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"Tempo é vida": um dever de conscientização da morte súbita

EDITORIAL

"Tempo é vida" - Um dever de conscientização da morte súbita

Manoel Fernandes Canesin; Sergio Timermam; Flávio Rocha Brito Marques; Dario Ferreira; Irani Ribeiro de Moura

Universidade Estadual de Londrina - Londrina, PR Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP e Ministério da Saúde - São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Manoel Fernandes Canesin Rua Piauí, 691 86020-320 - Londrina, PR E-mail: mafecan@uol.com.br

Nos últimos meses, estamos vivendo momentos de angústia e de debate em torno da morte súbita, que é a primeira causa geral de morte pré-hospitalar em nosso país, bem como em países desenvolvidos. A emergência cardiovascular, quer seja pré-hospitalar ou hospitalar, é muito mais que grandes investimentos em prevenção, trombólise, intervencionismo e desfibrilação isolada. É dever da sociedade dar conscientização e capacitação para médicos, profissionais de saúde não médicos e leigos.

As mortes recentes de jogadores de futebol e outros atletas colocaram a emergência cardiovascular em destaque e criaram um motivo a mais para investimentos científicos em educação continuada e investimentos financeiros na área. De maneira análoga a estas mortes esporádicas de personalidades, morrem ao dia, em nosso país, cerca de 800 pessoas de diversas faixas etárias, que não foram filmadas e nem televisionadas1. As discussões mais proveitosas que podem ser retiradas destes eventos não são relacionadas ao encontro de culpados, pois se existirem culpados isolados em algum desses casos, teríamos que julgar os outros 799 casos diários, o que seria humanamente inviável e sem resultados, pois o principal enfoque que temos de dar é no salvamento do maior número possível de vidas. Devemos, sim, traçar estratégias e medidas em educação continuada, propor investimentos e instituir protocolos científicos na área.

Em junho de 2004, a Sociedade Brasileira de Cardiologia, juntamente com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e o Conselho Nacional de Ressuscitacão (CNR) iniciaram campanha com o dever de conscientizar as quatro principais situações tempo-dependentes em emergência: parada cardiorrespiratória, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e obstrução das vias aéreas. As três primeiras destas situações são emergências cardiovasculares e devem ser, sem nenhuma dúvida, motivo de preocupação e campo de atuação de nossa sociedade.

A campanha Tempo é Vida2 tem como objetivo conscientizar e capacitar leigos nos primeiros elos da cadeia de sobrevida da parada cardiorrespiratória, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, além da obstrução das vias aéreas, que são as emergências clínicas de maior morbidade e mortalidade em nosso meio. Contando com outras sociedades médicas e não médicas e visando sensibilizar a população e o governo, a campanha tem também como objetivo incentivar a educação de médicos e de outros profissionais de saúde no tratamento inicial da emergência cardiovascular, principalmente a parada cardiorrespiratória, através da instituição de protocolos de suporte básico de vida e acesso público à desfibrilação, que são medidas já amplamente disseminadas em outros países.

Até recentemente, os sistemas de emergência pré-hospitalares existentes em no Brasil não possuíam uma regulação médica única e eram voltados mais exclusivamente para o trauma. Com a implantação, pelo Governo Federal, do Sistema de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), de modelo francês, em várias cidades do Brasil, o objetivo é que a emergência seja vista como um todo. Sendo assim, a participação da emergência cardiovascular ganha espaço e será valorizada como realmente deve ser. Para tal, diferente do modelo do trauma que é centrado nos profissionais de saúde, existe a necessidade de melhor preparação da população leiga, de profissionais de saúde não médicos e dos médicos. O SAMU atendeu, até outubro de 2004, através de regulação médica, 150.460 casos (DATASUS), distribuídos nos 38 SAMUs pesquisados, sendo 71.137 (47,2%) destes casos de atendimento clínico isolado (excluindo trauma, emergências psiquiátricas, obstétricas e pediátricas). Entre os atendimentos clínicos, os cardiovasculares e respiratórios foram os predominantes, sendo mais de 15.000 casos atendidos até o período. Grande parte destes casos é dependente de um suporte básico adequado, ou seja, pessoas leigas que reconheçam e saibam o que fazer nos primeiros sinais e sintomas de uma emergência ou urgência cardiovascular. A educação continuada de leigos por profissionais de saúde, capacitados no ensino de emergência cardiovascular, está diretamente relacionada à sobrevida de pacientes com infarto agudo do miocárdio e parada cardiorrespiratória. A existência de um sistema de saúde pré-hospitalar, que visa o atendimento da emergência cardiovascular adequado, só irá acontecer plenamente quando um sistema de suporte básico de vida seja implantado com excelência na comunidade como um todo. Este sistema deve abordar todos os aspectos da sensibilização e do treinamento de leigos e profissionais de saúde. O primeiro passo foi dado com o SAMU e é dever das sociedades médicas fortalecer a cadeia de sobrevida como um todo.

O papel do cardiologista e do profissional que atua em emergência cardiovascular é fundamental, pois eles possuem visões globalizadas da questão, envolvendo desde a parte pré-hospitalar até a hospitalar. A atuação da cardiologia nesta área não possui limitações. Vai do essencial treinamento em suporte básico e avançado de vida, realizado para leigos, profissionais não médicos e médicos, assim como em medidas terapêuticas como a trombólise, medidas intervencionistas e no desenvolvimento de consensos e pesquisa em emergência cardiovascular.

A morte súbita deve ser encarada como uma epidemia pelas sociedades médica e não médica e evitada com todo empenho. O empenho médico deve ser voltado tanto para a prevenção da parada cardiorrespiratória, quanto para o tratamento imediato. Sendo o tempo e a organização no atendimento fatores fundamentais no tratamento da fibrilação ventricular, assim como a desfibrilação imediata. Profissionais não médicos e leigos devidamente capacitados devem estar envolvidos neste tratamento3. Para o controle desta epidemia, a cardiologia deve ser respaldada técnica e cientificamente em consensos internacionais, tantos nos protocolos de tratamento como de treinamento4. Outras causas de morte, como o trauma, apesar de menos comuns que a morte súbita, trazem consigo impacto social maior, conseguindo assim maior respaldo governamental e da sociedade. Porém, é dever da sociedade de cardiologia se envolver, juntamente com outras sociedades, e dar o respaldo científico para que esta causa tão freqüente de óbitos em nosso meio seja discutida e tenha sua importância devidamente reconhecida pela sociedade. Tempo é Vida!

Referências

1. Antman EM. ACC/AHA Guidelines for the management of patients with ST-elevation myocardial infarction. 2004 (http://www.acc.org/clinical/guidelines/stemi/index.htm).

2. Carmeliet E. Cardiac ionic currents and acute ischemia: from channels to arrhythmias. Physiol Rev 1999; 79: 917.

3. Grines CL, Cox DA, Stone GW et al. Coronary angioplasty with or without stent implantation for acute myocardial infarction. N Engl J Med 1999; 341: 1949.

4. Kernis SJ, Harjai KJ, Stone GW et al. The incidence, predictors, and outcomes of early reinfarction after primary angioplasty for acute myiocardial infarction. J Am Coll Cardiol 2003; 42: 1173.

Enviado em 10/01/05

Aceito em 26/01/05

  • Endereço para correspondência

    Manoel Fernandes Canesin
    Rua Piauí, 691
    86020-320 - Londrina, PR
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005
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