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Periodicidade e escolha de exames laboratoriais na terapia hipolipemiante

Special recommendations for lipid-lowering treatment: efficacy and safety

Resumos

Intervenções farmacológicas com hipolipemiantes devem ser monitoradas periodicamente para avaliar eficácia e parâmetros de segurança. As estatinas são drogas normalmente bem toleradas e os seus principais efeitos colaterais incluem aumento das enzimas hepáticas (AST e ALT) e muscular (CK). O tratamento deve ser interrompido ou diminuído no caso de um aumento significativo das AST ou ALT (> 3x LSN), ou CK (> 10x LSN). Outros agentes hipolipemiantes também podem produzir hepatotoxicidade ou miosite, fibratos e ácido nicotínico, especialmente em associação com as estatinas ou na presença de anormalidades metabólicas (tireoidite, hepatopatia e nefropatia). Ácido nicotínico pode também aumentar os níveis plasmáticos de glicose e ácido úrico. Testes laboratoriais podem ser utilizados no seguimento da terapia hipolipemiante e devem ser repetidos a cada três meses durante o primeiro ano e então em intervalos de seis meses. Intervalos menores são recomendados para casos especiais.

Estatinas; segurança; hepatotoxicidade


Pharmacologic lipid-lowering interventions should be monitored periodically to assess efficacy and safety parameters. Statins are usually well-tolerated drugs and major side effects include increased serum liver and muscle enzymes (AST, ALT, CK). Treatment should be stopped or diminished in case of significant increase of AST or ALT (> 3x ULN), or CK (> 10x ULN). Other lipid lowering agents may also produce hepatotoxicity or myositis, especially in association with statins (fibrates and nicotinic acid) or in presence of metabolic abnormalities (thyroid, liver or renal disorders). Nicotinic acid can also increase glucose and uric acid plasma levels. Laboratory tests might be performed prior to hypolipidemic drug treatment and should be repeated every three months during the first year and then at 6-mo intervals. Shorter intervals should be recommended in individual cases.

Statins; safety; hepatotoxicity


Periodicidade e escolha de exames laboratoriais na terapia hipolipemiante

Special recommendations for lipid-lowering treatment: efficacy and safety

Tania Leme da Rocha Martinez; Helena Maria do Nascimento

Unidade Clínica de Dislipidemias do Instituto do Coração HCFMUSP

RESUMO

Intervenções farmacológicas com hipolipemiantes devem ser monitoradas periodicamente para avaliar eficácia e parâmetros de segurança. As estatinas são drogas normalmente bem toleradas e os seus principais efeitos colaterais incluem aumento das enzimas hepáticas (AST e ALT) e muscular (CK). O tratamento deve ser interrompido ou diminuído no caso de um aumento significativo das AST ou ALT (> 3x LSN), ou CK (> 10x LSN). Outros agentes hipolipemiantes também podem produzir hepatotoxicidade ou miosite, fibratos e ácido nicotínico, especialmente em associação com as estatinas ou na presença de anormalidades metabólicas (tireoidite, hepatopatia e nefropatia). Ácido nicotínico pode também aumentar os níveis plasmáticos de glicose e ácido úrico. Testes laboratoriais podem ser utilizados no seguimento da terapia hipolipemiante e devem ser repetidos a cada três meses durante o primeiro ano e então em intervalos de seis meses. Intervalos menores são recomendados para casos especiais.

Palavras-chave: Estatinas, segurança, hepatotoxicidade

ABSTRACT

Pharmacologic lipid-lowering interventions should be monitored periodically to assess efficacy and safety parameters.

Statins are usually well-tolerated drugs and major side effects include increased serum liver and muscle enzymes (AST, ALT, CK). Treatment should be stopped or diminished in case of significant increase of AST or ALT (> 3x ULN), or CK (> 10x ULN). Other lipid lowering agents may also produce hepatotoxicity or myositis, especially in association with statins (fibrates and nicotinic acid) or in presence of metabolic abnormalities (thyroid, liver or renal disorders). Nicotinic acid can also increase glucose and uric acid plasma levels.

Laboratory tests might be performed prior to hypolipidemic drug treatment and should be repeated every three months during the first year and then at 6-mo intervals. Shorter intervals should be recommended in individual cases.

Key words: Statins, safety, hepatotoxicity

INTRODUÇÃO

Embora o papel das dislipidemias na gênese da aterosclerose coronariana esteja bem estabelecido, o reconhecimento de que as alterações do perfil lipídico predispõe à doença coronariana,1 que o papel da terapia hipolipemiante na diminuição da morbidade e da mortalidade por doença arterial coronariana seja indiscutível,2 como demonstraram os grandes estudos clínicos de prevenção primária e secundária com o uso das estatinas,3,4 e ainda, a publicação, há quase 10 anos, do II Consenso Brasileiro Sobre Dislipidemias,5 é com grande preocupação que assistimos em nosso meio um enorme hiato entre as diretrizes e as metas de tratamento preconizadas e o dia-a-dia da prática médica, sobretudo, na forma de orientar a busca pelas metas, a motivação e a aderência ao tratamento, não proporcionando assim, os benefícios incontestes do tratamento aos pacientes com dislipidemias.

IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES

No Programa de Avaliação Nacional do Conhecimento Sobre Prevenção de Aterosclerose PANDORA6 foram entrevistados 746 médicos, dos quais 98% cardiologistas, utilizando-se um questionário com perguntas sobre dislipidemias, prevenção de aterosclerose e recomendações de metas terapêuticas lipídicas a serem alcançadas, segundo o Consenso de 1996. Observou-se que 87% dos entrevistados referiram que o tratamento das dislipidemias pode mudar a história natural da doença coronariana. Embora a maioria dos participantes tenha seguido as recomendações de colesterol total (CT) < 200 mg/dl para prevenção da aterosclerose, apenas 55,8% adotariam a meta de LDL-colesterol (LDL-c) < 100 mg/dl para a prevenção secundária. Entre 30,5 e 36,7% responderam que o nível de HDL-colesterol (HDL-c) para a prevenção seria menor que 35 mg/dl e somente 32,7% de todos os entrevistados tratariam os pacientes indefinidamente com drogas hipolipemiantes.

O programa concluiu que apesar dos médicos valorizarem os lipídes na prevenção da aterosclerose, havia um sério desconhecimento sobre as recomendações do II Consenso Brasileiro Sobre Dislipidemias, ao nosso ver, uma desinformação gerada pela falta de motivação e de aderência do médico às diretrizes, em prejuízo dos pacientes.

Em outro estudo, o COMETA7, em seu braço brasileiro, na cidade de São Paulo, 20 médicos, selecionados de modo randômico e a partir de uma base de dados privados, foram convidados a participar do estudo: 10 especialistas (cinco cardiologistas e cinco endocrinologistas) e dez clínicos gerais sendo que pelo menos 50% do total da amostra de pacientes deveria ser particular.

Os pacientes faziam uso de hipolipemiantes num período superior a 12 meses (estatinas, fibratos, niacina ou resina), perfazendo um total de 120 indivíduos, de ambos os sexos (63% do sexo feminino), com idades variando entre 26 e 90 anos (média 53 ± 13 anos), divididos em três categorias de risco absoluto com base no escore de Framingham e as metas de LDL-c a serem atingidas foram aquelas estabelecidas no NCEP-ATPIII.8 Na fase inicial do estudo, 93% dos pacientes recebiam estatinas e 7% usavam fibratos. A sinvastatina (cuja potência foi referência padrão) e a atorvastatina, nas doses médias de 12 a 26 mg/dia, respectivamente, foram as estatinas mais utilizadas e com essas doses (algumas ajustadas), 46% dos pacientes atingiram as metas de LDL-c. As maiores porcentagens de sucesso foram observadas entre os pacientes de baixo risco e os resultados não foram influenciados pela especialidade do médico. Entretanto, os achados desse estudo indicam que a porcentagem de pacientes que alcançaram as metas de LDL-c estabelecidas pelas diretrizes é muito baixa.

A amostra do COMETA incluiu 33% de pacientes de alto risco, 38% de moderado risco e 29% de baixo risco, todos eles tinham indicação de tratamento hipolipemiante, mas apenas 15%, 41% e 71% dos pacientes de alto, intermediário e baixo risco, respectivamente, conseguiram atingir as metas de LDL-c com o uso regular desses medicamentos. Não se utilizou a terapia combinada no estudo. As doses de sinvastatina e de atorvastatina empregadas em sua fase inicial e os ajustes posológicos subseqüentes não foram suficientes para que os pacientes atingissem as metas de LDL-c preconizadas.

Nossos resultados não diferem dos dados de outros países. Assim, Froliks e cols. avaliando dados de colegas dos EUA mostraram que apenas 50% dos médicos avaliados seguiam as metas do NCEP para o LDL-c.9 Dados do EUROASPIRE,10 mostraram que cerca de 44% dos pacientes coronarianos avaliados apresentavam níveis de colesterol acima do preconizado. Recentemente, outro grande estudo, avaliando 140 clínicas de cardiologia e de multiespecialidades, nos EUA, mostrou que apenas 25% de 58.890 portadores de doença coronariana haviam atingido a meta de LDL-c < 100 mg/dl proposta pelo NCEP.11 Uma das explicações para esses achados é a de que médicos não tinham por hábito seguir ou desconheciam as recomendações das sociedades médicas.12 Outra explicação seria o excesso de recomendações ou consensos sobre diversas doenças, o que tornaria a tarefa do médico mais difícil de ser cumprida, diminuindo a sua motivação.

Todos os dados disponíveis apontam que é necessário que as diretrizes nacionais e internacionais sejam amplamente difundidas, fazendo parte das ferramentas clínicas atuais capazes de influenciar na diminuição das elevadas taxas de morbidade e mortalidade cardiovascular.

PERIODICIDADE E ESCOLHA DE EXAMES LABORATORIAIS

Quanto à periodicidade dos exames laboratoriais que devem controlar o uso dos hipolipemiantes, deverá variar de acordo com o quadro clínico do paciente, seus níveis lipídicos (atingimento das metas) e a sua adesão ao tratamento. Os intervalos, portanto, podem ser mensais, trimestrais, semestrais ou anuais e sempre sucessivos no intuito de verificar a resposta do paciente à droga à eficácia e à tolerabilidade. 13

Em geral, as estatinas são bem toleradas, sendo que os seus efeitos secundários mais freqüentes são: cefaléia, flatulência, dispepsia, dores musculares, prurido e exantema cutâneo.14 Entretanto, além das dosagens de lípides, faz-se mister que se escolha outros testes laboratoriais afim de monitorar os efeitos adversos das estatinas. Assim, devem ser solicitadas as aminotransferases (ALT e AST) para seguir a hepatotoxicidade e a creatinofosfoquinase (CK) para controle da miopatia. Os níveis preocupantes para as aminotransferases são aqueles maiores que três vezes o limite superior de referência e para a creatinofosfoquinase, maior que dez vezes o limite superior de referência. Este evento ocorre em cerca de 0,1% dos pacientes.15 Deve-se monitorá-las com níveis basais antes da instituição da terapêutica com as estatinas, após 30 dias do início, aos três, seis, nove e doze meses subsequentes e sempre após aumento da dose, avaliando-se a cada três meses no primeiro ano e posteriormente a cada seis meses.

Quando da prescrição do ácido nicotínico, vale lembrar que deve utilizado com cuidado em pacientes diabéticos, monitorando com rigor a glicemia, uma vez que pode piorar o controle glicêmico.13

Quanto aos fibratos, são geralmente bem tolerados, mas raramente, pode-se observar um aumento de enzimas hepáticas (ALT e AST) e/ou da CK.13 Os valores toleráveis dessas enzimas são iguais àqueles já comentados para as estatinas.16

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  • 5. II Consenso Brasileiro Sobre Dislipidemias.Detecção, avaliação e tratamento Arq Brás Cardiol 1996;67: 1-16
  • 6. Santos R.D e cols. Programa de avaliação nacional do conhecimento sobre prevenção da aterosclerose (PANDORA). Um questionário entre cardiologistas brasileiros sobre redução do colesterol. Arq. Brás Cardiol 2000; 75(nº6) : 289-295.
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  • 9. Froliks JP, Zyzanski SJ,Schwartz JM, Suhan OS Physician noncompliance with the 1993 National Cholesterol Education Program ( NCEP-ATP II) guidelines. Circulation 1998; 98: 851-5
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  • 13. III Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Diretrizes de Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de cardiologia. Arq Bras Cardiol 2001; 77 Supl III
  • 14. Martinez, TLR. Manual de Condutas Clínicas em Dislipidemias. Rio de Janeiro: 2003 , p. 163-181
  • 15. Xavier HT. Manual de Dislipidemias e Cardiometabolismo. BBS Editora. São Paulo. 2004. p.167-172.
  • 16. Martinez TLR Dislipidemias : Da Teoria à Prática São Paulo, 2004 p. 177-178, 395-403 (Clínica Médica Ciência e Arte/ Editor da Série Antonio Carlos Lopes).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2005
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