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Teste ergométrico: valor prognóstico em pacientes idosos com doença aterosclerótica coronariana estável

Resumos

OBJETIVO: Estudar o valor prognóstico das variáveis do teste ergométrico em pacientes idosos com doença aterosclerótica coronariana e isquemia induzida pelo esforço. MÉTODOS: Foram estudados 64 pacientes idosos (61 homens, idade de 73 ± 5 anos) com doença aterosclerótica coronariana, comprovada por coronariografia, clinicamente estável, fração de ejeção de ventrículo esquerdo maior ou igual a 0,40 e isquemia miocárdica durante o teste ergométrico. A cada seis meses, os pacientes foram avaliados para eventos cardíacos (morte, infarto do miocárdio, angina instável, angioplastia e revascularização do miocárdio). RESULTADOS: Após seguimento médio de 48 meses, 23 (36%) pacientes sofreram eventos cardíacos. Não houve diferença clínica e angiográfica entre os pacientes que sofreram o evento e os que não o sofreram. Pela análise multivariada, a presença de dor precordial durante o teste ergométrico (risco relativo de 2,668 e p = 0,031) e a freqüência cardíaca no início da isquemia (risco relativo de 0,966 e p = 0,009) foram associadas a eventos cardíacos. CONCLUSÃO: Nessa população idosa, a presença de dor precordial durante o teste ergométrico e a freqüência cardíaca no início da isquemia foram associadas a eventos cardíacos. Essas variáveis podem ser úteis para avaliação do risco de pacientes com doença aterosclerótica coronariana estável.

Idoso; doença coronariana aterosclerótica; prognóstico


OBJECTIVE: To study the prognostic value of exercise stress test variables in elderly patients with coronary atherosclerosis and exercise-induced ischemia. METHODS: Sixty-four elderly patients (61 men, 73 ± 5 years old) with coronary atherosclerosis, verified by cardiac catheterization, that were clinically stable, had a left ventricle ejection fraction greater than or equal to 0.40 and developed myocardial ischemia during the exercise stress test were studied. The patients were evaluated every six months for cardiac events (death, myocardial infarction, unstable angina, angioplasty and myocardial revascularization). RESULTS: After a mean follow-up period of 48 months, 23 (36%) patients suffered cardiac events. There was no clinical or angiographical differences among the patients that suffered cardiac events and those that did not. Using multivariate analysis, the presence of chest pain during the exercise stress test (relative risk 2.668, p = 0.031) and the heart rate at the onset of ischemia (relative risk 0.966, p = 0.009) were associated with cardiac events. CONCLUSION: In this elderly population, the presence of chest pain during the exercise stress test and the heart rate at the onset of ischemia were associated with cardiac events. These variables could be useful for risk evaluation in patients with stable coronary atherosclerosis.

Aged; coronary disease; prognosis


ARTIGO ORIGINAL

Teste ergométrico: valor prognóstico em pacientes idosos com doença aterosclerótica coronariana estável

Marcelo Eidi Ochiai; Otávio C. E. Gebara; João Batista Serro-Azul; Lígia B. Pinto; Amit Nussbacher; Humberto Pierri; Mauricio Wajngarten

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Marcelo Eidi Ochiai Rua Caraíbas, 1342 05020-000 – São Paulo, SP E-mail: mochiai@osite.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Estudar o valor prognóstico das variáveis do teste ergométrico em pacientes idosos com doença aterosclerótica coronariana e isquemia induzida pelo esforço.

MÉTODOS: Foram estudados 64 pacientes idosos (61 homens, idade de 73 ± 5 anos) com doença aterosclerótica coronariana, comprovada por coronariografia, clinicamente estável, fração de ejeção de ventrículo esquerdo maior ou igual a 0,40 e isquemia miocárdica durante o teste ergométrico. A cada seis meses, os pacientes foram avaliados para eventos cardíacos (morte, infarto do miocárdio, angina instável, angioplastia e revascularização do miocárdio).

RESULTADOS: Após seguimento médio de 48 meses, 23 (36%) pacientes sofreram eventos cardíacos. Não houve diferença clínica e angiográfica entre os pacientes que sofreram o evento e os que não o sofreram. Pela análise multivariada, a presença de dor precordial durante o teste ergométrico (risco relativo de 2,668 e p = 0,031) e a freqüência cardíaca no início da isquemia (risco relativo de 0,966 e p = 0,009) foram associadas a eventos cardíacos.

CONCLUSÃO: Nessa população idosa, a presença de dor precordial durante o teste ergométrico e a freqüência cardíaca no início da isquemia foram associadas a eventos cardíacos. Essas variáveis podem ser úteis para avaliação do risco de pacientes com doença aterosclerótica coronariana estável.

Palavras-chave: Idoso, doença coronariana aterosclerótica, prognóstico.

O crescimento da população idosa e a alta prevalência da doença aterosclerótica coronariana nesse grupo representam um desafio para os cardiologistas. As diretrizes da American Heart Association recomendam a realização do teste ergométrico antes do início de um programa de atividade física rigoroso por idosos sedentários, com objetivo de identificar doença aterosclerótica coronariana1. Entretanto, Gill e cols. sugeriram que as diretrizes não são aplicáveis à maioria dos idosos e não recomendam o teste ergométrico para indivíduos assintomáticos2. Não há, contudo, uma clara razão para contra-indicar o teste ergométrico em idosos3. Envelhecimento, por si, associa-se a alterações na resposta do sistema cardiovascular ao exercício, redução da capacidade física4 e menor freqüência de dor anginosa em pacientes com doença aterosclerótica coronariana5. Avaliação clínica, com o objetivo de começar ou continuar um programa de exercício físico, deve ser sensível o suficiente para identificar pacientes de alto risco e de possível benefício com procedimentos de intervenção. Interessantemente, de acordo com o estudo National Medical Care Surveys, pacientes com idade maior que 75 anos apresentam menor probabilidade de realização de teste ergométrico6. Além do mais, se o teste ergométrico for solicitado, em sua maioria tem como objetivo o diagnóstico e não a estratificação de risco. Existem informações limitadas em relação à estratificação de risco em idosos com doença aterosclerótica coronariana estável. Portanto, o presente estudo foi realizado com o objetivo de avaliar o valor prognóstico de variáveis ergométricas em idosos com doença aterosclerótica coronariana estável e isquemia miocárdica induzida pelo esforço.

MÉTODOS

Foram selecionados 64 pacientes de forma consecutiva, do ambulatório da Unidade Clínica de Cardiogeriatria do Instituto do Coração do HC/FMUSP, com média de idade de 73 anos (desvio-padrão de cinco anos), com doença aterosclerótica coronariana comprovada por coronariografia, em situação clínica estável, fração de ejeção de ventrículo esquerdo maior ou igual a 40% e isquemia miocárdica ao teste ergométrico. Os critérios de exclusão foram marcapasso artificial, bloqueio do ramo esquerdo, fibrilação atrial, bloqueio atrioventricular de alto grau ou hipertrofia ventricular.

O estudo foi aprovado na Comissão de Ética em Pesquisa da instituição e todos os pacientes autorizaram por consentimento pós-informado a sua participação no estudo.

Coronariografia e ventriculografia esquerda - A coronariografia foi realizada pela técnica de Sones e Shirey7. Uma redução do diâmetro luminal da artéria coronária maior ou igual a 70% foi considerado significante. De acordo com o número de artérias coronárias principais com obstrução significante, os pacientes foram classificados como uniarteriais, biarteriais e triarteriais. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi calculada pelo método de Dodge-Kennedy8,9.

Teste ergométrico -As medicações cardiovasculares foram retiradas quinze dias antes da realização do teste. O aparelho utilizado foi um sistema computadorizado (Fukuda-Denshi, modelo 8.000, Japão) com 12 derivações tradicionais e três bipolares (CC5, CM5 e ML)e esteira rolante inclinável. Foi utilizado o protocolo de Naughton modificado, que consistiu de cinco estágios de inclinação progressiva (de 3,5%, 7%, 10,5%, 14% e 17,5%), com duração de três minutos e velocidade de 3,6 km/h. Para os cinco estágios seguintes, a velocidade era aumentada para 4,8 km/h e a inclinação reduzida para 12,5%, e então progressivamente aumentada em 2,5%. A capacidade funcional foi estimada em equivalentes metabólicos (METs) de acordo com a duração do teste.

Os critérios de interrupção do teste ergométrico foram fadiga ou angina de grande intensidade, infrades­nivelamento do segmento ST maior ou igual a 0,3 mV, e queda da pressão arterial sistólica em mais de 20 mmHg durante o exercício. A presença de isquemia miocárdica foi definida como infradesnivelamento horizontal ou descendente do segmento ST maior que 0,1 mV a 80 ms do ponto J. Freqüência cardíaca, pressão arterial sistólica e diastólica foram registradas no repouso, no final de cada estágio, no início da isquemia e no pico do exercício. O tempo do início de isquemia e a duração total do teste foram registrados. O duplo produto foi calculado pela multiplicação da freqüência cardíaca pela pressão arterial sistólica, ao repouso, no início da isquemia e no pico do exercício. A presença de dor precordial do tipo anginosa durante o teste era perguntada.

Acompanhamento clínico -Os pacientes foram acompa­nhados com consultas ambulatoriais a cada seis meses. A terapêutica medicamentosa foi realizada a critério do médico de cada paciente. Foram considerados como desfechos os seguintes eventos cardíacos (morte de origem cardíaca, infarto do miocárdio não-fatal, angina instável que motivou internação hospitalar, angioplastia coronariana percutânea e revascularização cirúrgica do miocárdio). A morte de origem cardíaca e o infarto do miocárdio não-fatal foram considerados eventos cardíacos maiores. Os pacientes que sofreram eventos cardíacos formaram o grupo A e os demais, o grupo B.

Análise estatística -As variáveis contínuas foram expressas com a média e desvio-padrão, e comparadas entre os grupos A e B pelo teste t de Student. As variáveis categóricas foram expressas em freqüência e proporção e comparadas através do teste de qui-quadrado ou exato de Fisher.

As variáveis que foram significantemente diferentes entre os grupos A e B, entraram no modelo multivariado pelo método de Cox10, realizado pelo programa computacional SAS (SAS Institute, Cary, Carolina do Norte, EUA).

O risco relativo foi expresso em intervalo de confiança de 95% e foi considerado significante p menor que 0,05 para testes bicaudais.

RESULTADOS

Após um acompanhamento médio de 48 meses, 23 pacientes sofreram eventos cardíacos (grupo A, 36% do total). Dez pacientes morreram de causa cardíaca, um paciente sofreu infarto do miocárdio não fatal, cinco pacientes apresentaram angina instável, cinco pacientes foram submetidos a revascularização cirúrgica do miocárdio e dois pacientes, a angioplastia percutânea. Quatro pacientes morreram de causa não-cardíaca, sendo dois por doença neoplásica e dois de acidente vascular cerebral.

Trinta e sete (58%) pacientes eram hipertensos, 15 (23%) eram diabéticos, 14 (22%) tinham hipercolesterolemia, 20 (33%) eram fumantes, e 25 (39%) apresentavam onda Q patológica no ECG. Essas variáveis não apresentaram diferença estatisticamente significante entre os grupos A e B (tab. 1).

As medicações utilizadas durante o acompanhamento foram betabloqueadores em 28 (44%) pacientes, aspirina em 47 (73%) pacientes, bloqueadores dos canais de cálcio em 43 (67%) pacientes, nitratos em 34 (53%) pacientes, diuréticos em 21 (33%) pacientes, e inibidores da enzima de conversão em 4 (6%) pacientes. Os grupos A e B não apresentaram diferença significante em relação à medicação (tab. 1).

Em relação ao padrão da doença coronariana, 19 (30%) pacientes eram uniarteriais, 18 (28%) eram biarteriais, e 27 (42%) eram triarteriais. A fração de ejeção de ventrículo esquerdo foi 0,69 ± 0,14. O padrão coronariano e a função ventricular não foram diferentes entres os grupos A e B (tab. 2).

Considerando todos os pacientes, a média de duração do teste ergométrico foi de 8,9 ± 5,6 minutos, e a média do tempo de início de isquemia foi de 5,8 ± 3,3 minutos. No pico do esforço, freqüência cardíaca, pressão arterial sistólica e duplo produto foram, respectivamente, 128 ± 17 batimentos por minuto, 182 ± 29 mmHg e 23.300 ± 5.154. No início da isquemia essas variáveis tiveram os seguintes valores, 120 ± 18 batimentos por minuto, 174 ± 26 mmHg e 21.038 ± 4.833. Vinte e oito (44%) pacientes referiram dor precordial durante a realização do teste. Nesses pacientes, a freqüência cardíaca máxima foi menor que no grupo sem dor (122 ± 14 x 133 ± 18, p = 0,008), porém a duração do teste (7,8 ± 4,6 x 9,8 ± 5,2 minutos; p = 0,095) e o número de METs (4,6 ± 1,6 x 5,3 ± 7,8; p = 0,105) alcançado não foram diferentes.

O teste t de Student mostrou que a freqüência cardíaca dos pacientes do grupo A foi menor que a do grupo B (122 ± 13 x 132 ± 19; p = 0,021). O teste de qui-quadrado mostrou que a proporção dos pacientes que atingiram a freqüência cardíaca predita foi menor no grupo A (83 ± 9 vs. 90 ± 13%; p = 0,023). Entretanto, a proporção de pacientes que não atingiram 85% da freqüência cardíaca predita pela idade não foi diferente entre os grupos. A duração do teste e a pressão arterial sistólica no pico do exercício não foram diferentes entre os grupos (tab. 3).

No início da isquemia, a freqüência cardíaca (113 ± 11 x 124 ± 18 bpm), a pressão arterial sistólica (165 ± 24 x 180 ± 26 mmHg) e duplo produto (18,593 ± 3,112 x 22,411 ± 5,107) foram menores no grupo A. Entretanto, o tempo de início de isquemia foi semelhante ( 5,2 ± 2,7 x 6,1 ± 3,6 min, respectivamente grupo A e B; p = 0,250).

Quinze (65%) pacientes no grupo A apresentaram angina durante o teste, em comparação com treze (32%) do grupo B.

A análise multivariada pelo método de Cox demonstrou que a freqüência cardíaca no início da isquemia foi associada a ocorrência de eventos cardíacos, com risco relativo de 0,966 (intervalo de confiança de 95% : 0,942 a 0,992; p = 0,009); isso significa um aumento de 3,4% no risco de eventos cardíacos para redução de 1 bpm da freqüência cardíaca no início da isquemia. A presença de angina durante o teste ergométrico mostrou associação com a ocorrência de eventos cardíacos, com o risco relativo de 2,668 (intervalo de confiança de 95%: 1,091 a 6,523) e com p = 0,031. A freqüência dos 23 eventos cardíacos de acordo com o tempo de ocorrência foi, respectivamente nos pacientes com e sem dor durante o teste ergométrico, até seis meses: 13% e 0%, de seis a doze meses: 4% e 0%, e mais que doze meses: 48% e 35%. Isso indica que a maior parte dos eventos, procedimentos de revascularização incluídos, ocorreram tardiamente e, de modo provável, sem relação com a presença de angina durante o teste ergométrico.

Quando consideramos somente os eventos maiores, isto é, morte cardíaca e infarto do miocárdio não-fatal, não houve associação significante com a freqüência cardíaca do início da isquemia e também a presença de angina durante o teste.

A figura 1 mostra a probalidade estimada pelo modelo de Cox a partir de uma dada freqüência de início de isquemia (60, 90 e 120 bpm) e da presença ou não de angina no teste. A intensidade de influência da presença de angina no teste foi tanto maior quanto menor a freqüência cardíaca no início da isquemia.


DISCUSSÃO

Nosso estudo demostrou que, em pacientes idosos com doença aterosclerótica coronariana estável e isquemia miocárdica induzida pelo esforço e sem disfunção ventricular acentuada, a freqüência cardíaca no início da isquemia e a presença de angina durante o teste ergométrico foram associadas a ocorrência de eventos cardíacos. Em pacientes com menor freqüência cardíaca no início da isquemia, a influência da presença de angina foi mais evidente.

Os pacientes de nossa amostra foram mais velhos que os de outros estudos11-19, que avaliaram o valor prognóstico do teste ergométrico. Somente Goraya e cols. analisaram o valor prognóstico do teste ergométrico especificamente em idosos20. Nosso tempo de seguimento dos pacientes foi grande, maior que o da maioria dos estudos, com a exceção dos trabalhos de Dagenais e cols.14 e Goraya e cols.20. Além do mais, somente o estudo ACIP, Dagenais e cols. e Mark e cols. também realizaram a coronariografia. Concordante com a maioria dos estudos, a maioria dos nossos pacientes tinha doença coronariana com padrão multiarterial. Dagenais e cols.14 e os pesquisadores do estudo ACIP11 também avaliaram de forma objetiva a função ventricular esquerda, enquanto os demais estudos não a realizaram. Como em nosso estudo, o estudo ACIP avaliou pacientes sem disfunção ventricular acentuada, enquanto a amostra de Degenais e cols. incluía pacientes com disfunção acentuada.

Embora a incidência de eventos cardíacos em nossa amostra (36%) tenha sido maior que a de outros estudos, o padrão coronariano e a função ventricular sugerem que nossos pacientes não era mais graves. Além do mais, a prevalência de outros fatores de risco para doença aterosclerótica coronariana não foi maior que a esperada para tal população. Considerando a terapêutica medicamentosa, betabloqueadores, ácido acetilsalicílico e inibidores da enzima de conversão foram menos utilizados que o esperado. Em razão de que os fatores de risco, o padrão coronariano, a função ventricular e a terapia medicamentosa não terem sido diferentes entre os grupos A e B, a alta ocorrência de eventos cardíacos não pode ser atribuída somente a esses fatores. A maior idade de nossa população pode ter contribuído para alta incidência de eventos, porém a idade também não diferiu entre os grupos A e B.

Variáveis ergométricas associadas a eventos cardíacos - Diferentemente de outros estudos11,13-15,17,18,20, os quais mostraram que a capacidade funcional era inversamente relacionada com a incidência de eventos cardíacos, na nossa amostra a duração do teste ergométrico não foi associada a ocorrência de eventos. Podemos atribuir essa diferença à grande variabilidade da duração do teste ergométrico em nosso estudo, achado esperado nos idosos, e também ao fato de os demais estudos incluírem pacientes com e sem isquemia induzida pelo esforço. Diferentemente do achado de Lauer e cols.19, em nosso estudo a freqüência cardíaca máxima não foi associada a eventos cardíacos. Também é importante notar que 45% de nossos pacientes não atingiram a freqüência cardíaca submáxima predita para a idade. Outras causas não-cardíacas, como fadiga, pequena motivação ou artopatias, além da isquemia miocárdica em si, podem explicar esses achados. A angina durante o teste ergométrico não limitou sua duração, pois o tempo total de exercício e o número de METs atingidos foram semelhantes em ambos os grupos, com e sem angina.

A frequência cardíaca no início da isquemia, que depende menos de fatores não-cardíacos, foi preditora de eventos cardíacos. No estudo ACIP11, essa variável pôde prever a ocorrência de isquemia em atividades habituais; entretanto, não foi associada a maior ocorrência de eventos cardíacos em um ano de acompanhamento. Um início da isquemia num momento de resposta cardíaca menor pode indicar doença aterosclerótica coronariana mais extensa; porém, o padrão coronariano não foi associado ao grupo com ocorrência de eventos cardíacos. As razões pelas quais a frequência cardíaca no início da isquemia foi associada a pior evolução não podem ser esclarecidas pelo nosso estudo; assim, devem ser investigadas em idosos com doença aterosclerótica coronariana estável.

Em nosso estudo, a presença de angina durante o teste ergométrico foi associada a pior evolução, em concordância com estudos prévios12,15,17; mas há também outros estudos que não confirmam esse achado14,16. Angina é um achado pouco freqüente nos idosos com doença aterosclerótica coronariana estável; entretanto, 44% dos nossos pacientes, todos com isquemia ao esforço, apresentaram angina durante o teste. Provavelmente, durante as atividades habituais, a limitação por sintomas não-cardíacos evita que o paciente atinja o limiar de dor. O nosso estudo não permite diferenciar se a dor é somente um marcador de pior evolução ou se existe um mecanismo fisiopatológico que explique a relação entre angina a ocorrência de eventos cardíacos.

Assim, tanto a freqüência cardíaca no início da isquemia como a presença de angina durante o teste ergométrico tiveram valor prognóstico em nosso estudo e podem ter relevância clínica. É importante notar que eventos cardíacos, incluídos os procedimentos de revascularização, não ocorram imediatamente após a realização do teste ergométrico, o que indica que a presença de angina previu a piora clínica a médio e longo prazos. Portanto, a presença de angina durante o teste ergométrico sugere que haja maior vigilância em ações preventivas para evitar procedimentos invasivos, riscos e desconfortos.

Freqüência cardíaca no início da isquemia e angina durante o teste ergométrico não predisseram eventos cardíacos maiores (morte e infarto do miocárdio). Há duas explicações possíveis para esse achado. A primeira é com o pequeno número de eventos (11 pacientes), o poder da amostra não foi suficiente para detectar uma eventual associação. Outra possibilidade é que a angina durante o teste ergométrico seja determinante somente de outros eventos cardíacos, como procedimentos de revascularização.

Limitações do estudo - A população do estudo consistiu de uma amostra de idosos com características muito homogêneas, como doença coronariana extensa e função ventricular e capacidade funcional preservadas. Nossos achados não podem ser extrapolados para todos os idosos com doença coronariana. Entretanto, nossa população é muito semelhante aos pacientes idosos que procuram participar de programas de exercício físico.

Nosso estudo não possui um grupo de controle de pacientes não-idosos para comparar as variáveis clínicas e ergométricas; comparamos com os controles externos de outros estudos. Assim, não podemos concluir que nossos achados sejam causados somente pelo envelhecimento.

CONCLUSÕES

Em pacientes idosos com doença aterosclerótica coronariana estável, sem disfunção ventricualr acentuada e com isquemia induzida pelo esforço, a incidência de eventos cardíacos é freqüente. A freqüência cardíaca no início da isquemia e a angina durante o teste ergométrico foram preditoras de eventos cardíacos. Portanto, o teste ergométrico deve ser utilizado em idosos com doença aterosclerótica coronariana estável para melhorar a avaliação de risco.

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 10/03/05

Aceito em 14/06/05

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  • Correspondência:

    Marcelo Eidi Ochiai
    Rua Caraíbas, 1342
    05020-000 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Maio 2006

    Histórico

    • Aceito
      14 Jun 2005
    • Recebido
      10 Mar 2005
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