Acessibilidade / Reportar erro

Perfil ambulatorial em cardiologia pediátrica na cidade de Ribeirão Preto, SP

Resumos

OBJETIVO: Verificar em casuísticas ambulatoriais na rede pública de saúde, em hospital terciário e na clínica privada, as características do atendimento, em cardiopatia pediátrica enfatizando o motivo de encaminhamento, o diagnóstico definitivo e a conduta adotada. MÉTODOS: Um total de 1.365 pacientes consecutivos, com idades entre 1 mês a 14 anos foram atendidos, em 1996, em 3 locais distintos: G1 (n = 562), ambulatório de referência da rede pública, oriundo de Ribeirão Preto (RP) (78%) e região (22%); G2 (n = 420), clínica privada, oriundo de RP (67%), região (25%) e outras regiões/estados (8%); G3 (n = 383), ambulatório de referência do Hospital das Clínicas da FMRP - USP, procedente de RP (26%), região (43,5%) e outras regiões/estados (30,5%). RESULTADOS: Motivo de encaminhamento: G1: sopro (71%), arritmia (8%), dor precordial (7%), dispnéia (6,5%) e motivos variados (7,5%); G2: sopro (70%), dor precordial (7%), arritmia (7%), dispnéia (4%), pós-operatório (4%) e motivos variados (8%); G3: sopro (56%), pós-operatório (24%), arritmia (4%) e motivos variados (16%). Abandono de tratamento: G1: 31%, G2: 17% e G3: 3%. Diagnóstico definitivo: G1: 346 (89%) normais e 43 (11%) anormais; G2: 268 (76%) normais e 82 (24%) anormais; G3: 22 (6%) normais e 351 (94%) anormais. Conduta: G1: alta (89%) e seguimento (11%); G2: alta (76%) e seguimento (24%); G3: alta (6%) e seguimento (94%). CONCLUSÃO: Perfil clínico diferenciado entre os três grupo. Há necessidade de intervenção nas unidades básicas de saúde para verificar condições de atendimento e oferecer treinamento cardiológico pediátrico aos pediatras. Importante determinar causas do índice de abandono no G1 e há necessidade de investir na natureza estrutural e de recursos humanos para o atendimento no ambulatório do G3.

cardiologia pediátrica; sopro cardíaco; ambulatório


OBJECTIVE: To verify the pediatric cardiology outpatient clinic characteristics in Ribeirão Preto (RP) city, emphasizing reasons for referral, definitive diagnosis and outcome through analysis of patients seen in 3 distinct settings. METHODS: In 1996, 1,365 consecutive patients, aged 1 month to 14 years were seen: G1 (n = 562), public pediatric cardiology outpatient clinic; G2 (n = 420), private practice; G3 (n = 383) pediatric cardiology outpatient clinic at Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Origin of the patients: G1: RP (78%) and region (22%); G2: RP (67%), region (25%), and other regions/states (8%); G3: RP (26%), region (43.5%), and other regions/states (30.5%). RESULTS: Reasons for referral: G1: murmur (71%), arrhythmia (8%), chest pain (7%), breathlessness (6.5%), other reasons (7.5%). G2: murmur (70%), chest pain (7%), arrhythmia (7%), breathlessness (4%), postoperative follow-up (4%), other reasons (8%). G3: murmur (56%), postoperative follow-up (24%), arrhythmia (4%), other reasons (16%). Patients lost to follow-up: G1: 31%, G2: 17%, G3: 3%. Final diagnosis: G1: 346 (89%) normal and 43 (11%) abnormal patients; G2: 268 (76%) normal and 82 (24%) abnormal patients; G3: 22 (6%) normal and 351 (94%) abnormal patients. Outcome: G1: discharge (89%), follow-up (11%); G2: discharge (76%), follow-up (24%); G3: discharge (6%), follow-up (94%). CONCLUSION: Clinical profile is different among the 3 groups (G1 and G2 are similar). Intervention in the Basic Health Units seems to be necessary to verify structural facilities and to offer basic pediatric cardiology training to pediatricians. It is important to verify the high index of patients lost to follow-up, particularly in G1. Structural and human resources are needed if adequate assistance is to be expected for the highly complex cases seen in G3. The pediatric cardiology public outpatient clinic should be maintained until resolution of cases by the pediatricians in the Basic Health Units improves.

pediatric cardiology; pediatric outpatient; heart murmur


ARTIGO ORIGINAL

Perfil ambulatorial em cardiologia pediátrica na cidade de Ribeirão Preto, SP

Fernando Amaral; João A. Granzotti; Bruno G. Dantas; Diogo C. Balestra

Ribeirão Preto, SP

Ambulatório Regional de Especialidades, SUS, Faculdade de Medicina da UNAERP, Hospital do Coração de Ribeirão Preto, Fundação Waldemar B. Pessoa e Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Fernando Amaral Av. Independência, 1387 Cep 14025-390 - Ribeirão Preto - SP E-mail: ftvamaral@bol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar em casuísticas ambulatoriais na rede pública de saúde, em hospital terciário e na clínica privada, as características do atendimento, em cardiopatia pediátrica enfatizando o motivo de encaminhamento, o diagnóstico definitivo e a conduta adotada.

MÉTODOS: Um total de 1.365 pacientes consecutivos, com idades entre 1 mês a 14 anos foram atendidos, em 1996, em 3 locais distintos: G1 (n = 562), ambulatório de referência da rede pública, oriundo de Ribeirão Preto (RP) (78%) e região (22%); G2 (n = 420), clínica privada, oriundo de RP (67%), região (25%) e outras regiões/estados (8%); G3 (n = 383), ambulatório de referência do Hospital das Clínicas da FMRP - USP, procedente de RP (26%), região (43,5%) e outras regiões/estados (30,5%).

RESULTADOS: Motivo de encaminhamento: G1: sopro (71%), arritmia (8%), dor precordial (7%), dispnéia (6,5%) e motivos variados (7,5%); G2: sopro (70%), dor precordial (7%), arritmia (7%), dispnéia (4%), pós-operatório (4%) e motivos variados (8%); G3: sopro (56%), pós-operatório (24%), arritmia (4%) e motivos variados (16%). Abandono de tratamento: G1: 31%, G2: 17% e G3: 3%. Diagnóstico definitivo: G1: 346 (89%) normais e 43 (11%) anormais; G2: 268 (76%) normais e 82 (24%) anormais; G3: 22 (6%) normais e 351 (94%) anormais. Conduta: G1: alta (89%) e seguimento (11%); G2: alta (76%) e seguimento (24%); G3: alta (6%) e seguimento (94%).

CONCLUSÃO: Perfil clínico diferenciado entre os três grupo. Há necessidade de intervenção nas unidades básicas de saúde para verificar condições de atendimento e oferecer treinamento cardiológico pediátrico aos pediatras. Importante determinar causas do índice de abandono no G1 e há necessidade de investir na natureza estrutural e de recursos humanos para o atendimento no ambulatório do G3.

Palavras-chave: cardiologia pediátrica, sopro cardíaco, ambulatório

Apesar do grande avanço verificado nos últimos anos em relação ao diagnóstico e tratamento disponibilizado para crianças portadoras de cardiopatia congênita, aspectos variados relativos às características desses pacientes encontram-se ainda pouco determinados. Numa época em que se faz necessária racionalização adequada de recursos, particularmente no nosso meio, torna-se importante o conhecimento epidemiológico desses pacientes e suas cardiopatias, se o objetivo for otimizar o tratamento oferecido. Sendo assim, a organização do atendimento na área cardiológica pediátrica, conforme já sugerido para outras áreas1, pode contribuir para um melhor atendimento individual e conseqüente alocação adequada de recursos. O objetivo deste trabalho é apresentar informações obtidas ao longo de 12 meses em relação ao atendimento ambulatorial em cardiologia pediátrica prestado em Ribeirão Preto, SP. Foram avaliadas as características dos pacientes atendidos e seu padrão de encaminhamento, incidência e tipo da cardiopatia encontrada e conduta adotada, sendo que parte desse material foi recentemente publicado2. Deve ser lembrado que o encaminhamento dos casos atendidos na região não é necessariamente compulsório aos locais onde se procedeu a investigação. Entretanto, devido ao número expressivo de pacientes encaminhados, julgamos que a experiência aqui relatada pode tratar-se de amostra representativa do atendimento nesta especialidade, conferindo ao estudo aspecto epidemiológico inusitado.

Métodos

Durante um período de 12 meses 1.365 pacientes foram atendidos, consecutivamente, em 3 ambulatórios geográfica e funcionalmente independentes, assim distribuídos: G1 (SUS): 562 pacientes atendidos no ambulatório regional de especialidades da rede pública encaminhados a partir das unidades básicas de saúde (UBS) locais e regionais; G2 (CLIP): 420 pacientes atendidos na clínica privada; G3 (HCFMRP): 383 pacientes atendidos no ambulatório de cardiologia pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, centro terciário que oferece diagnóstico e tratamento especializado na área. A distribuição dos pacientes em relação ao sexo foi semelhante nos três grupos: G1: 54% e 46%; G2: 56% e 44% e G3: 52% e 48%, respectivamente. Em relação à faixa etária, as proporções, respectivamente do G1 ao G3, foram: recém-nascidos (< 30 dias): 4%, 4%, 3,5%; lactente (> 30 dias e < 2 anos): 24%, 20%, 23%; pré-escolar (> 2 anos e < 6 anos): 31%, 40%, 27,5%; escolar (> 6 anos): 41%, 36%, 46% (fig. 1). Em relação à procedência: G1: cidade de RP (77%), região de RP (22%) e outras regiões (1%); G2: cidade de RP (67%), região de RP (25%), outras regiões e estados (8%); G3: cidade de RP (26%), região de RP (43,5%), outras regiões e estados (30,5%). Todos os pacientes do G1 e G2 foram examinados por um dos autores, constando de exame clínico cardiovascular completo com o paciente em repouso, que examinaram, também, a grande maioria dos pacientes do G3, usando as informações dos prontuários nos outros casos. O eletrocardiograma foi realizado de rotina em todos os casos na primeira consulta. A radiografia simples do tórax e o ecocardiograma foram solicitados em todos os casos suspeitos e também naqueles com dados clínicos, obviamente compatíveis com a presença de cardiopatia. Na análise do diagnóstico definitivo só foram considerados os casos que completaram a investigação diagnóstica, ou seja, retornaram com os exames complementares solicitados (n= 1.112). Os indivíduos considerados normais foram os portadores de sopro inocente e aqueles considerados suspeitos com ecocardiograma normal.


Resultados

No G1, 399 (71%) pacientes foram encaminhados devido à presença de um sopro cardíaco; outras causas de encaminhamento foram: suspeita de arritmia 45 (8%), dor precordial 39 (7%), dispnéia 37 (6,5%) e motivos variados 42 (7,5%). No G2, 293 (70%) pacientes também foram encaminhados devido a um sopro cardíaco; outros motivos de encaminhamento foram: dor precordial 29 (7%), suspeita de arritmia 28 (7%), dispnéia 16 (4%), seguimento pós-operatório 19 (4%) e motivos variados 35 (8%). No G3, a maioria dos pacientes tinha sido originalmente encaminhada devido a um sopro: 214 (56%); outros motivos de encaminhamento foram: seguimento pós-operatório 92 (24%), suspeita de arritmia 17 (4%) e motivos variados 60 (16%) (fig. 2).


Os pacientes que não completaram a investigação ou abandonaram o tratamento foram aqueles que não retornaram ao ambulatório com os exames complementares após o diagnóstico inicial (G1 e G2) e que abandonaram o seguimento ambulatorial (G3). Essa incidência, respectivamente do G1 ao G3, foi: 31% (n=173), 17% (n=70) e 3% (n=10).

O diagnóstico definitivo foi estabelecido em 1.112 pacientes que completaram a investigação. No G1, 346 (89%) eram normais enquanto 43 (11%) tinham cardiopatia, com os diagnósticos comunicação interventricular (CIV) 10 (23%), estenose pulmonar (EP) 9 (21%), comunicação interatrial (CIA) 5 (12%), prolapso da valva mitral (PVM) 4 (9%), febre reumática (FR) 4 (9%), dilatação idiopática do tronco pulmonar (TAP) 2 (5%), defeito do septo atrioventricular (DSAV) 2 (5%) e outros diagnósticos variados 7 (16%) incluindo 1 caso cada de estenose aórtica valvar (EA), síndrome de Wolff-Parkinson-White, dupla via de saída do ventrículo direito (DVSVD), coarctação da aorta (CoAo), miocardiopatia hipertrófica (HOCM), PCA e estenose subvalvar aórtica (fig. 3). No G2 (CLIP), 268 (76%) eram normais enquanto 82 (24%) tinham cardiopatia, sendo que 62 estavam em seguimento sem necessidade de intervenção e com diagnóstico de CIV 14 (22%), EP 12 (19%), EA 7 (11%) e outros diagnósticos variados 29 (48%) incluindo 5 casos de CIA, 5 de TAP, 3 casos de arritmia, 3 de PVM, 2 casos de miocardiopatia, 2 de CoAo, 2 de hipertensão arterial e 1 caso cada de tetralogia de Fallot (TF), transposição dos grandes vasos (TGA), DSAV, DVSVD, estenose mitral, FR e ventrículo único. Em relação aos 20 pacientes em seguimento após terapêutica invasiva, os procedimentos realizados tinham sido: fechamento de CIV 6 (30%), cirurgia de Blalock-Taussig modificada 4 (20%), alívio de CoAo 2 (10%), correção de TF 2 (10%) e 1 caso cada de correção de DSAV, TGA e CIA. Três pacientes foram submetidos a um cateterismo intervencionista para alívio de EA, EP e oclusão de PCA com coil (fig. 4). No G3 22 (6%) pacientes eram normais enquanto 351 (94%) necessitavam seguimento ambulatorial. Entre esses casos patológicos, 247 estavam em seguimento sem necessidade de intervenção e com os diagnósticos de: CIV 68 (28%), EP 36 (15%), CIA 29 (12%), EA 20 (8%), FR 18 (7%), arritmia 14 (5%), PVM 14 (5%), TF 9 (4%), miocardite aguda 7 (3%), doença de Ebstein 4 (2%), DSAV 3 (1%), HOCM 3 (1%), miocardiopatia dilatada 3 (1%) e outros diagnósticos variados 19 (8%) incluindo 2 casos cada de TGA, ventrículo único e atresia tricúspide e 1 caso cada de fístula arteriovenosa pulmonar, hipertensão pulmonar lúpica, DVSVD, persistência da veia cava superior esquerda, insuficiência aórtica leve, TAP, EA leve associada a EP leve, insuficiência tricúspide, glicogenose, atresia pulmonar, insuficiência mitral, seguimento pós-endocardite e síndrome de Turner. Em relação aos 104 pacientes em seguimento após terapêutica invasiva, os procedimentos realizados tinham sido: valvoplastia pulmonar com cateter-balão 5 (5%), fechamento de CIV 30 (29%), fechamento de CIA 16 (15%), cirurgia de Blalock-Taussig modificada 14 (13%), correção de TF 14 (13%), fechamento de PCA 9 (9%), alívio de CoAo 5 (5%), correção de DSAV 4 (4%) e outros procedimentos cirúrgicos variados 7 (7%) incluindo 2 casos de alívio de EP e 1 caso cada de correção de atresia pulmonar com septo interventricular íntegro, estenose subaórtica, cirurgia de Fontan, cerclagem de artéria pulmonar e cirurgia para endomiocardiofibrose (fig. 5).




Como conduta no G1, 89% dos casos tiveram alta, enquanto 11% tiveram necessidade de acompanhamento ambulatorial. No G2, 76% receberam alta e 24% necessitaram seguimento ambulatorial. No G3, 6% tiveram alta enquanto 94% necessitaram seguimento ambulatorial.

Discussão

A cidade de Ribeirão Preto tem uma população aproximada de 500.000 habitantes e o atendimento primário é oferecido a partir de 32 Unidades Básicas de Saúde (UBS) localizadas, preferencialmente, na periferia da cidade. No âmbito da pediatria, os casos que necessitam atendimento especializado são encaminhados ao Ambulatório Regional de Especialidades Pediátricas, localizado na região central da cidade. Particularmente, na área da cardiologia pediátrica, este atendimento é oferecido durante cinco períodos semanais de 4h através de agendamento informatizado extensivo a outras cidades da região. Após exame clínico inicial, exames complementares não invasivos estão disponíveis, como eletrocardiograma e radiografia do tórax (sem restrição) e ecocardiograma (número limitado por cotas mensais). Portadores de cardiopatias complexas, requerendo estudo hemodinâmico e/ou cirurgia cardíaca, são habitualmente encaminhados para unidade terciária no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. É importante salientar que essa seqüência de atendimento não é compulsória, sendo, porém, obedecida pela grande maioria dos pacientes atendidos nas UBS.

Conforme sugerido pela Comissão Interinstitucional do Estado de São Paulo em 19891, o conhecimento do modelo de assistência médica oferecido à população é importante se o objetivo for melhorar o nível de atendimento, estabelecer necessidades de recursos e promover a hierarquização do atendimento em função da complexidade do caso. Acreditamos que os dados aqui apresentados possam oferecer os subsídios necessários para análise do modelo de atendimento na área da cardiologia pediátrica.

O motivo de encaminhamento foi definido como a justificativa para atendimento do paciente em um dos três ambulatórios, ficando claro o número expressivo de crianças encaminhadas para avaliação devido à presença de sopro cardíaco, particularmente no ambulatório da rede pública (71%) e na clínica privada (70%). Número menor no G3 (56%), visto tratar-se de unidade terciária com grande número de pacientes em seguimento após cirurgia cardíaca. Nos outros motivos de encaminhamento, como dor precordial, dispnéia, arritmia e causas variadas, observamos incidência semelhante entre os G1 e G2. Foi observado no G3, a ocorrência de 24% de casos em seguimento após cirurgia, diferentemente dos outros dois grupos. Esses números, particularmente a grande incidência de pacientes encaminhados por sopro, já foram bem discutidos na literatura3,4.

Foi definido como abandono da investigação quando houve ausência de retorno do paciente com os exames não invasivos solicitados3,4 e é fato conhecido na prática médica geral. Na nossa experiência, a incidência de pacientes que não completaram a investigação é expressivamente alta, ocorrendo em 31% dos casos do G1 e em 17% no G2, fato que merece ser especificamente estudado. Fatores inerentes às características do atendimento, como condições estruturais e relação médico-paciente devem ser considerados e analisados, na tentativa de se identificar elementos influenciando esse controle. Considerando-se que a ocorrência de crianças com sopro inocente é elevada e que o benefício da solicitação de exames complementares é sabidamente negativo5-7, além de potencialmente oneroso quando usado indiscriminadamente8, essa prática deve ser questionada e, se abandonada, certamente levaria a uma diminuição considerável dos casos de abandono.

Quanto ao diagnóstico definitivo, como já relatado3,4, pacientes considerados normais do ponto de vista cardiovascular, após conclusão da investigação, compreendem a grande maioria dos casos de ambulatórios da rede pública de saúde e de clínica privada. Na presente investigação esses números chegaram a 89% e 76% respectivamente e essa pequena diferença entre os dois grupos deve-se, talvez, a um processo de triagem provavelmente mais elaborada nos pacientes privados. Sabendo-se que a grande maioria desses casos é encaminhada após avaliação pediátrica inicial, alguns questionamentos emergem em relação ao atendimento primário: a existência de um ambulatório especializado induz ao encaminhamento automático, sem tentativa de resolução local? O pediatra tem condições de natureza formativa e mesmo de estrutura local para reconhecer um sopro inocente? Se o objetivo for a resolução rápida do caso sem onerar a família com locomoções desnecessárias nem causar ansiedade evitável, acreditamos que a maioria desses casos poderia ser resolvido nas UBS pelo pediatra, diminuindo consideravelmente o encaminhamento ao ambulatório especializado. Chama atenção a baixa incidência de indivíduos normais no ambulatório terciário (6%), uma das características de um serviço de referência.

As doenças mais encontradas nos três grupos estudados foram semelhantes em relação à sua prevalência, como a comunicação interventricular e a estenose pulmonar. Deve ser destacado, entretanto, o número importante (104) de pacientes em seguimento após terapêutica invasiva, principalmente cirurgia, portadores de diagnósticos variados.

Com relação à conduta, o alto grau de resolutividade encontrado no G1 (89%) e G2 (76%) reflete, na verdade, o grande número de encaminhamentos desnecessários de casos potencialmente solucionáveis nas UBS. Uma vez ocorrida melhora da resolução nas UBS, a conseqüência imediata dentro do fluxograma de atendimento seria a diminuição de casos encaminhados ao centro terciário, usualmente sobrecarregado por ser o único centro regional de atendimento público abrangendo a cidade e região. Assim, devido ao grande número de indivíduos normais, o número de altas ambulatoriais foi expressivo nos G1 e G2, 89% e 76% respectivamente, ao contrário do G3 (6%).

Os dados aqui apresentados revelam um perfil ambulatorial diferenciado entre os pacientes dos grupos 1 e 2 e do grupo 3 isoladamente. Apesar de alguns números diferentes, o G1 é muito semelhante ao G2, ao contrário do G3, que tem características peculiares. A ausência de investigações semelhantes na literatura torna difícil a comparação com os nossos dados, porém, deve ser citado estudo recente sobre atendimento cardiológico ambulatorial no nosso meio9, bastante relevante, ao nosso ver, pois espelha o perfil de atendimento cardiológico em adultos, servindo de modelo para comparação com investigações futuras.

Finalizando, acreditamos que os dados aqui apresentados, relativos ao atendimento em período de um ano, em 3 ambulatórios distintos, permite-nos concluir que: 1) treinamento cardiológico pediátrico básico para pediatras das UBS é necessário com o objetivo fundamental de diminuir encaminhamentos desnecessários; cursos, palestras e atividade ambulatorial orientada devem ser implementados; 2) as condições de atendimento nas UBS devem ser verificadas para comprovar a viabilidade do exame clínico cardiológico no local; 3) investigação específica para verificar as causas do alto índice de abandono da investigação deve ser implementada; 4) devido à alta complexidade dos casos atendidos no G3, há necessidade de investimentos estruturais e na formação de recursos humanos para atender a demanda expressiva nesse centro.

Baseado nestas conclusões, acreditamos que a existência de um ambulatório de cardiologia pediátrica na rede pública deve ser mantido, podendo o número de horas de atendimento ser diminuído caso se verifique aumento da resolutividade nas UBS. Acreditamos que o pediatra tem condições de dar alta ao grande número de crianças com sopro inocente, sem realização de exames complementares e com baixo risco de erro diagnóstico10. Os casos duvidosos e aqueles obviamente patológicos seriam então encaminhados para avaliação especializada. Um aspecto interessante e que merece ser discutido é a implantação de ambulatório especializado para pacientes acima de 15 anos de idade portadores de cardiopatia tratada ou não. Centros terciários, em vários países, já oferecem esse serviço rotineiramente a essa população11-14, onde orientação especializada se faz necessária.

Considerando essas informações, acreditamos possuir elementos que podem permitir melhor racionalização com conseqüente melhor atendimento na área da cardiologia pediátrica. As conclusões aqui apresentadas e já discutidas15 são teoricamente aplicáveis para cidades com características similares à de Ribeirão Preto, onde existem unidades primárias, secundárias e terciárias. Investigações semelhantes realizadas em outros centros seriam interessantes para comparação dos resultados.

Enviado em 28/04/2004

Aceito em 29/07/2004

  • 1. Comissão Interinstitucional de Saúde do Estado de São Paulo. Deliberações CIS/SP - 58 de 18/8/89. Diário Oficial do Estado 1989 aug 19; Seção I.
  • 2. Amaral F, Granzotti JA, Simões BJG, Balestra DC, Dantas BG. Perfil ambulatorial em cardiologia pediátrica na cidade de Ribeirão Preto. Resultados preliminares. Rev Paul Pediatria 2002; 20: 179-86.
  • 3. Amaral FTV, Granzotti JA, Nunes MA. Avaliação cardiológica em crianças com suspeita de cardiopatia. Resultados preliminares em 2.000 pacientes. J Ped 1995; 71: 209-13.
  • 4. Amaral FTV, Granzotti JA, Nunes MA. Sopro cardíaco na criança. Experiência de um ambulatório especializado. Rev Paul Pediatria 1995; 13: 39-41.
  • 5. Amaral FTV, Granzotti JA, Nunes MA. Abordagem da criança com sopro cardíaco. Importância diagnóstica dos exames complementares não invasivos. Arq Bras Cardiol 1995; 64: 195-9.
  • 6. Amaral F. Sopros inocentes em crianças. In: Porto CC, ed. Doenças do Coração. Prevenção e Tratamento, 1Ş ed, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, p. 333-5, 1998.
  • 7. Smythe JF, Teixeira OHP, Vlad P, Demers PP, Feldman W. Initial evaluation of heart murmurs: are laboratory tests necessary? Pediatrics 1990; 86: 497-500.
  • 8. Danford DA, Nasir A, Gumbiner C. Cost assessment of the evaluation of heart murmurs in children. Pediatrics 1993; 91: 365-8.
  • 9. Yamada AT, Mansur AJ, Chizzola PR, Hofmann W, Bellotti G, Pileggi F. Atendimento cardiológico ambulatorial: comparação entre pacientes atendidos em hospital de referência e em centro de saúde comunitário. Arq Bras Cardiol 1990; 55: 181-7.
  • 10. Amaral F, Granzotti JA. Erros diagnósticos na avaliação inicial de crianças com suspeita de cardiopatia. Prevalência e possíveis conseqüências a longo prazo. Arq Bras Cardiol 2003; 81: 148-51.
  • 11. Perloff JK, Child JS. Congenital Heart Disease in adults. Philadelphia: WB Saunders, 1991.
  • 12. Somerville J. Grown-up congenital heart disease: Who knows? Who cares? Cardiologia 1990; 35: 893-8.
  • 13. Hunter S. Management of adults with congenital heart disease. Heart 1997; 78: 15.
  • 14. Deanfield J, Thaulow E, Warnes C et al. Management of grown-up congenital heart disease. Eur Heart J 2003; 24: 1035-84.
  • 15. Granzotti JA, Amaral F, Simões BJG. Perfil ambulatorial em cardiologia pediátrica na cidade de Ribeirão Preto. Resultados preliminares. Anais XXX Congresso Brasileiro de Pediatria, Rio de Janeiro. Arq Bras Pediatria 1997; 27, supl. I.
  • Endereço para correspondência

    Fernando Amaral
    Av. Independência, 1387
    Cep 14025-390 - Ribeirão Preto - SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Aceito
      29 Jul 2004
    • Recebido
      28 Abr 2004
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br