decorrer do 1º minuto de hiperemia e calculava-se a média. Posteriormente, as pacientes ingeriam refeição padronizada pelo Serviço de Nutrição do Instituto do Coração com valor calórico total de 897,62 Kcal, constituída por 37g (16,5%) de proteínas, 50 g (50,1%) de lipídios e 75 g (33,4%) de carboidratos. Após 2h, realizávamos o estudo em seguida à alimentação, quando, então, se repetia a mesma seqüência do estudo em jejum. Com a paciente em repouso, em jejum e 2h após a refeição, foram medidas a pressão arterial no braço esquerdo por esfigmomanômetro aneróide e a freqüência cardíaca.

Após a realização desta 1º fase do estudo, as pacientes permaneceram 2 semanas sem medicação - "wash-out" (período de eliminação da droga). A seguir, por 2 semanas, ingeriram diariamente uma cápsula em jejum pela manhã, do 2º medicamento. Após esse período, compareceram à instituição em jejum de 12h para a 2º fase do estudo, quando então se repetiu a mesma seqüência da 1º fase, terminando, desta forma, o estudo aleatório, duplo cego, cruzado contra placebo.

As dosagens sangüíneas de glicose, colesterol total, HDL- colesterol e triglicérides foram realizadas pelo método enzimático automatizado e o LDL-colesterol, no sobrenadante do precipitado das betalipoproteínas, por método enzimático automatizado. Os níveis do LDL- colesterol foram calculados pela fórmula de Friedewald32 nos casos de trigliceridemias elevadas.

A técnica escolhida para cálculo do diâmetro e do fluxo na artéria braquial foi a de método baseado na ultra-sonografia modo M, que fornece a média da variação instantânea dos diâmetros sistólico e diastólico, acoplada à ultra-sonografia por domínio do tempo (CVI - Q: Cardio Vascular Imaging — modo M) que fornece, através de um programa específico e automaticamente, o fluxo de sangue no vaso estudado33.

Foram medidas diretamente ou calculadas nas diferentes condições do estudo as seguintes variáveis: diâmetro arterial em milímetros (mm) (DIA), fluxo arterial em mililitros por minuto (ml/min) (FL), reatividade vascular mediada pelo fluxo (RV) em % de variação do diâmetro obtida pela fórmula: RV = 100 X (DIA pós-hiperemia reativa - DIA basal)/DIA basal, dosagens sangüíneas de glicose, colesterol total, HDL-colesterol, LDL-colesterol e triglicérides em miligramas por decilitro (mg/dl), freqüência cardíaca (FC) em batimentos por minuto (bpm), pressão arterial sistólica (PS) em mmHg, pressão arterial diastólica (PD) em mmHg, pressão arterial média (PAM) em mmHg calculada por PD + (PS - PD)/3.

Inicialmente, todas as variáveis foram analisadas descritivamente. Para as variáveis quantitativas (idade, peso, altura, tempo de menopausa, índice de massa corpórea -IMC) a análise foi feita através da observação dos valores mínimos e máximos, e do cálculo de médias e desvios-padrão. Para as variáveis qualitativas (tratamento da hipertensão arterial) calculou-se freqüências absolutas e relativas.

Para averigüar o comportamento dos grupos em relação aos lípides, considerando-se as condições estudadas, utilizou-se análise de variância com medidas repetidas. Para a comparação da reatividade vascular mediada pelo fluxo, expressa em porcentagem de variação de diâmetro em jejum e 2h após a refeição, nas fases de placebo e de intervenção com hormônios, foi utilizado o teste não-paramétrico de Wilcoxon, pois a suposição de normalidade dos dados foi rejeitada. O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%.

Resultados

Na tabela II, estão relacionados os valores das médias e dos desvios-padrão das variáveis analisadas, com o uso do placebo ou terapia de reposição hormonal nas diferentes fases do estudo. A análise dos dados sobre a porcentagem de variação do diâmetro (RV), entre o basal e 1min após HR, com o placebo, mostrou uma diferença estatisticamente significativa: RV = 3,2 ± 17% em jejum, comparada a valores obtidos com 2h após a alimentação, RV = -2,1 ± 30% (p = 0,041). Todos os outros parâmetros analisados, em jejum ou com 2h após a alimentação, com placebo ou terapia de reposição hormonal, não mostraram diferenças estatisticamente significativas. Com terapia de reposição hormonal não houve diferença significativa na RV em jejum ou após dieta (6,14+26,94% em jejum, versus —0,05+18% após dieta).

Na tabela III encontram-se os valores das médias e desvios-padrão das dosagens sangüíneas de glicose, colesterol total, HDL-colesterol, LDL-colesterol e triglicérides, em jejum e 2h após a alimentação, durante o uso do placebo e terapia de reposição hormonal.

A análise das médias das dosagens do colesterol e frações, e da glicose com o placebo e a terapia de reposição hormonal, não mostrou alterações estatisticamente significativas entre o jejum e 2h após a alimentação. Nas dosagens de triglicérides, houve um aumento estatisticamente significativo com o placebo (p = 0,03), o que não ocorreu com a terapia de reposição hormonal (p = 0,34).

A figura 1 demonstra a diferença nas variações de lípides em cada grupo. Nota-se significativa diferença na variação de triglicérides no momento placebo, que foi bloqueada no momento terapia de reposição hormonal.


Na tabela IV estão apresentadas os valores das médias e desvios-padrão da pressão arterial sistólica (PS), pressão arterial diastólica (PD), pressão arterial média (PAM) e freqüência cardíaca (FC), em jejum e 2h após a alimentação, nas fases de placebo e terapia de reposição hormonal. A análise desses parâmetros não mostrou mudanças hemodinâmicas, estatisticamente significativas, em qualquer fase do experimento.

Não houve variação do índice de massa corpórea durante todas as fases do experimento (26,14 ± 3,6 kg/m2).

Discussão

Nosso estudo demonstrou que a associação de estrogênios e progestogênios diminuiu a hipertrigliceridemia, após uma refeição, com alto teor de gorduras, produzindo uma tendência em abolir a inibição da vasodilatação observada com a dieta gordurosa, efeitos agudos potencialmente redutores do risco cardiovascular.

O aumento da expectativa de vida faz com que as mulheres tenham tempo de menopausa progressivamente mais prolongado, aumentando a probabilidade de apresentarem hipertensão arterial sistêmica, como co-morbidade, pois há um aumento da sua prevalência com o envelhecimento1-5,20. Além da hipertensão arterial, a dislipidemia é um dos fatores de risco mais importantes. Mais recentemente, houve o reconhecimento de que a elevação aguda da lipemia pós-prandial produz alterações na função endotelial, e teria influência nos mecanismos iniciais da aterosclerose6-11. Dessa forma, o aumento da trigliceridemia após alimentação rica em gorduras, ao impedir uma plena vasodilatação, atuaria como fator de risco cardiovascular adicional nessas mulheres. Recentemente, alguns estudos analisaram o impacto da trigliceridemia sobre a função endotelial; um deles, utilizando emulsão de triglicérides não fisiológica, obteve uma redução da reatividade vascular tanto a mediada pelo fluxo como a independente dele10. Vogel e cols.11 produziram disfunção endotelial ao alimentar adultos jovens, de ambos os sexos, e sem fatores de risco, com dieta de alto teor de gorduras e lipoproteínas ricas em triglicérides, mostrando que a disfunção endotelial era transitória, apresentando correlação significativa com a trigliceridemia após a alimentação. Resultados semelhantes têm sido obtidos em outro estudos34, confirmando a relação entre a redução da vasodilatação mediada pelo fluxo e o nível de triglicérides após refeição, mas não com os níveis de triglicérides em jejum ou com outros lípides plasmáticos.

A terapia de reposição hormonal, em passado recente, foi considerada uma abordagem terapêutica para redução de risco cardiovascular22-24. Esse conceito foi revisto após a publicação de estudos clínicos controlados e de longa duração, que não confirmaram os benefícios e apresentaram aumento de eventos cardiovasculares30,31. No futuro, o estudo de mecanismos de ação da terapia de reposição hormonal, que permitiriam a adequação de diferentes doses ou vias de administração, ainda podem representar uma alternativa.

Ao compararmos os resultados em jejum, com placebo e com terapia de reposição hormonal, obtivemos para o CT, 9,8% de redução; HDL-c, 4% de aumento; LDL-c, 1,5% de redução; TG, 0,5% de aumento. Esses resultados obtidos, após 2 semanas do uso da associação estrogênio e progesterona, são semelhantes, porém, menos expressivos do que em outros estudos de grande porte22,23,35, talvez devido ao tempo relativamente curto de utilização dos hormônios e ao tempo longo de menopausa. Em relação às variações do perfil lipídico entre o jejum e 2h após alimentação, comparando o efeito do placebo e da terapia de reposição hormonal, houve aumento de TG de 35 ± 25% com o placebo, comparados a 12 ± 10% de aumento para terapia de reposição hormonal. Este resultado que mostrou um menor aumento dos níveis de TG no período após a alimentação sob efeito da terapia de reposição hormonal, pode ser interpretado como efeito benéfico dos mesmos.

Ao analisarmos, conjuntamente, os dados sobre o comportamento da reatividade vascular e da trigliceridemia em nosso estudo, observamos que, com o placebo, obtivemos o resultado esperado, ou seja, menor vasodilatação concomitante à elevação dos triglicérides, no período após a alimentação. Já com a terapia de reposição hormonal houve maior vasodilatação, sem significado estatístico, acompanhada de menor elevação dos triglicérides, em relação ao placebo, diferença estatisticamente significativa. Contudo, ao analisarmos os valores das médias, observou-se uma tendência dos diâmetros com terapia de reposição hormonal de serem sempre um pouco maiores que os do placebo. Como possíveis justificativas para a ausência de significado estatístico, teríamos: a idade avançada das pacientes, tempo relativamente prolongado de hipoestrogenismo, a presença da hipertensão arterial, mesmo quando bem controlada, e tempo relativamente curto de terapia de reposição hormonal, fatores que, em conjunto, promoveriam disfunção endotelial não eficientemente melhorada pela ação da terapia de reposição hormonal. Torna-se necessário, portanto, a realização de outros estudos, com o mesmo objetivo, procurando afastar os fatores citados, a fim de se comprovar o benefício da terapia de reposição hormonal sobre a disfunção endotelial, provocada pela elevação da trigliceridemia no período absortivo do processo de digestão. Sabe-se que este período pode ser considerado fator de risco para a aterosclerose36.

A metodologia utilizada neste estudo para avaliação da disfunção endotelial ganhou evidência na última década, a partir das descrições de Celermajer e cols.37. Trata-se de um método não invasivo para estudo da vasodilatação mediada pelo fluxo nas artérias braquial ou femoral: ao se produzir uma oclusão arterial por 5min no braço do paciente, provoca-se hiperemia reativa, e após a desinsuflação do manguito utilizado para a interrupção do fluxo, obtém-se um aumento significativo e variável (3 a 7 vezes), ocasionado pelo shear stress (forças de cizalhamento) obtendo-se, assim, uma vasodilatação mediada pelo fluxo. Para as medidas do diâmetro arterial e da velocidade do fluxo nestes vasos, tem sido empregada a ultra-sonografia vascular, utilizando-se o modo B, para medidas dos diâmetros e principalmente, a técnica do Doppler, para medida da velocidade. A variabilidade do método é aceitável, e as medidas foram reproduzidas em vários laboratórios38. A vasodilatação mediada pelo fluxo, na artéria braquial, tem demonstrado boa correlação com medidas da função endotelial coronariana39. A principal vantagem deste método é a sua natureza não invasiva, permitindo repetições de medidas no mesmo paciente, ou estudos com grande número de casos.

Embora o fluxo sangüíneo possa, teoricamente, ser medido através da ultra-sonografia, por meio de cálculos a partir da velocidade espectral obtida pelo Doppler e pelo diâmetro ou área de secção transversal do vaso obtida pelo modo B, os erros são muito grandes, limitando o seu uso prático33. Recentemente, a introdução de um novo método ultra-sonográfico por domínio do tempo para medidas do fluxo sangüíneo, o CVI-Q vem-se tornando uma alternativa prática e de excelente acurácia, sendo um método adaptável ao exame clínico em procedimentos vasculares de rotina40,41. O diâmetro e a área do vaso são determinados automaticamente a partir do conjunto das medidas de velocidade, diminuindo os erros associados, quando são feitas medidas separadas. Como resultado, obtivemos medidas instantâneas do fluxo, o que não se conseguia com outras técnicas de medidas ultra-sonográficas. O método CVI-Q mede tanto o componente pulsátil como o contínuo da onda de fluxo. Dessa forma, esta nova técnica, diferentemente do Doppler, ao medir o diâmetro por modo M e utilizando-se do domínio do tempo para processar os dados de velocidade, supera as limitações das outras técnicas e melhora a acurácia dos dados sobre o fluxo sangüíneo, permanecendo ainda a variabilidade fisiológica como fator de erro. Este método permite a procura e escolha do melhor padrão de leitura por busca ativa do operador, tendo em cada varredura da tela um conjunto de 7 a 10 ondas de fluxo (dependendo da freqüência cardíaca momentânea). No nosso estudo, esta técnica, ainda pouco empregada em nosso meio, mostrou-se interessante e muito promissora, apesar de utilizar aparelho de ultra-sonografia com tecnologia mais sofisticada e algo dispendiosa.

Quanto às limitações, apesar da prevalência elevada de hipertensão arterial em mulheres após a menopausa, e a isso deveu-se a escolha, a população do nosso estudo representa um grupo especial, onde a disfunção endotelial pode ser mais evidente e, por isso, não normalizada por uma terapêutica relativamente curta (2 semanas) como a utilizada. Nossos achados não podem ser extrapolados para outras populações. Também nosso estudo utilizou a terapia de reposição hormonal por via oral, e por isso os efeitos da utilização por via transdérmica não podem ser facilmente previsíveis. A via de administração transdérmica apresenta efeitos lipídicos menos evidentes, mas ainda conserva efeitos vasculares. Vias alternativas devem ser futuramente estudadas. Por fim, a utilização concomitante de um progestágeno na terapia de reposição hormonal pode trazer efeitos que atenuam a ação estrogênica. Somente estudos futuros, comparando estas formulações, podem responder estas indagações.

Concluindo, em mulheres na pós-menopausa e hipertensas, o uso em curto prazo da associação de estrogênios conjugados com medroxiprogesterona: evitou a elevação dos níveis de triglicérides, e mostrou uma tendência a abolir a inibição dos efeitos vasodilatadores de uma refeição com alto teor de gorduras. Efeitos que podem se traduzir em redução aguda de risco cardiovascular nessa situação.

Recebido para publicação em 8/11/02

Aceito em 17/3/04

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  • Endereço para correspondência
    Dr. Silvio C.M. Santos
    InCor - Cardiogeriatria
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44
    Cep 05403-000 - São Paulo - SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Nov 2004

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2004
    • Recebido
      08 Nov 2002
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