Acessibilidade / Reportar erro

O bloqueio do sistema renina-angiotensina atenua a remodelação cardíaca de ratos submetidos a estenose aórtica

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o papel do bloqueador dos receptores AT1 e do inibidor da enzima conversora da angiotensina na remodelação cardíaca induzida por estenose aórtica em ratos. MÉTODOS: Ratos Wistar foram divididos em 4 grupos: controle (C, n=13), estenose aórtica (EAo, n=11), EAo com lisinopril, 20 mg/kg/dia (LIS, n=11) e EAo com losartan, 40 mg/kg/dia (LOS, n=9). Os tratamentos foram iniciados 3 dias antes da cirurgia. Após 6 semanas, os animais foram submetidos ao estudo ecocardiográfico, quantificação da concentração de hidroxiprolina e da área seccional (CSA) miocitária do ventrículo esquerdo (VE). RESULTADOS: A EAo induziu aumento da espessura da parede do VE. Os animais LIS e LOS não apresentaram diferença em relação aos animais controles. Os ratos EAo e LIS apresentaram maiores diâmetros do átrio esquerdo que os ratos controles, enquanto nos animais LOS não houve diferença. Os animais com EAo apresentaram maiores valores da porcentagem de encurtamento que os controle. Esse fato não foi modificado com LIS ou LOS. A CSA dos animais do grupo EAo foi maior que a dos controle. Entretanto, o tratamento com LOS e com LIS atenuou o aumento da área induzida pela EAo. A EAo resultou em aumento na concentração de HOP, enquanto o grupo LOS não apresentou diferença em relação ao grupo controle. CONCLUSÃO: O bloqueio do sistema renina-angiotensina, com bloqueador AT1 e com IECA, pode atenuar o desenvolvimento de hipertrofia cardíaca, porém só o bloqueio dos receptores AT1 atenua a fibrose intersticial do VE.

hipertrofia; função ventricular; ecocardiograma; fibrose


OBJECTIVE: To assess the role of the AT1 receptor blocker and the angiotensin-converting enzyme inhibitor in cardiac remodeling induced by aortic stenosis in rats. METHODS: Wistar rats were divided into the following 4 groups: 1) C - control (n=13); 2) AoS - aortic stenosis (n=11); 3) LIS - AoS treated with lisinopril, 20 mg/kg/day (n=11); and 4) LOS - AoS treated with losartan, 40 mg/kg/day (n=9). The treatments were initiated 3 days before surgery. After 6 weeks, the animals underwent echocardiographic study, and quantification of the hydroxyproline (HOP) concentration and the left ventricular (LV) myocyte cross-sectional area (CSA). RESULTS: Aortic stenosis induced an increase in left ventricular wall thickness. The LIS and LOS groups showed no difference as compared with the control group. The AoS and LIS rats had greater left atrial diameters than the control rats did, while no difference was observed in the LOS animals. The AoS animals had greater values of shortening percentage than control animals did. This fact was modified with neither LIS nor LOS. The cross-sectional area of the animals in the AoS group was greater than that in the control group. However, treatment with LOS and LIS attenuated the AoS-induced increase in area. Aortic stenosis caused an increase in HOP concentration, while the LOS group showed no difference as compared with the control group. CONCLUSION: Blockade of the renin-angiotensin system with AT1 blocker and ACEI may attenuate the development of heart hypertrophy, but only the blockade of AT1 receptors attenuates left ventricular interstitial fibrosis.

hypertrophy; ventricular function; echocardiogram; fibrosis


ARTIGO ORIGINAL

O bloqueio do sistema renina-angiotensina atenua a remodelação cardíaca de ratos submetidos a estenose aórtica

Giancarlo Gonçalves; Leonardo A. M. Zornoff; Henrique B. Ribeiro; Marina P. Okoshi; Fernando R. S. Cordaro; Katashi Okoshi; Carlos R. Padovani; Flávio F. Aragon; Antonio C. Cicogna

Botucatu, SP

Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Leonardo A. M. Zornoff Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Departamento de Clínica Médica Cep 18618-000 - Botucatu - SP E-mail: lzornoff@cardiol.br, lzornoff@fmb.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o papel do bloqueador dos receptores AT1 e do inibidor da enzima conversora da angiotensina na remodelação cardíaca induzida por estenose aórtica em ratos.

MÉTODOS: Ratos Wistar foram divididos em 4 grupos: controle (C, n=13), estenose aórtica (EAo, n=11), EAo com lisinopril, 20 mg/kg/dia (LIS, n=11) e EAo com losartan, 40 mg/kg/dia (LOS, n=9). Os tratamentos foram iniciados 3 dias antes da cirurgia. Após 6 semanas, os animais foram submetidos ao estudo ecocardiográfico, quantificação da concentração de hidroxiprolina e da área seccional (CSA) miocitária do ventrículo esquerdo (VE).

RESULTADOS: A EAo induziu aumento da espessura da parede do VE. Os animais LIS e LOS não apresentaram diferença em relação aos animais controles. Os ratos EAo e LIS apresentaram maiores diâmetros do átrio esquerdo que os ratos controles, enquanto nos animais LOS não houve diferença. Os animais com EAo apresentaram maiores valores da porcentagem de encurtamento que os controle. Esse fato não foi modificado com LIS ou LOS. A CSA dos animais do grupo EAo foi maior que a dos controle. Entretanto, o tratamento com LOS e com LIS atenuou o aumento da área induzida pela EAo. A EAo resultou em aumento na concentração de HOP, enquanto o grupo LOS não apresentou diferença em relação ao grupo controle.

CONCLUSÃO: O bloqueio do sistema renina-angiotensina, com bloqueador AT1 e com IECA, pode atenuar o desenvolvimento de hipertrofia cardíaca, porém só o bloqueio dos receptores AT1 atenua a fibrose intersticial do VE.

Palavras-chave: hipertrofia, função ventricular, ecocardiograma, fibrose

O processo de remodelação cardíaca se caracteriza por alterações da geometria, volume, massa e constituição do coração em resposta a determinada agressão. A hipertrofia miocárdica é importante componente da remodelação cardíaca e, usualmente, ocorre em resposta à sobrecarga hemodinâmica crônica. Esse mecanismo adaptativo permite ao coração manter suas funções básicas em vigência de aumento das condições de carga. A longo prazo, entretanto, a hipertrofia representa fator de risco independente para morbidade e mortalidade cardíacas1-3. Outro componente importante da remodelação é o tecido conjuntivo. Os miócitos representam apenas 30% do número total de células miocárdicas, sendo entre outras células as musculares lisas dos vasos, as endoteliais e os fibroblastos. Circundando e interligando todas essas estruturas está uma complexa e organizada rede de colágeno. As principais funções dessa rede seriam: regular a apoptose, resistir às deformações patológicas, manter o alinhamento das estruturas e regular a transmissão de força durante o encurtamento da fibra cardíaca. Portanto, o tecido colágeno é importante modulador da arquitetura e da função cardíaca, podendo ocorrer, dependendo do estímulo, acúmulo de colágeno, caracterizando a fibrose miocárdica. Esse fenômeno pode interferir com a manutenção da geometria normal cardíaca e/ou comprometer a função ventricular4,5.

Os estímulos para o desenvolvimento da remodelação cardíaca incluem fatores mecânicos e bioquímicos que têm ações endócrina, parácrina e autócrina. Esses fatores, atuando em receptores, como os de integrina, e canais iônicos presentes na membrana sarcolemal, ativam sinalizadores que promovem alteração na expressão gênica e aumento da síntese protéica6.

Entre os estímulos envolvidos no processo de remodelação destaca-se a angiotensina II (AII). Formada, tanto local como sistemicamente, a partir da angiotensina I por meio da enzima conversora da angiotensina (ECA) e atuando nos receptores AT1, a AII estimula o crescimento celular, bem como promove o acúmulo de colágeno5. No coração, entretanto, a formação da AII pode ocorrer predominantemente pela ação da quimase e não da ECA7,8.

Considerando o papel fisiopatológico do sistema renina-angiotensina no processo de remodelação cardíaca, diversos trabalhos já mostraram que os inibidores da ECA atenuam as alterações morfológicas e funcionais desencadeadas por diversos estímulos9-12. No caso da estenose aórtica, em que há elevação persistente e severa da pressão intraventricular esquerda sem elevação da pressão arterial sistêmica, ocorre somente ativação do sistema renina-angiotensina cardíaco. Assim, nesse modelo, o benefício dos IECA é menos claro. Em adição, o papel dos bloqueadores AT1 na EAo é menos conhecido. Por bloquear a ação da AII, independentemente da atuação da ECA ou quimase, os bloqueadores da AII poderiam ser mais eficazes que os IECA.

O objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos do bloqueio do sistema renina-angiotensina, com bloqueador AT1 ou com IECA, no processo de remodelação ventricular (hipertrofia, fibrose e função ventricular) induzido por estenose aórtica, em ratos.

Métodos

O protocolo experimental deste estudo foi conduzido em conformidade com os Princípios Éticos na Experimentação Animal adotados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal13.

Foram utilizados ratos Wistar machos, com peso corpóreo entre 90 a 100 g. Após anestesia com cloridrato de cetamina (50 mg/kg intramuscular) e cloridrato de xilidino (10 mg/kg intramuscular), os ratos foram submetidos a toracotomia mediana, a aorta ascendente dissecada e um clipe de prata, com 0,6 mm de diâmetro interno, colocado, aproximadamente, 3 mm da raiz da aorta. A parede torácica foi fechada, sendo o esterno, as camadas musculares e a pele reconstruídos com fio de sutura mononylon 4-0. Durante a cirurgia, os animais foram ventilados manualmente com pressão positiva e oxigênio a 100%. Os animais controle foram submetidos à mesma cirurgia, mas sem a colocação do clipe.

Os ratos foram divididos em 4 grupos experimentais: controle (C, n=13), estenose aórtica (EAo, n=11), EAo tratados com lisinopril, 20 mg/kg/dia (LIS, n=11) e EAo tratados com losartan, 40 mg/kg/dia (LOS, n=9). Os tratamentos foram adicionados na água de beber e iniciados 3 dias antes da cirurgia e mantidos por 6 semanas.

Após 6 semanas, os animais foram anestesiados com cloridrato de cetamina (50mg/kg) e cloridrato de xilidino (1mg/kg) por via intramuscular para o estudo ecocardiográfico14. Após tricotomia da região anterior do tórax, os animais foram posicionados em decúbito lateral esquerdo para realização do ecocardiograma com ecocardiógrafo Hewlett-Packard (modelo Sonos 2000) equipado com transdutor eletrônico de 7,5 MHz. A avaliação dos fluxos foi realizada com o mesmo transdutor operando em 5,0 MHz. Para medir as estruturas cardíacas, utilizamos imagens em modo-M com o feixe de ultra-som orientado pela imagem bidimensional com o transdutor na posição para-esternal eixo menor. A imagem da cavidade ventricular esquerda foi obtida posicionando o cursor do modo-M logo abaixo do plano da valva mitral entre os músculos papilares. As imagens da aorta e do átrio esquerdo também foram obtidas na posição para-esternal eixo menor com o cursor do modo-M posicionado ao nível da valva aórtica. O registro da imagem monodimensional (velocidade: 100 mm/s) foi realizado por meio da impressora modelo UP-890MD da Sony Co. Posteriormente, as estruturas cardíacas foram medidas manualmente com o auxílio de um paquímetro, de acordo com as recomendações da American Society of Echocardiography15. As estruturas cardíacas foram medidas em, pelo menos, cinco ciclos cardíacos consecutivos. O diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) e a espessura diastólica da parede posterior do VE (EDVE) foram medidos no momento correspondente ao diâmetro máximo da cavidade. O diâmetro sistólico do VE (DSVE) foi medido no momento de máxima excursão sistólica da parede posterior da cavidade. A função sistólica do VE foi avaliada calculando-se a porcentagem de encurtamento sistólico (DDVE-DSVE)/DDVE x 100. O fluxo diastólico transmitral (ondas E e A) foi obtido com o transdutor na posição apical quatro câmaras. As medidas referentes aos fluxos foram realizadas diretamente no monitor do ecocardiógrafo.

Um a 3 dias após o estudo ecocardiográfico, os animais foram pesados, anestesiados com pentobarbital sódico (50 mg/kg intraperitonial) e submetidos a toracotomia mediana para a remoção do coração. Os ventrículos direito (VD) e esquerdo (VE) foram separados e pesados separadamente. Da parte central do VE, foi cortado um anel com 2 a 3 mm de espessura, compreendendo toda a extensão de sua parede. O material foi imerso em formalina a 10% neutra e tamponada, durante 48 hs, a 4ºC. Após esse período, o tecido foi lavado, desidratado e incluído em parafina. Cortes histológicos com 5 a 7 mm de espessura foram submetidos à coloração por hematoxilina e eosina e analisados em microscopia óptica. A análise morfométrica foi realizada utilizando-se câmara de vídeo acoplada a microscópio Leica conectado a computador equipado com programa analisador de imagem (Image-Pro 3.0, Media Cybernetics, Silver Spring, Maryland, USA). Em secções transversas do VE das regiões subendocárdicas e subepicárdicas, foram medidas as áreas seccionais de, no mínimo, 50 miócitos, nas quais o núcleo era claramente identificado no centro da célula16.

As dosagens de hidroxiprolina foram realizadas segundo técnica de Switzer17. Amostras dos tecidos do VE, após desidratação em álcool, foram secas em forno a vácuo por 24h, à temperatura constante de 60ºC. As amostras, previamente desidratadas, foram hidrolizadas em solução 6 N de àcido clorídrico (10mg de tecido seco/ml de HCl 6 N) durante 16h, a 110ºC. Alíquotas de 50ml de hidrolisado foram secas em forno a vácuo durante 24h e, diluídas em 1,6 ml de água deionizada, em tubo de ensaio 150 x 16mm dotado de tampa com rosca. Esta solução foi alcalinizada com 1ml de tampão borato pH=8,7, em seguida adicionados 0,3ml de cloramina T. Após 20min de repouso, à temperatura ambiente, foi adicionado 1,0ml de tiosulfato de sódio 3,6 M e o tubo vigorosamente agitado. Cerca de 1,5g de KCl foram adicionados para saturação da solução. Os tubos foram fechados e aquecidos em água fervente por 20min. Após o resfriamento da amostra foram adicionados 2,0ml de tolueno e os tubos agitados durante 5min. Após breve período de repouso, 1,0ml do tolueno sobrenadante foi transferido a um tubo de ensaio onde foi acrescentado 0,4ml de reagente de Ehrlich (27,4ml de ácido sulfúrico em 200ml de etanol; o conjunto foi adicionado à solução de 120g de p-dimetilaminobenzaldeído em 200ml de etanol). Após 30min, foi realizada leitura da densidade óptica com espectofotômetro a 565nm, contra um blank. As mesmas seqüências de reações foram efetuadas em amostras contendo água e 20mg/ml de solução de hidroxiprolina, blank e amostra padrão, respectivamente.

Os dados apresentaram distribuição normal e foram expressos em média ± desvio padrão. O método utilizado foi a análise de variância (ANOVA - one way) complementada com o teste de comparações múltiplas de Tukey. O nível de significância foi fixado em 5%.

Resultados

Os resultados do estudo morfométrico estão na tabela I. Os animais submetidos ao bloqueio do sistema renina-angiotensina apresentaram menor peso corpóreo (PC) que os animais sem tratamento. Podemos observar que a EAo resultou em aumento da relação entre o VE/PC (C=2,08±0,11mg/g; EAo=3,48±0,32mg/g; p<0,05). Esse aumento não sofreu influência do tratamento. A área seccional dos animais do grupo EAo foi maior que a do animais controle (C=262±32µm2; EAo=361±43µm2; p<0,05). Entretanto, o tratamento com LOS e com LIS atenuou o aumento da área induzida pela sobrecarga pressórica (LIS=334±39 µm2; LOS=326±55 µm2; p>0,05 vs C). Em relação à quantificação de colágeno, a EAo resultou em aumento na concentração de HOP (C=2,13±0,16 µg/mg; EAo=2,74±0,61µg/mg; p<0,05). De outro modo, o grupo tratado com LOS não apresentou diferença estatisticamente significante em relação ao controle (C=2,13 ±0,16 µg/mg; LOS=2,46±0,53 µg/mg; p>0,05).

Os resultados morfológicos do estudo ecocardiográfico estão na tabela II. Os diâmetros ventriculares não foram diferentes entre os grupos C e EAo. O tratamento com LIS ou LOS resultou em menores diâmetros sistólicos, em comparação com os animais controle. A EAo induziu aumento da espessura da parede do VE (C=1,40±0,12 mm; EAo=1,96±0,15 mm; p<0,05). Os animais dos grupos LIS e LOS não apresentaram diferença, nessa variável, em relação aos ratos controle (C=1,40±0,12 mm; LIS=1,56±0,14 mm; LOS=1,54±0,13 mm; p>0,05). Considerando o átrio esquerdo, os animais dos grupos EAo e LIS apresentaram maiores diâmetros que os animais controle (C=4,39±0,47 mm; EAo=6,41±1,21 mm; LIS=6,34±1,11 mm; p<0,05 vs C). Os animais submetidos ao tratamento com LOS não apresentaram diferença em relação aos animais sem sobrecarga (C=4,39 ±0,47 mm; LOS=5,65±0,63 mm; p>0,05).

Os resultados do estudo funcional estão na tabela III. Em relação à porcentagem de encurtamento, os animais com EAo apresentaram maiores valores em comparação com os animais controle (C=57,6±3,7%; EAo=67,0±6,9%; p<0,05). Esse fato não foi modificado com o tratamento com LIS ou LOS (LIS=73,6±6,8%; LOS=73,6±7,5%). Não observamos diferenças entre os valores da relação à relação E/A, nos 4 grupos estudados.

Discussão

Nosso objetivo foi analisar a influência do bloqueio do sistema renina-angiotensina com bloqueador dos receptores AT1 da AII e com IECA, sobre a remodelação cardíaca, por meio da análise do desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda, fibrose intersticial miocárdica e função ventricular, em ratos submetidos a EAo supravalvar. Nesse modelo, a administração de IECA ou bloqueadores AT1 não altera significativamente os valores da pressão intraventricular esquerda18. Assim, é possível a dissociação entre os efeitos hemodinâmicos e os efeitos tissulares diretos causados pelo IECA e/ou pelo bloqueador dos receptores AT1 da AII sobre variáveis da remodelação cardíaca. Como, nesse modelo, existe ativação do sistema renina-angiotensina cardíaco, aventou-se a possibilidade de que o bloqueio com IECA ou bloqueadores AT1 poderia atenuar a remodelação cardíaca.

Nosso estudo revelou que a EAo promoveu hipertrofia ventricular esquerda. A administração de LIS ou LOS atuou nesse processo, desde que os 2 tratamentos resultaram em área seccional miocitária semelhante em comparação aos animais do grupo controle. Na avaliação ecocardiográfica, nossos dados também caracterizaram a hipertrofia ventricular, a partir do aumento da espessura da parede do VE com EAo19. Os 2 tratamentos induziram menor espessura da parede, em relação ao grupo EAo. Assim, o conjunto dos nossos resultados sugere que o bloqueio do sistema renina-angiotensina, com IECA ou bloqueador AT1, atenuou o desenvolvimento de hipertrofia ventricular induzida pela EAo. As evidências de que o bloqueio do sistema renina-angiotensina atenua o processo hipertrófico no modelo de EAo não são consistentes na literatura. Alguns autores encontraram diminuição da massa ventricular20,21, enquanto outros não22,23. Deve-se salientar que as razões para essas discrepâncias ainda não são conhecidas.

Em relação ao conteúdo de colágeno intersticial, em concordância a outros4,5, nosso trabalho evidenciou que a sobrecarga de pressão resultou em fibrose miocárdica, já que houve aumento da concentração de HOP no grupo EAo. O tratamento com LIS não influenciou o acúmulo de colágeno, uma vez que não houve diferença nessa variável em relação ao grupo EAo sem tratamento. Por outro lado, podemos inferir que a administração de LOS atenuou o desenvolvimento de fibrose, pois não encontramos diferença na concentração de HOP entre os animais LOS e controle. O modelo de EAo acompanha-se de ativação do sistema renina-angiotensina tissular cardíaco, tendo sido documentado aumento do RNA mensageiro para a ECA24 no miocárdio de ratos submetidos a estenose aórtica. Entretanto, no coração, ao contrário do que ocorre na circulação, a principal via de transformação da AI em AII parece ser a via das quimases7,8. Considerando-se que a AII é importante modulador da síntese de colágeno25, podemos inferir que, nesse modelo, o bloqueio dos receptores AT1 da AII seria mais eficaz na prevenção da fibrose que o bloqueio da ECA.

A análise funcional do VE efetuada por meio do ecocardiograma revelou que os grupos com EAo apresentaram função sistólica semelhante entre si e melhor do que o grupo controle, desde que porcentagem de encurtamento do VE foi maior nos animais com remodelação cardíaca. Em concordância com os nossos resultados, outros autores mostraram que, nas sobrecargas por pressão, o coração apresenta função inicialmente normal ou hiperdinâmica e, no decorrer do tempo, evolui com disfunção ventricular progressiva26,27.

Em relação à função diastólica do VE, a análise do tamanho do átrio esquerdo mostrou um aumento das dimensões atriais nos grupos EAo e LIS, em comparação com os animais controles. Como os grupos EAo e LIS apresentaram melhor função sistólica do que o controle, é provável que o aumento do átrio seja devido a disfunção diastólica, apesar da relação E/A não ter sido diferente entre os grupos. Por outro lado, o grupo LOS não apresentou diferença estatisticamente significante no tamanho do átrio em relação ao grupo controle. Já está bem consolidado o conceito de que a fibrose intersticial é importante determinante da rigidez passiva da câmara ventricular28. Assim, o conjunto de nossos resultados permite especular que o tratamento com LOS melhorou a função diastólica, pelo menos em parte, em conseqüência da atenuação da fibrose intersticial.

Considerando que, até o momento, não existe nenhuma terapia clínica para prevenir ou atenuar a progressão das repercussões da estenose aórtica, nosso estudo sugere que o bloqueio do sistema renina-angiotensina pode ser considerado como opção terapêutica, nessa situação. Os dados disponíveis sobre a comparação entre bloqueadores AT1 e IECA, nesse modelo, são escassos. Em trabalho elaborado por Liu e cols.21, tanto o captopril como o losartan atenuaram igualmente o desenvolvimento da hipertrofia, a diminuição da SERCA-2 e o aumento da beta-miosina, marcadores do processo de remodelação, após 8 semanas de tratamento. Apesar da necessidade de novos estudos para uma conclusão definitiva, o conjunto dos nossos resultados sugere que os bloqueadores dos receptores AT1 podem apresentar maior benefício em relação aos IECA, nesse modelo.

Nosso estudo nos leva a duas limitações: em algumas variáveis analisadas, os valores do grupo LIS e LOS não foram diferentes do grupo com estenose. Entretanto, diferentemente do grupo EAo, os valores dos grupos com tratamento também não foram diferentes do grupo controle. Assim, interpretamos que o tratamento utilizado resultou em valores intermediários entre os animais controle e com EAo. Outra consideração refere-se às doses utilizadas de lisinopril e losartan. Utilizamos doses ou equivalentes de doses usadas em outros estudos, assumindo o bloqueio do sistema renina-angiotensina com as duas estratégias. Entretanto, não realizamos testes para verificar a equivalência farmacológica das medicações utilizadas em nosso experimento.

Em conclusão, os dados do presente estudo indicam que, no modelo de EAo em ratos, o bloqueio do sistema renina-angiotensina, com bloqueador dos receptores AT1 da AII e com IECA, pode atenuar o desenvolvimento de hipertrofia cardíaca. No entanto, apenas o bloqueio dos receptores AT1 atenua a fibrose intersticial do VE.

Enviado em 06/07/2004 - Aceito em 29/09/2004

  • 1. Pfeffer MA, Braunwald E. Ventricular remodeling after myocardial infarction: experimental observations and clinical implications. Circulation 1990; 81: 1161-72.
  • 2. Cohn JN, Ferrari R, Sharpe N. Cardiac remodeling- concepts and clinical implications: a consensus paper from an international forum on cardiac remodeling. J Am Coll Cardiol 2000; 35: 569-82.
  • 3. Zornoff LAM, Cicogna AC, Paiva SAR, Spadaro J. Remodelamento e seu impacto na progressão da disfunção ventricular. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2002; 12: 371-8.
  • 4. Lorell BH, Carabello BA. Left ventricular hypertrophy: pathogenesis, detection, and prognosis. Circulation 2000; 102: 470-9.
  • 5. Weber KT. Extracellular matrix remodeling in heart failure: a role for de novo angiotensin II generation. Circulation 1997: 96: 4065-82.
  • 6. Swynghedauw B. Molecular mechanisms of myocardial remodeling. Physiol Vev 1999; 79: 215-62.
  • 7. Danser AHJ, Saris JJ, Schuijt MP, Kats JP. Is there a local renin-angiotensin system in the heart? Cardiovasc Res 1999; 44: 252-65.
  • 8. Resende MM, Mill JG. Alternate angiotensin II forming pathways and their importance in physiological and physiopatological condition. Arq Bras Cardiol 2002; 78: 132-8.
  • 9. Pfeffer JM, Pfeffer MA, Braunwald E. Influence of chronic captopril therapy on the infarcted left ventricle of the rat. Circ Res 1985; 57: 84-95.
  • 10. Zornoff LAM, Matsubara BB, Matsubara LS, Paiva SAR, Spadaro J. Early rather than delayed administration of lisinopril protects the heart after myocardial infarction in rats. Basic Res Cardiol 2000; 95: 208-14.
  • 11. Matsubara BB, Matsubara LS, Franco M, Padovani JC, Janicki JS. The effect of non-antihypertensive doses of angiotensin converting enzyme inhibitor on myocardial necrosis and hypertrophy in young rats with renovascular hypertension. Int J Exp Path 1999: 80: 97-104.
  • 12. Bennett MR. Apoptosis in the cardiovascular system. Heart 2002; 87: 480-7.
  • 13
    COBEA. Princípios éticos na experimentação animal. http:/www.cobea.org.br
  • 14. Paiva SAR, Zornoff LAM, Okoshi MP et al. Ventricular remodeling induced by retinoic acid supplementation in adult rat. Am J Physiol Heart Circ Physiol 2003; 284: H2242-6.
  • 15. Sahn DJ, DeMaria A, Kisslo J, Weyman AE. The Committee on M-Mode Standardization of the American Society of Echocardiography. Recommendations regarding quantitation in M-mode echocardiography: results of a survey of echocardiographic measurements. Circulation 1978; 58: 1072-83.
  • 16. Okoshi MP, Okoshi K, Dal Pai V, Dal Pai-Siva M, Matsubara, Cicogna AC. Mechanical, biochemical, and morphological changes in the heart from chronic food-restricted rats. Can J Physiol Pharmacol 2001; 79: 754-60.
  • 17. Switzer BR. Determination of hydroxyproline in tissue. J Nutr Bioch 1991; 2: 229-321.
  • 18. Weinberg EO, Schoen FJ, George D et al. Angiotensin-converting enzyme inhibition prolongs survival and modifies the transition to heart failure in rats with pressure overload hypertrophy due to ascending aortic stenosis. Circulation 1994; 90: 1410-22.
  • 19. Carabello BA. Concentric versus eccentric remodeling. J Card Fail 2002; 8 (suppl): S258-63.
  • 20. Bruckschlegel G, Holmer S, Jandeleit K et al. Blockade of renin-angiotensin system in cardiac pressure-overload hypertrophy in rats. Hypertension 1995; 25: 250-9.
  • 21. Liu X, Sentex E, Golfman L, Takeda S, Osada M, Dhalla NS. Modification of cardiac subcellular remodeling due to pressure-overload by captopril and losartan. Clin Exp Hypertens 1999; 21: 145-56.
  • 22. Weimberg EO, Lee MA, Weigner M et al. Angiotensin AT1 receptor inhibition. Effects on hypertrophic remodeling and ACE expression in rats with pressure-overload hypertrophy due to ascending aortic stenosis. Circulation 1997; 95: 1592-600.
  • 23. Turcani M, Rupp H. Development of pressure-overload induced cardiac hypertrophy is unaffected by long-term treatment with losartan. Mol Cell Biochem 1998; 188: 225-33.
  • 24. Schunkert H, Jackson B, Tang SS et al. Distribution and functional significance of cardiac angiotensin converting enzyme in hypertrophied rat heart. Circulation 1993; 87: 1328-39.
  • 25. Johren O, Dendorfer A, Dominiak P. Cardiovascular and renal function of angiotensin II type-2 receptors. Cardiovasc Res 2004; 62: 460-7.
  • 26. Hasenfuss G. Animal models of human cardiovascular disease, heart failure and hypertrophy. Cardiovasc Res 1998; 39: 60-76.
  • 27. Litwin SE, Katz SE, Weinberg EO et al. Serial echocardiographic-doppler assessment of left ventricular geometry and function in rats with pressure-overload hypertrophy. Circulation 1995; 91: 2642-54.
  • 28. Janicki JS, Matsubara BB. Myocardial collagen and left ventricular diastolic dysfunction. In: Gaash W, LeWinter M, editors. Left Ventricular Diastolic Dysfunction and Heart Failure. Philadelphia: Lea & Febiger; 1994; 125-40.
  • Endereço para correspondência

    Leonardo A. M. Zornoff
    Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Departamento de Clínica Médica
    Cep 18618-000 - Botucatu - SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Recebido
      06 Jul 2004
    • Aceito
      29 Set 2004
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br