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Avaliação da função autonômica na cardiomiopatia hipertrófica

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a função autonômica na cardiomiopatia hipertrófica (CMH) através da variabilidade da freqüência cardíaca (VFC) e correlacioná-la com dados ecocardiográficos. MÉTODOS: Foram estudados 2 grupos pareados por sexo, idade e freqüência cardíaca: A) 10 pacientes com CMH septal (70% não obstrutiva); B) 10 voluntários saudáveis. A VFC foi analisada durante quatro estágios sucessivos: repouso, respiração controlada, teste de inclinação e respiração controlada associada ao teste de inclinação. Compararam-se as médias das variáveis entre os grupos, intragrupos durante os estágios, e no grupo A, correlacionando com as medidas ecocardiográficas (septo interventricular e diâmetro atrial esquerdo). RESULTADOS: Não observamos diferença na VFC entre os grupos nos 3 primeiros estágios. No 4º estágio, constatamos que medidas de atividade vagal apresentaram valores maiores no grupo A [logaritmo da raiz média quadrática das diferenças entre intervalos RR (LogRMSSD) - 1,35±0,14 vs 1,17±0,16; p=0,019; logaritmo do componente alta freqüência (LogAF)-4,89±0,22 vs 4,62±0,26; p=0,032]. Durante os estágios, também verificamos que medidas vagais [proporção de pares de intervalos RR consecutivos cuja diferença > 50ms (pNN50) e LogAF] apresentaram menor redução durante o 3º estágio no grupo A, e o LogAF, um aumento no último estágio (p=0,027), indicando marcante atividade parassimpática neste grupo. A análise da VFC do grupo A não revelou diferença entre pacientes com maior hipertrofia ou diâmetro atrial. CONCLUSÃO: 1) ocorreu predomínio parassimpático durante estimulação autonômica nos pacientes com CMH; 2) não encontramos correlação entre VFC e as medidas ecocardiográficas analisadas.

sistema nervoso autônomo; cardiomiopatia hipertrófica; freqüência cardíaca


OBJECTIVE: Assess the autonomic function in hypertrophic cardiomyopathy (HCM) through heart rate variability (HRV) and to correlate it to echocardiographic data. METHODS: Two groups were studied, and compared for gender, age and HR:A) Ten (10) patients reporting septal HCM (70% non-obstructive); B) ten (10) healthy volunteers. HRV was analyzed along four successive stages: at rest, under controlled breathing, while bending, and controlled breathing associated to bending. Variables means were compared between groups and intra-groups in the different stages; in Group A, variables means were correlated to echocardiographic measurements (interventricular septum and left atrial diameter). RESULTS: No HRV difference was reported among groups in the first 3 stages. In the fourth stage vagal activity was shown to be higher in Group A [quadratic mean log between RR intervals (RMSSD) - 1.35±0.14 vs 1.17±0.16; p=0.019; high frequency component logarithm (LogHF)- 4.89±0.22 vs 4.62±0.26; p=0.032]. Along the stages, vagal measurements [rate of pairs of consecutive RR intervals whose difference is > 50ms (pNN50) and LogHF] also showed lower reduction in the third stage in Group A, while LogHF showed some increase in last stage (p=0.027), thus indicating marked parasympathetic activity in that group. Group A HRV analysis showed no difference among patients reporting larger hypertrophy or atrial diameter. CONCLUSION: 1) parasympathetic prevalence was shown during autonomic stimulation in HCM patients; 2) no correlation was found between HRV and echocardiographic measurements under analysis.

autonomic ner vous system (ANS); hypertrophic cardiomyopathy (HCM); heart rate (HR)


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da função autonômica na cardiomiopatia hipertrófica

Marcelo Imbroinise Bittencourt; P. R. Benchimol-Barbosa; Cantídio Drumond Neto; Ricardo Bedirian; Eduardo Corrêa Barbosa; Flavia Brasil; Alfredo de Souza Bomfim; Francisco Manes Albanesi Filho

Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência: Marcelo Imbroinise Bittencourt Rua Dona Maria, 71/902-Bl. 1 20541-030 Rio de Janeiro, RJ E-mail: mib@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a função autonômica na cardiomiopatia hipertrófica (CMH) através da variabilidade da freqüência cardíaca (VFC) e correlacioná-la com dados ecocardiográficos.

MÉTODOS: Foram estudados 2 grupos pareados por sexo, idade e freqüência cardíaca: A) 10 pacientes com CMH septal (70% não obstrutiva); B) 10 voluntários saudáveis. A VFC foi analisada durante quatro estágios sucessivos: repouso, respiração controlada, teste de inclinação e respiração controlada associada ao teste de inclinação. Compararam-se as médias das variáveis entre os grupos, intragrupos durante os estágios, e no grupo A, correlacionando com as medidas ecocardiográficas (septo interventricular e diâmetro atrial esquerdo).

RESULTADOS: Não observamos diferença na VFC entre os grupos nos 3 primeiros estágios. No 4º estágio, constatamos que medidas de atividade vagal apresentaram valores maiores no grupo A [logaritmo da raiz média quadrática das diferenças entre intervalos RR (LogRMSSD) - 1,35±0,14 vs 1,17±0,16; p=0,019; logaritmo do componente alta freqüência (LogAF)-4,89±0,22 vs 4,62±0,26; p=0,032]. Durante os estágios, também verificamos que medidas vagais [proporção de pares de intervalos RR consecutivos cuja diferença > 50ms (pNN50) e LogAF] apresentaram menor redução durante o 3º estágio no grupo A, e o LogAF, um aumento no último estágio (p=0,027), indicando marcante atividade parassimpática neste grupo. A análise da VFC do grupo A não revelou diferença entre pacientes com maior hipertrofia ou diâmetro atrial.

CONCLUSÃO: 1) ocorreu predomínio parassimpático durante estimulação autonômica nos pacientes com CMH; 2) não encontramos correlação entre VFC e as medidas ecocardiográficas analisadas.

Palavras-chave: sistema nervoso autônomo, cardiomiopatia hipertrófica, freqüência cardíaca

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença genética onde se destaca a hipertrofia ventricular com função sistólica preservada e disfunção diastólica (com alteração do relaxamento e complacência ventricular), na ausência de condições associadas que possam produzir tal alteração. Tem curso clínico variável e é, usualmente, familiar, de expressão heterogênea, com transmissão autossômica dominante1,2. Há algum tempo se especula a possibilidade de que o desenvolvimento de hipertrofia miocárdica nessa doença possa estar relacionado a um aumento da atividade simpática3. Brush e cols., em 1989, demonstraram que a captação neuronal de norepinefrina encontrava-se diminuída em pacientes com CMH, reforçando a hipótese de que desordens no sistema nervoso simpático possam estar relacionadas a fenômenos encontrados nesta doença, especialmente a morte súbita4. Schafers e cols. constataram também a diminuição na densidade dos receptores beta nesta doença, além da redução na captação neuronal de norepinefrina5.

O estudo do sistema nervoso autônomo (SNA) vem ganhando força, nas últimas décadas, na tentativa de se estabelecer padrões de comportamento em várias doenças, que possam ser correlacionadas com eventos de morte súbita6-8. Particularmente nos pacientes diabéticos (que evoluem com disautonomia) e naqueles que sofreram infarto agudo do miocárdio, a constatação de alterações da função autonômica se correlacionam, significativamente, com o aumento da mortalidade9-13.

A análise da variabilidade da freqüência cardíaca (VFC) constitui método não invasivo simples na sua utilização, visando avaliar o equilíbrio entre a atividade simpática e vagal sobre o coração e, conseqüentemente, identificar fenômenos relacionados a distúrbios do SNA que possam contribuir para a gênese de arritmias14.

Alguns trabalhos analisaram a VFC na década passada, com resultados controversos. Nos que utilizaram o Holter de 24h para análise da VFC, encontrou-se predomínio da atividade simpática em detrimento da parassimpática, sendo estas alterações correlacionadas com a presença de sintomas, arritmia ventricular e obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo15-19.

Este argumento foi contestado por Fei e cols. ao estudarem grupo de 31 pacientes com CMH e 31 indivíduos normais, através da análise da VFC no Holter de 24h. Os pacientes com CMH apresentavam componente de baixa freqüência (BF) significativamente menor, assim como a razão baixa freqüência/alta freqüência (BF/AF), e componentes de alta freqüência (AF) maiores que os indivíduos do grupo controle, indicando uma redução da atividade simpática durante atividade diária normal20. Resultados semelhantes foram encontrados por Limbruno e cols., utilizando protocolos de estimulação autonômica de curta duração para análise da VFC, sendo que o comprometimento da atividade simpática foi maior nos indivíduos com CMH obstrutiva21,22.

Frente a estes resultados contraditórios, o presente trabalho tem por objetivo: 1) avaliar o comportamento da função autonômica em indivíduos com CMH septal assimétrica comparando com grupo controle mediante análise da VFC em repouso, com estímulo respiratório e teste de inclinação, e 2) correlacionar os achados obtidos com a análise da VFC com grau de hipertrofia septal e tamanho do átrio esquerdo (AE).

MÉTODOS

Foram avaliados, no período entre 09/2001 e 12/2002, 20 indivíduos divididos em dois grupos pareados por sexo, idade e freqüência cardíaca (FC): Grupo A – composto por 10 indivíduos com CMH septal assimétrica, e Grupo B – composto por 10 indivíduos normais.

Entre os indivíduos do grupo A, a idade variou de 27 a 55 (40,3 ± 9,8) anos e 90% eram do sexo masculino. Entre os indivíduos do grupo B, a idade variou de 26 a 45 (37,2 ± 6,4) anos, sendo que 80% do sexo masculino. Entre os pacientes do grupo A, 4 estavam em uso de propranolol e 1 de verapamil.

O diagnóstico de CMH septal assimétrica se baseou na evidência ecocardiográfica de hipertrofia septal assimétrica do ventrículo esquerdo (maior que 13mm), que não apresentava dilatação, em indivíduos sem causa identificável para hipertrofia1,2,23. Foram excluídos do grupo A os que tinham sido submetidos a miectomia septal ou a alcoolização de artéria septal, que estivessem em uso de amiodarona ou onde a retirada da medicação foi considerada inaceitável. Foram excluídos também os portadores de doença coronariana, hipertensão arterial, estenose aórtica ou qualquer outra doença que leve a hipertrofia miocárdica, ritmo não sinusal ou bloqueios atrioventriculares avançados, bem como aqueles com história de diabete melito e etilismo crônico.

Todos os indivíduos foram submetidos a exame clínico (anamnese e exame físico), eletrocardiograma de repouso de 12 derivações, ecocardiograma e exames laboratoriais (creatinina, colesterol total e frações, triglicerídeos, glicose e ácido úrico) em intervalo de tempo não superior a seis meses à avaliação autonômica cardíaca. A avaliação da função autonômica foi realizada em repouso e durante estimulação não-farmacológica, de acordo com protocolo descrito em seguida.

Para o ecocardiograma foram obtidos os cortes padronizados uni e bidimensionais, associados ao estudo de fluxos através do Doppler pulsátil, contínuo e colorido em aparelho Apogee CX 200 (ATL, EUA)24. Os exames foram realizados por um mesmo examinador (que não conhecia os resultados obtidos com o protocolo de avaliação da função autonômica), visando à determinação de medidas cavitárias, tipo de hipertrofia, análise da função sistólica e diastólica, presença de movimento anterior sistólico da valva mitral, grau de insuficiência mitral e gradiente de pressão na via de saída do ventrículo esquerdo. As medidas cavitárias foram obtidas segundo o protocolo da Associação Americana de Ecocardiografia, sendo utilizadas: diâmetro diastólico do VE (DDVE), diâmetro sistólico do VE (DSVE), espessura do septo interventricular (SIV), espessura de parede posterior (PP) e diâmetro do AE25.

A avaliação da função autonômica foi efetuada por método computadorizado de análise da VFC de registros de curta duração, empregando o sistema Predictor IIC (Corazonix, EUA). Para o registro da VFC, os sinais eletrocardiográficos foram captados à freqüência de amostragem de 1kHz, utilizando conversor A/D de 16bits, e analisados em tempo real na derivação MC5 após limpeza da pele com ligeira abrasão, utilizando algodão e álcool a 70%, sendo o eletrodo positivo colocado no 5º ou 6º espaço intercostal à linha hemiclavicular esquerda e o negativo na região infraclavicular direita. Do registro eletrocardiográfico contínuo, os intervalos RR ou a freqüência cardíaca (FC) instantânea (definida como o inverso do intervalo RR multiplicado por 60) foram calculados após a detecção dos complexos QRS normais consecutivos. A identificação de complexos normais fidedignos foi realizada pelo método de correlação cruzada com um "sinal modelo", obtido no início da captação por inspeção visual, permitindo rejeitar eficientemente extrassístoles ventriculares ou supraventriculares e artefatos durante realização do protocolo. Após análise automática, os intervalos RR foram reavaliados por método de edição manual por dois observadores.

Todos os indivíduos estavam em jejum de pelo menos 4 horas e solicitou-se a suspensão do uso de produtos derivados do tabaco por 2 horas antes da captação dos sinais para análise do VFC. Os indivíduos do grupo A, que vinham em uso de betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio, tiveram sua medicação suspensa por um período equivalente a 5 meias-vidas antes da realização do protocolo18,26. Os exames foram realizados no período de 13 às 17 horas em ambiente claro, silencioso, com temperatura mantida em torno de 27ºC.

Para a avaliação autonômica, os sinais eletrocardiográficos foram adquiridos após repouso de 5 minutos em posição supina para estabilização da atividade autonômica seguindo-se protocolo que consistiu em 4 estágios consecutivos descritos a seguir: a) Estágio I: registro da VFC em repouso, na posição supina a 0º, durante 5 minutos; b) Estágio II: registro da VFC sob respiração controlada (vide abaixo) em decúbito dorsal a 0º, durante 5 minutos; c) Estágio III: registro da VFC por 5 minutos com o indivíduo submetido à inclinação a 60º, obtida após 10 minutos do início da inclinação; d) Estágio IV: registro da VFC durante respiração controlada, com o indivíduo submetido à inclinação a 60º, durante 5 minutos.

A respiração controlada foi definida por ciclos respiratórios com duração de 5 segundos determinada pelo investigador com o auxílio do cronômetro e utilizando sinais visuais (elevação e descida da mão para marcação dos instantes de inspiração e expiração, respectivamente) e auditivos (ordem verbal). O controle do ciclo respiratório obedeceu à relação fisiológica dos intervalos inspiratórios e expiratórios, mantida em 2:3, sendo que a profundidade da expansão torácica se deu espontaneamente para melhor conforto do paciente. Os indivíduos eram treinados durante 30s antes do estágio II para início do registro.

Os sinais da VFC foram analisados nos domínios do tempo e da freqüência em todos os estágios (tab. I). No domínio do tempo, as variáveis extraídas das séries de intervalos RR normais consecutivos foram: a) média dos intervalos RR normais (RRm); b) desvio padrão dos intervalos RR normais (DPNN); c) raiz média quadrática das diferenças entre intervalos RR normais consecutivos (RMSSD) e d) proporção de pares de intervalos RR normais consecutivos, cuja diferença é maior ou igual a 50ms em relação a todo o registro (pNN50). No domínio da freqüência, a série de intervalos RR normais consecutivos foi interpolada linearmente para o cálculo da função densidade espectral (FDE) de potência empregando o método não-paramétrico da transformada rápida de Fourier. Antes do cálculo da transformada de Fourier, a média das séries foi subtraída e as mesmas foram processadas por grampeamento, para evitar a geração de artefatos de alta freqüência devido à descontinuidade dos extremos, utilizando uma janela Hanning. Estimativas espectrais foram calculadas elevando-se ao quadrado o espectro de amplitude da série de intervalos RR normais durante o tempo analisado, seguindo protocolo do sistema Predictor IIc. Os dois componentes espectrais das séries de curta duração, calculados como a área sob a curva da FDE, foram: a) alta freqüência (AF) definida entre as freqüências 0,15 e 0,40Hz e b) baixa freqüência (BF) definida entre as freqüências 0,05 e 0,15Hz 8,27.

Foi realizado teste de normalidade para cada variável em cada grupo e em cada um dos estágios, utilizando teste da assimetria padrão e da curtose padrão, sendo a hipótese nula de normalidade aceita quando os dois testes apresentassem valores entre -2 e +2. As variáveis onde a hipótese de normalidade foi rejeitada foram transformadas em seus logaritmos naturais e reavaliadas com o teste de normalidade.

As comparações das variáveis intergrupos e intraestágios, que apresentaram hipótese nula de normalidade aceita, foram realizadas utilizando o teste "t" de Student para comparação de média entre amostras com variâncias iguais e desiguais. Para comparar as variâncias foi utilizado teste da variável "f" de Sinedekor, sendo testada a hipótese nula de igualdade entre as variâncias. As variáveis, cuja hipótese nula de normalidade foi rejeitada mesmo após transformação logarítmica, eram comparadas utilizando teste de Mann-Whitney. Para comparar as variáveis intragrupos interestágios utilizamos teste "t" de Student emparelhado com hipótese nula da diferença entre os estágios sendo igual a zero. Significância estatística foi definida por um valor de p<0,05 para todos os testes.

Os cálculos foram efetuados utilizando o software Statgraphics Plus versão 5.0 (Manugistic Inc, Rockville, MD, EUA).

O protocolo de estudo foi submetido à comissão de Ética Médica do Hospital Universitário Pedro Ernesto -UERJ e aprovado para sua realização. Todos os indivíduos apresentaram consentimento livre e esclarecido por escrito para a participação no estudo.

RESULTADOS

Dos 20 indivíduos que participaram do estudo, 2 (1 em cada grupo) não conseguiram terminar o protocolo de avaliação autonômica, interrompendo no estágio III, em função de terem apresentado quadro de tonteira, que inviabilizou o término do exame. No entanto, os mesmos não foram excluídos do estudo, tendo seus dados servido para a análise da função autonômica nos 3 primeiros estágios. Dados clínicos e ecocardiográficos relevantes são mostrados na tabela II.

Comparação da análise da VFC intergrupos em cada estágio - A tabela III mostra a análise da VFC nos 2 grupos, durante o repouso. Não houve diferença estatisticamente significativa do RRm entre os pacientes com CMH e indivíduos do grupo controle durante o repouso [(média ± desvio-padrão) 950,6±78,3 vs 881,2 ± 82,3]. Também não observamos diferença em nenhuma das outras medidas no domínio do tempo e domínio da freqüência entre os 2 grupos.

Quando comparamos os 2 grupos durante os estágios II e III (respiração controlada e teste de inclinação, respectivamente) observamos que também não existe diferença entre as medidas analisadas, seja no domínio do tempo ou no domínio da freqüência (tab. IV e V ).

No entanto, quando analisamos o estágio IV (teste de inclinação associado à respiração controlada) observamos que parâmetros modulados pela atividade vagal (LogRMSSD e LogAF) apresentaram valores significativamente mais altos no grupo com CMH que no grupo controle, como apresentados na tabela VI.

Comportamento evolutivo das medidas de função autonômica durante o protocolo - Através da avaliação do comportamento dos grupos durante os estágios, observamos que em ambos os grupos o RRm apresentou tendência semelhante durante os estágios, revelando um aumento (ainda que não significativo) de sua média durante a respiração controlada quando comparamos o estágio II com o estágio I, redução significativa com o teste de inclinação (visto ao comparar o estágio III com o estágio I), revelando a forte influência da respiração controlada e da manobra de inclinação sobre as atividades vagal e simpática, respectivamente. (fig. 1).


Quando fizemos a avaliação das medidas que sofrem influência vagal (LogRMSSD, pNN50 e LogAF), constatamos algumas diferenças entre os grupos, já que durante o teste de inclinação encontramos queda significativa no pNN50 e no LogAF no grupo B. Já o grupo A não apresentou queda tão expressiva. O RMSSD diminuiu de forma importante e semelhante em ambos grupos. No último estágio, quando associamos a respiração controlada ao teste de inclinação, observamos um aumento importante do LogAF nos pacientes com CMH em relação ao estágio III, reforçando uma presença marcante da atividade parassimpática neste grupo de pacientes (fig. 2).


Os parâmetros que tanto sofrem influência simpática como parassimpática (LogDPNN e LogBF) não apresentaram alterações significativas entre os estágios em ambos os grupos, com exceção do LogBF na passagem do estágio I para o estágio II, onde ocorreu uma queda expressiva no grupo controle, o que era esperado (fig. 3).


Influência dos fármacos sobre a FC - Considerando os resultados obtidos nos itens anteriores, revelando uma predominância da atividade parassimpática no 4º estágio em pacientes com CMH, avaliamos a FC (expressa pelo RRm) em repouso no grupo A entre os pacientes que usavam drogas cronotrópicas negativas (betabloqueadores e antagonistas do cálcio) e os que não usavam, e não encontramos diferença significativa nos resultados obtidos (com droga = 925,8 ± 105,6 e sem droga = 975,6 ± 33,5; p=0,301).

VFC e medidas ecocardiográficas - Quando comparamos dentro do grupo de pacientes com CMH, aqueles com valores de SIV >2 e <2, não constatamos diferença na análise do LogAF, LogBF e LogRMSSD em nenhum dos 4 estágios. Este fato também se repetiu quando dividimos o grupo com CMH em 2 subgrupos em função do tamanho do AE, utilizando como ponto de corte o valor de 4,4cm.

DISCUSSÃO

Embora a VFC na CMH tenha sido motivo de estudo de vários trabalhos na última década, controvérsias ainda permanecem. Vale ressaltar que não encontramos na literatura, até o momento, nenhuma experiência com estes objetivos realizada no nosso País.

Neste trabalho observamos que: a) as análises da VFC, tanto no domínio do tempo como no domínio da freqüência, trouxeram informações similares com relação às influências autonômicas nos pacientes com CMH e indivíduos normais durante os períodos de repouso, respiração controlada e teste de inclinação; b) as medidas determinadas pela maior influência vagal foram mais elevadas nos pacientes com CMH no último estágio (onde se realizou a respiração controlada com o paciente inclinado a 60º); c) no decorrer dos estágios observou-se que as medidas de atividade vagal como o pNN50 e o LogAF tiveram queda menos acentuada no grupo da CMH com o teste de inclinação, sendo que, ao passar para o último estágio, o LogAF apresentou aumento significativo, apontando para uma tendência de maior atividade parassimpática neste grupo.

Ao contrário do que foi observado em vários estudos já citados, que analisaram a VFC através do Holter 24h16-19,30-32, não observamos comprometimento significativo da função autonômica nos pacientes com CMH. Em nosso trabalho, as diferenças mais notadas se limitaram ao ultimo estágio da avaliação autonômica, com predomínio da atividade parassimpática, enquanto que nas referências acima, este braço da resposta autonômica estava comprometido. No entanto, Fei e cols. já questionavam o aumento da atividade simpática em pacientes com CMH em seu estudo publicado em 1995, onde também utilizou a análise espectral através do Holter 24h20.

Vale ressaltar ainda que as medidas obtidas através do registro de 24h e suas interpretações, notadamente os componentes espectrais, possuem fidedignidade questionável, já que podem ocultar informações sobre a modulação autonômica dos intervalos RR7. A justificativa para este fato é simples, já que os mecanismos fisiológicos responsáveis pela modulação da FC não são estacionários durante as 24h.

Em função disso, optamos por utilizar um protocolo com registros de curta duração e, com isto, conseguirmos maior controle sobre os estímulos realizados em ambos os grupos, permitindo maior facilidade de interpretação, assim como fez Limbruno e cols. em seus trabalhos 21,22. Eles também não encontraram comprometimento da atividade parassimpática; ao contrário, constataram redução da atividade simpática durante o repouso e teste de inclinação na CMH do tipo obstrutivo. No entanto, naqueles pacientes com CMH não-obstrutiva, que constitui 70% dos nossos pacientes, Limbruno e cols. também não encontraram diferença significativa da análise espectral da VFC quando compararam com indivíduos normais, este fato também foi observado por Uemura e cols.17,22.

Estes achados estabelecem uma contradição com os estudos que abordaram a cinética das catecolaminas na CMH e que, por encontrarem redução da captação neuronal delas nas terminações nervosas, sugerem que esta doença se caracterizaria por aumento da atividade simpática em função da presença, por maior tempo, da norepinefrina na fenda sináptica3-5.

Nossa hipótese é a de que talvez a baixa disponibilidade da norepinefrina nas terminações simpáticas possa induzir ao contrário, isto é, a redução da atividade simpática, particularmente nos pacientes com maior grau de obstrução intraventricular.

Além disso, o fato dos pacientes com CMH apresentarem valores mais elevados de LogRMSSD, pNN50 e LogAF durante o estágio IV (caracterizado pela respiração controlada durante inclinação a 60º) merece atenção especial, já que nenhum trabalho daqueles mencionados testou este tipo de estímulo. Se acompanharmos a evolução destas medidas entre os estágios (figs. 1, 2 e 3), observaremos uma tendência de queda amortizada para o LogRMSSD e o pNN50, e retorno para níveis superiores ao estágio anterior do LogAF em ambos os grupos, refletindo um aumento da atividade parassimpática desencadeado pela respiração controlada, que se opõe a um fator que promove o aumento da atividade simpática, que é a posição inclinada a 60º. No entanto, observamos que esta resposta é mais intensa no grupo com CMH, o que sugere não só preservação da modulação parassimpática, como também a possibilidade de que reflexos vagais exacerbados possam ser deflagrados em resposta ao estímulo gerado pelo teste de inclinação, como foi sugerido por Gilligan e cols. em trabalho para investigar síncope na CMH33.

Em se tratando da forma de estimulação utilizada no estágio IV do nosso trabalho, poderíamos sugerir que a respiração controlada exacerbou ainda mais estes reflexos vagais, resultando em padrão de resposta autonômica que se diferenciou do grupo controle.

Vale lembrar que ao analisarmos o RRm na CMH, comparando quem usava e quem não usava drogas cronotrópicas negativas, não encontramos diferença que pudesse justificar a ação retardada destas drogas (ainda que suspensas por um período de pelo menos 5 meiasvidas) nos resultados encontrados.

Na amostra de pacientes com CMH que utilizamos, 80% eram sintomáticos, fato este que vai contra os resultados encontrado por Bonaduce18 e Counihan30, que observaram maior redução da VFC nestes pacientes, porém estes trabalhos, como já foi comentado, utilizaram o registro eletrocardiográfico de 24h em sua avaliação.

Considerando a correlação da VFC com medidas ecocardiográficas, ao analisarmos dentro do grupo de pacientes com CMH medidas como o AE e espessura do SIV, não constatamos que estes dados possam ser considerados variáveis independentes interferindo no comportamento da função autonômica. Neste campo do estudo, as opiniões também são controversas, com autores defendendo a importância destes dados na modulação autonômica22,26 e contra esta hipótese16. O fato é que mesmo aqueles que encontraram correlação destes dados (particularmente a espessura septal) com distúrbios da função autonômica não apresentaram uniformidade em seus resultados, sendo que Gilligan e cols. encontraram correlação com o comprometimento da atividade parassimpática enquanto que Limbruno e cols. observaram comprometimento da atividade simpática22,26.

Vale ainda ressaltar que as diferenças significativas encontradas nas variáveis, que avaliam a função autonômica, permitem identificar a existência de padrões de modulação autonômica característicos da CMH. Entretanto, devido ao pequeno número de elementos das amostras estudadas, estas conclusões devem ser validadas com aumento das amostras, a fim de reforçar o valor estatístico das diferenças encontradas.

Desta forma, concluímos que: 1) o estudo demonstrou que a função autonômica de pacientes com CMH avaliada por teste de estimulação não farmacológica não diferiu da observada em um grupo controle ajustado para idade, sexo e FC durante o repouso, respiração controlada e teste de inclinação; 2) observou-se aumento significativo da modulação parassimpática durante respiração controlada associada ao teste de inclinação nos pacientes com CMH; 3) não encontramos correlação entre alterações na VFC e as medidas de SIV e AE.

As diferenças estatisticamente significativas encontradas nas variáveis que avaliam a função autonômica permitem identificar a existência de padrões de modulação autonômica característicos da CMH. Entretanto, devido ao pequeno número de elementos das amostras estudadas, estas conclusões devem ser validadas com aumento das amostras, a fim de reforçar o valor estatístico das diferenças encontradas.

Recebido em 13/01/04

Aceito em 21/01/05

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  • Correspondência:
    Marcelo Imbroinise Bittencourt
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      21 Jan 2005
    • Recebido
      13 Jan 2004
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