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Implante de stent em estenose crítica no tronco celíaco: expandindo as fronteiras da intervenção vascular percutânea

RELATO DE CASO

Implante de stent em estenose crítica no tronco celíaco: expandindo as fronteiras da intervenção vascular percutânea

Alexandre Schaan de Quadros; Rogério Sarmento-Leite; Cláudio Vasquez Moraes; Luis Maria Yordi

Porto Alegre, RS

Centro de Terapia Endovascular do Hospital Mãe de Deus e Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Alexandre Schaan de Quadros Av. Ganzo, 677/602 Cep 90150-071 - Porto Alegre - RS E-mail: aquadros@cardiol.br

A isquemia mesentérica sintomática está geralmente associada à aterosclerose grave e difusa das artérias viscerais, tornando-se uma situação clínica infreqüente e de difícil manejo. Descrevemos o caso de uma mulher, de 75 anos, com angina mesentérica incapacitante e estenose de 80% na origem do tronco celíaco, estenose de 50% proximal na artéria mesentérica superior e oclusão da artéria mesentérica inferior. Foi implantado um stent no óstio do tronco celíaco, com sucesso e sem complicações. Os sintomas regrediram já no 1º pós-operatório e a paciente permanece assintomática um ano após o procedimento, que consideramos seguro, eficaz e poderá se tornar o tratamento de escolha nesta doença.

A isquemia mesentérica sintomática está geralmente associada à aterosclerose grave e difusa das artérias viscerais, sendo uma situação clínica infreqüente e de difícil manejo. A cirurgia de revascularização apresenta alta morbi-mortalidade devido ao alto risco cirúrgico. O implante percutâneo de endopróteses é uma opção efetiva e minimamente invasiva, ideal em pacientes com múltiplas comorbidades.

Relato de Caso

Mulher de 75 anos, com dor epigástrica progressiva nos últimos três meses, com início durante as refeições e alívio em 30 minutos, evoluindo com emagrecimento de 4Kg e impossibilitando alimentação adeqüada. A paciente apresentava os diagnósticos clínicos de cardiopatia isquêmica grave (comprometimento triarterial não passível de tratamento invasivo), insuficiência cardíaca grau III NYHA por disfunção sistólica ventricular esquerda, diabetes mellitus, insuficiência renal crônica e vasculopatia periférica. Vinha em uso de digoxina 0,125 mg/dia, furosemide 80 mg/dia, espironolactona 25 mg/dia, losartan 100 mg/dia, glibenclamida 4 mg/dia, dinitrato de isossorbida 120 mg;dia, metoprolol 100 mg/dia, ácido acetilsalicílico 100 mg/dia e sinvastatina 40 mg/dia.

Os exames laboratoriais demonstraram anemia leve (Ht=33%, Hb=10,8 g/dl), comprometimento da função renal (creatinina= 1,5 mg/dl, uréia=68mg/dl), eletrólitos normais e glicemia jejum=123 mg/dl. Eletrocardiograma de repouso demonstrava ritmo sinusal, FC=64 bpm, padrão de sobrecarga ventricular esquerda com infradesnivelamento do segmento ST em derivações V5 e V6. Radiografia de tórax demonstrava cardiomegalia sem sinais de congestão venocapilar pulmonar.

A avaliação da dor epigástrica foi realizada com endoscopia digestiva que foi normal e avaliação do gastroenterologista, com diagnóstico de angina mesentérica severa. Angioressonância da aorta abdominal e de seus ramos foi realizada e demonstrou estenose de 80% na origem do tronco celíaco, estenose de 50% proximal na artéria mesentérica superior, oclusão da artéria mesentérica inferior e estenose de 70% na artéria renal direita. Indicada aortografia abdominal e arteriografia visceral com intervenção no mesmo procedimento caso os achados da angioressonância fôssem confirmados.

A paciente foi levada ao Laboratório de Hemodinâmica em boas condições clínicas, sem angina ou insuficiência cardíaca. A artéria femural direita foi puncionada e aortografia abdominal realizada em projeção ântero-posterior e lateral esquerda com cateter pigtail, confirmando os achados da angioressonância: estenose de 70% na origem do tronco celíaco, estenose de 50% na origem da artéria mesentérica superior e oclusão da artéria mesentérica inferior (fig. 1 e 2). As artérias renais não apresentavam estenoses significativas. Heparina 5.000 U foi administrada por via endovenosa e o tronco celíaco foi cateterizado seletivamente com um cateter-guia Veripath LIMA 7F e a estenose foi ultrapassada com fio-guia 0,014 in Guidant Extra Sport. Um stent Herculink 6,0 X 18 mm foi então posicionado no local, liberado e impactado com 18 ATM (fig. 3). Observou-se fluxo normal do vaso ao final do procedimento com estenose residual menor do que 10% (fig. 4 e 5). A paciente deixou o laboratório em boas condições clínicas e no primeiro pós-operatório alimentou-se normalmente, sem dor abdominal. No seguimento clínico em um ano após o procedimento a paciente permanece assintomática, sem recidiva dos sintomas e com recuperação do seu peso normal.






Discussão

A isquemia mesentérica crônica causada por aterosclerose grave das artérias viscerais é uma situação clínica incomum e geralmente acompanha-se de dor abdominal pós-prandial, emagrecimento e comprometimento aterosclerótico em outros territórios vasculares1-8. As opções terapêuticas são limitadas, sendo que a cirurgia de revascularização tem alta morbidade e mortalidade, que variam entre 5 a 15%, mesmo em centros terciários de referência dedicados ao tratamento de doenças vasculares4,5. A revascularização percutânea por angioplastia com balão ou implante de endoprótese é uma opção atraente por ser um procedimento minimamente invasivo, ideal neste grupo de pacientes com múltiplas comorbidades. A angioplastia com balão tem sido utilizada no tratamento de estenoses nas artérias mesentérica superior, inferior e tronco celíaco há mais de uma década, com resultados subótimos provavelmente pela natureza ostial de muitas destas lesões1,3,5,8. Angioplastia com balão em lesões ostiais está associada a estenoses residuais mais severas devido ao intenso recolhimento elástico provocado pelo grande número de fibras elásticas circulares presentes no óstio, o que, por sua vez, está associado ao aumento de complicações (oclusão aguda) e de reestenose5,8.

O implante de stents diminui estas complicações porque fornece um suporte metálico que impede o recolhimento elástico do vaso. Em virtude da baixa prevalência desta doença, a experiência clínica com implante de stents em estenoses de artérias viscerais é limitada, restrita a relatos de casos e séries retrospectivas com pequeno número de pacientes3-9. Nesses estudos, o implante de stents esteve associado a menores taxas de complicações e de reestenose do que a angioplastia isolada com balão1,3,8,10 e menor morbidade quando comparado ao tratamento cirúrgico convencional5. Os riscos deste procedimento são pequenos, mas incluem embolização distal com piora da isquemia, síndrome de reperfusão, embolia de colesterol para membros inferiores por manipulação de placas na aorta e dissecção aórtica em casos de estenoses ostiais.

A paciente em questão apresentava comprometimento aterosclerótico grave da vasculatura visceral e de outros territórios vasculares (cardiopatia isquêmica grave, acidente vascular cerebral isquêmico prévio, vasculopatia de membros inferiores), assim como descrito em vários estudos de literatura1-8. O sintoma típico de dor pós-prandial severa e incapacitante, juntamente com o achado de estenoses severas na angioressonância e investigação diagnóstica negativa para doença péptica, motivou a indicação preferencial de revascularização percutânea em virtude do alto risco cirúrgico11. A evolução após o procedimento foi excelente, com desaparecimento da dor no primeiro pós-operatório e melhora do quadro clínico global. A intervenção somente na artéria com comprometimento aterosclerótico mais severo tem sido descrita como a abordagem preferencial no manejo desses pacientes7, sendo que a paciente que descrevemos permanece assintomática um ano após o procedimento.

Em conclusão, o implante de stents em artérias viscerais para o tratamento da angina mesentérica por comprometimento aterósclerótico significativo destes vasos é um procedimento eficaz e deve se tornar o tratamento de escolha nos pacientes, que geralmente apresentam múltiplas comorbidades e alto risco cirúrgico.

Referências

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Recebido para Publicação: 14/02/2003

Aceito em: 27/02/2004

  • Endereço para correspondência
    Alexandre Schaan de Quadros
    Av. Ganzo, 677/602
    Cep 90150-071 - Porto Alegre - RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Nov 2004
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