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Impacto econômico do tratamento da cardiopatia isquêmica crônica no Brasil: o desafio da incorporação de novas tecnologias cardiovasculares

EDITORIAL

Impacto econômico do tratamento da cardiopatia isquêmica crônica no Brasil. O desafio da incorporação de novas tecnologias cardiovasculares

Denizar Vianna Araujo; Marcos Bosi Ferraz

Universidade Federal de São Paulo - São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Denizar Vianna Araujo Av. Visconde Albuquerque, 1400/501 22450-000 – Rio de Janeiro, RJ E-mail: denizarvianna@cpes.org.br

As doenças cardiovasculares são as principais causas de morbidade e mortalidade no Brasil, com impacto significativo no orçamento do Ministério da Saúde, principalmente na atenção da alta complexidade. A crescente demanda por recursos desencadeou a elaboração da Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade pela Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.

No ano de 2002, ocorreram 1.216.394 internações decorrentes de doenças do aparelho circulatório, representando 10,3% do total das internações no Sistema Único de Saúde (SUS). Em relação ao valor financeiro, a parcela das internações em cardiologia clínica e cirúrgica correspondeu a 17% do total, superando todos os outros grupos de especialidades isoladamente1.

Entre as doenças do aparelho circulatório, a insuficiência cardíaca motivou 30,6% das internações e o diagnóstico de "outras doenças isquêmicas do coração" representou 10,6% das internações. O impacto financeiro para o Sistema de Saúde é maior do que o quantificado, pois os valores computados pelo SUS como despesa não representam o custo verdadeiro com o tratamento das doenças cardiovasculares. Estudo recente sobre custo da insuficiência cardíaca demonstrou a defasagem entre os valores reembolsados pelo SUS aos hospitais e o custo real da internação por essa síndrome2.

Outro componente do impacto econômico não mensurado pelos formuladores de políticas de saúde é o custo indireto representado por improdutividade, absenteísmo e morte prematura decorrente das doenças cardiovasculares. Estudo conduzido em hospital universitário brasileiro demonstrou que 28,5% dos pacientes em tratamento para insuficiência cardíaca foram aposentados precocemente por causa da síndrome2.

A alta prevalência da cardiopatia isquêmica crônica determina elevado consumo de recursos no tratamento e reabilitação. No ano de 2003, o SUS financiou a realização de 30.666 angioplastias coronarianas com implante de stent e 19.909 cirurgias de revascularização do miocárdio, totalizando aproximadamente R$ 281 milhões de gastos.

A incorporação do Bare Metal Stent (BMS) no SUS em 1999 representou mudança significativa na forma de tratamento intervencionista dos pacientes com cardiopatia isquêmica. Até 1999, a cirurgia de revascularização do miocárdio representava a principal modalidade de tratamento intervencionista. Nos três anos subseqüentes, o número de procedimentos de angioplastia coronariana aumentou em mais de 100%, com redução significativa no número de cirurgias de revascularização do miocárdio no mesmo período. Os benefícios do tratamento com o stent convencional (BMS) foram importantes, porém com limitações em alguns subgrupos, principalmente pacientes diabéticos com vasos de pequeno calibre e maior extensão, em que a reestenose intra-stent é significativa nos primeiros seis meses pós-procedimento.

O desenvolvimento do Drug Eluting Stent (DES), não-disponível no SUS, proporcionou taxas significativamente menores de reestenose intra-stent neste subgrupo de pacientes3,4, porém com aumento no custo inicial do tratamento. O dilema que o SUS enfrenta é compatibilizar a restrição do orçamento com a necessidade de avaliar e incorporar novas tecnologias cardiovasculares.

Esse panorama conflitante tem despertado o interesse da comunidade acadêmica na busca de soluções. Necessitamos de novas áreas do conhecimento que possam nos auxiliar na difícil tarefa de tomar decisões em ambiente de escassez de recursos.

O processo de avaliação da incorporação de tecnologia em saúde surge como área do conhecimento interdisciplinar para auxiliar nesse processo de escolha. A avaliação da incorporação de tecnologia em saúde deve contemplar o funcionamento e/ou impacto dos produtos e serviços, programas ou políticas de saúde na promoção, manutenção e produção dos serviços de saúde.

A avaliação de uma tecnologia a ser incorporada pelo sistema de saúde, público ou privado, caracteriza-se por revisão sistemática, crítica, criteriosa da literatura disponível, considerando-se aspectos como efetividade da intervenção, análise econômica e seu potencial impacto no sistema de saúde, ou seja, sua contribuição para promoção, manutenção ou reabilitação da saúde. Aspectos éticos e questões de eqüidade devem ser considerados no processo de avaliação.

Com o rápido incremento no desenvolvimento tecnológico, especialmente na área cardiovascular, tal processo de avaliação se torna imprescindível, não somente por identificar as intervenções de valor para o sistema de saúde, mas também pela necessidade do processo de escolha entre as alternativas que reconhecidamente agregam valor ao sistema de saúde.

O Centro Paulista de Economia da Saúde (CPES) da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) em colaboração com a Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista está elaborando estimativa do impacto no orçamento do SUS com a incorporação do stent farmacológico, utilizando dados do ano de 2003.

As premissas do modelo de impacto no orçamento são: taxa de conversão do stent convencional para farmacológico; número de stents/paciente/procedimento; porcentagem de reintervenções por reestenose no stent convencional; porcentagem de reintervenções por reestenose no stent farmacológico; preços dos stents; valores de AIH (Autorização de Internação Hospitalar) remunerados pelo SUS aos hospitais para angioplastia e cirurgia de revascularização do miocárdio; preço do clopidogrel pós-procedimento. Esse modelo contém premissas principais que variam significativamente conforme o porcentual hipotético de acesso da população ao stent farmacológico, preço de aquisição do stent farmacológico e porcentual de reintervenções evitadas nos doze meses subseqüentes. Essas variações explicam os cenários possíveis entre 12,8% e 24,4% (R$ 24.272.308,00 a R$ 44.458.162,00) de incremento no custo nos primeiros doze meses pós-procedimento para o SUS.

Agências de avaliação de tecnologia em saúde como NICE5 e AETMIS6 estão auxiliando os financiadores dos sistemas de saúde no Reino Unido e província de Québec no Canadá na incorporação do stent farmacológico na prática cardiológica.

A discussão sobre a incorporação de novas tecnologias no SUS é uma oportunidade para a Sociedade Brasileira de Cardiologia fomentar o desenvolvimento de métodos que auxiliem os formuladores de políticas de saúde cardiovascular no processo de escolha entre as alternativas disponíveis, mensurando o benefício para cada unidade de custo e estimando o retorno para a sociedade na incorporação de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas.

Referências

1. DATASUS 2002 (www.datasus.gov.br).

2. Araújo DV, Tavares LR, Veríssimo R et al. Custo da Insuficiência Cardíaca no Sistema Único de Saúde. Arq Bras Cardiol 2005; 84:422-7.

3. Moses JW, Leon MB, Popma JJ et al. Sirolimus-Eluting Stens versus Standard Stents in Patients with Stenosis in a Native Coronary Artery. N Engl J Med 2003; 349:1315-23.

4. Stone GW, Cox DA, Hermiller J et al. A Polymer-Based, Paclitaxel-Eluting Stent in Patients with Coronary Artery Disease. N Engl J Med 2004; 350:221-31.

5. National Institute for Clinical Excellence (NICE). Guidance on the use of coronary artery stents. Technology Appraisal 71. October 2003. www.nice.org.uk.

6. Agence d'évaluation des technologies et des modes d'intervention en santé (AETMIS). An Economic Analysis of Drug Eluting Coronary Stents: A Québec Perspective. Report prepared by James Brophy and Lonny Erickson. (AETMIS 04-04) Montréal: AETMIS, 2004, x-38p. www.aetmis.gouv.qc.ca

  • Endereço para correspondência

    Denizar Vianna Araujo
    Av. Visconde Albuquerque, 1400/501
    22450-000 – Rio de Janeiro, RJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Jul 2005
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