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Indicadores de saúde no Brasil

EDITORIAL

Indicadores de saúde no Brasil

Aloyzio Cechella Achutti

Membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina e assessor do Instituto de Educação e Pesquisa do Hospital Moinhos de Vento - Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Aloyzio C. Achutti Av. Bastian, 212 90130-020 Porto Alegre, RS E-mail: aloyzio.achutti@terra.com.br

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, a Dra. Gláucia M. M. Oliveira publica uma análise sobre dados de mortalidade, no capítulo das doenças do aparelho circulatório, para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e suas capitais, no período de 1980-19991.

Felizmente, hoje já se dispõem de bons dados sobre saúde e doença para nossa população2,3 que podem ser trabalhados, como nesse artigo, para transformá-los em indicadores, para melhor compreender nossa realidade e para definir políticas de saúde. Saímos de uma época na qual só se discutiam dados de mortalidade provenientes de outros países, tentando grosseiramente extrapolá-los para nossa população. Passamos também por um período no qual o descrédito em nossas informações servia como pretexto para ignorá-las. Somente utilizando e discutindo a informação se consegue melhorá-la.

Em 1977, no Congresso de Cardiologia realizado em Porto Alegre, apresentei (juntamente com o Dr. Sérgio Bassanesi) um tema livre sobre mortalidade por doenças cardiovasculares no Rio Grande do Sul4. Tratava-se de uma série curta de dados brutos disponíveis, sem um tratamento estatístico mais elaborado. Na época caiam rapidamente as causas mal-definidas e doenças cerebrovasculares e subia a cardiopatia isquêmica. Atribuímos o fenômeno à redistribuição dos diagnósticos, basicamente pela progressiva disponibilidade de cardiologistas em todo o interior do Estado.

Dois anos depois, numa das sessões do XXXV Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia, um dos co-autores do artigo que hoje se publica (Carlos Henrique Klein) apresentou um estudo sobre mortalidade ajustada por doenças cardiovasculares no Brasil, ponderando por idade e por causas mal-definidas5. O tema foi um avanço, mesmo não tendo sido suficientemente valorizado pelos ouvintes na ocasião, despreparados para valorizar sua importância.

Quando se analisam indicadores, não somente são colocados em discussão o fenômeno em si e a qualidade da coleta de dados, mas também seus determinantes demográficos, econômico-sociais e políticos, desafiando-nos a procurar consistência com outras informações disponíveis, com nossa percepção, preconceitos e perspectivas.

Os indicadores hoje disponíveis, se não cobrem toda a população brasileira, pelas dificuldades inerentes ao tamanho, heterogeneidade e dispersão, permitem traçar um perfil para populações funcionalmente definidas e de capitais. Dentre todos, entretanto, os dados de mortalidade são os mais universalmente disponíveis e tradicionalmente utilizados. Nossas casuísticas de mortalidade desde 1970 estão acessíveis e precisam ser permanentemente revisadas e acompanhadas.

O artigo em foco, portanto, na seqüência de outros mencionados em sua bibliografia, pode ser considerado um indicador favorável de nossa capacidade de estudar e compreender o objeto de nossa prática clínica diária, num contexto mais amplo no qual explicações podem ser encontradas para muitos questionamentos sem resposta, bem como para orientar nosso posicionamento diante da política de saúde e nossos deveres de cidadania.

Os autores demonstram uma tendência consistente, em queda, nos três estados e suas capitais, nos dados de mortalidade compensados e ajustados, tanto para o capítulo todo das doenças do aparelho circulatório como de seus dois componentes específicos mais importantes: a doença isquêmica do coração e as doenças cerebrovasculares.

Conforme discutido no artigo, esse achado não surpreende, mas nos coloca no mesmo patamar do outros países no curso da evolução epidemiológica. Embora a tendência seja a mesma, o grau de queda variou de uma população para outra no mesmo período.

Como alguns fatores determinantes (demografia e qualidade da informação) para diferenças encontradas entre as populações estudadas foram teoricamente corrigidos, fica-se com o desafio de buscar explicações adicionais para o diferencial.

Certamente podem restar dúvidas inerentes à qualidade da informação, particularmente no que tange a influência a que estão sujeitos os médicos no preenchimento das declarações de óbito. Outra explicação mais próxima se relaciona com o sucesso do sistema de saúde e mudanças no estilo de vida, o que pode ser altamente contestável num período de tempo relativamente curto, no qual não se tem notícia de transformações tão significativas na potencialidade das intervenções e no comportamento.

Não se podem esquecer características situadas mais distantes, no espaço e no tempo, como a procedência de cada uma das populações (Rio e Rio Grande do Sul como focos de expulsão migratória e São Paulo como foco de atração), bem como diferenças que podem estar relacionadas com a gestação e os riscos do início do ciclo vital a que foram submetidas as pessoas, até sessenta anos ou mais do momento do registro de óbito6.

A análise, discussão e cruzamento de nossos indicadores de saúde, como os dados trabalhados no artigo em referência, podem ainda nos revelar preciosidades muito pouco valorizadas.

REFERÊNCIAS

1. Oliveira GMM, Souza e Silva NA, Klein CH. Mortalidade Compensada por Doenças Cardiovasculares no período de 1980 a 1999 - Brasil. Arq Bras Cardiol 2005; 85: 305-13.

2. DATASUS http://www.datasus.gov.br/ visitado em 7/06/2005.

3. Gadelha AMJ, IC, Valente JG, Schramm JMA, Portela MC, e Campos MR. Projeto carga de doença. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz/FENSPTEC, 2002.

4. Achutti A, Bassanesi S. Mortalidade por doenças cardiovasculares no Estado do Rio Grande do Sul - 10 anos. Tema livre no XXXIII Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Porto Alegre, 1977.

5. Klein CH. A mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil no período de 1966-1975. Escola Nacional de Saúde Pública-Fiocruz. Tema apresentado em Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Brasília, 1979.

6. Eriksson JG. The fetal origins hypothesis - 10 years on. Events before birth remain important, but we need to consider later modifiers too. BMJ 2005; 330: 1096.

  • Endereço para correspondência

    Aloyzio C. Achutti
    Av. Bastian, 212
    90130-020
    Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Nov 2005
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