Acessibilidade / Reportar erro

Ablação de taquicardia ventricular idiopática com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo localizada no tronco da artéria pulmonar

Resumos

Paciente de 26 anos, sem cardiopatia estrutural, apresentando palpitações e pré-síncopes devido à taquicardia ventricular não sustentada, foi submetida a estudo eletrofisiológico para tentativa de ablação do foco arritmogênico, usando-se como local, os critérios de mapeamento. Sem obter êxito com o mapeamento da via de saída do ventrículo direito, posicionou-se o cateter dentro da artéria pulmonar com mapeamento de foco satisfatório, eliminando a taquicardia tão logo iniciada a radiofreqüência. Durante seguimento de 14 meses, a paciente permanece assintomática, sem arritmia ao Holter e não nessecitando de drogas antiarrítmicas.


We report the case of a 26-year-old female patient with palpitations and presyncopes due to nonsustained ventricular tachycardia, who had no structural heart disease. The patient underwent electrophysiological study in an attempt to ablate the arrhythmogenic focus, whose location was determined by using mapping criteria. Because mapping of the right ventricular outflow tract was not successful, the catheter was placed inside the pulmonary artery with satisfactory mapping of the arrhythmogenic focus, and tachycardia was eliminated as soon as radiofrequency was initiated. The patient has remained asymptomatic for 14 months, with no treatment with antiarrhythmic drugs, and no arrhythmias on serial 24-hour Holter.


RELATO DE CASO

Ablação de taquicardia ventricular idiopática com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo localizada no tronco da artéria pulmonar

Luiz Roberto Leite; José R. Barreto; Roberval Melo; Edmur C. Araujo; Luciano Nogueira; Lucas A. Fonseca; Edson D'Ávila; César Gonzáles; Fernando Cruz; Angelo A. V. de Paola

Brasilia, DF / Rio de Janeiro, RJ / São Paulo, SP

Hospital Santa Luzia - Brasília e Escola Paulista de Medicina - UFSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Luiz Roberto Leite - SQSW 104 - Bloco F - 402 Cep 70670-406 - Brasilia - DF E-mail: leite.luiz@brturbo.com.br

RESUMO

Paciente de 26 anos, sem cardiopatia estrutural, apresentando palpitações e pré-síncopes devido à taquicardia ventricular não sustentada, foi submetida a estudo eletrofisiológico para tentativa de ablação do foco arritmogênico, usando-se como local, os critérios de mapeamento. Sem obter êxito com o mapeamento da via de saída do ventrículo direito, posicionou-se o cateter dentro da artéria pulmonar com mapeamento de foco satisfatório, eliminando a taquicardia tão logo iniciada a radiofreqüência. Durante seguimento de 14 meses, a paciente permanece assintomática, sem arritmia ao Holter e não nessecitando de drogas antiarrítmicas.

Há mais de 30 anos, Zipes e Knope1 descreveram a presença de fibras cardíacas com capacidade de formação de impulso elétrico dentro das veias torácicas. Entretanto, apenas recentemente, foi dada atenção especial ao significado clínico desse achado. As veias pulmonares e, menos freqüentemente, a veia cava superior e a veia de Marshall (remanescente embriológico da veia cava superior esquerda), têm sido identificadas como focos arritmogênicos que induzem fibrilação atrial2-6. Além disso, tem sido demonstrado que a ablação desses focos pode curar a arritmia2-6.

Assim como as veias torácicas, a artéria pulmonar e a aorta também possuem extensão de miocárdio com atividade elétrica. Asirvathan e cols., num estudo anatômico com 230 corações humanos, demonstraram a presença de fibras cardíacas dentro da artéria pulmonar. Nesse estudo, relatamos que 13% dos corações estudados apresentavam músculo cardíaco, em média, três mm acima da valva pulmonar7. Também tem sido relatado que a aplicação de radiofreqüência na cúspide coronariana pode eliminar determinados tipos de extra-sístoles8,9. Entretanto, a ablação de focos arritmogênicos na artéria pulmonar é pouco explorada, e, até o momento, apenas um grupo descreveu a origem desta arritmia acima do plano valvar pulmonar10,11. No presente estudo, relatamos o caso de uma paciente com taquicardia ventricular idiopática, cujo foco arritmogênico foi eliminado com aplicação de radiofreqüência no tronco da artéria pulmonar.

Relato do Caso

Mulher de 26 anos, com quadro de palpitações e pré-síncopes há 4 anos, a despeito do uso de propranolol, propafenona e sotalol. O exame clínico evidenciou apenas ritmo cardíaco irregular pela presença da arritmia. O eletrocardiograma de 12 derivações mostrou ritmo sinusal intercalado com taquicardia ventricular não sustentada com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo, eixo desviado inferiormente no plano frontal e transição S-R em V4 (fig. 1). A presença de cardiopatia estrutural foi descartada através de radiografia de tórax, ecocardiograma e ressonância nuclear magnética, sendo que esta última não demonstrou substituição de tecido muscular por adiposo no ventrículo direito. O eletrocardiograma de alta resolução foi negativo para a presença de potenciais tardios. O Holter de 24h mostrou 52% de batimentos ventriculares, sendo 1672 em forma de taquicardia ventricular não sustentada de até 15 batimentos. O diagnóstico de taquicardia ventricular idiopática com origem na via de saída do ventrículo direito foi aventado e a paciente encaminhada a estudo eletrofisiológico para tentativa de ablação do foco arritmogênico.


O procedimento foi realizado sob sedação e anestesia local. Os eletrogramas bipolares foram filtrados a 30-500 Hz e registrados com polígrafo de 32 canais. Através de punções da veia femoral direita, dois cateteres foram introduzidos sob visão radioscópica e posicionados no ventrículo direito (ápex e via de saída). Durante o estudo observou-se presença de freqüentes episódios de taquicardia ventricular não sustentada espontânea, com a mesma morfologia descrita. O mapeamento e ablação foram realizados com um cateter 7 Fr com controle de temperatura e ponta de 5 mm (EP Technologies, Inc., Sunnyvale, CA, USA). O local para aplicação de radiofreqüência foi determinado através da comparação da morfologia do QRS estimulado com o QRS da taquicardia ventricular espontânea (pace mapping) e pela precocidade do eletrograma ventricular em relação ao início do QRS mais precoce da taquicardia ventricular. Com esta técnica foi realizado o mapeamento da via de saída do ventrículo direito. Apesar de serem obtidos critérios de 12/12 com estimulação, nenhuma precocidade foi obtida e duas aplicações de radiofreqüência não eliminaram a arritmia. O posicionamento do cateter de ablação na região do tronco da artéria pulmonar demonstrou a presença de eletrograma ventricular com precocidade de 30 ms em relação ao início do QRS mais precoce e critérios de 12 em 12 com estimulação. O limiar de estimulação foi de 6 mA com largura de pulso de 2 ms. (fig. 2 e 3). Nos primeiros segundos de aplicação de radiofreqüência, neste local, a taquicardia ventricular e as extra-sístoles foram eliminadas, não havendo recorrência, mesmo após infusão de isoproterenol. No decorre de 14 meses, a paciente permanece assintomática, na ausência de tratamento com drogas antiarrítmicas e o Holter de 24h seriado não demonstrou arritmias.



Discussão

Apesar de se saber que a presença de atividade elétrica de fibras miocárdicas, dentro dos vasos torácicos, pode ser de foco arritmogênico, só recentemente se demonstrou que a ablação por cateter desses focos deflagradores pode curar a arritmia2-6,8-10. Especificamente no caso das arritmias com QRS alargado, extra-sístoles específicas com morfologia de bloqueio de ramo direito e eixo desviado para o quadrante inferior do plano frontal, podem ser eliminadas nas cúspides coronarianas, demonstrando a origem da arritmia fora das câmaras cardíaca.9 Menos freqüentemente, as extra-sístoles de via de saída de ventrículo esquerdo podem ter morfologia de bloqueio do ramo esquerdo e serem confundidas com as originadas em via de saída do ventrículo direito. A diferenciação através do eletrocardiograma tem sido feita pela relação R/S na derivação V3, correlacionando-se a transição precoce com via de saída de ventrículo esquerdo e a tardia (R/S < 1,0 em V3) com via de saída do ventrículo direito8. Utilizando-se este critério, o padrão morfológico da taquicardia ventricular aqui relatada sugeria origem na via de saída do ventrículo direito. Entretanto, a aplicação de radiofreqüência, que resultou na cura da arritmia, foi realizada na artéria pulmonar. Recentemente, Timmermans e cols. descreveram a cura de taquicardia ventricular, com morfologia semelhante a aqui relatada, através da ablação no tronco da artéria pulmonar10,11.

A origem na artéria pulmonar da arritmia pode ser ainda corroborada pelo fato de que a taquicardia ventricular idiopática de via de saída tem como mecanismos arritmogênicos o automatismo e/ou atividade deflagrada, características que a tornam focal. Sendo assim, é aceitável que as fibras miocárdicas localizadas nos grandes vasos possam ser foco de arritmias, e que, por sua natureza focal, a estimulação do local apresente a mesma morfologia do QRS da arritmia espontânea. Por este motivo, é também compreensível que a aplicação pontual de radiofreqüência no local de origem da arritmia a elimine definitivamente. Neste relato, após 14 meses de acompanhamento clínico e com Holter seriados, a paciente permanece assintomática e sem arritmia ventricular.

A dificuldade em se alcançar sucesso na ablação deste tipo de arritmia tem sido atribuída a supostos focos epicárdicos. O mapeamento epicárdico tem se mostrado uma opção para alcançar o sucesso do tratamento. Entretanto, é importante notar que assim como no presente caso e no de Timmermans e col.10,11, o foco da arritmia pode ter origem no tronco da artéria pulmonar, podendo haver vantagens em se proceder o mapeamento deste local antes de se tentar outras formas de mapeamento ou outras vias de acesso.

Portanto, as taquicardias ventriculares com padrão de bloqueio do ramo esquerdo e eixo desviado para o quadrante inferior no plano frontal, morfologia que sugere foco na via de saída do ventrículo direito, pode também ter sua origem no tronco da artéria pulmonar. A aplicação de radiofreqüência neste local pode curar definitivamente a arritmia e, nos casos de insucesso da ablação na via de saída do ventrículo direito, o mapeamento do tronco da artéria pulmonar pode ser uma alternativa útil antes que outros métodos sejam tentados.

Enviado em 09/12/2003

Aceito em 04/06/2004

  • 1. Zipes DP, Knope RF. Electrical properties of the thoracic veins. Am J Cardiol 1972;29:372-6.
  • 2. Hsu LH, Jaïs P, Keane D, et al. Atrial fibrillation originating from persistent left superior vena cava. Circulation 2004;109:828-32.
  • 3. Haissaguerre M, Jais P, Shah DC, et al. Spontaneous initiation of atrial fibrillation by ectopic beats originating in the pulmonary veins. N Engl J Med 1998; 339:659-66.
  • 4. Oral H, Scharf C, Chugh A, et al. Pulmonary vein isolation for paroxysmal and persistent atrial fibrillation. Circulation 2002;105:1077-81.
  • 5. Oral H, Knight BR, Ozaydin M, et al. Segmental ostial ablation to isolate the pulmonary veins during atrial fibrillation: feasibility and mechanistic insights. Circulation 2002;106:1256-62.
  • 6. Tsai CF, Tai CT, Hsieh MH, et al. Initiation of atrial fibrillation by ectopic beats originating from the superior vena cava: electrophysiological characteristics and results of radiofrequency ablation. Circulation 2000;102:67-74.
  • 7. Asirvatham SJ, Friedman PA, Packer DL, Edwards WD. The presence of ventricular muscular extensions into the pulmonary artery and aorta beyond the semilunar valva. PACE 2001;24:734.
  • 8. Kamakura MD, Shimisu W, MatsuoK, et al. Localization of Optimal Ablation Site of Idiopathic Ventricular Tachycardia from Right and Left Ventricular Outflow Tract by Body Surface ECG. Circulation 1998;98:1525-33.
  • 9. Hachiya H, Aonuma K, Yamauchi Y, et al. Electrocardiographic characteristics of left ventricular outflow tract tachycardia. Pacing Clin Electrophysiol 2000;23(11 Pt 2):1930-4.
  • 10. Timmermans C, Rodriguez LM, Crijns HJ, Moorman AF, Wellens HJ. Idiopathic left bundle-branch block-shaped ventricular tachycardia may originate above the pulmonary valve. Circulation 2003;108:1960-7.
  • 11. Timmermans C, Rodriguez LM, Medeiros A, Crijns HJ, Wellens HJ. Radiofrequency catheter ablation of idiopathic ventricular tachycardia originating in the main stem of the pulmonary artery. J Cardiovasc Electrophysiol 2002;13:281-4.
  • Endereço para correspondência

    Luiz Roberto Leite - SQSW 104 - Bloco F - 402
    Cep 70670-406 - Brasilia - DF
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Aceito
      04 Jun 2004
    • Recebido
      09 Dez 2003
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br