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O uso do balão intra-aórtico no pré-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica, associada à disfunção ventricular grave

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a efetividade do Balão Intra-Aórtico (BIAo) profilático em cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) eletiva, para prevenir o infarto trans ou pós-operatório e para reduzir a mortalidade intra-hospitalar nos pacientes com baixa fração de ejeção ventricular esquerda. MÉTODOS: Em modelo de estudo de coorte, foram analisados 239 pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior ou igual a 40%, submetidos à CRM eletiva com circulação extracorpórea (CEC), no período compreendido entre março de 1995 a fevereiro de 2001. RESULTADOS: Destes, 58 pacientes receberam BIAo pré-operatório e os demais foram operados sem assistência circulatória (grupo controle). Os dois grupos de pacientes tinham características semelhantes quanto a fatores associados aos desfechos em questão. Ocorreram 5 (8,6%) óbitos no grupo com BIAo e 21 (11,6%), no grupo controle (diferença não-signifícativa). Ocorreram 2 (3,4%) infartos no grupo com BIAo e 28 (15,5%), no grupo controle BIAo (p < 0,05), risco relativo de 0,22 com intervalo de confiança de 95% de 0,05 a 0,85. CONCLUSÃO: O BIAo, em uso pré-operatório, pode reduzir de forma significativa o risco de infarto agudo do miocárdio (IAM) trans ou pós-operatório, em pacientes com função sistólica diminuída, sem incremento de complicações vasculares. Nesta mesma situação, o BIAo não diminui de forma significativa a mortalidade. Estudos randomizados devem ser conduzidos para se ter conclusões mais precisas.

balão intra-aórtico; disfunção ventricular; revascularização miocárdica


OBJECTIVE: To evaluate the effectiveness of prophylactic intra-aortic balloon (IAB) in elective myocardial revascularization surgery (MRS), to prevent trans or post-operative infarction and reduce intra-hospital mortality in patients with low left ventricular ejection fraction. METHODS: Using a cohort study model, 239 patients with left ventricular ejection fraction <40%, submitted to elective MRS with extracorporeal circulation (ECC) were evaluated from March 1995 to February 2001. RESULTS: Of these, 58 patients received preoperative IAB and the remainder underwent surgery without circulatory assistance (control group). The two groups of patients had similar characteristics regarding factors associated to the pertaining outcomes. There were five demises (8.6%) in the group with IAB and 21 (11.6%) in the control group (non-significant difference). There were 2 (3.4%) infarctions in the IAB group and 28 (15.5%) in the control group (p< 0.05), relative risk of 0.22 with an interval of confidence of 95% from 0.05 to 0.85 CONCLUSION: The use of pre-operative IAB can significantly reduce the risk of trans or post-operative acute myocardial infarction (AMI) in patients with decreased systolic function, without increasing vascular complications. In this same situation, the IAB does not significantly decrease mortality. Randomized studies are necessary to establish more precise conclusions.

intra-aortic balloon; ventricular dysfunction; myocardial revascularization


ARTIGO ORIGINAL

O uso do balão intra-aórtico no pré-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica, associada à disfunção ventricular grave

Marcelo Kern; João Ricardo M. Santanna

Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul / Fundação Universitária de Cardiologia - Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência Marcelo Kern IC/FUC – Unidade de Pesquisa Av. Princesa Isabel, 370 90620-001 – Porto Alegre, RS E-mail: santana.pesquisa@cardiologia.org.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a efetividade do Balão Intra-Aórtico (BIAo) profilático em cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) eletiva, para prevenir o infarto trans ou pós-operatório e para reduzir a mortalidade intra-hospitalar nos pacientes com baixa fração de ejeção ventricular esquerda.

MÉTODOS: Em modelo de estudo de coorte, foram analisados 239 pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior ou igual a 40%, submetidos à CRM eletiva com circulação extracorpórea (CEC), no período compreendido entre março de 1995 a fevereiro de 2001.

RESULTADOS: Destes, 58 pacientes receberam BIAo pré-operatório e os demais foram operados sem assistência circulatória (grupo controle). Os dois grupos de pacientes tinham características semelhantes quanto a fatores associados aos desfechos em questão. Ocorreram 5 (8,6%) óbitos no grupo com BIAo e 21 (11,6%), no grupo controle (diferença não-signifícativa). Ocorreram 2 (3,4%) infartos no grupo com BIAo e 28 (15,5%), no grupo controle BIAo (p < 0,05), risco relativo de 0,22 com intervalo de confiança de 95% de 0,05 a 0,85.

CONCLUSÃO: O BIAo, em uso pré-operatório, pode reduzir de forma significativa o risco de infarto agudo do miocárdio (IAM) trans ou pós-operatório, em pacientes com função sistólica diminuída, sem incremento de complicações vasculares. Nesta mesma situação, o BIAo não diminui de forma significativa a mortalidade. Estudos randomizados devem ser conduzidos para se ter conclusões mais precisas.

Palavras-chave: balão intra-aórtico, disfunção ventricular, revascularização miocárdica

Melhorias na assistência médica, em especial, na área da cardiopatia isquêmica, com aprimoramento do tratamento farmacológico e da cardiologia intervencionista, resultaram em um aumento na proporção de pacientes em alto risco que necessitam de cirurgia de revascularização miocárdica (CRM)1-3. A estenose de tronco de coronária esquerda, a reintervenção coronária cirúrgica, a angina instável e a baixa fração de ejeção de ventrículo esquerdo foram identificadas, em estudos anteriores, como fatores de risco para pior prognóstico pós-operatório4,5. Entretanto, os pacientes com reduzida fração de ejeção ventricular esquerda estão entre aqueles que mais se beneficiam, em longo prazo, do tratamento cirúrgico6.

A significativa mudança no padrão de pacientes, que se submetem à cirurgia de revascularização miocárdica com emprego de circulação extracorpórea, implicou em um sensível aumento no custo do procedimento, bem como, um relativo aumento na mortalidade7-10. Tornou-se necessário instituir medidas para neutralizar fatores de risco, capazes de atingir resultados aceitáveis e a custos razoáveis.

A contrapulsacão, oferecida pelo balão intra-aórtico (BIAo), produz efeitos hemodinâmicos que beneficiam o rendimento cardíaco de forma significativa. Esses efeitos são devidos ao aumento da oferta de oxigênio ao miocárdio e conseqüente melhora da perfusão diastólica, bem como pela redução no consumo de oxigênio, devida à redução na pós-carga ventricular esquerda11. Pacientes com disfunção sistólica de etiologia isquêmica apresentam importante redução na reserva energética miocárdica, sendo beneficiados pelo balão intra-aórtico pela redistribuição do fluxo sanguíneo ao miocárdio isquêmico12. Essa melhora no fluxo coronário, mesmo que por reduzido período de tratamento, pode produzir uma maior reserva energética para o período de isquemia transoperatória, resultando em melhor recuperação hemodinâmica após circulação extracorpórea. Também propicia redução no trabalho cardíaco, oferecendo suporte circulatório contínuo durante e após a cirurgia.

Este trabalho tem como objetivo verificar se o implante do balão intra-aórtico no pré-operatório da cirurgia de revascularização miocárdica eletiva, em pacientes estáveis clinicamente, com má função ventricular esquerda, pode oferecer uma redução na mortalidade e morbidade perioperatória.

MÉTODOS

Foram incluídos e analisados, de forma prospectiva, através de abertura de protocolo de estudo, 239 pacientes com cardiopatia isquêmica severa, disfunção ventricular esquerda, caracterizada por fração de ejeção de ventrículo esquerdo igual ou inferior a 40% pela ventriculografía radioisotópica de repouso, com hemácias marcadas com tecnécio, indicação de cirurgia de revascularização do miocárdio em caráter eletivo e, consecutivamente, operados no Hospital São Lucas/Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no período compreendido entre março de 1995 a fevereiro de 2001. Foram excluídos da casuística os pacientes com evento coronário recente (menos de 10 dias), com valvopatia cirúrgica associada, com contra-indicações absolutas para uso de BIAo, com instabilidade hemodinâmica pré-operatória ou com indicação formal de assistência circulatória pelo balão intra-aórtico.

Dos pacientes, 88 (36,8%) eram de sexo feminino e 151 (63,2%), masculinos, e suas idades variavam entre 40 e 81 anos, com média de 61 ± 9 anos. A média da fração de ejeção, conforme ventriculografía radioisotópica, era de 31 ± 6%, oscilando entre 18% e 40%.

Embora a reduzida fração de ejeção ventricular esquerda represente indicação de balão intra-aórtico no período pré-operatório da cirurgia de revascularização na Instituição, o implante do dispositivo não pôde ser realizado em todos os pacientes incluídos no estudo, sendo configurados dois grupos:

Grupo controle - Compreendendo 181 pacientes (75,7%) que não implantaram balão intra-aórtico por indisponibilidade ou pela presença de contra-indicação relativa, como doença vascular periférica, enxerto aórtico ou ilíaco-femoral, regurgitação aórtica moderada, taquiarritmias com freqüência ventricular superior a 160 batimentos por minuto e contra-indicação a heparina ou outro anticoagulante intravenoso.

Grupo BIAo - Composto por 58 pacientes (24,2%) que receberam implante de balão intra-aórtico, entre 2 e 24 horas antecedentes ao momento de pinçamento da aorta em cirurgia cardíaca.

As características demográficas dos pacientes estão expressas na tabela 1.

Instalação e retirada do balão intra-aórtico - O balão intra-aórtico foi rotineiramente instalado em uma das salas do laboratório de hemodinâmica do hospital. Foram utilizados cateteres-balão, obedecendo à numeração padrão, condicionada aos dados antropométricos individuais. Em todos os pacientes, foi feita punção percutânea da artéria femoral, utilizando inserção de bainha arterial de 10F e posicionamento do cateter-balão por radioscopia. Após instalação do balão intra-aórtico, os pacientes foram anticoagulados com heparina e conduzidos à Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), aguardando início da cirurgia de revascularização miocárdica. O equipamento de contrapulsação era Datascope®, ajustado apropriadamente por clínicos da equipe de cirurgia.

O dispositivo foi mantido no período pós-operatório por até 48 horas, e sua retirada obedeceu a critérios clínicos de estabilidade hemodinâmica.

Cuidados perioperatórios - Todos os pacientes foram avaliados no pré-operatório por exames laboratoriais, estudo hemodinâmico (cinecoronariografia e ventriculografía esquerda), eletrocardiograma e ventriculografía miocárdica radioisotópica, o que permitiu aferir a função ventricular esquerda.

A revascularização miocárdica cirúrgica foi efetuada mediante esternotomia mediana, circulação extracorpórea hipotérmica (32°C), preservação miocárdica por infusão de cardioplegia cristalóide hipotérmica St. Thomas II (4°C) e implante de enxertos de safena e/ou da artéria torácica interna.

Após a cirurgia, os pacientes receberam cuidados de rotina.

Variáveis - Para correlação com a evolução dos pacientes, além de sexo, idade e fração de ejeção ventricular esquerda, as seguintes características pré-operatórias foram selecionadas: 1) angina instável: relato de mais de 2 episódios de dor torácica típica em repouso, na vigência de tratamento farmacológico oral, há mais de quarenta e oito horas da inclusão no protocolo de pesquisa; 2) revascularização miocárdica prévia: história de cirurgia coronária; 3) infarto do miocárdio prévio: história de infarto, onda Q patológica no eletrocardiograma ou ventriculografia com área hipocinética compatível; 4) Lesão de tronco de coronária esquerda: obstrução superior a 60%, identificada na cinecoronariografia. Foram ainda consideradas suas características cirúrgicas quanto à análise da evolução pós-operatória: 5) duração de circulação extracorpórea superior a 90 minutos; 6) implante de artéria torácica interna;7) revascularização miocárdica incompleta: quando não foi possível realizar implante de enxerto de veia safena ou de artéria torácica interna em artéria coronária com lesão considerada passível de revascularização pela cinecoronariografia.

Desfechos - Os eventos capazes de comprometer a evolução pós-operatória foram considerados como desfechos primários e secundários, conforme grau de importância e repercussão.

Desfechos primários foram: 1) óbito intra-hospitalar: morte que ocorreu no intra ou pós-operatório imediato, considerado período de internação hospitalar, independente da causa. 2) lnfarto do miocárdio trans ou pós-operatório: infarto que ocorreu, presumivelmente, no período após a indução anestésica e até a alta da Unidade de Tratamento Intensivo, obedecendo aos critérios diagnósticos de surgimento de nova onda Q patológica ou de bloqueio de ramo esquerdo no eletrocardiograma, e creatinofosfoquinase mb (CPKmb) sérica superior a 50 mg/dl ou CPKmb superior a 80 mg/dl, na ausência de nova onda Q ou de bloqueio de ramo esquerdo13.

Os desfechos considerados secundários foram: 1) baixo débito cardíaco, caracterizado por sinais clínicos e/ou laboratoriais de reduzida perfusão tecidual, tais como redução do débito urinário inferior a 400, em 24 horas, aumento do lactato sérico acima de 3 mg/dl, pH arterial inferior a 7T28 com bicarbonato de sódio inferior a 20 mEq/1. 2) uso de vasopressor por período superior a 24 horas, desde admissão na Unidade de Tratamento Intensivo. 3) Ventilação mecânica mediante intubação orotraqueal por tempo superior a 24 horas, desde a admissão na Unidade de Tratamento Intensivo. 4) Insuficiência renal aguda, tendo como critério a elevação, no 2º dia de pós-operatório, da creatinina sérica, em valor superior a 50% do controle pré-operatório. 5) Complicações vasculares, como as atribuíveis ao balão intra-aórtico, que necessitaram de intervenção cirúrgica para restabelecer o fluxo de sangue ou que implicaram em diminuição funcional permanente do membro, utilizado para inserção do cateter-balão.

Este estudo de coorte não determinou implicações éticas ou incremento de risco para os pacientes participantes. O fato de apenas parte dos pacientes, com indicação de balão intra-aórtico por reduzida fração de ejeção ventricular esquerda, ter recebido o tratamento, conforme rotina da instituição onde se realizou o estudo, não decorreu da vontade dos pesquisadores ou dos médicos que realizaram intervenções terapêuticas, mas, sim, da disponibilidade momentânea. O projeto de pesquisa foi analisado pelas comissões de ética em pesquisa das instituições onde se desenvolveu o trabalho, que autorizaram a realização do mesmo.

As informações coletadas foram transcritas em tabelas de contingência, sendo que os dados quantitativos são descritos como média ± erro padrão, enquanto que as variáveis categóricas são apresentadas em freqüência percentual. O processamento de dados foi feito com auxílio do programa SPSS (versão 11.0).

A comparação dos grupos foi realizada pelo teste t de Student, para variáveis quantitativas e pelo teste qui-quadrado, para variáveis categóricas. Nas situações de baixa freqüência, foi utilizado o teste exato de Fisher. Para avaliação da força de associação, foi utilizado o risco relativo, com seu respectivo intervalo de confiança de 95%.

Para ajustar o efeito de importantes fatores de risco na relação entre o uso de balão intra-aórtico e a ocorrência dos desfechos considerados, utilizamos o modelo de regressão de azares proporcionais de Cox.

Foi considerado como nível de significância um alfa de 5%, sendo ainda indicados níveis de significância maiores.

RESULTADOS

Quanto a diferenças significativas nas características dos pacientes distribuídos nos dois grupos, observou-se que o sexo masculino predominou no grupo controle (69,9%), diferente do grupo tratado (43,1%, p < 0,001). Quanto à fração de ejeção média, foi observado valor superior para o grupo controle, se comparado ao grupo tratado (respectivamente, 32 ± 6% vs 29 ± 6%, p < 0,01). Já o percentual de pacientes com fração de ejeção igual ou inferior a 30 %, foi significativamente inferior no grupo controle que no grupo que implantou balão intra-aórtico (respectivamente, 39,7% vs 63,8%; p < 0,01). Quanto à revascularização incompleta, foi observada em 6,6% dos pacientes do grupo controle, mas não ocorreu em nenhum paciente incluído no grupo tratado com balão intra-aórtico (0,0%; p < 0,05).

Nas demais variáveis, não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos, conforme descrito na tabela 1.

Ocorreram 26 óbitos, correspondendo a uma mortalidade global de 10,9%. No grupo controle foi registrado 21 óbitos (11,7% de mortalidade), enquanto que, no grupo BIAo, ocorreram 5 óbitos (8,6% de mortalidade). A redução percentual de 30% na mortalidade, relativa ao tratamento com balão intra-aórtico, não se mostrou significativa, conforme indica tabela 2 e figura 1.


Infarto agudo do miocárdio ocorreu em 30 pacientes (18,9%). Quando se consideram os grupos avaliados, 28 pacientes (15,5%) do grupo controle sofreram infarto do miocárdio, enquanto que no grupo com BIAo, apenas 2 pacientes (3,4%), uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,05). O risco relativo de infarto do miocárdio em cirurgia de revascularização, para os pacientes que implantaram balão intra-aórtico no pré-operatório, foi de 0,22 (intervalo de confiança de 95%, com valor de 0,05 - 0,85).

Para uma maior certeza entre a relação uso de balão intra-aórtico e redução de risco de infarto de miocárdio perioperatório, foi realizada análise multivariada com regressão de Cox, controlando-se as variáveis: idade, sexo, fração de ejeção de ventrículo esquerdo, tempo de circulação extracorpórea superior a 90 minutos e revascularização do miocárdio incompleta, cirurgia de revascularização miocárdica prévia, angina instável e lesão de tronco de coronária esquerda. Conforme tabela 2, foi observado que, após ajuste destas variáveis, o efeito protetor do balão intra-aórtico permaneceu significativo (tab. 2).

A variável circulação extracorpórea maior que 90 minutos mostrou-se associada ao desfecho infarto do miocárdio trans e pós-operatório, em nossa amostra. As demais variáveis não tiveram relação com este desfecho.

Não foram observadas diferenças significativas na ocorrência dos desfechos secundários, ventilação mecânica prolongada, insuficiência renal aguda, baixo débito cardíaco, uso prolongado de drogas vasopressoras e na ocorrência de complicações vasculares nos dois grupos estudados, conforme expresso na tabela 3.

DISCUSSÃO

Os estudos anteriores de identificação de fatores de mau prognóstico operatório em CRM com circulação extracorpórea (CEC) indicaram que são relevantes: lesão de tronco de coronária esquerda, angina instável, CRM prévia e disfunção sistólica do ventrículo esquerdo. A mudança no perfil dos pacientes candidatos à CRM se caracterizou, principalmente, pela maior proporção de indivíduos com disfunção ventricular2. Em nosso estudo, tínhamos como objetivo avaliar se os efeitos hemodinâmicos benéficos do BIAo permaneciam como fator protetor para CRM, quando considerada apenas a função ventricular esquerda reduzida como fator de risco.

Utilizamos a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, medida pela ventriculografia radioisotópica de repouso, como critério para definir disfunção ventricular e, portanto, alto risco para os desfechos em questão. Estudos multicêntricos anteriores14 identificaram a falência ventricular esquerda como sendo o principal fator de risco para morte súbita e novos eventos coronários, em pacientes isquêmicos. Na grande maioria dos estudos revisados, o critério da fração de ejeção esteve presente na definição de alto risco operatório. Associado a isso, podemos afirmar que a maioria dos demais critérios mencionados exerce influência, de uma maneira ou de outra, no desempenho contrátil miocárdico. Utilizamos 40% de fração de ejeção como medida de corte para caracterizar alto risco, por ser o valor mais freqüentemente utilizado nos estudos revisados.

Conforme descrito por Antman12, o infarto do miocárdio, trans e pós-operatório, ocorre em 5 a 15% das cirurgias de revascularização miocárdica. Análises de autopsias indicam que a maioria dos enxertos realizados estava patente, de modo que o mecanismo fisiopatológico do infarto perioperatório parece estar relacionado com a desproporção entre oferta e consumo de oxigênio pelo miocárdio, e não com oclusão das pontes de safena. Isto referenda a idéia de que pode haver benefício de BIAo profilático em cirurgia de revascularização miocárdica.

De acordo com nossa revisão da literatura, inicialmente em 1992, com Georgeson e cols.15, e, principalmente, a partir dos trabalhos de Christenson e cols. 16, o uso profilático pré-operatório do balão intra-aórtico foi-se demonstrando como de grande valia para a prevenção de complicações trans e pós-operatórias, em grupos selecionados de pacientes.

Em 1976, Cooper e cols.17, em estudo de série de casos, já relatavam que o uso profilático do balão em cirurgia de revascularização, na presença de lesão de tronco de coronária esquerda, era uma estratégia segura, sem incremento de complicações vasculares. Os resultados cirúrgicos foram adequados e comparáveis àqueles obtidos em cirurgias de menor risco.

Georgeson e cols.15, em pequeno trabalho de revisão, concluiu que há benefício no uso do balão em pré-operatório de cirurgia não-cardíaca, quando os pacientes estão em classificação de risco aumentado (Goldman classe IV).

Em revisão de 27 anos de uso de balão intra-aórtico, realizado pelo Massachusetts General Hospital, a mortalidade dos pacientes que receberam balão no pré-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica foi de 13,6%, enquanto que a mortalidade dos pacientes que receberam o balão no trans ou pós-operatório fora de, aproximadamente, 35%18.

O uso do balão intra-aórtico em pré-operatório começou a se consolidar como método de proteção miocárdica para pacientes de risco aumentado, em cirurgia de revascularização miocárdica, a partir dos estudos de Jan T. Christenson, publicados inicialmente em 1997, produzindo uma seqüência de trabalhos científicos nesta área até recente publicação em 200219.

A série de artigos produzida pela equipe do Hospital Columbia de Ia Tour, liderada por Christenson, serviu de inspiração para nosso estudo. Esses estudos concluíram que o balão intra-aórtico pré-operatório, em pacientes de alto risco, diminui a chance de morte e infarto, reduz o tempo de internação hospitalar e é custo-efetivo.

Definiram, também, como sendo os principais fatores de risco para complicações pós-operatórias, lesão de tronco de coronária esquerda, cirurgia de urgência, angina instável, reoperação e fração de ejeção diminuída, e que, na presença de dois destes fatores, já haveria indicação de balão intra-aórtico profilático20. Essa série de estudos apontou que o tempo ideal para instalação do equipamento no pré-operatório seria entre 24 e 2 horas antecedentes à cirurgia21. Demonstrou, também, que empregar o balão no pré-operatório diminui a necessidade de suporte hemodinâmico pós-operatório e que a utilização do balão no pós-operatório já é indicativo de mau prognóstico22.

Os resultados da equipe de Christenson foram tão contundentes que, em carta ao editor da revista Anais de Cirurgia Torácica (2001), houve uma discussão a cerca do caráter ético de se realizar novos estudos randomizados com grupo controle, face aos grandes benefícios, já estabelecidos, do balão pré-operatório para grupo selecionado de pacientes23. Entretanto, é importante perceber que grande parte das amostras nos estudos de Chritenson era composta de pacientes instáveis, diferente do que ocorreu em nosso estudo, onde a totalidade dos pacientes apresentava-se estável clinicamente.

Os resultados do nosso estudo apontaram para uma diminuição de mortalidade de 30% nos pacientes tratados com BIAo, comparados com os pacientes do grupo controle. Porém, não houve diferença estatisticamente significativa. Indicaram também para uma importante redução de risco para infarto do miocárdio trans e pós-operatórios, na ordem de 78%, estatisticamente significativa, com risco relativo para infarto de 0,22. Após ajuste dos resultados para as variáveis de interesse, com uso de regressão multivariada de Cox, a redução de risco relativo se manteve de forma importante e com significância estatística.

Apesar de ter havido uma heterogeneidade entre os dois grupos de pacientes, as diferenças na amostra indicavam para uma tendência de pacientes mais graves no grupo com balão intra-aórtico, não havendo, portanto, o viés de confusão nos resultados obtidos.

Para a correta análise de nossos resultados, identificamos variáveis que, em estudos anteriores, estiveram relacionadas com os desfechos em questão, principalmente com infarto trans e pós-operatório, como tempo de circulação extracorpórea aumentado24,25, lesão de tronco de coronária esquerda26-28 e CRM incompleta29, somadas a variáveis já consagradas como fatores da maior risco: idade, angina instável e revascularização miocárdica prévia. Estas variáveis foram controladas na análise multivariada, assim como a gravidade da disfunção ventricular esquerda, expressa pela fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

Não houve diferença na distribuição da variável tempo de circulação extracorpórea aumentado (tempo de CEC igual ou superior a 90 min) entre os dois grupos de pacientes. Porém, essa variável esteve associada, de forma significativa, a uma maior freqüência de infarto agudo do miocárdio trans e pós-operatório, em concordância com achados de estudos anteriores.

A variável revascularização miocárdica incompleta esteve distribuída, diferentemente, nos dois grupos de pacientes. Todos os casos de CRM incompleta ocorreram no grupo sem balão. Igualmente, não houve associação desta variável com o desfecho em questão.

As análises das freqüências das variáveis, ventilação mecânica prolongada, insuficiência renal aguda, baixo débito cardíaco e uso prolongado de drogas vasoativas, no grupo tratado com BIAo e no grupo controle, foram estabelecidas como desfechos secundários, por estarem relacionadas, de alguma maneira, com a função ventricular esquerda.

A isquemia de membros inferiores, relacionada com o sítio de inserção, e a plaquetopenia são as complicações mais freqüentemente encontradas com o uso de balão intra-aórtico30. Essas complicações estão relacionadas, principalmente, com o diâmetro do cateter-balão, com o tempo de uso da contrapulsação, com períodos prolongados de hipotensão e com a presença de vasculopatia prévia. Na literatura31, é mencionada uma incidência de complicações vasculares com a utilização de balão intra-aórtico, que pode atingir a ordem de até 20%. Essas complicações podem ser minimizadas se forem utilizados cateteres menores que 9,5F, ao passo que a plaquetopenia está relacionada, diretamente, com o tempo de uso da contrapulsação.

Frente a pacientes com vasculopatia e com indicação de balão intra-aórtico, deve-se avaliar a relação entre o risco e o benefício do método, pois tal situação está fortemente associada a complicações vasculares posteriores.

Em nossa amostra, as complicações vasculares montaram a 2,51%, sem diferença significativa entre os dois grupos de pacientes. Nosso critério para considerar como complicação vascular foi o da necessidade de medida cirúrgica para restabelecimento da perfusão do membro afetado. Não houve casos de necessidade de amputação em nenhum dos grupos de pacientes. Comparando com a literatura, no mesmo estudo de coorte de Merharwal, com 911 pacientes, foi encontrada uma freqüência de 5,9% de complicações vasculares, sendo que, nesse estudo, foram utilizados critérios bastante semelhantes aos nossos.

Frente a esses resultados, algumas perguntas suscitaram nossa atenção: se utilizássemos apenas o critério da fração de ejeção em cirurgia eletiva para definir alto risco, os efeitos protetores do balão permaneceriam? Os resultados obtidos na Europa seriam reprodutíveis em nosso meio?

Como vimos em nosso estudo, houve uma importante redução no risco de infarto trans e pós-operatório, mas não houve redução na mortalidade de forma significativa. Talvez, se os critérios de risco fossem mais rígidos, o efeito protetor do balão dar-se-ia de forma mais marcante, em termos de mortalidade intra-hospitalar. Entretanto, a importante redução no número de infartos obtido, muito provavelmente, deve repercutir, favoravelmente, em termos de mortalidade pós-hospitalar13.

Diante desses resultados, cabe questionar se é possível flexibilizar a indicação do balão intra-aórtico, usando apenas o critério fração de ejeção, quando se pretende prevenir desfechos semelhantes àqueles pesquisados por Christenson. Para tanto, seriam necessários novos estudos randomizados, os quais, conforme abordado anteriormente, necessitariam de importante análise ética.

Os resultados deste estudo de coorte permitem inferir que o emprego do balão intra-aórtico no pré-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica eletiva, em pacientes com fração de ejeção inferior ou igual a 40%, pode reduzir, de forma significativa, o risco de infarto agudo do miocárdio trans e pós-operatório, sem incremento de complicações vasculares. Nesta mesma situação, o emprego do balão não modifica, de forma significativa, a mortalidade intra-hospitalar, bem como não reduz, de forma significativa, a necessidade de uso de drogas vasoativas, as freqüências de baixo débito cardíaco, ventilação mecânica prolongada e de insuficiência renal aguda. Deve-se considerar que conclusões feitas a partir de modelos de estudo de coorte são indicativas de uma tendência. Para se estabelecer como rotina o uso de balão intra-aórtico nesta situação é necessária a realização de estudos randomizados.

Recebido em 18/03/04

Aceito em 30/03/05

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  • Correspondência

    Marcelo Kern
    IC/FUC – Unidade de Pesquisa
    Av. Princesa Isabel, 370
    90620-001 – Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Aceito
      30 Mar 2005
    • Recebido
      18 Mar 2004
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