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Letalidade por doenças isquêmicas do coração no Estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2003

Resumos

OBJETIVO: Estimar a letalidade nos procedimentos de doenças isquêmicas do coração (DIC) aguda e crônica e por revascularização miocárdica (RVM) e angioplastia coronariana (AC) nos hospitais cadastrados no SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares/Sistema Único de Saúde) no Estado do Rio de Janeiro (ERJ), de 1999 a 2003. MÉTODOS: Os procedimentos considerados de RVM e de AC provieram do Datasus. As taxas foram padronizadas por sexo, idade e gravidade de doença, tendo como padrão todos os procedimentos de alta complexidade cardiovascular, realizados no ERJ em 2000. Os grupos de DIC são: angina, infarto agudo do miocárdio, outras DIC agudas e DIC crônicas. RESULTADOS: As letalidades por angina, IAM, outras DIC agudas e DIC crônicas foram de 2,8%, 16,2%, 2,9% e 3,9%, respectivamente, no ERJ. As taxas de letalidade, ajustadas por idade, sexo e grupo diagnóstico, nas RVM e AC foram elevadas, variando entre 1,9% e 12,8% nas RVM, e atingindo 3,2% nas AC, e de 2,3% e 11,1%, quando o tratamento clínico era realizado. CONCLUSÃO: As RVM e AC no tratamento das DIC no ERJ vêm aumentando progressivamente. A letalidade esteve acima do desejável, principalmente nas internações por DIC crônicas (5,4% e 1,7%, respectivamente). O tratamento clínico otimizado parece boa opção terapêutica, reservando-se as RVM e AC para os casos de pior prognóstico. A letalidade no IAM com tratamento clínico foi semelhante à existente quando não se utilizam trombolíticos (16,7%).

doenças isquêmicas do coração; letalidade hospitalar; revascularização do miocárdio; angioplastia coronariana


OBJECTIVE: To estimate the lethality rate of acute and chronic ischemic heart disease (IHD) procedures, coronary artery bypass graft (CABG) procedures and percutaneous transluminal coronary angioplasty (PTCA) procedures in the hospitals that are registered as service providers for the Hospital Information System / Single Healthcare System (SIH/SUS) plan in the state of Rio de Janeiro (RJ) between 1999 and 2003. METHODS: The procedures considered as CABGs and PTCAs were provided by Datasus (SUS databank). The rates were standardized in accordance with gender, age, and disease severity. The common factors among these procedures are that they are highly complex cardiovascular procedures performed in RJ in the year 2000. The IHD groups are: angina, acute myocardial infarction, other acute IHDs and chronic IHDs. RESULTS: Lethality rates for angina, acute myocardial infarction (AMI), other acute and chronic IHDs were 2.8%, 16.2%, 2.9% and 3.9%, respectively, in the RJ. The lethality rates for CABG and PTCA, adjusted by age, sex and diagnostic groups, were elevated ranging from 1.9% to 12.8% for CABG procedures and as high as 3.2% for PTCA. When medical therapy was performed the rates were 2.3% for CABG and 11.1% for PTCA. CONCLUSION: There has been a progressive increase in the number of CABG and PTCA procedures to treat IHDs in the RJ. Lethality rates were above the desirable level, mainly for chronic IHD hospital admissions (5.4% and 1.7%, respectively). Optimized medical therapy appears to be a worthwhile therapeutic option, reserving CABG and PTCA procedures for the cases with the worst prognoses. Lethality rates for AMI with medical therapy was comparable to current rates when thrombolytics were not used (16.7%).

ischemic heart diseases; hospital lethality; coronary artery bypass graft; percutaneous transluminal coronary angioplasty


ARTIGO ORIGINAL

Letalidade por doenças isquêmicas do coração no Estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2003

Gláucia Maria Moraes de Oliveira; Carlos Henrique Klein; Nelson Albuquerque de Souza e Silva; Paulo Henrique Godoy; Tânia Maria Peixoto Fonseca

Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência Gláucia Maria Moraes de Oliveira Rua Fadel Fadel, 112/1204 22430-170 – Rio de Janeiro, RJ E-mail: gláucia@mls.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a letalidade nos procedimentos de doenças isquêmicas do coração (DIC) aguda e crônica e por revascularização miocárdica (RVM) e angioplastia coronariana (AC) nos hospitais cadastrados no SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares/Sistema Único de Saúde) no Estado do Rio de Janeiro (ERJ), de 1999 a 2003.

MÉTODOS: Os procedimentos considerados de RVM e de AC provieram do Datasus. As taxas foram padronizadas por sexo, idade e gravidade de doença, tendo como padrão todos os procedimentos de alta complexidade cardiovascular, realizados no ERJ em 2000. Os grupos de DIC são: angina, infarto agudo do miocárdio, outras DIC agudas e DIC crônicas.

RESULTADOS: As letalidades por angina, IAM, outras DIC agudas e DIC crônicas foram de 2,8%, 16,2%, 2,9% e 3,9%, respectivamente, no ERJ. As taxas de letalidade, ajustadas por idade, sexo e grupo diagnóstico, nas RVM e AC foram elevadas, variando entre 1,9% e 12,8% nas RVM, e atingindo 3,2% nas AC, e de 2,3% e 11,1%, quando o tratamento clínico era realizado.

CONCLUSÃO: As RVM e AC no tratamento das DIC no ERJ vêm aumentando progressivamente. A letalidade esteve acima do desejável, principalmente nas internações por DIC crônicas (5,4% e 1,7%, respectivamente). O tratamento clínico otimizado parece boa opção terapêutica, reservando-se as RVM e AC para os casos de pior prognóstico. A letalidade no IAM com tratamento clínico foi semelhante à existente quando não se utilizam trombolíticos (16,7%).

Palavras-chave: doenças isquêmicas do coração, letalidade hospitalar, revascularização do miocárdio, angioplastia coronariana

As autorizações para internação hospitalar (AIH) são, atualmente, os melhores instrumentos de que se dispõem para avaliar os dados relacionados às internações nas unidades de saúde (diagnósticos, gastos, procedimentos, letalidade hospitalar, entre outros). Embora tenha sido criada como mecanismo para pagamento da assistência hospitalar prestada, pode e tem sido utilizada também como fonte de informação de saúde útil para a tomada de decisões gerenciais. A melhoria da qualidade da informação depende muito de os profissionais de saúde compreenderem, e de fato preencherem adequadamente, os instrumentos de coleta1.

Há dois conjuntos de dados de internações que podem ser utilizados para o estudo dos casos de letalidade das doenças cardiovasculares: AIH apresentadas pelas unidades hospitalares executoras do serviço e AIH pagas a essas unidades. A diferença entre os dois conjuntos é que as AIH apresentadas pelas unidades contêm dados que ainda não passaram por todas as críticas do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS), incluindo a confiabilidade nos dados e a disponibilidade dos recursos financeiros. No segundo conjunto, o de AIH pagas, já houve a aplicação das críticas, representando efetivamente o que se gastou com as internações1.

Em meados da década passada, estimava-se que no Brasil 80% das assistências médica e hospitalar eram feitas no âmbito do SUS2. De 1999 a 2003, o SUS gastou anualmente no Estado do Rio de Janeiro (ERJ), em média, 191 milhões de dólares com internações por todas as causas. Esse valor representou um gasto anual de US$ 13,20 por habitante, dos quais 60 centavos de dólar foram despendidos nas internações por doenças isquêmicas do coração (DIC). Em 1997, dos gastos do SUS no Brasil com internações, 3,3% haviam sido por DIC2, enquanto no ERJ esse gasto relativo foi de 4,6% no período de 1999 a 20031.

Quase 70% do valor anual médio, de 8,7 milhões de dólares gastos nessas internações por DIC, corresponderam aos procedimentos de alta complexidade (PAC). Em um quinto das internações por DIC foram realizados PAC. Do total de PAC em DIC, 37% foram referentes às revascularizações cirúrgicas do miocárdio (RVM) e 62% às angioplastias de coronarianas (AC)1.

Esses dados atestam a importância social das doenças cardiovasculares (DCV) para o SUS. O melhor conhecimento clínico sobre os casos internados poderá orientar os gestores para ações necessárias para minimizar esse problema.

O objetivo deste estudo foi estimar as taxas de letalidade por DIC e pelos PAC mais utilizadas: RVM e AC, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 1999 a 2003, utilizando como fonte de dados as AIH pagas pelo SIH/SUS.

MÉTODOS

Todos os dados que se apresentam a seguir derivam das AIH pagas pelo SUS no Estado do Rio de Janeiro (ERJ), referentes ao período de 1999 a 2003, e todas as observações que se seguem sobre desempenho na atenção aos pacientes internados por DIC referem-se tão somente aos atendimentos no SUS.

Os procedimentos considerados de RVM, excluídos aqueles em que houve troca valvar (32011016, 32038011, 32039018 e 32040016), e de AC (32023014 e 32035012) provieram do banco de dados do Datasus, para os hospitais que realizaram cem ou mais intervenções3. Preferimos não identificar os hospitais, a não ser por códigos de letras, e nem mesmo pela natureza e região de localização, até porque a explicitação dessas características seria suficiente para identificá-los dado seu pequeno número.

As taxas de letalidade foram ajustadas com modelos log-poisson, que levaram em consideração os efeitos de idade (ano a ano), sexo e o grupo de diagnóstico DIC dos pacientes, de forma que os diferenciais ainda remanescentes deveram-se a outros fatores.

Os grupos de DIC são: angina (CID-10 I20), infarto agudo do miocárdio (CID-10 I21 a I23), outras DIC agudas (CID-10 I24) e DIC crônica (CID-10 I25)4.

RESULTADOS

O número total de internações pagas pelo SUS no período de 1999 a 2003 caiu de aproximadamente um milhão no primeiro ano para próximo de 881 mil no último ano. Entretanto, a quantidade de internações por DIC se elevou durante esse período, de 12,2 mil para 14,5 mil; assim, a relação passou de 1,2% de internações por DIC no início para 1,6% no final.

Do total de 68.375 internações ocorridas por DIC no período estudado, 41,3% tiveram o diagnóstico de angina do peito, 34% o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio e 10,6 % foram diagnosticadas dentro da categoria DIC crônica.

Um impacto ainda maior, no período estudado, ocorreu nas relações de quantidades e gastos com procedimentos de alta complexidade empregados nas internações por DIC. Assim, se em 1999, em 16% das internações por DIC foram realizadas intervenções de alta complexidade, com um gasto relativo de 66%, em 2003 essas relações se elevaram para 25% e 79%, respectivamente.

Do total de internações por DIC, 7,4% ocorreram para realização de revascularização miocárdica e 12,4% para angioplastia coronariana. No infarto agudo do miocárdio, 1,4% foi revascularizado cirurgicamente e 3,4% foram submetidos a angioplastia coronariana. Nas anginas do peito e outras DIC agudas, 17,6% sofreram intervenções para revascularização, e nas DIC crônicas, 79,1%.

A letalidade hospitalar geral nas internações por DIC, autorizadas pelo SUS, no ERJ, no período estudado, foi de 7,5 óbitos para cada cem internações. Esse risco de óbito variou consideravelmente quando se consideraram os grupos de doenças, codificadas segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), correspondentes às DIC. Na tabela 1 podem ser observadas as letalidades de acordo com os grupos de DIC e com os procedimentos terapêuticos adotados nas internações.

As taxas de letalidade variaram, nos grupos de DIC, de pouco menos de 3% nas anginas e em outros diagnósticos de DIC aguda, excluídos os IAM, passando por 4% nas crônicas, até 16,7% nos infartos agudos do miocárdio (IAM).

A letalidade geral nas RVM foi de 7,5%, e nas AC, de 1,7%. Esses índices também variaram de acordo com o grupo de DIC, e nas RVM a letalidade nas internações por angina foi a mais elevada, ocorrendo um óbito em cada 10,6 cirurgias. Mesmo nas DIC crônicas, a letalidade atingiu 5,4%. Ressalte-se que o menor porcentual de letalidade hospitalar ocorreu no diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (5,2%).

Nas AC, a letalidade hospitalar variou de 0,8% na angina do peito para 1,1% nos outros quadros de DIC aguda, 1,7% nas DIC crônicas e 6% nos casos de IAM.

Uma análise mais minuciosa dessas taxas de letalidade é aquela que procura examinar a evolução desses índices ao longo do período de tempo estudado. Na fig.1 podem ser vistas como se comportaram as taxas de letalidade nos procedimentos de alta complexidade (RVM e AC) e nos tratamentos clínicos nos quatro grupos de diagnóstico de DIC.


A letalidade nas AC com diagnóstico de angina do peito variou de 0,2% a 1,3% no período estudado, enquanto nos diagnósticos de outras DIC agudas essa variação foi de 0 a 0,7%. Nas DIC crônicas, a letalidade nas AC apresentou redução, progressiva, de 3,2% para 0,7%. No IAM, a letalidade na AC elevou-se, atingindo um pico acima de 15% em 2001, para reduzir para níveis em torno de 5% em 2002 e 2003.

As taxas de letalidade na RVM foram sempre maiores na angina do peito e outras DIC agudas do que nas DIC crônicas, mas mantendo-se em torno de 5% para as DIC crônicas e acima de 10% para a angina do peito. No IAM, a RVM também apresenta letalidade acima de 5%, ressaltando-se o pico que ocorreu no ano de 2001, quando atingiu valores próximos a 20%.

Quanto às internações nas quais não ocorreram intervenções invasivas, a letalidade hospitalar mantém-se estável, em níveis próximos a 3% para angina do peito e outras DIC agudas, e em níveis acima de 15% para o IAM, observando-se nesse grupo uma discreta tendência de queda ao longo desses cinco anos. Nas DIC crônicas, nota-se também uma certa estabilização da letalidade, um pouco acima de 5% entre 1999 e 2002, mas com um súbito aumento em 2003 para níveis acima de 10%.

De uma maneira geral, durante o período de 1999 a 2003, a letalidade nas RVM apresentou queda, com flutuação, de 9% a 6%; nas AC ocorreu flutuação ascendente com níveis variando entre 1,6% e 1,5%, e nos tratamentos clínicos houve uma discreta queda de 8,8% para 8,2%. A maior instabilidade das taxas de letalidade nas RVM no IAM se deveu, provavelmente, ao menor número de intervenções desse tipo nesse grupo diagnóstico.

No mesmo período, as tendências das taxas de letalidade nos grupos das anginas e das DIC crônicas foi de queda (de 3,2% a 2,3%, e de 4,9% a 3%, respectivamente), assim como nos IAM (de 17,3% a 15%), ainda que relativamente discreta, enquanto nos outros diagnósticos de DIC agudas houve flutuação ascendente (de 2,7% a 3%).

As informações de letalidade indicam também as diferenças existentes entre as unidades prestadoras de serviço ao SUS, os hospitais. Na tabela 2 são apresentadas taxas de letalidade em dez hospitais selecionados, pelo volume de intervenções de alta complexidade (RVM e AC).

Foram excluídos dessa tabela todos os demais hospitais que não tenham realizado pelo menos cem RVM e cem AC no período de análise, de 1999 a 2003. Todavia, a última linha da tabela relaciona os dados referentes ao conjunto do Estado do Rio de Janeiro, incluindo o resultado de todas as internações, em todos os hospitais. As taxas de letalidade foram ajustadas com modelos log-poisson.

É preciso alertar para o fato de que os modelos variam entre as colunas, de modo que as comparações são válidas apenas entre valores das taxas de letalidade de uma mesma coluna. Já os valores que correspondem ao número de internações e intervenções não sofreram nenhum ajuste.

A variabilidade entre as taxas de letalidade, ajustadas por idade, sexo e grupos diagnósticos, nas RVM executadas nos hospitais selecionados foi notável (de 1,9% a 12,8%), e maior do que a ocorrida nas AC (de 0 a 3,2%). Também nos tratamentos clínicos ocorreu grande variação entre as taxas de letalidade. Tudo resultou em elevada variabilidade nas taxas de letalidade nas internações por DIC entre os hospitais (de 3% a 15,3%).

DISCUSSÃO

Esses dados referem-se tanto aos hospitais públicos quanto aos hospitais privados contratados para prestar serviços de saúde. A análise restringe-se às internações pagas pelo SUS no período de 1999 a 2003, e não ao número de pacientes, que compreenderam 68.375 internações. Portanto, as taxas de letalidade estimadas neste estudo referem-se às internações e não aos pacientes. Como muitos desses podem ter sido internados mais de uma vez com diagnóstico de DIC, inclusive para realizar procedimentos terapêuticos clínicos ou de alta complexidade, pode-se supor que se aquelas taxas pudessem ter sido estimadas por pacientes seriam até mais elevadas.

Reconhecemos a necessidade de informações mais específicas sobre características clínicas dos pacientes, como também a respeito de comorbidades, que permitissem construir escores de ajuste, para comparar com maior precisão o desempenho dos hospitais. Entretanto, essas informações não estão contidas nas AIH, e talvez nem mesmo de forma padronizada nos prontuários de todos os hospitais. Portanto, faz-se necessária a implementação dos registros de alta complexidade no Brasil. Ainda assim, não podemos prescindir da única base abrangente de informações existentes, ainda que incompleta, que é a das AIH.

As distribuições dos procedimentos nos hospitais obedecem à lógica do pagamento de serviços prestados ao SUS e dependem da oferta desses serviços naqueles instituições, quer sejam públicas quer privadas, universitárias ou não. Outra limitação do emprego das AIH se refere aos diagnósticos. É bastante provável que a confiabilidade das informações sobre ocorrência de óbitos e procedimentos de alta complexidade seja muito maior do que aquelas sobre os diagnósticos. Esses últimos podem conter erros presumíveis pelos resultados observados na letalidade por IAM, por exemplo, em que nas RVM a letalidade é inferior à esperada, considerados os outros grupos diagnósticos; porém, o mesmo problema não ocorreu nas AC (tab. 1). Também a razoável flutuação das taxas de letalidade nos IAM em que houve RVM, ou AC, ao longo do período estudado, pode ser explicada pelo pequeno número de observações em cada ano.

As DCV são a principal causa de morte no país e no ERJ, onde cerca de 30% do total dos óbitos tiveram essa causa. São também a segunda causa de internação, excluindo-se gravidez, parto e puerpério, somente sendo suplantadas pelas doenças do aparelho respiratório. Representam a primeira causa de aposentadoria por doenças, cerca de um terço do total. As DCV, tomadas pela soma das doenças cerebrovasculares com as DIC, são a causa mais importante de DALYS (anos de vida perdidos por morte prematura ou por incapacitação)5. No ERJ, as DIC são a segunda causa de morte por DCV, somente suplantadas pelas doenças cerebrovasculares6.

As taxas de letalidade nos IAM no ERJ (18,4%, em 1995)7 e no Estado de São Paulo (17,1%, em 1997)8 foram relativamente elevadas, quando comparadas aos valores obtidos em ensaios clínicos realizados em outros países9, de 5,9% e 13,1%, com e sem o emprego de trombolíticos. Os registros dos casos de IAM atendidos nos Estados Unidos apontaram taxas de letalidade de 18,1% a 19,7%, no período de 1994 a 199810. Em estudos multicêntricos europeus, a variação da letalidade foi de 18% a 21%, na última década do século XX11. As taxas de letalidade observadas nos registros de dados dos sistemas de saúde em vários países representam mais do dobro das taxas observadas nos ensaios clínicos. Essa diversidade pode ter várias explicações, entre elas os critérios de seleção de pacientes adotados nos ensaios clínicos e a não-aplicação de tratamento otimizado na prática clínica, entre outras possíveis explicações (treinamento das equipes de saúde, recursos existentes, condições sociais dos pacientes etc). Portanto, as estatísticas apresentadas no presente estudo, referentes ao ERJ, são mais bem comparadas aos registros.

É possível supor como muito provável que o risco de óbito nos tratamentos clínicos dos internados por IAM se reduziria de forma considerável, caso tivessem sido implementadas determinadas intervenções no atendimento precoce. Essas intervenções compreendem o uso de trombolíticos e outros agentes consagrados no tratamento do IAM, como AAS, betabloqueadores e inibidores da ECA.

Em estudo realizado no município do Rio de Janeiro, que comparou uma amostra aleatória de 391 prontuários de internações com diagnósticos de IAM, nas AIH de 1997, observou uma concordância diagnóstica de 91,7%, letalidade nas internações de 20,6%, trombólise intravenosa em 19,5%, uso de AAS em 86,5%, betabloqueadores em 49% e inibidores da ECA em 53,3%12. Considerando-se que, em cerca de dois terços das internações os pacientes se mantiveram em Killip I13, pode-se supor que, se as terapêuticas preconizadas por estudos randomizados9 tivessem sido empregadas, a letalidade poderia ter sido menor.

A cobertura da assistência médica nas DIC, em algumas capitais brasileiras, sem incluir o Rio de Janeiro, apresentou declínio de 17,8% nas duas últimas décadas14. No Rio de Janeiro, em 2000, Melo observou que os óbitos por IAM registrados no SIH/SUS corresponderam a apenas aproximadamente 10% dos certificados no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM)15. Por isso, é importante reforçar que os dados elaborados no presente estudo só consideraram os casos de DIC internados com autorização do SIH/SUS, e que as taxas de letalidade apresentadas não se referem aos casos não-internados ou que tenham sido atendidos fora do SIH/SUS.

A letalidade em 41.989 cirurgias de RVM, no período de 1996 a 1998, em 131 hospitais brasileiros, foi de 7,2%, com relação inversa entre volume e letalidade por RVM16. Segundo a Sociedade de Cirurgia Torácica dos Estados Unidos, em 124.793 cirurgias realizadas por mais de 1.200 cirurgiões, em mais de seiscentos hospitais, as taxas de letalidade nas RVM foi de 3,2% e 5,0%, quando o volume foi maior ou menor do que cem intervenções por ano, respectivamente17. Essas taxas foram semelhantes às relatadas em hospitais de Ontário (Canadá)18.

Recentemente, a letalidade relatada por cirurgiões nos Estados Unidos nas RVM variou de 1,9%, nos hospitais com pequenos volumes (até 150 cirurgias/ano), até 0,78%, naqueles com grandes volumes (628 ou mais cirurgias/ano)19. No ERJ essa letalidade, nos anos de 1999 a 2003, foi de 7,6%, em média (tab. 1).

Nas AC realizadas nos Estados Unidos, entre os anos de 1998 e 2000, a letalidade variou de 1,4%, nos hospitais que realizaram mais do que mil casos/ano, a 2,6%, nos hospitais com cinco a 199 casos/ano20. A média no ERJ foi de 1,7%, nos anos de 1999 a 2003 (tab. 1). Nas AC primárias, a letalidade naqueles hospitais dos Estados Unidos foi em média de 3,5%20, enquanto no ERJ foi de 6% (tab. 1).

Jabbour e cols.21, em estudo envolvendo diversas instituições nos Estados Unidos, trataram clinicamente todos os pacientes com angina do peito estável com ou sem IAM prévio, e só conduziram a estudo angiográfico os pacientes que durante o tratamento clínico otimizado apresentaram instabilização clínica. Num período de seguimento de 4,7 anos, em média, ocorreram 0,8% de mortes anuais por causas cardíacas e 2,2% por IAM. Durante o acompanhamento, apenas 24,5% dos pacientes necessitaram de AC ou de RVM.

Yusuf e cols.22 relataram letalidade com tratamento clínico, em cinco anos, mais elevada que as já mencionadas: 9,9% com doença de um vaso, 11,7% com dois vasos, 17,6% com três vasos, portanto com letalidade anual entre 2% e 3,5%, no tratamento clínico não otimizado. A análise relativa às DIC crônicas aponta para cautela nas indicações dos PAC. O tratamento clínico das DIC crônicas pode ser feito com risco baixo; portanto, adotá-lo como primeira opção parece uma escolha adequada, reservando-se os PAC para os casos mais graves.

No ERJ, as taxas de letalidade foram elevadas tanto nos PAC como no tratamento clínico do IAM, e não mostraram a relação esperada entre letalidade e volume de procedimentos. Essas altas taxas de letalidade, assim como as relevantes diferenças demonstradas entre os desempenhos das instituições que prestaram serviço aos pacientes do SUS nas internações por DIC, indicam a necessidade urgente de investigação das possíveis causas que expliquem esse fenômeno.

Torna-se necessário prosseguir com investigação retrospectiva de informações mais abrangentes, contidas nos prontuários. E, de forma prospectiva, será preciso implantar instrumentos de avaliação permanente da qualidade da atenção prestada.

Recebido em 15/10/04

Aceito em 01/06/05

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  • Correspondência

    Gláucia Maria Moraes de Oliveira
    Rua Fadel Fadel, 112/1204
    22430-170 – Rio de Janeiro, RJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Aceito
      01 Jun 2005
    • Recebido
      15 Out 2004
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