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Análise prospectiva de risco em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica

Resumos

OBJETIVO: Análise estratificada de risco em Cirurgia de Revascularização Miocárdica (CRVM). MÉTODOS: Estudou-se, de forma prospectiva, 814 pacientes, aplicando-se dois índices prognósticos (IP): Parsonnet e Higgins Modificado. O IP Higgins foi Modificado por substituição da variável "valor do índice cardíaco" por "síndrome de baixo débito cardíaco", na admissão à Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A capacidade discriminatória para morbimortalidade de ambos foi analisada através de curva ROC (receiver operating characteristic). Identificou-se, através de regressão logística, os fatores associados, de forma independente aos eventos. RESULTADOS: A taxa de mortalidade foi de 5,9% e a de morbidade, 35,5%. O IP Higgins Modificado, que analisa variáveis pré, intra-operatórias e variáveis fisiológicas na admissão à UTI, demonstrou áreas sob a curva ROC de 77% para mortalidade e de 67%, para morbidade. Por sua vez, o IP Parsonnet, que analisa somente variáveis pré-operatórias, demonstrou áreas de 62,2% e 62,4%, respectivamente. Doze variáveis caracterizaram-se como fatores prognósticos independentes: idade, diabete melito, baixa superfície corpórea, creatinina (>1,5 mg/dl), hipoalbuminemia, cirurgia não-eletiva, tempo prolongado de circulação extracorpórea (CEC), necessidade de balão intra-aórtico pós-CEC, síndrome de baixo débito cardíaco na admissão do paciente à UTI, freqüência cardíaca elevada, queda do bicarbonato sérico e alargamento do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio nesse período. CONCLUSÃO: O IP Higgins Modificado mostrou-se superior ao IP Parsonnet na estratificação de risco cirúrgico, salientando a importância da análise de eventos intra-operatórios e variáveis fisiológicas na admissão do paciente à UTI, quando da definição prognóstica.

cirurgia de revascularização miocárdica; índices prognósticos; morbidade e mortalidade


OBJECTIVE: To perform a stratified risk analysis in Myocardial Revascularization Surgery (MRS). METHODS: 814 patients were prospectively studied by applying two prognostic indexes (PI): Parsonnet and Modified Higgins. The Higgins PI was modified by substituting the variable "cardiac index value" by "low cardiac output syndrome" at the Intensive Care Unit (ICU) admission. The discriminatory capacity for morbimortality of both indexes was analyzed by ROC (receiver operating characteristic) curve. Logistic reaction identified the associated factors, independently from the events. RESULTS: Mortality and morbidity rates were 5.9% and 35.5%, respectively. The Modified Higgins PI, which analyzes pre- and intra-operative and physiological variables at the ICU admission showed areas under the ROC curve of 77% for mortality and 67% for morbidity. The Parsonnet PI, which only analyzes pre-operative variables, showed areas of 62.2% and 62.4%, respectively. Twelve variables were characterized as independent prognostic factors: age, diabetes mellitus, low body surface, creatinine levels (>1.5 mg/dL), hypoalbuminemia, non-elective surgery, prolonged time of extracorporeal circulation (ECC), necessity of post-ECC intra-aortic balloon, low cardiac output syndrome at the ICU admission, elevated cardiac frequency, decrease in serum bicarbonate concentrations and increase of the alveolar-arterial oxygen gradient within this period. CONCLUSION:The Modified Higgins PI showed to be superior to the Parsonnet PI at the surgical risk stratification, showing the importance of the analysis of intraoperative events and physiological variables at the patient's ICU admission, when prognostic definition is achieved.

myocardial revascularization surgery; prognostic indexes; morbidity and mortality


ARTIGO ORIGINAL

Análise prospectiva de risco em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica

Antonio Carlos Mugayar Bianco; Ari Timerman; Ângela Tavares Paes; Carlos Gun; Rui Fernando Ramos; Ronald Brewer Pereira Freire; César Nicolas Conde Vela; Antonio Aurélio de Paiva Fagundes Junior; Luís Cláudio Behrmann Martins; Leopoldo Soares Piegas

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência Antonio Carlos Mugayar Bianco Rua Pelotas, 323/113 04012-001 - São Paulo, SP E-mail: mugayarb@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Análise estratificada de risco em Cirurgia de Revascularização Miocárdica (CRVM).

MÉTODOS: Estudou-se, de forma prospectiva, 814 pacientes, aplicando-se dois índices prognósticos (IP): Parsonnet e Higgins Modificado. O IP Higgins foi Modificado por substituição da variável "valor do índice cardíaco" por "síndrome de baixo débito cardíaco", na admissão à Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A capacidade discriminatória para morbimortalidade de ambos foi analisada através de curva ROC (receiver operating characteristic). Identificou-se, através de regressão logística, os fatores associados, de forma independente aos eventos.

RESULTADOS: A taxa de mortalidade foi de 5,9% e a de morbidade, 35,5%. O IP Higgins Modificado, que analisa variáveis pré, intra-operatórias e variáveis fisiológicas na admissão à UTI, demonstrou áreas sob a curva ROC de 77% para mortalidade e de 67%, para morbidade. Por sua vez, o IP Parsonnet, que analisa somente variáveis pré-operatórias, demonstrou áreas de 62,2% e 62,4%, respectivamente. Doze variáveis caracterizaram-se como fatores prognósticos independentes: idade, diabete melito, baixa superfície corpórea, creatinina (>1,5 mg/dl), hipoalbuminemia, cirurgia não-eletiva, tempo prolongado de circulação extracorpórea (CEC), necessidade de balão intra-aórtico pós-CEC, síndrome de baixo débito cardíaco na admissão do paciente à UTI, freqüência cardíaca elevada, queda do bicarbonato sérico e alargamento do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio nesse período.

CONCLUSÃO: O IP Higgins Modificado mostrou-se superior ao IP Parsonnet na estratificação de risco cirúrgico, salientando a importância da análise de eventos intra-operatórios e variáveis fisiológicas na admissão do paciente à UTI, quando da definição prognóstica.

Palavras-chave: cirurgia de revascularização miocárdica, índices prognósticos, morbidade e mortalidade

A cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM) tem seus resultados influenciados pelas características clínicas dos pacientes, como também por aspectos inerentes ao procedimento cirúrgico e à circulação extracorpórea1,2.

A definição prognóstica, através de parâmetros clínicos pré-operatórios, tem sua importância quando da indicação cirúrgica, porém, nem sempre espelha o prognóstico, quando da admissão do paciente à Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Tal fato despertou nosso interesse em aplicar o ICU Admission Score for Predicting Morbidity and Mortality Risk of Coronary Artery Bypass Grafting, desenvolvido, em 1997, pelo Dr. Thomas Higgins, na Cleveland Clinic, que analisa fatores pré-operatórios, intra-operatórios e variáveis fisiológicas na admissão do paciente na UTI e que possui, teoricamente, uma maior abrangência prognóstica3.

Havia, entretanto, uma séria dificuldade para sua aplicação a todos os pacientes submetidos a CRVM, representada pela variável: "valor do índice cardíaco na admissão na unidade de terapia intensiva", cuja aferição necessitava de monitorização hemodinâmica à beira do leito.

Visando simplificá-lo e ampliar sua aplicação, substituímos a variável representada por índice cardíaco < 2,1 l.min-1/m-2, quando da admissão do paciente na UTI3, por "síndrome de baixo débito cardíaco", caracterizada por: pressão arterial média inferior a 60 mmHg; necessidade de vasoconstritor (noradrenalina), na tentativa de se manter pressão arterial média superior a 60 mmHg, ou necessidade do uso de dopamina em dose superior a 6 mg/kg/min.

A partir de então, denominamos este escore de "índice prognóstico de Higgins Modificado".

MÉTODOS

O presente trabalho foi desenvolvido no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, entre 5 de março de 2002 e 3 de junho de 2003.

Aplicou-se, prospectivamente, dois índices prognósticos (IP): o IP Parsonnet (tabs. I e II)4, que analisa somente variáveis pré-operatórias; e o IP Higgins3 Modificado (tabs. III e IV).

A coleta dos dados foi realizada pelo investigador principal no período pré-operatório, através da análise da ficha de perfusão e descrição cirúrgica, e coleta dos valores de parâmetros fisiológicos do paciente nos primeiros 20 minutos de sua admissão na UTI.

Foram consideradas como variáveis dependentes os óbitos, por todas as causas e todas as complicações sérias3, assim como aquelas com menor interferência prognóstica, como fibrilação atrial (FA), broncoespasmo, infecção de cicatriz de safenectomia e outras. Os desfechos, mortalidade e morbidade, foram analisados no período compreendido entre a admissão do paciente ao bloco cirúrgico até o trigésimo dia de evolução pós-operatória.

Calculou-se uma amostra com 814 pacientes, com base em experiência clínica e dados retrospectivos, com uma incidência estimada de óbitos e de complicações em 15%, considerando-se uma precisão absoluta de 2,5% e um nível de significância de 0,05.

A avaliação da sensibilidade e da especificidade do IP Parsonnet e do IP Higgins Modificado foi feita por meio de curva de operação característica (receiver operating characteristic - ROC). A capacidade discriminatória de ambos para mortalidade e morbidade foi obtida por meio do cálculo da área sob a curva.

Todos os fatores de risco incluídos nos índices prognósticos, acrescidos de outros julgados como pertinentes pelos autores, foram analisados. Inicialmente, foi avaliada a associação de cada variável com a mortalidade, identificando-se aquelas com significância estatística (p < 0,100).

As variáveis qualitativas foram avaliadas por meio do teste do qui-quadrado e as variáveis quantitativas, após categorização, pelo teste t de Student.

Posteriormente, as variáveis selecionadas (p < 0,100) foram analisadas conjuntamente por meio de um modelo de regressão logística (odds ratio), determinando seu peso prognóstico5-9.

RESULTADOS

A idade dos pacientes estudados variou entre 30 e 85 anos, sendo a média de idade (média ± desvio padrão) de 61,8 ± 10,2. Destes, 557 (68,4%) eram do sexo masculino e 34,6% eram diabéticos.

A fração de ejeção tinha valores iguais ou superiores a 50% em 71,5% dos pacientes e encontravam-se em valores entre 30% a 49% em 22,5% deles, apenas 6% apresentavam uma fração de ejeção inferior a 30%. Seu valor foi de 62%.

Foram eletivos 677 procedimentos (83,2%), 89 (10,9%) caracterizaram-se como urgências e 48 (5,9%) como emergências. Somente dois (0,2%), caracterizaram-se como emergências pós-acidente no laboratório de hemodinâmica.

A maioria dos procedimentos cirúrgicos constou da revascularização de duas a quatro artérias coronárias.

Os dados relativos aos eventos mórbidos, ocorridos na UTI, encontram-se na tabela V.

A ocorrência de um único evento mórbido significou um aumento de 50% no tempo de permanência hospitalar.

A morbidade após a alta hospitalar resumiu-se, basicamente, a problemas em cicatriz de safenectomia, como edema localizado, reação inflamatória local ou processos infecciosos leves.

O tempo de permanência na UTI variou amplamente, desde uma hora (óbito precoce) até 1.730 horas (pacientes crônicos). Na ausência de complicações, é representado por uma mediana de 44 horas. O tempo de permanência hospitalar quantificado em dias, a partir do procedimento cirúrgico, foi em média de oito dias, variando entre um dia (óbito precoce) até o máximo de 173 dias (pacientes crônicos).

Ocorreram 48 óbitos durante os primeiros 30 dias de evolução, representando taxa de mortalidade de 5,9%.

A síndrome de baixo débito cardíaco foi o fator responsável pelo óbito em 26 (54,2%) pacientes. Em 75% das vezes, o óbito ocorreu precocemente, nas primeiras 48 horas de evolução pós-operatória. O infarto agudo do miocárdio transoperatório foi seu fator desencadeante em 30% dos casos.

Os óbitos ocorridos na fase hospitalar tardia relacionaram-se com uma gama maior de fatores. O seu principal representante foi o acidente vascular cerebral grave.

Os óbitos extra-hospitalares foram representados exclusivamente por morte súbita.

As causas de óbito encontram-se na tabela VI.

Na tabela VII, encontra-se a mortalidade prevista pelo IP Parsonnet4 nos diferentes grupos de estratificação de risco e a obtida na população estudada.

A tabela VIII demonstra a mortalidade prevista pelo IP de Higgins3 e a obtida neste estudo, através da aplicação do IP Higgins Modificado.

Em uma segunda etapa, foi avaliada a capacidade discriminatória do IP Parsonnet e do IP Higgins Modificado em prever a mortalidade e eventos mórbidos, por meio da curva de operação característica (ROC).

Quanto à mortalidade, a área sob a curva ROC do índice prognóstico de Higgins Modificado tem valor de 77% (IC 95%, 68,2-86,0), ao passo que o valor da área sob a curva ROC do índice prognóstico de Parsonnet é de 62,2% (IC 95%, 51,8 - 72,6).

As áreas sob as curvas ROC têm, respectivamente, os valores de 67% e 62,4%, com intervalos de confiança variando de 62,9 a 71,0 para o índice de Higgins e de 58,2 a 66,6, para o de Parsonnet.

Aplicou-se o teste do x2, buscando-se a associação entre as variáveis qualitativas e óbito e, através do teste t de Student, comparou-se a média dos valores de cada variável quantitativa entre os pacientes que faleceram e os que sobreviveram.

Com o intuito de simplificar a análise, as variáveis quantitativas foram categorizadas em duas classes, conforme um ponto de corte escolhido com base em critérios clínicos, dados da literatura e análise estatística (curva ROC e teste x2). Este ponto de corte permaneceu inalterado para os valores de albumina sérica, no pré-operatório e área de superfície corpórea, e teve seus valores alterados em relação ao IP original para: idade (e" 70 anos para > 65 anos), creatinina (1,9 mg/dl para 1,5 mg/dl), tempo de circulação extracorpórea (e" 160 minutos para >100 minutos), freqüência cardíaca (e" 100 bpm para > 110 bpm) e gradiente alvéolo-arterial pulmonar (e" 250 mmHg para > 320 mmHg). Portanto, foram "recategorizadas".

Dentre as variáveis com significância estatística, 12 foram selecionadas para análise através de regressão logística (tabs. IX e X ). O critério de exclusão de uma variável baseou-se em sua baixa freqüência, no fato de se caracterizar como uma complicação pós-operatória, ou por ser redundante em relação a outras. Foram excluídos: estados catastróficos, tipos de enxerto utilizados durante o procedimento cirúrgico, necessidade de aminas simpatomiméticas por período prolongado no pós-operatório, infarto agudo do miocárdio perioperatório e reoperação nas fases precoces de pós-operatório, complicações neurológicas maiores e estado de coma persistente.

Variáveis, como dosagem de albumina sérica, tempo de circulação extracorpórea, síndrome de baixo débito cardíaco por ocasião da admissão na UTI e dosagem de bicarbonato de sódio na gasometria inicial do pós-operatório, são dotadas de elevado valor prognóstico para mortalidade. Ao se analisar a morbidade, essas mesmas variáveis são identificadas como portadoras de alta significância estatística, somando-se a outras, como idade do paciente e freqüência cardíaca por ocasião da admissão na UTI.

DISCUSSÃO

Nota-se uma maior mortalidade e morbidade nas cirurgias de urgência/emergência, com um risco relativo de 1,17 (IC 95%, 0,55-2,46; p = 0,844) para mortalidade e de 0,99 (IC 95%, 0,62-1,57; p = 0,955) para morbidade.

As cirurgias com uso exclusivo de enxertos venosos (15,1%) cursaram com uma maior morbimortalidade que aquelas em que se realizou pelo menos um enxerto arterial (artéria torácica interna esquerda10, direita e/ou artérias radiais). Comprova-se, já nas fases precoces de pós-operatório, um efeito benéfico da utilização de enxertos arteriais, que não se restringe à utilização da artéria torácica interna esquerda, mas é extensivo ao uso de artéria torácica interna direita e artérias radiais.

Comparando-se as curvas ROC para mortalidade e morbidade, observa-se que o índice prognóstico de Higgins Modificado tem capacidade discriminatória superior ao índice de Parsonnet, que é mais acentuada quando se analisa mortalidade.

Os pacientes com idade superior a 65 anos1,11-13 e os diabéticos14-17 têm um pior prognóstico evolutivo. Outro importante fator de risco é a baixa superfície corpórea (<1,72m2)3,18,19. Gera um risco relativo de 1,35 (IC 95%, 0,66-2,77; p = 0,405) para mortalidade e de 1,17 (IC 95%, 0,83-1,65; p = 0,360), para morbidade.

Considerou-se a disfunção renal prévia ao procedimento, caracterizada por uma dosagem de creatinina sérica em níveis superiores a 1,5mg/dl3, como um fator de risco independente para morbimortalidade. De modo similar, a hipoalbuminemia pré-operatória associa-se a uma maior morbimortalidade, fato justificado por sua associação a complicações, como insuficiência cardíaca, insuficiência respiratória aguda, insuficiência renal aguda, maior permanência em ventilação mecânica, maior incidência de sangramentos gastrointestinais e de infecção nosocomial3,19-22. Os pacientes hipoalbuminêmicos (17,7%) cursaram com risco relativo de 1,37 (IC 95%, 1,07-5,35; p = 0,0360) para mortalidade e de 2,67 (IC 95%, 1,74-4,10; p = 0,179), para morbidade.

A circulação extracorpórea prolongada predispõe à ocorrência de complicações pós-operatórias e a necessidade do uso de balão intra-aórtico espelha a presença de acentuada instabilidade hemodinâmica. Notou-se que uma circulação extracorpórea, em tempo superior a 100 minutos, caracterizou-se como um fator independente para morbimortalidade. A necessidade do uso do balão intra-aórtico (BIA), por sua vez, ocorreu em um pequeno número de pacientes (2,1%). A mortalidade neste grupo foi de 47,8%, contra 5% naqueles que não necessitaram de seu uso (p < 0,001). Esta mortalidade superior à prevista na literatura (30% a 40%)23 justifica-se pela resistência à sua indicação precoce, ficando seu uso restrito a situações de extrema gravidade.

A síndrome de baixo débito cardíaco, por ocasião da admissão na UTI, poderá ser transitória e responder a medidas como reposição volêmica e curtos períodos de suporte inotrópico. Sua duração, além de 24 horas, descarta a possibilidade de estar ligada aos efeitos do stunned myocardium e da síndrome de resposta inflamatória sistêmica, os quais, teoricamente, já se reverteram, e se relaciona com uma elevada mortalidade (39%)24.

A síndrome de baixo débito cardíaco, identificada por ocasião da admissão à UTI, através dos critérios clínicos anteriormente mencionados, mesmo que transitória, tem elevada capacidade em prever a ocorrência de óbitos. Esse grupo de pacientes cursou com uma mortalidade de 27,3%, comparativamente a 2,7% no restante do grupo. Portanto, manifestações de baixo débito, mesmo nas fases iniciais de pós-operatório, geraram um elevado risco relativo, 5,78 (IC 95%, 2,58-12,96; p < 0,001) para mortalidade e 11,53 (IC 95%, 5,42-24,54; p < 0,001), para morbidade.

Higgins e cols.3 consideraram como fatores prognósticos cinco variáveis fisiológicas aferidas na admissão do paciente na UTI: gradiente alvéolo-arterial pulmonar, freqüência cardíaca, índice cardíaco, pressão venosa central e dosagem de bicarbonato de sódio no sangue arterial. Dessas, o índice cardíaco foi substituído pela variável síndrome de baixo débito cardíaco, e a pressão venosa central não demonstrou significância estatística quando analisada.

O gradiente alvéolo-arterial pulmonar alarga-se nas fases iniciais de pós-operatório em razão de alterações, como aumento na permeabilidade vascular pulmonar, acúmulo de líquido no interstício e aumento do shunt intrapulmonar, secundário ao estabelecimento de atelectasias. Caracterizou-se como alargado valores superiores a 320 mmHg. Demonstrou-se que os pacientes com alargamento do gradiente alvéolo-arterial cursam com um risco relativo de 1,60 (IC 95%, 0,70-3,63; p = 0,266) para mortalidade e de 0,93 (IC 95%, 0,66-1,30; p = 0,652), para morbidade.

A freqüência cardíaca foi considerada como fator de risco quando em valores superiores a 110 bpm e confere um risco relativo de 1,09 (IC 95%, 0,50-2,36; p = 0,833) para mortalidade e de 1,40 (IC 95%, 0,96-2,03; p = 0,787), para morbidade23. A taquicardia nas fases precoces de pós-operatório gera um incremento no gasto energético e consumo de oxigênio pelo miocárdio.

Os níveis séricos de bicarbonato de sódio, quando iguais ou inferiores a 19 mmol/l, geraram, por sua vez, um risco relativo de 3,09 (IC 95%, 1,46-6,56; p = 0,003) para mortalidade e de 1,54 (IC 95%, 0,98-2,42; p = 0,059), para morbidade25. Sua redução, em última análise, significa a presença de hipóxia tissular.

Embora não fosse nosso objetivo primário, algumas complicações pós-operatórias tiveram uma importante interferência evolutiva. Dentre essas destacamos: a persistência de disfunção ventricular esquerda, caracterizada pela necessidade do uso de aminas simpatomiméticas por tempo igual ou superior à 40 horas de pós-operatório; o infarto agudo do miocárdio transoperatório26-28; as complicações neurológicas do tipo 1 ou maiores, plegias, estupor e coma29-32; a insuficiência respiratória33 e a necessidade de ventilação mecânica prolongada (tempo e" 72 horas); a insuficiência renal aguda34-38; as infecções graves em ferida operatória, pneumonias extensas e sepse39-42. Os pacientes que cursaram com uma dessas complicações apresentaram uma elevação em sua taxa de mortalidade (p < 0,001).

Outras complicações, como infecção em sítio de safenectomia, infecção do trato urinário e fibrilação atrial43, não demonstraram nenhuma interferência na mortalidade, entretanto, ganham importância por prolongarem o tempo de internação.

A morbidade global foi de 35,5%. Encontra-se em uma taxa superior à encontrada na literatura, que gira entre 15% a 30%44,45. Isto se prende ao fato de identificarmos as complicações pós-operatórias em sua totalidade. Quando analisamos qual era o significado da ocorrência de uma única complicação, independente de sua gravidade, obtivemos como resultado um acréscimo em 50% no período de internação.

A maioria dos trabalhos consultados descreve uma mortalidade hospitalar ao redor de 1%, a qual varia em cifras entre 1% a 6%. Em publicação recente, Almeida e cols46 descrevem mortalidade pós-cirúrgica de 11,3%.

Pode-se afirmar, com base nestes dados, que a mortalidade prevista para os pacientes de baixo risco, submetidos à cirurgia eletiva, é de 1%. Entretanto, poderá variar na dependência de fatores, como a presença de co-morbidades e complicações transoperatórias.

A mortalidade identificada até o trigésimo dia de evolução, neste estudo, foi de 5,9%. Embora elevada, é aceitável, justificando-se pela grande incidência de complicações e por um longo período de acompanhamento pós-operatório, até o trigésimo dia de evolução.

A mortalidade obtida nos diferentes grupos de estratificação de risco merece alguns comentários.

Em relação ao IP Parsonnet, nota-se maior mortalidade nos pacientes estratificados como de baixo risco. Nas demais faixas, obtém-se mortalidade inferior à prevista. Por sua vez, quando se compara a mortalidade estratificada obtida com a prevista pelo IP Higgins, observa-se que os valores encontrados são próximos aos previstos, havendo um discreto acréscimo nesta para os pacientes classificados como de alto risco.

A maior mortalidade nos pacientes de baixo risco, estratificados pelo IP Parsonnet, deveu-se à elevada incidência de acidente vascular cerebral e coma nesse grupo.

A observação de uma maior mortalidade nos pacientes estratificados como de alto risco pelo IP Higgins Modificado serve, por sua vez, como um alerta para a necessidade de uma conduta inicial mais agressiva nesse grupo.

Finalmente, observou-se que 0,9% dos óbitos ocorreu no centro cirúrgico e esteve ligado à instalação de grave disfunção ventricular esquerda. Os óbitos hospitalares precoces (39,6%) ocorreram, em sua totalidade, na UTI e tiveram como causa principal a síndrome de baixo débito cardíaco. Os óbitos hospitalares tardios (41,6%) deveram-se a uma gama maior de fatores e seus principais representantes foram: o acidente vascular cerebral, as infecções graves e arritmias incontroláveis. Os óbitos extra-hospitalares (0,2%) foram ligados exclusivamente à morte súbita.

A principal causa de óbitos, quando analisados globalmente, foi à síndrome de baixo débito cardíaco.

Conclui-se que o IP Higgins Modificado mostrou-se superior ao IP Parsonnet na estratificação de risco cirúrgico. Salienta-se, através da análise comparativa de ambos e do estudo individualizado dos fatores prognósticos, a importância de eventos intra-operatórios e das variáveis fisiológicas na admissão do paciente à UTI. Portanto, o índice prognóstico de Higgins Modificado caracteriza-se como uma alternativa concreta e viável para a análise estratificada de risco do paciente submetido à CRVM, quando de sua admissão à UTI. Salientamos que os índices prognósticos, usados em terapia intensiva geral existentes (APACHE, SOFA, MPM), apresentam sérias limitações para a sua aplicação em pacientes submetidos à CRVM.

Recebido em 22/12/03

Aceito em 4/03/05

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  • Correspondência
    Antonio Carlos Mugayar Bianco
    Rua Pelotas, 323/113
    04012-001 - São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2005

    Histórico

    • Aceito
      04 Mar 2005
    • Recebido
      22 Dez 2003
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