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Síndrome metabólica em crianças e adolescentes

EDITORIAL

Síndrome metabólica em crianças e adolescentes

Metabolic syndrome in children and adolescents

Ayrton Pires BrandãoI; Andréa Araújo BrandãoI; Gerald S. BerensonII; Valentin FusterIII

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – RJ, Tulane Center for Cardiovascular Health - New Orleans, LA, USA and Mount Sinai School of Medicine – New York, NY, USA

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro

IIThe Bogalusa Heart Study, Tulane Center for Cardiovascular Health, New Orleans, LA, USA

IIIPresidente, World Heart Federation, Mount Sinai School of Medicine,New York, NY, USA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ayrton P. Brandão Rua Abade Ramos 107/101 22461-090 - Rio de Janeiro E-mail: brandao.trp@terra.com.br

Doença cardiovascular e síndrome metabólica em países subdesenvolvidos

As doenças cardiovasculares representam a primeira causa de morte nos países desenvolvidos e também vêm crescendo muito nos países de economia em transição e subdesenvolvidos1. Um conjunto de fatores de risco, identificados como síndrome metabólica, representado pela hipertensão arterial, sobrepeso/obesidade, aumento dos triglicérides, diminuição do HDL colesterol e intolerância à glicose/diabetes tipo 2 são encontrados freqüentemente nesses indivíduos2-4. Não se conhece como essa associação leva à aterosclerose coronariana, responsável pela grande maioria dos óbitos nesses indivíduos. Contudo, a presença de resistência à insulina, freqüentemente identificada nesses indivíduos, leva a uma hiperinsulinemia que parece ter um importante papel na fisiopatologia da síndrome metabólica, por meio da ativação do sistema nervoso simpático, retenção de sódio, além de estimular o crescimento celular, todos eles relacionados com os fatores de risco e as doenças cardiovasculares3,4.

A origem do problema pode estar no perfil de risco e na síndrome metabólica em crianças e adolescentes

A agregação dos fatores de risco cardiovascular na população adulta é um fato comum na prática clínica. No entanto, nos últimos vinte anos, essa mesma associação vem sendo demonstrada na população jovem e freqüentemente relacionada a uma história familiar de síndrome metabílica5-8. Em crianças e adolescentes, as alterações iniciais de cada um desses fatores podem ocorrer em associações variadas, que mesmo de pequena expressão determinam um perfil cardiovascular desfavorável para esses jovens.

No estudo de Bogalusa, a avaliação feita em 4.522 indivíduos na faixa etária entre 5 e 38 anos, selecionados entre 1988 e 1996 para os componentes da síndrome metabólica - índice de adiposidade, insulina e glicose, triglicérides e HDL-c e PA - encontrou dois modelos independentes para o seu determinismo. Um dos modelos incluía insulina/lipídeos/glicose/índice de adiposidade; o outro, apenas insulina/pressão arterial. Os dois modelos explicaram 54,6% da variância total na amostra, sugerindo uma ligação entre a alteração metabólica e o fator hemodinâmico, cujo substrato comum foi a hiperinsulinemia/resistência à insulina8. Estas mesmas alterações clínicas seriam determinantes das lesões ateroescleróticas precoces observadas em autópsia nestas populações9-11.

No Brasil, o Estudo do Rio de Janeiro, iniciado em 1983, foi desenhado para determinar a curva de pressão arterial em 7.015 jovens na faixa etária de 6 a 15 anos de idade, estratificados por sexo e nível socio-econômico, e evoluiu para a busca de agregação de outros fatores de risco cardiovascular não só nesta população, como também nos seus familiares. Os principais resultados deste estudo mostraram uma relação direta entre a pressão arterial e o peso corporal12, agregação da pressão arterial e da massa corporal entre os membros de uma mesma família13, índices antropométricos e pressão arterial relacionados à massa ventricular esquerda em adolescentes14, agregação de pressão arterial e fatores de risco metabólicos em adolescente e seus familiares15, e hiperglicemia, hiperinsulinemia, sobrepeso e pressão arterial elevada em adultos jovens16.

Dentre todos os fatores de risco que fazem parte da síndrome metabólica, contudo, a presença de sobrepeso/obesidade aparece como o mais importante, especialmente nos Estados Unidos, onde a sua prevalência aumentou de duas a quatro vezes, particularmente entre os afro-americanos e latino-americanos17. Esse mesmo fenômeno também tem sido observado em países de economia em transição, como o Brasil, como mostra a pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística18 . O IBGE confirmou efetivamente uma evolução no perfil antropométrico-nutricional de toda a população brasileira, incluindo crianças e adolescentes, no período compreendido entre 1974-1975 e 2002-2003 (Figs. 1 e 2). Nesse período, houve uma queda apreciável na prevalência de desnutridos, mais acentuada no sexo masculino, enquanto o excesso de peso e a obesidade aumentaram continuamente e intensamente em ambos os sexos, embora maior entre as mulheres. Ênfase deve ser dada aos achados referentes às crianças e adolescentes que, nas mesmas regiões e no mesmo período, mostraram que a prevalência de subnutridos reduziu em cerca de 50% enquanto o sobrepeso/obesidade dobrou em ambas as regiões19,20.



O padrão de consumo alimentar também foi avaliado nesse mesmo estudo e mostrou que o brasileiro pratica um padrão alimentar incorreto, independente das classes de rendimento, o qual consiste em: teor excessivo de açúcar, consumo insuficiente de frutas e hortaliças e aumento do consumo excessivo de gorduras em geral, em especial de gorduras saturadas, particularmente entre famílias de maior rendimento e localizadas nas regiões mais desenvolvidas: Sul, Sudeste e Centro-Oeste18 .

Nesse contexto, soma-se a grande tendência para o aumento do sedentarismo, observado nos estudos que avaliam a síndrome metabólica, propiciando o aparecimento de alterações relacionadas com o metabolismo glicídico e lipídico e aumento da pressão arterial, reconhecidos como fatores de risco importantes para as doenças cardiovasculares. Esses achados apontam para uma probabilidade real de aumento na taxa futura de morbidade e mortalidade cardiovascular e, com grande impacto socio-econômico não só para o Brasil como também para todos os países de economia em transição.

Medidas não-medicamentosas são a primeira atitude a ser tomada, buscando uma mudança de estilo de vida centrado em atividade física regular e uma dieta balanceada21. O tratamento medicamentoso pode ser necessário e, embora não seja o desejável, vem se tornando cada vez mais utilizado em pacientes com aumento da pressão arterial, dislipidemia e diabetes21. O uso de medicamentos para o tratamento da obesidade pode também ser considerado, embora a experiência ainda seja pequena e sem uma avaliação a longo prazo21.

A importância da prevenção primária em crianças e adolescentes

A adoção de medidas de prevenção primária em jovens tem sido reconhecida como de enorme importância no cenário da abordagem das doenças cardiovasculares. A demonstração da presença da aterosclerose na infância, na adolescência e na fase adulta jovem, aliada ao maior conhecimento sobre os fatores de risco nessas idades, aponta para propostas de programas racionais e efetivos que tenham como objetivo intervir sobres esses fatores o mais precocemente possível21.

As medidas preconizadas para essa faixa etária se concentram na adoção de hábitos saudáveis, com atividade física regular e abstenção do fumo, evitando-se ainda o excesso de calorias, sal, gordura saturada e colesterol. Nesse sentido, medidas educacionais de saúde focadas na busca de um padrão alimentar saudável, atividade física regular e melhoria do estilo de vida em geral devem ser direcionadas não só para os jovens, mas também para seus familiares, incentivadas por todos os médicos, independente da sua especialidade22,23

A prevenção específica da obesidade por meio da dieta e da atividade física deve ser a prioridade máxima, visto que o seu êxito terá uma repercussão direta e positiva na melhora da dislipidemia, hipertensão arterial e nas alterações do metabolismo dos carboidratos22,23.

Os benefícios associados à atividade física em jovens incluem a perda de peso, melhora dos parâmetros metabólicos, redução da pressão arterial e da resistência à insulina, bem-estar psíquico, predisposição para manter a atividade física na idade adulta e, conseqüentemente, diminuição de risco para doença cardiovascular e aumento da expectativa de vida22,23.

De uma forma geral, atualmente os jovens estão praticando menos exercício. A atração pela televisão, pelos videogames e pelos computadores tende a mantê-los dentro de casa. A insegurança das grandes cidades inibe as caminhadas ou o andar de bicicleta nas ruas e nos parques. Nas escolas, as novas exigências curriculares têm diminuído a carga horária antes destinada à atividade física. E por fim, as famílias estão se tornando cada vez mais sedentárias, apontando este conjunto para ações direcionadas para modificações no grupo familiar como um todo. No Brasil, o projeto "Floripa Saudável 2040"24, recém iniciado na cidade de Florianópolis, baseado no programa "Health Ahead/Heart Smart" proposto pelo Estudo Bogalusa22, visa exatamente a intervir precocemente nas escolas, com o objetivo de mudar o estilo de vida já nesta faixa etária.

Programas governamentais que incluam áreas específicas para a prática de exercício físico, maior oferta de professores de educação física e melhor segurança pública são absolutamente necessários21. Também é consensual que essas medidas só serão alcançadas se houver participação da família, das escolas, das comunidades, num esforço conjunto da sociedade e do seu governo.

Atenta a este panorama, a World Heart Federation elegeu como tema para o Dia do Coração, a ser comemorado no próximo dia 26 de setembro, o alerta contra a obesidade, "Healthy Weight, Healthy Shape", iniciativa com a qual todos nós deveremos nos envolver.

Somente a atuação nessa etapa da vida será capaz de efetivamente garantir um estilo de vida sadio para o sistema cardiovascular na fase adulta, e assim influir favoravelmente nas altas taxas de morbidade e mortalidade cardiovascular.

Referências

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3. Grundy SM, Brewer B, Cleeman JI, Smith Jr SC, Lenfant C. Definition of the metabolic syndrome. Report of the National Heart, Lung and Blood Institute/American Heart Association Conference on Scientific Issues Related to Definition. Circulation 2004;109:433-38.

4. Brandão AP, Nogueira AR, Oliveira JE, Guimarães JI, Suplicy H, Brandão AA. (Coord). I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica. Arq Bras Cardiol 2005;84(Supl I):1-28.

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7. Steinberger J, Daniels SR. Obesity, insulin resistance, diabetes and cardiovascular risk in children. Circulation 2003;107:1448-453.

8. Chen W, Srinivasan SR, Elkasabany A, Berenson GS. The association of cardiovascular risk factor clustering related to insulin resistance syndrome (Syndrome X) between young parents and their offspring: The Bogalusa Heart Study. Atherosclerosis 1999;145:197-205.

9. Berenson GS, Wattigney W, Tracy R, Bao W, Srinivisan SR, Newman III WP. Atherosclerosis of the aorta and coronary arteries and cardiovascular risk factors in persons aged 6 to 30 years and studied at necropsy (the Bogalusa Heart Study). Am J Cardiol 1992;70:851-58.

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24. Giuliano BI. Projeto "Floripa Saudável 2040". Comunicação Pessoal.

  • Endereço para correspondência

    Ayrton P. Brandão
    Rua Abade Ramos 107/101
    22461-090 - Rio de Janeiro
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005
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