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Transplante cardíaco e neoplasias: experiência na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo

Resumos

OBJETIVOS: Analisar ocorrência e tipos de neoplasias que se desenvolveram em pacientes submetidos a transplante cardíaco ortotópico, no Programa de Transplante Cardíaco da Escola de Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. MÉTODOS: O presente estudo apresenta uma análise observacional de 106 pacientes submetidos a transplante cardíaco ortotópico, no período de novembro de 1986 a setembro de 2002, que sobreviveram por período superior a trinta dias após o procedimento. O regime de imunossupressão consistiu de terapia tríplice com ciclosporina A, azatioprina e corticosteróide. Apenas dois pacientes receberam, além da terapia tríplice, a adição de ortoclone OKT-3. O período médio de acompanhamento foi de 61,4 meses. (variação de dois meses a 192 meses). RESULTADOS: Vinte e três pacientes (21,3%) desenvolveram neoplasias, dos quais 56,5% apresentaram neoplasia de pele, 30,1% apresentaram tumores sólidos e 13,4%, doença linfoproliferativa pós-transplante (DLPT). O intervalo médio entre o transplante e o diagnóstico de neoplasia foi: pele - 54,9 meses, tumores sólidos - 24,8 meses e DLPT - 70,3 meses. CONCLUSÕES: A ocorrência de neoplasias malignas foi relativamente comum na população analisada. O câncer de pele prevaleceu em relação às demais neoplasias e os tumores sólidos foram mais diagnosticados do que as doenças linfoproliferativas nessa série de pacientes.

Transplante cardíaco; neoplasias; cirurgia cardíaca


OBJECTIVE: To study the occurrence and types of neoplasms developed by patients who underwent an orthotopic cardiac transplantation under the Program of Cardiac Transplantation of Escola Paulista de Medicina, Federal University of São Paulo. METHODS: This is an observational study of 106 patients who underwent orthotopic cardiac transplantation from November 1986 to September 2002 and survived at least thirty days following the procedure. The triple immunosuppressive regimen given included cyclosporin A, azathioprine and a corticosteroid agent. Only two patients received OKT3 in addition to the regimen established. Mean follow-up was 61.4 months (ranging from two months to 192 months). RESULTS: Twenty-three patients (21.3%) developed neoplasms - 56.5% of these were skin neoplasm, 30.1%, solid tumors, and 13.4% of post-transplant lymphoproliferative disease (PTLD). Mean interval between transplantation and diagnosis of neoplasm was: 54.9 months for skin neoplasm; 24.8 months for solid tumors and 70.3 months for PTLD. CONCLUSION: Malignant neoplasms are relatively common in the population studied. Skin cancer was the most common type compared to the other types of neoplasms. Solid tumors were more frequently diagnosed than the lymphoproliferative diseases in the population examined.

cardiac transplantation; neoplasms; surgery


ARTIGO ORIGINAL

Transplante cardíaco e neoplasias: experiência na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo

Walter Teixeira de Mello Junior; João Nelson R. Branco; Roberto Catani; Luciano de Figueiredo Aguiar; Rodrigo Pereira Paez; Enio Buffolo

Universidade Federal de São Paulo - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência Walter Teixeira de Mello Junior Rua Napoleão de Barros, 715, 3º andar 04023-062 – São Paulo, SP E-mail: cardiovascular.dcir@epm.br

RESUMO

OBJETIVOS: Analisar ocorrência e tipos de neoplasias que se desenvolveram em pacientes submetidos a transplante cardíaco ortotópico, no Programa de Transplante Cardíaco da Escola de Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo.

MÉTODOS: O presente estudo apresenta uma análise observacional de 106 pacientes submetidos a transplante cardíaco ortotópico, no período de novembro de 1986 a setembro de 2002, que sobreviveram por período superior a trinta dias após o procedimento. O regime de imunossupressão consistiu de terapia tríplice com ciclosporina A, azatioprina e corticosteróide. Apenas dois pacientes receberam, além da terapia tríplice, a adição de ortoclone OKT-3. O período médio de acompanhamento foi de 61,4 meses. (variação de dois meses a 192 meses).

RESULTADOS: Vinte e três pacientes (21,3%) desenvolveram neoplasias, dos quais 56,5% apresentaram neoplasia de pele, 30,1% apresentaram tumores sólidos e 13,4%, doença linfoproliferativa pós-transplante (DLPT). O intervalo médio entre o transplante e o diagnóstico de neoplasia foi: pele - 54,9 meses, tumores sólidos - 24,8 meses e DLPT - 70,3 meses.

CONCLUSÕES: A ocorrência de neoplasias malignas foi relativamente comum na população analisada. O câncer de pele prevaleceu em relação às demais neoplasias e os tumores sólidos foram mais diagnosticados do que as doenças linfoproliferativas nessa série de pacientes.

Palavras-chave: Transplante cardíaco, neoplasias, cirurgia cardíaca

Progressivamente, centros de cirurgia cardíaca têm incorporado o transplante ortotópico de coração em suas atividades como opção terapêutica para pacientes portadores de cardiopatias em fases terminais. Avanços nas técnicas cirúrgicas e nas técnicas de preservação miocárdica, seleção rigorosa de receptores, grandes progressos no controle da rejeição e a habilidade de prevenir e tratar diversos tipos de infecções contribuíram para o aumento da sobrevida de receptores de transplantes de órgãos1,2. Apesar desses avanços, a ocorrência de complicações tardias, como doença vascular do enxerto e neoplasias, afetam a sobrevivência desses pacientes.

Um dos primeiros estudos relacionando neoplasias, transplantes e imunossupressão foi publicado por Penn e cols. em 19693. Posteriormente, várias publicações confirmaram o aumento de incidência de neoplasias na população transplantada4-9. Se, por um lado, os avanços farmacológicos na terapia imunossupressora garantiram um controle mais efetivo da rejeição aguda e ampliaram a sobrevivência dos pacientes a curto prazo, por outro, as incidências de certas neoplasias constituíram um dos principais fatores limitantes a longo prazo, desses pacientes2,10.

Em pacientes transplantados, o risco de desenvolver neoplasias é cerca de três a quatro vezes maior que a população geral, porém para certos tipos de neoplasias esse risco aumenta até várias centenas de vezes2,7. O tempo médio de aparecimento de neoplasias pós-transplante varia de doze a dezoito meses, sendo estimada a incidência de 1% a 2% dessas doenças a cada ano1. Os tumores de pele e lábios são os que predominam nos pacientes com transplantes. Muitas das neoplasias malignas encontradas na população geral (pulmão, próstata, mama, cólon), contudo, não apresentam aumento de incidência na população transplantada submetida a imunossupressão2.

Nos transplantados observa-se aumento da freqüência de alguns tumores relativamente raros na população geral, incluindo linfomas não Hodgkin e distúrbios linfoproliferativos, atualmente agrupados sob a denominação de distúrbios linfoproliferativos pós-transplante (DLPT). A origem dos DLPT é incerta, porém acredita-se que possa depender de proliferação monoclonal ou policlonal de linfócitos B, com a participação de infecção pelo vírus Esptein-Barr. Outras neoplasias além das citadas têm incidência aumentada nos transplantados, como o sarcoma de Kaposi, carcinomas renais, carcinomas in situ do colo uterino, carcinomas hepatobiliares, carcinomas anogenitais e outros sarcomas.

Com relação aos tumores de pele e lábios, em pacientes submetidos a transplante, características incomuns à população geral são observadas, como maior proporção de carcinomas espinocelulares com relação aos carcinomas basocelulares11. Outras características incomuns são ocorrência de tumores em múltiplas topografias, freqüente associação com sarcoma de Kaposi e incidência em pacientes mais jovens12,13. Ocorrência em idades mais precoces do que na população geral também se verificam com neoplasias anogenitais2. Em relação aos DLPT, associação com infecções pelo vírus Epstein-Barr, foram observados: envolvimento de sítios extraganglionares e acentuada predileção para o envolvimento cerebral e do órgão transplantado12-18.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo descritivo observacional de uma série de 129 pacientes submetidos a transplante cardíaco ortotópico no Programa de Transplante Cardíaco da disciplina de cirurgia cardiovascular da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, no período compreendido entre novembro de 1986 e setembro de 2002. Desse total de pacientes inicialmente considerados, 23 deles morreram por diferentes causas antes de completar um mês de pós-operatório, sendo por isso excluídos do estudo. Os 106 pacientes que efetivamente fizeram parte do estudo eram: 87 masculinos e dezenove femininos, com idade média à época do transplante de 43,7 anos (com amplitude de doze a 64 anos).

O transplante foi indicado para o tratamento das seguintes cardiopatias em fases terminais: cardiomiopatia dilatada idiopática - 44 (41,5%) pacientes; cardiomiopatia chagásica - 31 (29,2%); cardiomiopatia isquêmica - 23 (21,6%); cardiomiopatia periparto 3 (2,8%); outras cardiomiopatias cinco (4,7%) (um cardiomiopatia hipertrófica; um cardiomiopatia congênita; um cardiomiopatia valvular; um cardiomiopatia virótica; um cardiomiopatia pós-radioterapia). Em cinco pacientes havia história de tabagismo importante. Todos os pacientes foram submetidos à terapia imunossupressora de manutenção com esquema tríplice, ciclosporina A, azatioprina e corticosteróide. Durante esse período, dois pacientes receberam ortoclone (OKT-3) para tratamento de rejeição. O tempo médio de acompanhamento pós-transplante foi de 62,5 meses (amplitude de dois meses a 192 meses).

Terapia imunossupressora - O protocolo de imunossupressores utilizado consistiu na administração de esquema tríplice com ciclosporina A, azatioprina e corticosteróide, conforme mostra a tabela 1.

Observações: nos portadores de doença de Chagas, ou naqueles que desenvolveram diabetes ou psicoses como complicações do uso de prednisona, a droga foi suspensa no segundo ou terceiro mês de pós-operatório; a terapia de indução não foi utilizada; apenas dois pacientes fizeram uso de OKT-3 para tratamento de episódios de rejeição; nos episódios de rejeição moderada/grave: metilprednisona 1g IV/dia durante três dias seguido de prednisona 0,5 -1mg/kg/dia até normalização da biópsia.

Monitorização da rejeição - Os pacientes foram rotineiramente submetidos a biópsias endomiocárdicas, realizadas de acordo com o seguinte esquema: uma vez por semana no primeiro mês; de quinze em quinze dias no segundo mês; uma vez por mês até completar seis meses, e a cada dois meses até completar um ano. Biópsias adicionais foram realizadas quando alterações clínicas ou achados em testes objetivos (exame físico, eletrocardiograma e ecocardiograma) sugerissem rejeição do órgão.

RESULTADOS

Características dos pacientes - O perfil clínico dos pacientes que desenvolveram neoplasias é mostrado na tabela 2.

Dos 106 pacientes analisados, 23 pacientes (21,6%) desenvolveram neoplasias. O tempo médio de acompanhamento desses últimos foi de 73,1 meses (amplitude de onze e 192 meses).

A média de idade dos pacientes à época do transplante foi de 52,04 anos (intervalo de 29 a 62 anos). Entre os pacientes que desenvolveram neoplasias, 22 (95,6%) eram do sexo masculino e apenas um paciente (4,4%) pertencia ao sexo feminino. As indicações para o transplante nos pacientes que desenvolveram neoplasias foram para o tratamento das seguintes cardiopatias: cardiomiopatia dilatada idiopática, doze pacientes (52,1%); cardiomiopatia isquêmica, sete pacientes (30,4%); cardiomiopatia chagásica, dois pacientes (8,6%); cardiomiopatia pós-radioterapia, um paciente (4,3%); e cardiomiopatia hipertrófica, um paciente (4,3%). O tempo médio entre os transplantes e a detecção da neoplasia foi de 44,9 meses (intervalo de dois a 116 meses).

A distribuição de freqüências e os tipos de neoplasias encontradas são mostradas na tabela 3.

Sobrevivência dos pacientes - A sobrevida dos pacientes transplantados é analisada através da função de sobrevivência obtida pelo estimador de Kaplan-Meier. Na figura 1, a função de sobrevivência é apresentada separadamente para os indivíduos "sem neoplasia", "com neoplasia de pele" e "com outras neoplasias" (tumores sólidos e DLPT). Nessa figura observa-se que a probabilidade de sobrevivência é maior para os indivíduos "com neoplasia de pele" e "sem neoplasia" do que os "com outras neoplasias".


Estimativas pontuais e intervalares do tempo médio de vida (em meses) após os transplantes cardíacos, calculados utilizando o estimador Kaplan-Meier, encontram-se na tabela 4. O tempo de vida média estimada para indivíduos "com outras neoplasias" apresenta uma diferença considerável em relação aos indivíduos "sem neoplasia" e "com neoplasia de pele".

DISCUSSÃO

Pelos relatos da literatura médica, a incidência de neoplasias malignas que surgem em pacientes submetidos a transplantes cardíacos situa-se entre 1% e 2% ao ano. Os tumores cutâneos são os que se desenvolvem com maior freqüência em pacientes portadores de órgãos transplantados e incluem os carcinomas espinocelulares (de células escamosas), carcinomas de células basais, melanomas e carcinomas de células de Merkel19-22. Em segundo lugar em termos de freqüência vêm as doenças linfoproliferativas pós-transplante, DLPT. Seguindo esses dois tipos de tumores, que constituem a maioria dos tumores malignos de novo vistos em receptores de transplantes, estão os tumores de órgãos sólidos23-28. As neoplasias de órgãos sólidos são classificadas em dois grupos: neoplasias que são encontradas com freqüência similar àquelas de grupos comparáveis da população geral, que incluem carcinoma de pulmão, carcinoma da mama, câncer de próstata e do cérebro, e neoplasias encontradas com maior incidência, que incluem carcinoma de células renais (em receptores de transplantes renais) e neoplasias genitais em pacientes do sexo feminino como câncer do colo de útero, carcinomas perianais/anais e carcinomas da vulva2. Dados estatísticos mais recentes mostram que o carcinoma do cólon ocorre com freqüência maior em receptores de órgãos transplantados do que na população geral29, e o câncer de ovário é a única neoplasia identificada em menor incidência na população de pacientes transplantados em relação à população geral30-33.

Nesta pequena série de 106 pacientes submetidos a transplante cardíaco, a incidência de neoplasias malignas foi de 1,35% ao ano, e predominaram em freqüência os carcinomas de pele do tipo não-melanomas que corresponderam a 56,5% dos casos de neoplasias encontradas, que coincidem com os relatados na literatura médica internacional. A exposição excessiva à luz solar é um fator de risco para desenvolvimento de câncer de pele, como demonstrado em diversos estudos que apontam um incremento de cerca de 21 vezes no risco de câncer em áreas da pele excessivamente expostas ao sol12,16,17,21-23. Essa freqüência de carcinomas de pele nesta série pode ter ligação com as características climáticas do Brasil, onde observamos dias ensolarados a maior parte do ano. De fato, os dados estatísticos do Ministério da Saúde informam que o câncer de pele é o tipo de tumor de maior incidência no Brasil, com risco estimado em 2005 de 62 casos a cada cem mil homens, e de sessenta a cada cem mil mulheres33.

As doenças linfoproliferativas pós-transplante, DLPT, são o segundo tipo de neoplasia que mais se desenvolvem em receptores de transplantes34-36. A maioria dos casos de DLPT se apresenta durante o primeiro ano após o transplante e parece estar relacionada ao vírus Epstein-Barr (EBV). A minoria dos casos de DLPT que são soronegativo para EBV apresenta-se igualmente distribuída em um período de dez anos após o transplante37-40. Na apresentação da DLPT pode haver predominância de células T ou células B com padrão monomórfico ou polimórfico36. A forma mais benigna, freqüentemente descoberta de modo incidental em pacientes transplantados pediátricos, se apresenta na forma de hiperplasia das amídalas. A DLPT pode se desenvolver em um único sítio anatômico ou em múltiplos sítios, podendo envolver órgãos sólidos ou linfonodos, ou ainda variar histologicamente de lesões hiperplásicas a linfomas36,41-44.

Alguns fatores associados a um melhor prognóstico são: pacientes mais jovens na apresentação da doença, DLPT localizada em um único sítio anatômico, acometimento limitado ao enxerto e pacientes nos quais possam ser reduzidas as doses de imunossupressores45. A presença de envolvimento do sistema nervoso central, por outro lado, comporta prognóstico reservado46,47. Alguns estudos demonstram que pacientes soronegativos para EBV nos quais se utilizou OKT-3 como terapia imunossupressora de indução possam correr maior risco para desenvolvimento de DLPT45,48,49.

Em nosso estudo, três pacientes desenvolveram DLPT (13,04% de todas as neoplasias diagnosticadas). Em um paciente que evoluiu para óbito por outras complicações (rejeição aguda, infecção por P. carini e coagulação intravascular disseminada) havia acometimento por DLPT do mediastino, hiperplasia reacional com expressão para o vírus Epstein-Barr e infiltrado linfomononuclear atípico presente no parênquima esplênico.

Outro paciente que evoluiu para o óbito enquanto se elaborava o diagnóstico teve confirmação de DLPT obtida por necropsia, que constatou o envolvimento do fígado, com pesquisa de EBV positiva. Um terceiro paciente apresentou quadro de extensa infiltração da mucosa anorretal cuja biópsia com estudos histopatológico e imuno-histoquímico resultou no diagnóstico de DLPT com padrão de linfoma B polimorfo. Esse paciente também apresentou pesquisa positiva para vírus Epstein-Barr.

Com relação aos tumores sólidos, esses foram mais freqüentes do que as DLPT, correspondendo a 30,1% das neoplasias diagnosticadas. Dentre os sete tipos de neoplasias que se desenvolveram nessa população submetida a transplante cardíaco, dois foram adenocarcinoma de próstata, um carcinoma epidermóide de pulmão, um adenocarcinoma de mama, um carcinoma de esôfago e dois pacientes se apresentaram com neoplasia metastática disseminada (adenocarcinoma) cujo sítio primário não foi detectado. Fatos relevantes nos pacientes que desenvolveram câncer de próstata foram o surgimento em período relativamente precoce após o transplante (intervalo médio de 19,5 meses); média de idade inferior (52 anos) aos pacientes com câncer de próstata da população geral (72 anos)26 e baixa sobrevida após o diagnóstico (média de 36,5 meses).

O câncer de próstata é a segunda neoplasia mais freqüente em homens da população geral e a terceira mais freqüente em homens da população de transplantados. Os carcinomas de pulmão e do esôfago encontravam-se em estágio avançado quando foram diagnosticados. Em pacientes transplantados, o câncer de pulmão possui comportamento biológico agressivo, com disseminação metastática precoce e conseqüente estágio avançado por ocasião do diagnóstico5,9,24. O câncer de mama, de forma semelhante a outras neoplasias observadas em transplantados, ocorre em pacientes com idade inferior à da população geral e possui um comportamento biológico mais agressivo. Além disso, uma porcentagem maior de homens com câncer de mama tem sido identificada na população de transplantados do que na população geral50,51.

Candidatos a transplantes com história pregressa de câncer de mama ou com câncer de mama ativo são comumente encontrados52,53. Um estudo recente examinou pacientes candidatos a transplantes que foram portadores de câncer de mama e submetidos a intervenções curativas apropriadas, tendo como base o estágio do tumor53. Todos os pacientes aguardaram cinco ou mais anos antes de serem submetidos ao transplante. Os pacientes com neoplasias em estágio I ou II demonstraram taxa de recorrência de 5% a 8%, enquanto os de estágio III exibiram taxa de recorrência de 64%53. Os resultados desse estudo sugerem que na presença de estágio III ou maior de câncer de mama há contra-indicação absoluta para transplante, enquanto pacientes com história pregressa de câncer de mama com estágio I ou II submetidos a tratamento curativo apropriado e um prolongado período de espera podem ser candidatos a transplante.

Em nosso estudo houve um caso de adenocarcinoma de mama em paciente do sexo masculino com história pregressa de câncer de mama tratado com ressecção cirúrgica associado a radioterapia. A neoplasia foi considerada curada e o transplante cardíaco foi indicado para tratamento de cardiomiopatia pós-radioterapia em fase terminal. Houve recorrência do tumor de mama nove meses após o transplante. Todos os pacientes que desenvolveram tumores em órgãos sólidos faleceram em decorrência das neoplasias.

É importante fazer menção a um estudo de autores nacionais que examinou a incidência e características de neoplasias após transplante cardíaco indicado para o tratamento da doença de Chagas crônica, comparado a transplante cardíaco realizado em decorrência de outras miocardiopatias54. Nesse estudo abrangendo 91 pacientes, dezesseis eram portadores de miocardiopatia chagásica. Seis desses dezesseis pacientes (37,5%) desenvolveram neoplasias malignas (três casos de doença linfoproliferativa pós-transplante, sarcoma de Kaposi em dois e um carcinoma de células escamosas), detectadas durante o seguimento clínico pós-transplante por um período de 25,3 ± 2,1 meses, em contraste com dois dos 75 pacientes (2,7%) do grupo de miocardiopatia não-chagásica que apresentaram neoplasias (um caso de doença linfoproliferativa pós-transplante e um caso de shwannoma afetando a pele), após um seguimento clínico pós-transplante de 34,6 ± 3,6 meses, concluindo que há maior incidência de neoplasias malignas em pacientes com miocardiopatia chagásica submetidos a transplante cardíaco.

No presente estudo de 106 pacientes submetidos a transplante cardíaco, em 31 (29,2%) a indicação do transplante se deu por miocardiopatia chagásica crônica, e desses, apenas dois (6,4%) desenvolveram neoplasia (um câncer de pele e um câncer de esôfago).

Um consenso sobre vigilância de neoplasias em pacientes portadores de órgãos transplantados foi recentemente publicado no American Journal of Transplantation54. As recomendações incluem: a realização de radiografia do tórax uma vez ao ano, e em pacientes do sexo feminino com idade superior a dezoito anos, exame ginecológico com teste de Papanicolau para detectar a presença de displasia cervical ou câncer; mamografias a cada dois anos, a partir dos quarenta anos nas pacientes de alto risco e, a partir dos cinqüenta anos de idade nas de menor risco para câncer de mama; colonoscopia inicial a partir de cinqüenta anos de idade e, posteriormente, a cada cinco anos, ou na presença de sintomas ou de sangue oculto nas fezes; todos os pacientes portadores de colangite esclerosante primária devem ser submetidos a colonoscopia anualmente na presença de doença intestinal crônica; na presença de polipose intestinal os receptores de órgãos transplantados devem ser submetidos a colonoscopia a cada seis meses até a eliminação dos pólipos, quando esse intervalo pode ser aumentado; exame anual da próstata incluindo toque digital e dosagens de PSA; exame físico rigoroso da superfície corpórea para detectar a presença de lesões cutâneas ou o surgimento de novas lesões. Outras recomendações podem ser feitas, como evitar exposição excessiva à luz solar, o uso de cremes com filtros protetores solares e orientações para o auto-exame da pele.

Com base na série de pacientes estudada conclui-se: A incidência de neoplasias em pacientes transplantados cardíacos é alta, comparada à população geral.

As neoplasias de pele nesse grupo são as mais freqüentes e, ao contrário do que se observa na população geral, predomina o carcinoma espinocelular.

A incidência de doenças linfoproliferativas no grupo analisado não foi tão predominante como os relatados na literatura médica.

Ao contrário das neoplasias de pele, os tumores sólidos e as doenças linfoproliferativas pos transplante podem ser importantes causas de óbito nesse grupo de pacientes.

35. Buell JF, Hanaway MJ, Thomas M, Rudich SR, Woodle ES. Malignancies associated with liver transplantation. In: Busuttil RW, Klintmalm GB (eds). Transplantation of the liver. Philadelphia, Pa: W.B. Saunders Co., 2004. In press.

41. Aull M, Trofe J, Alloway RR et al. Experience with 274 cardiac transplant recipients post-transplant lymphoproliferative disorder: a report from the Israek Penn Transplant Tumor Registry. Transplantation 2004; in press.

Recebido em 11/08/04

Aceito em 01/07/05

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  • Correspondência

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Recebido
      11 Ago 2004
    • Aceito
      01 Jul 2005
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