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Análise comparativa da captação de 18 fluordesoxiglicose por câmara de cintilação e sistema de coincidência e a ecocardiografia de estresse pela dobutamina na detecção de viabilidade miocárdica

Resumos

OBJETIVO: Comparar a câmara de cintilação e sistema de coincidência (CC) com a ecocardiografia de estresse pela dobutamina (EED) na detecção de viabilidade miocárdica, utilizando-se a recuperação funcional como padrão de referência. MÉTODOS: Vinte e um pacientes com doença arterial coronária e disfunção grave do ventrículo esquerdo foram estudados prospectivamente, submetidos a EED e CC, antes da cirurgia de revascularização do miocárdio (RM), e a EED, três meses após. RESULTADOS: De 290 segmentos analisados, 83% encontravam-se acinéticos, 15%, hipocinéticos, e 2, discinéticos ao repouso. A EED identificou 68% destes segmentos como não-viáveis. A CC identificou 56% destes segmentos como normais (contratilidade alterada com metabolismo e perfusão preservada), 30% como viáveis (perfusão reduzida e metabolismo preservado) e 14%, como não-viáveis (ausência de metabolismo e perfusão). Entre os não-viáveis pela EED, a CC classificou 80% como normais ou viáveis e 19,9%, como não viáveis (p<0,001). A sensibilidade e especificidade da EED foram de 48,3% e 78,1%, respectivamente. A sensibilidade e especificidade da CC de 92,2% e 20,0%, respectivamente. A CC identificou maior proporção de recuperação funcional nos segmentos classificados como normais do que os viáveis e não-viáveis. CONCLUSÃO: A CC classificou como normal ou viável a maior parte dos segmentos não-viáveis pela EED. Na avaliação da recuperação funcional, três meses após a RM, a CC demonstrou uma alta sensibilidade, porém reduzida especificidade.

miocárdio atordoado; fluordesoxiglicose F18; ecocardiografia; revascularização miocárdica


OBJECTIVE: To compare Dual-Head coincidence gamma camera (DCD-AC) with dobutamine stress echocardiography (DSE) in viability assessment, using functional recovery as the gold standard. METHODS: Twenty-one patients were prospectively studied, with coronary artery disease and severe left ventricular dysfunction undergoing DSE and DCD-AC at baseline and DSE three months after revascularization. RESULTS: Of the 290 segments analyzed, 83% were akinetic, 15% hypokinetic and 2% dyskinetic at rest. DSE identified 68% of these segments as non-viable. DCD-AC identified 56% of these segments as normal (dysfunctional segments with preserved metabolism and perfusion), 30% as viable (preserved metabolism and reduced perfusion) and 14% as non-viable (reduced perfusion and metabolism). Of the DSE non-viable segments, DCD-AC identified 80% as normal or viable and 19.9% as non-viable (p<0.001). In hypokinetic segments viability and normal segments were detected in a higher proportion by both methods (p<0.001). DSE sensibility and specificity were 48.3% and 78.1% respectively. DCD-AC sensibility and specificity was 92.2% and 20.0%. DCD-AC identifies a higher incidence of function improvement in normal segments than in viable and non-viable. CONCLUSION: DCD-AC classified as normal or viable most of the non-viable DSE segments. In assessment of functional recovery segments after three months, DCD-AC showed a high sensibility but low specificity.

dobutamine echocardiography; dual-head gamma camera; myocardial viability; fluorodeoxyglucose; coronary artery bypass surgery


ARTIGO ORIGINAL

Análise comparativa da captação de 18 fluordesoxiglicose por câmara de cintilação e sistema de coincidência e a ecocardiografia de estresse pela dobutamina na detecção de viabilidade miocárdica

Comparative study of 18 F-fluorodeoxyglucose imaging with a dual-head coincidence gamma camera with dobutamine stress echocardiography for the assessment of myocardial viability

Pedro Silvio Farsky; Leopoldo Soares Piegas; Vera Marcia Gimenes; Ana Claudia G. Petisco; Paulo S. Duarte; Luiz Roberto Martins; Mario Issa; Paulo Paredes Paulista; José Eduardo Moraes Rego Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e Fleury - Centro de Medicina Diagnóstica - São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Pedro Silvio Farsky Rua Caravelas, 423 04012-090 - São Paulo, SP E-mail: farskyp@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar a câmara de cintilação e sistema de coincidência (CC) com a ecocardiografia de estresse pela dobutamina (EED) na detecção de viabilidade miocárdica, utilizando-se a recuperação funcional como padrão de referência.

MÉTODOS: Vinte e um pacientes com doença arterial coronária e disfunção grave do ventrículo esquerdo foram estudados prospectivamente, submetidos a EED e CC, antes da cirurgia de revascularização do miocárdio (RM), e a EED, três meses após.

RESULTADOS: De 290 segmentos analisados, 83% encontravam-se acinéticos, 15%, hipocinéticos, e 2, discinéticos ao repouso. A EED identificou 68% destes segmentos como não-viáveis. A CC identificou 56% destes segmentos como normais (contratilidade alterada com metabolismo e perfusão preservada), 30% como viáveis (perfusão reduzida e metabolismo preservado) e 14%, como não-viáveis (ausência de metabolismo e perfusão). Entre os não-viáveis pela EED, a CC classificou 80% como normais ou viáveis e 19,9%, como não viáveis (p<0,001). A sensibilidade e especificidade da EED foram de 48,3% e 78,1%, respectivamente. A sensibilidade e especificidade da CC de 92,2% e 20,0%, respectivamente. A CC identificou maior proporção de recuperação funcional nos segmentos classificados como normais do que os viáveis e não-viáveis.

CONCLUSÃO: A CC classificou como normal ou viável a maior parte dos segmentos não-viáveis pela EED. Na avaliação da recuperação funcional, três meses após a RM, a CC demonstrou uma alta sensibilidade, porém reduzida especificidade.

Palavras-chave: miocárdio atordoado, fluordesoxiglicose F18, ecocardiografia, revascularização miocárdica

ABSTRACT

OBJECTIVE: To compare Dual-Head coincidence gamma camera (DCD-AC) with dobutamine stress echocardiography (DSE) in viability assessment, using functional recovery as the gold standard.

METHODS: Twenty-one patients were prospectively studied, with coronary artery disease and severe left ventricular dysfunction undergoing DSE and DCD-AC at baseline and DSE three months after revascularization.

RESULTS: Of the 290 segments analyzed, 83% were akinetic, 15% hypokinetic and 2% dyskinetic at rest. DSE identified 68% of these segments as non-viable. DCD-AC identified 56% of these segments as normal (dysfunctional segments with preserved metabolism and perfusion), 30% as viable (preserved metabolism and reduced perfusion) and 14% as non-viable (reduced perfusion and metabolism). Of the DSE non-viable segments, DCD-AC identified 80% as normal or viable and 19.9% as non-viable (p<0.001). In hypokinetic segments viability and normal segments were detected in a higher proportion by both methods (p<0.001). DSE sensibility and specificity were 48.3% and 78.1% respectively. DCD-AC sensibility and specificity was 92.2% and 20.0%. DCD-AC identifies a higher incidence of function improvement in normal segments than in viable and non-viable.

CONCLUSION: DCD-AC classified as normal or viable most of the non-viable DSE segments. In assessment of functional recovery segments after three months, DCD-AC showed a high sensibility but low specificity

Key words: dobutamine echocardiography, dual-head gamma camera; myocardial viability, fluorodeoxyglucose; coronary artery bypass surgery

O benefício da cirurgia de revascularização do miocárdio (RM) foi demonstrado, pela primeira vez, em pacientes portadores de grave disfunção do ventrículo esquerdo com o registro CASS1. Verificou-se uma maior sobrevida, em cinco anos, nos pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) menor que 0,26 e submetidos à RM. Entretanto, estes pacientes apresentam elevado risco cirúrgico e maior taxa de complicações operatórias.

Nesta ocasião, segmentos miocárdicos acinéticos eram caracterizados como fibrótico e, portanto, não passiveis de melhora. Entretanto, Rahimtoola2 verificou que alguns segmentos miocárdicos recuperam a contratilidade quando adequadamente reperfundidos, tendo sido denominados de miocárdio hibernante.

A identificação de miocárdio viável adquiriu relevantes implicações prognósticas. A correção do fluxo arterial pode levar a recuperação da contratilidade miocárdica segmentar e, até mesmo, global, promovendo melhora da sintomatologia e até da sobrevida3,4.

Viabilidade miocárdica pode ser detectada por quatro diferentes metodologias: função metabólica, integridade de membrana celular, perfusão e reserva contrátil. Função metabólica pode ser avaliada pela captação de 18 fluordesoxiglicose (FDG). Integridade de membrana celular pode ser avaliada pela captação de traçadores, particularmente, o 201 tálio. A perfusão miocárdica é dependente da integridade microvascular e pode ser avaliada pela ecocardiografia de contraste. A análise da reserva contrátil foi, inicialmente, avaliada pela potenciação pós-extra-sistólica, durante ventriculografia contrastada, porém, a metodologia, atualmente empregada, é a ecocardiografia de estresse pela dobutamina (EED).

Dentre as metodologias citadas, as mais comumente encontradas em nosso meio são a EED e a cintilografia do miocárdio com 201 tálio. A EED é amplamente empregada pelo seu custo baixo em relação às demais e disponibilidade em inúmeros centros de cardiologia, porém, depende da experiência do operador e apresenta menor sensibilidade, especialmente, em segmentos acinéticos5. A cintilografia do miocárdio com 201 tálio é uma metodologia com forte embasamento científico, porém, quando comparada com a tomografia por emissão de pósitrons, apresenta menor sensibilidade, sendo que a maior parte dos defeitos fixos, de grau leve a moderado pela cintilografia do miocárdio com 201 tálio, são considerados viáveis pela tomografia pela emissão de pósitrons (PET)6.

A PET foi considerada o padrão ouro para a detecção de viabilidade miocárdica por muito tempo. Porém, a sua aplicação clínica tem sido limitada pela meia vida curta e baixa disponibilidade da FDG, aliada ao alto custo do equipamento. A captação da FDG, através de gama-câmaras convencionais e uso de colimadores de ultra-alta energia, foi inicialmente utilizada, porém, a qualidade de imagem era limitada. Com o advento das câmaras de cintilação com princípio de coincidência e programas de correção de atenuação (CC), foi alcançada uma significativa melhora na qualidade de imagem, porém, esta metodologia ainda permanece sem validação na prática clínica.

A definição de viabilidade miocárdica envolve a recuperação da contratilidade miocárdica segmentar com a adequada restauração revascularização do segmento comprometido. Portanto, as diferentes metodologias de identificação de viabilidade miocárdica devem ser comparadas com a recuperação da contratilidade após a revascularização cirúrgica ou percutânea do miocárdio.

Desta forma, este trabalho comparou a detecção de viabilidade miocárdica pela captação de FDG, pela CC e a EED, em pacientes com grave disfunção do ventrículo esquerdo. Como padrão de referência, foi utilizada a recuperação funcional três meses após a RM.

Métodos

Foram estudados, prospectivamente, 21 pacientes (20 homens, idade média de 58,6±10 anos) com doença coronária multiarterial e grave disfunção do ventrículo esquerdo, definida por FEVE <0,40, pela ecocardiografia ao repouso (método de Simpson) submetidos à RM. O estudo foi realizado em pacientes com indicação de RM e os resultados da CC e EED não foram utilizados para a definição da conduta. Todos os pacientes encontravam-se em ritmo sinusal e foram acometidos de pelo menos um infarto do miocárdio, com mais de 15 dias do início do estudo. Treze pacientes apresentavam angina aos esforços e quatro não apresentavam angina. Oito apresentavam insuficiência cardíaca estável (classe > III New York Heart Association). Nove eram diabéticos e 15 hipertensos. Beta-bloqueadores foram suspensos no dia do EED. A FEVE média foi de 0,32±5,9. Não havia pacientes com doença valvar significativa ou aneurisma do ventrículo esquerdo.

O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e o informe de consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os pacientes.

A viabilidade miocárdica foi analisada tanto pela EED, como pela CC, antes do procedimento cirúrgico. A contratilidade regional e global foram avaliadas pela ecocardiografia, ao repouso e sob estresse pela dobutamina.

A recuperação da contratilidade miocárdica foi avaliada três meses após a cirurgia de revascularização do miocárdio, pela ecocardiografia transtorácica ao repouso e sob estresse pela dobutamina.

Para fins de análise, o ventrículo esquerdo foi dividido em 17 segmentos, de acordo com a normatização da American Heart Association7.

Com os pacientes em jejum, foi administrado 50 g de glicose, 50 minutos antes da administração endovenosa da FDG (2,22 MBq/Kg) e insulina. As imagens foram adquiridas utilizando-se uma câmara de cintilação e sistema de coincidência operada pelo modo de coincidência, com atenuação de correção (Vértex Plus MCD/AC ADAC Laboratories).

Para o estudo de perfusão, foi utilizado a Setamibi-[Tc-99 m] (MIBI) (555 MBq). As imagens foram adquiridas com câmara de cintilação e sistema de coincidência, equipada com baixa energia e colimador de alta resolução (Vértex Plus MCD/AC).

As imagens foram obtidas em 48 projeções com matrix de 64x64, em 180°. Imagens tomográficas transaxiais foram reconstruídas por retroprojeção filtrada utilizando-se filtro de convolução Butterworth com software Autoespect plus (Philips Medical System). As imagens com correção de atenuação de transmissão foram divididas em eixo curto, eixo longo vertical e eixo longo horizontal.

Os segmentos foram classificados de modo qualitativo, de acordo com a captação de MIBI ou FDG: normal = 0, redução discreta = 1, redução moderada = 2, redução importante = 3 e ausente = 4.

Cada segmento miocárdico foi classificado como normal, se a perfusão se apresentasse normal ou discretamente reduzida; viável, se a captação de FDG estivesse relativamente aumentada em um defeito de perfusão (desacordo de perfusão-metabolismo); e não-viável, se houvesse uma reduzida perfusão e captação de FDG (ausência de perfusão-metabolismo).

A contração segmentar foi analisada pela ecocardiografia transtorácica (HP Sonos 5500 e ATL HDI 5000, Philips Medical System), de acordo com as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia8. A contração miocárdica foi avaliada como normal =1, hipocinética =2, acinética =3 e discinética =4. A infusão de dobutamina foi iniciada em 5 µg/kg/min, aumentado para 10 e 20 µg/kg/min, a cada 3 minutos.

Na EED realizada antes da cirurgia, segmentos foram classificados como: 1) normal, na presença de contração preservada em repouso, com reposta hiperdinâmica à infusão de dobutamina; 2) viáveis, segmentos hipocinéticos ou acinéticos com melhora de, pelo menos, um ponto no escore de contração pela infusão de dobutamina; e 3) não-viáveis, segmentos com contração reduzida em repouso e ausência de melhora pela infusão de dobutamina8. Os segmentos classificados como normais foram excluídos da análise, sendo considerados apenas os segmentos com alteração da contração em repouso.

Na EED, realizada três meses após a RM, os segmentos foram classificados de acordo com a análise ecocardiográfica comparada à contratilidade no período pré-operatório, em: 1) segmentos com recuperação funcional, ou seja, segmentos que apresentaram uma melhora da contratilidade em relação ao pré-operatório; 2) reserva contrátil, segmentos sem melhora da contração em repouso, porém, com melhora pela infusão de dobutamina; 3) ausência de melhora; e, finalmente, 4) piora da contração em relação ao pré-operatório. Foi realizada avaliação do espessamento, ao invés da contratilidade, na região septal, em decorrência de sua movimentação anômala no pós-operatório.

Os dados quantitativos foram descritos como média ±1 desvio-padrão e os qualitativos, como proporções.

O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparações entre proporções e o teste t, de Student, foi utilizado para a análise de variáveis quantitativas. Na presença de mais de duas categorias em pelo menos uma das variáveis, foi utilizada a análise de resíduos para a identificação das proporções mais relevantes9. Foi considerado significativo o nível descrito de p<0,05.

Resultados

As características clínicas dos pacientes estão apresentadas na tabela I. Todos os pacientes eram portadores de doença arterial coronária estável. Todos os pacientes apresentavam obstrução significativa na artéria descendente anterior e, pelo menos, mais uma artéria com lesão superior a 75%.

Todos pacientes tiveram a artéria descendente anterior revascularizada, sendo a artéria torácica interna utilizada em 20 pacientes. Três apresentaram sinais de insuficiência ventricular esquerda, um apresentou complicação pulmonar, um apresentou insuficiência renal transitória e um apresentou bloqueio átrio ventricular transitório. Catorze pacientes não apresentaram complicações no período hospitalar.

Vinte pacientes apresentaram melhora no grau funcional e nenhum apresentou angina.

De um total de 357 segmentos, 51 segmento foram excluídos por apresentarem contratilidade normal ao repouso, 12 porque não foram revascularizados e quatro, por análise inadequada pela ecocardiografia. Dos 290 segmentos analisados, 83% eram acinéticos, 15%, hipocinéticos e 2%, discinéticos.

A EED classificou 94 (32%) como viáveis e 196 (68%), como não-viáveis. Por outro lado, a CC classificou 162 (56%) como normais, 87 (30%), com viáveis e 41 (14%), como não-viáveis (fig. 1).


Dentre os segmentos classificados como viáveis pela EED, houve uma maior incidência de segmentos normais e viáveis pela CC (p<0,05) e, dentre os segmentos classificados como não-viáveis pela EED, houve uma maior incidência de segmentos não-viáveis pela CC (p<0,05).

De acordo com a contratilidade ao repouso, segmentos hipocinéticos apresentaram uma maior incidência de segmentos viáveis pela EED e normais e viáveis pela CC (p<0,001). Um maior número de segmentos não-viáveis ocorreu dentre os segmentos acinéticos por ambas metodologias (p<0,006) (fig. 2).


Recuperação da contração regional, ao repouso ou sob dobutamina, foi detectada em 116 (43%) segmentos. A EED identificou 90 segmentos como viáveis, dos quais 56 recuperaram a contração.

A CC identificou 231 segmentos como normais ou viáveis, dos quais apenas 107 recuperaram a contratilidade (fig. 3).


Discussão

A detecção de reserva contrátil pela EED necessita de um sistema contrátil preservado e, portanto, uma maior quantidade de miócitos funcionantes, enquanto que a CC analisa a perfusão e o metabolismo da glicose.

Neste trabalho, foi comparada a detecção de viabilidade miocárdica pela EED e a CC-CA. Os dados obtidos mostraram diferenças entre as duas metodologias, quanto à sensibilidade e especificidade. A EED apresentou uma menor sensibilidade, mas especificidade satisfatória, enquanto que a CC apresentou alta sensibilidade, porém especificidade reduzida. Os resultados obtidos pela EED podem ser explicados por vários fatores. A população estudada apresentava, pelo menos, um infarto do miocárdio prévio, doença coronária multiarterial e uma alta proporção de segmentos acinéticos (83% dos segmentos disfuncionantes). Segmentos acinéticos apresentam maior quantidade de fibrose, desdiferenciação e perda de elementos contráteis7. Estes segmentos requerem um maior tempo para recuperação da contração miocárdica após a RM e a avaliação, em três meses, pode ter subestimado o número total destes segmentos. Estudos prévios8,9 em pacientes com disfunção grave do ventrículo esquerdo demonstraram uma menor prevalência de segmentos acinéticos, refletindo o importante grau de disfunção ventricular da população estudada.

Os segmentos hipocinéticos foram classificados, em sua maioria, como viáveis, pela EED, e normais ou viáveis, pela CC-AC. Obviamente, estes segmentos possuem células miocárdicas preservadas e um aparato contrátil suficiente para permitir a contração miocárdica. Algumas destas regiões foram consideradas não-viáveis devido a uma discreta melhora da contração segmentar, não sendo suficiente para alterar o escore de contratilidade durante a infusão de dobutamina.

Um número significante de segmentos apresenta um padrão normal ou viável pela CC-AC, sem apresentar melhora da contração após a RM. Estes achados podem ser explicados pelas seguintes razões: 1) segmentos hipocinéticos foram considerados não-viáveis devido a uma discreta ou ausência de melhora da contração miocárdica, durante a infusão de dobutamina, insuficiente para permitir uma mudança do escore ecocardiográfico; 2) presença de ilhas de tecido viáveis, entremeadas por uma significativa quantidade de tecido fibrótico, não permitindo a melhora da contratilidade após a RM10 e 3) miocárdio hibernante, com captação preservada da FDG e que não apresenta resposta à estimulação inotrópica, pode ter outras alterações de funções celulares envolvidas11.

Cento e dezesseis segmentos recuperaram a função contrátil. CC-AC apresentou boa sensibilidade, porém, reduzida especificidade, e a EED apresentou uma menor sensibilidade e especificidade que a literatura. Estas diferenças podem ser atribuídas à grande quantidade de segmentos acinéticos e pelo curto intervalo de tempo para a recuperação funcional. Um significante número de verdadeiramente viáveis foi classificado como não-viáveis pela EED e apresentou captação pela FDG. Este fato pode ser explicado pela gravidade das alterações dos cardiomiócitos (dano e perda de miofibrilas e aumento de fibrose intersticial), o grau de acometimento da reserva de fluxo coronário e pela regulação para baixo dos b receptores em pacientes com insuficiência cardíaca5,10. Adicionalmente, o valor preditivo negativo da EED diminui com o aumento do número de segmentos acinéticos11. Esses resultados corroboram com os dados publicados por Shimoni e cols.12, com sensibilidade e especificidade semelhantes.

A avaliação da contratilidade, três meses após a RM, pode ter subestimado o número de segmentos com recuperação funcional. Bax e cols.13 estudaram 26 pacientes, antes e depois da RM. A função contrátil foi reavaliada precoce (três meses) e tardiamente (14 meses), após a RM. Apenas 32% dos segmentos hibernantes apresentaram melhora da função contrátil na avaliação precoce, com melhora adicional de 61%, tardiamente. Pagano e cols.14 realizaram o estudo controle após seis meses da RM, mencionando que um período mais longo seria necessário.

A acurácia de ambas as técnicas foi comparada com a recuperação funcional, após a RM. Apesar desse padrão ouro ser imperfeito, ao colocar demasiada importância no subendocárdio, é o mais apropriado para a avaliação clínica15. Esse padrão ouro não avalia o remodelamento, arritmias e a prevenção de novos infartos.

A avaliação da contração miocárdica, sob infusão de dobutamina, permite a identificação de segmentos que apresentem recuperação da contração apenas sob estimulo inotrópico.

Este estudo utilizou-se da análise por segmento, o que é apropriado para a validação e comparação entre diferentes técnicas. Entretanto, alguns estudos utilizam a melhora da fração de ejeção, medida ao repouso, como indicativo de viabilidade miocárdica. A medida da fração de ejeção global do ventrículo esquerdo sofre a influência de segmentos miocárdicos hipercontráteis, que compensam segmentos viáveis com redução da contração. Melhora na contração dos segmentos viáveis com a revascularização permite que os segmentos hipercontráteis reassumam a contração normal, não modificando a fração de ejeção global.

Devido ao marcante efeito de atenuação pela transmissão da energia da aniquilação do pósitron, um programa de correção de atenuação, pelo método da transmissão, é necessário para alcançar a validade da tomografia por emissão de pósitrons com equipamento dedicado16.

Este é o primeiro estudo que avalia a utilização da CC em pacientes submetidos à RM, utilizando-se a análise da recuperação da contratilidade regional como padrão de referência de viabilidade miocárdica. Este estudo permite a análise dos resultados desta nova tecnologia na prática clínica.

O ventrículo esquerdo foi dividido em 17 segmentos7. Esse modelo fornece a melhor concordância com os dados anatômicos e tem o melhor ajuste com os métodos comumente empregados na ecocardiografia e na cardiologia nuclear.

A interpretação da EED é visual, portanto operador dependente. A divisão da contratilidade em quatro categorias agrupa, em uma mesma categoria, segmentos com pequenas diferenças de contratilidade. Como a avaliação da contratilidade é subjetiva, a divisão em um maior número de categorias poderia levar a erros de interpretação. O modelo de 17 segmentos utilizado pode ter acarretado alguma discrepância na divisão do ventrículo esquerdo entre as diferentes técnicas.

Apenas baixas doses de dobutamina foram utilizadas. A utilização de altas doses permite identificar resposta bifásica, a qual possui maior sensibilidade17. Na avaliação do pós-operatório, a utilização de altas doses permitiria a identificação de segmentos isquêmicos, ocasionados por insucesso na revascularização. Mesmo em baixas doses de dobutamina, ocorreu uma alta incidência de arritmias ventriculares e hipotensão. Baixas doses são amplamente utilizadas para a avaliação de viabilidade18,19.

A recuperação funcional foi avaliada após três meses do procedimento cirúrgico. Segmentos acinéticos podem requerer um tempo mais prolongado para a recuperação da contratilidade, mas o tempo necessário ainda é desconhecido. Uma análise de modo seriado permitiria uma melhor informação sobre o tempo necessário para a recuperação funcional do miocárdio.

Ambas as metodologias utilizadas neste estudo identificaram uma maior proporção de segmentos viáveis e normais entres os segmentos hipocinéticos. A CC classificou como normal ou viável a maior parte dos segmentos não-viáveis pela EED.

Na avaliação da recuperação funcional, após três meses, a CC apresentou uma alta sensibilidade, porém, reduzida especificidade, enquanto que a EED apresentou uma baixa sensibilidade e boa especificidade.

Agradecimentos

Este estudo teve financiamento da FAPESP por auxílio-pesquisa (processo 01/09471-9), e suporte técnico do Fleury - Centro de Medicina Diagnóstica.

Enviado em 23/06/2004

Aceito em 23/02/2005

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  • Endereço para correspondência

    Pedro Silvio Farsky
    Rua Caravelas, 423
    04012-090 - São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      23 Fev 2005
    • Recebido
      23 Jun 2004
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