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Tratamento cirúrgico das valvopatias aórticas com bioprótese de pericárdio bovino sem suporte: resultados imediatos

Resumos

OBJETIVO: Apresentar os resultados imediatos e avaliar o desempenho clínico e hemodinâmico das biopróteses sem suporte de pericárdio bovino (stentless) em posição aórtica. MÉTODOS: Foram operados 20 pacientes com indicação de troca valvar aórtica por bioprótese, sendo 11 homens, 16 com estenose aórtica; a média de idade foi 66,3 ± 8,8 anos. A técnica operatória utilizada foi o implante subcoronariano. Cinco pacientes receberam procedimentos associados. No pós-operatório, a morbidade-mortalidade e o desempenho hemodinâmico foram avaliados por meio de ecocardiograma transtorácico. RESULTADOS: Os tempos médios de circulação extracorpórea e anóxia foram, respectivamente, 136,5 ± 24,41 min e 105,2 ± 21,62 min. A mortalidade hospitalar foi 5% (um paciente). A permanência na UTI foi, em média, 3,65 ± 3,23 dias. A média dos gradientes transvalvares no pós-operatório foi 25,39 ± 7,82 mmHg. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo no pré-operatório era 67 ± 13,49% e, no pós-operatório, foi 63,24 ± 16,06% (p = 0,45). Onze pacientes não apresentaram nenhum grau de refluxo valvar, 8 apresentaram refluxo leve, e um, refluxo leve a moderado. CONCLUSÃO: As próteses stentless podem ser utilizadas no tratamento cirúrgico das valvopatias aórticas, com morbidade e mortalidade na fase hospitalar semelhante à descrita na literatura para procedimentos semelhantes, e apresentam desempenho hemodinâmico satisfatório.

Valva aórtica; troca valvar; bioprótese; bioprótese sem suporte; prótese stentless


OBJECTIVE: To present the immediate results and assess the clinical and hemodynamic performance of stentless bovine pericardial bioprostheses in aortic position. METHODS: Twenty patients were operated who were indicated for surgery for valve replacement with biological prostesis. Eleven patients were male; sixteen had aortic stenosis; four, insufficiency; the mean age was 66.3 ± 8.8 years. The surgical technique used was subcoronary implant. Associated procedures were performed in five patients. Postoperative morbidity,mortality and hemodynamic performance were assessed on transthoracic echocardiogram. RESULTS: Mean time of cardiopulmonary bypass was 136.5 ± 24.41 minutes and mean anoxic time was 105.2 ± 21.62 minutes. Hospital mortality was 5% (one patient). Mean time of intensive care unit stay was 3.65 ± 3.23 days. Mean postoperatively transvalvular gradient was was 25.39 ± 7.82 mmHg. Left ventricle ejection fraction was 67 ± 13.49% preoperatively and 63.24 ± 16.06% postoperatively (p = 0.45). Eleven patients did not present any degree of valve regurgitation, eight presented mild regurgitation and one ,mild to moderate regurgitation. CONCLUSION: Stentless prostheses can be used for the surgical tratment of aortic valve diseases, with in hospital mortality and morbidity similar to the mortality and morbidity described in the literature for similar procedures, with satisfactory hemodynamic performance.

Aortic valve; valve replacement; bioprosthesis; stentless bioprosthesis; stentless prosthesis


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico das valvopatias aórticas com bioprótese de pericárdio bovino sem suporte — resultados imediatos

Wesley Ferreira de Araújo; Luis Roberto Gerola; Hyoung C. Kin; Armindo Pereira Filho; Guilherme Flora Vargas; Roberto Catani; Enio Buffolo

Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Wesley Ferreira de Araújo Rua Salvador Cosso, 19/33 14020-580 — Ribeirão Preto, SP E-mail: araujowesley@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Apresentar os resultados imediatos e avaliar o desempenho clínico e hemodinâmico das biopróteses sem suporte de pericárdio bovino (stentless) em posição aórtica.

MÉTODOS: Foram operados 20 pacientes com indicação de troca valvar aórtica por bioprótese, sendo 11 homens, 16 com estenose aórtica; a média de idade foi 66,3 ± 8,8 anos. A técnica operatória utilizada foi o implante subcoronariano. Cinco pacientes receberam procedimentos associados. No pós-operatório, a morbidade-mortalidade e o desempenho hemodinâmico foram avaliados por meio de ecocardiograma transtorácico.

RESULTADOS: Os tempos médios de circulação extracorpórea e anóxia foram, respectivamente, 136,5 ± 24,41 min e 105,2 ± 21,62 min. A mortalidade hospitalar foi 5% (um paciente). A permanência na UTI foi, em média, 3,65 ± 3,23 dias. A média dos gradientes transvalvares no pós-operatório foi 25,39 ± 7,82 mmHg. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo no pré-operatório era 67 ± 13,49% e, no pós-operatório, foi 63,24 ± 16,06% (p = 0,45). Onze pacientes não apresentaram nenhum grau de refluxo valvar, 8 apresentaram refluxo leve, e um, refluxo leve a moderado.

CONCLUSÃO: As próteses stentless podem ser utilizadas no tratamento cirúrgico das valvopatias aórticas, com morbidade e mortalidade na fase hospitalar semelhante à descrita na literatura para procedimentos semelhantes, e apresentam desempenho hemodinâmico satisfatório.

Palavras-chave: Valva aórtica, troca valvar, bioprótese, bioprótese sem suporte, prótese stentless.

Apesar dos avanços alcançados nas últimas décadas na cirurgia valvar, pode-se dizer que o substituto valvar ideal ainda não existe e, como na valva aórtica a possibilidade de preservação é menos freqüente, o tratamento cirúrgico quase sempre é a substituição valvar.

As próteses mais freqüentemente utilizadas — biológicas e mecânicas — apresentam, respectivamente, limitada durabilidade e necessidade do uso de anticoagulantes orais. Além disso, essas próteses, por serem sustentadas em um anel rígido, geram gradientes de pressão residual entre o ventrículo esquerdo e a aorta, o que pode se constituir em problema, principalmente nos pacientes com anel aórtico pequeno e naqueles com grande hipertrofia miocárdica1,2.

Torna-se verdadeiro desafio encontrar um substituto valvar aórtico próximo ao ideal, que apresente longa durabilidade, sem a necessidade do uso de anticoagulantes orais e com mecanismo de funcionamento semelhante ao da valva aórtica normal.

Apesar de resultados satisfatórios com a utilização dos homoenxertos criopreservados3-5, seu uso é restrito a poucos centros e há limitação para sua obtenção. Por essas razões, os homoenxertos dificilmente poderão atender a toda a demanda para o tratamento das lesões valvares.

Em 1987, David e cols.6 iniciam o desenvolvimento de biopróteses heterólogas sem suporte (stentless), que usam a própria parede da aorta como sustentação. Por apresentarem anatomia muito semelhante à da valva aórtica normal e por não apresentarem anel de sustentação para as válvulas ou folhetos, elas geram menor gradiente de pressão entre o ventrículo esquerdo e aorta e, conseqüentemente, menor estresse hemodinâmico, o que poderá implicar uma durabilidade mais prolongada2,7,8.

O objetivo deste estudo é analisar a morbidade e mortalidade hospitalar com o uso das biopróteses heterólogas de pericárdio bovino sem suporte, em posição aórtica e seu desempenho hemodinâmico.

MÉTODOS

Foram considerados para receber biopróteses heteró­logas de pericárdio bovino sem suporte (produzidas pela Braile Biomédica®) vinte pacientes com lesão grave na valva aórtica, com indicação para tratamento cirúrgico, e que apresentavam contra-indicação para o uso de prótese mecânica. Neste estudo, excluímos os pacientes com comorbidades significativas, tais como DPOC grave, insuficiência renal dialítica, arteriopatia periférica e reoperações. O uso dessas biopróteses foi aprovado pelas normas do Comitê de Ética Médica.

Onze (55%) pacientes eram do sexo masculino, dezesseis (80%) pacientes apresentavam estenose aórtica, e quatro (20%) insuficiência. A idade variou de 31 a 75 anos, com idade media de 66,3 ± 8,8 anos. Nos pacientes com insuficiência aórtica, três estavam em classe funcional (CF) III, e um, CF II. Nos pacientes com estenose aórtica, nove apresentavam sintomas de síncope e todos apresentavam precordialgia, classificados segundo critérios da Canadian Cardiovascular Society (CCS), em CF I, dois pacientes, CF II, cinco pacientes, CF III sete e CF IV, dois pacientes.

Em dois pacientes foi diagnosticada coronariopatia aterosclerótica, cujas lesões causavam obstrução luminal maior que 60%.

Estenose mitral crítica foi diagnosticada em dois pacientes, um com área valvar de 0,7 cm2 e outro com área de 1,2 cm2. Um paciente apresentava insuficiência mitral associada a lesão aórtica.

A função ventricular esquerda era normal em quinze (75%) dos pacientes; quatro (20%) apresentavam discreta a moderada disfunção, e somente um paciente apresentava grave disfunção ventricular (fração de ejeção igual a 30%).

Os pacientes foram operados por esternotomia mediana longitudinal e o circuito de circulação extracorpórea foi instalado com canulação de aorta e átrio direito. A operação foi realizada com hipotermia a 28°.

A proteção miocárdica foi feita com cardioplegia sangüínea, anterógrada, hipotérmica canulando-se diretamente os óstios coronarianos. A solução cardioplégica era composta do próprio sangue do perfusato, resfriado a 4°, acrescido de potássio (15 mEq/l) somente na primeira indução, e nas doses subseqüentes (a cada vinte minutos aproximadamente), apenas sangue resfriado do perfusato.

Implante da prótese stentless - Para utilização desse tipo de prótese, deve-se realizar a aortotomia 1 cm acima da junção sinotubular.

A técnica utilizada para o implante da prótese foi a subcoronariana, na qual são realizados dois planos de sutura. O primeiro é feito com pontos simples de fios Ethibond® 4-0, passados no anel valvar, em número de quatro a cinco fios por comissura, em um total de doze a quinze fios. Esses devem manter-se no mesmo plano e não acompanhar o anel aórtico até a comissura. As biopróteses sem suporte (stentless) de pericárdio vêm em forma tubular e necessitamos recortar as comissuras para realização do segundo plano de sutura.

Após medida da junção sinotubular e escolha da prótese, os pontos do primeiro plano são passados, e a prótese é abaixada até a sua posição junto ao anel valvar e os fios amarrados (fig. 1).


Após abaixarmos a prótese até o nível do anel valvar, fazemos o posicionamento das comissuras. Para isso, utilizamos pontos de Prolene® 5-0, transfixante em forma de U, colocados eqüidistantes nas três comissuras. Para facilitar a exposição da valva, dos seios de valsalva e da realização do segundo plano de sutura, não amarramos esses pontos comissurais.

Em seguida, realiza-se a segunda sutura, agora no plano subcoronariano, de forma contínua, com Prolene® 4-0, iniciando na porção inferior dos óstios coronarianos, contornando-os e subindo em direção às comissuras.

Essa sutura é feita nas três comissuras e, no final, os pontos em U com Prolene® 5-0 são amarrados, e os pontos de Prolene® 4-0, da segunda sutura, são amarrados também.

Por fim, a prótese deve ser inspecionada para verificar presença de distorções e para observação da superfície de contato entre os folhetos da prótese, o que é importante para se evitar o refluxo de sangue para a cavidade ventricular.

Durante toda a operação, as câmaras esquerdas são descomprimidas por meio de um aspirador posicionado no ventrículo esquerdo, através da veia pulmonar superior direita que também auxiliava na retirada de ar, após desclampeamento aórtico.

Terminada essa etapa, procedemos ao fechamento da aortotomia e terminamos a operação de modo habitual.

Todas as operações foram realizadas pelo mesmo cirurgião e a mesma equipe.

No período intra-operatório foram avaliados os tempos de circulação extracorpórea e de anóxia miocárdica (clampeamento aórtico), e no pós-operatório imediato foram avaliadas as principais morbidades clínicas, como a presença de infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, insuficiência renal, hemorragia, tempo de intubação orotraqueal e tempo de permanência na UTI. Todos os pacientes realizaram ecocardiograma transtorácico na fase intra-hospitalar, sendo comparado com o realizado no pré-operatório.

As variáveis ecocardiográficas analisadas no pré- e no pós-operatório foram: o gradiente de pressão máximo entre o ventrículo esquerdo e a aorta, o índice de massa ventricular, a fração de ejeção do ventrículo esquerdo e a presença e o grau de insuficiência da prótese.

Estudo estatístico - Foram calculados a média e o desvio-padrão para as variáveis contínuas. O teste de Wilcoxon foi utilizado para a comparação de duas amostras dependentes ou pareadas ao longo do tempo para os mesmos pacientes. Foram considerados nível de significância os valores de alfa < 0,05 ou 5%.

RESULTADOS

Em cinco pacientes (20%) foram realizados procedimentos associados: dois receberam revascularização do miocárdio (um recebeu enxertos da artéria torácica interna esquerda para a artéria interventricular anterior e de veia safena magna da aorta para o primeiro ramo diagonal, e outro recebeu enxerto de veia safena da aorta para a coronária direita), um paciente foi submetido a comissurotomia mitral e a plastia de valva tricúspide, a De Vega, e em outros dois pacientes foi realizada troca valvar mitral por prótese biológica.

Com relação ao diâmetro das biopróteses sem suporte, utilizamos uma n° 21, quatro n° 23, dez n° 25, quatro n° 27 e uma n° 29. Com relação aos tempos médios de circulação extracorpórea e de anóxia miocárdica, esses foram, respectivamente, 136,5 ± 24,41 e 105,20 ± 21,62 minutos.

A mortalidade hospitalar foi de 5% (um paciente). Esse paciente, além da troca valvar, foi submetido a revascularização do miocárdio e apresentou, no pós-operatório imediato, sangramento importante através de ramo da veia safena, causando choque hemorrágico e parada cardiorrespiratória. Apesar da toracotomia de emergência e manobras de reanimação o paciente evoluiu com encefalopatia anóxica, intubação prolongada, insuficiência respiratória, vindo a falecer no 15° dia de pós-operatório por falência de múltiplos órgãos.

Não houve nenhum caso de infarto perioperatório, nem alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia miocárdica.

Dois pacientes (10%) necessitaram ser reoperados por causa de hemorragia pós-operatória (esses tiveram procedimentos associados): um por coagulopatia e outro por sangramento de ramo de veia safena, e esse foi a óbito, como já descrito.

A hemorragia no pós-operatório variou de 140 a 4.150 ml, com média de 766,8 ± 584,8 ml. Os pacientes permaneceram em média 3,65 ± 3,23 dias na UTI e o tempo médio de intubação orotraqueal foi de dezoito horas.

Quanto às complicações respiratórias, foi diagnosticada infecção pulmonar em quatro pacientes. Em relação à parede torácica, um paciente (5%) apresentou deiscência de pele e subcutâneo, não sendo registrado nenhum caso de mediastinite pós-operatória nessa série.

Em relação a outras complicações clínicas, três (15%) apresentaram fibrilação atrial aguda, tendo sido realizado cardioversão química em dois pacientes e cardiover-são elétrica no outro. Um paciente (5%) desenvolveu insuficiência renal aguda e necessitou de tratamento dialítico temporário.

Todos os pacientes realizaram estudo ecocardiográfico bidimensional antes da alta hospitalar. Comparando o estudo ecocardiográfico realizado no pré-operatório e no período pós-operatório imediato, encontramos que a média dos gradientes transvalvares, no pré-operatório era 82,61 ± 16,76 mmHg e, no pós-operatório, 25,39 ± 7,82 mmHg, como mostra o gráfico 1. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo no pré-operatório era 67 ± 13,49% e, no pós, 63,24 ± 16,06%. Com relação à massa do ventrículo esquerdo, a média encontrada no pré-operatório era 245,5 ± 132,2 g e, no pós-operatório, 220,3 ± 104,3 g, com p = 0,27.


Com relação à insuficiência da prótese, onze pacientes não apresentaram nenhum grau de refluxo valvar, oito apresentaram refluxo leve e um paciente apresentou refluxo leve a moderado, ao ecocardiograma.

DISCUSSÃO

O primeiro implante com sucesso de bioprótese stentless porcina, pela técnica subcoronariana, foi realizado por Sievers e cols.9 em 1985, em um paciente com estenose aórtica.

A anatomia das biopróteses sem suporte é muito semelhante à da valva aórtica, e a sua utilização partiu do princípio de se usar a própria parede da aorta como suporte no qual serão suturadas as cúspides da prótese6.

Existem, basicamente, três tipos de técnica operatória para implante dessas biopróteses e, o método mais utilizado, que foi usado em todos os pacientes deste estudo, é o implante subcoronariano. As outras técnicas são a troca da raiz da aorta (root replacement) e a técnica da inclusão (mini root), sendo ambas mais elaboradas, em que os óstios coronarianos necessitam ser reimplantados, podendo prolongar o tempo de circulação extracorpórea10.

No implante subcoronariano são realizadas duas linhas de sutura, sendo a primeira no nível subanular, com pontos separados e outra em nível subcoronariano contínuo, contornando a porção inferior dos óstios coronarianos11,12.

Na literatura existem evidências a favor dessa técnica, tais como menor incidência de sangramento, menor tempo de isquemia miocárdica, menor risco de reoperação e menor incidência de insuficiência valvar13. Exige-se, no entanto, um conhecimento das relações espaciais do anel aórtico e suas relações com as estruturas adjacentes, e não se pode usar essa técnica nos casos em que há dilatação e desproporção do diâmetro do anel aórtico em relação ao da junção sinotubular, pelo considerável risco de insuficiência valvar7. Nesses casos, pode-se optar pela técnica de troca da raiz da aorta (root replacement)14.

Quanto às indicações, as biopróteses sem suporte podem ser utilizadas nos casos em que normalmente se utiliza prótese biológica, particularmente nos idosos e nos pacientes jovens com contra-indicação para anticoagulação.

Na literatura existem trabalhos mostrando que as biopróteses sem suporte têm excelente indicação nos pacientes com valvopatia aórtica grave associada à disfunção ventricular esquerda15 e em casos de anel aórtico pequeno1,16. Isso se deve ao fato de que o seu diâmetro interno é maior que o das próteses convencionais e permite que, no pós-operatório, o gradiente entre o ventrículo esquerdo e a aorta seja significativamente menor, facilitando o trabalho do ventrículo esquerdo e favorecendo a sua recuperação17.

Neste trabalho, a utilização das biopróteses sem suporte (stentless) com a técnica de implante subcoronariano pôde ser realizada com morbidade e mortalidade semelhantes às descritas na literatura. A mortalidade foi de 5% e a causa do óbito foi por sangramento de ramo de veia safena em um paciente em que foi realizado procedimento associado de revascularização miocárdica, e essa porcentagem corresponde à descrita na literatura internacional para operações semelhantes17-21 .

Em relação aos tempos médios de circulação extracorpórea e de anóxia miocárdica, respectivamente de 136,5 ± 24,41 e 105,2 ± 21,62 minutos, são compatíveis com os descritos na literatura22,23, visto que o implante das próteses sem suporte pode ser um pouco mais trabalhoso, por serem necessários dois planos de sutura e, nessa casuística, cinco pacientes (25%) receberam procedimentos associados de revascularização miocárdica ou de troca valvar mitral. Embora o implante das biopróteses sem suporte seja mais demorado, isso não pôde ser considerado como fator independente de risco24.

Com relação ao sangramento mediastinal no pós-operatório imediato, a média encontrada foi 766,8 ± 584,8 ml em 48 horas ou mais, e cinco pacientes apresentaram sangramento maior que 1.000 ml, e, dentre esses, quatro haviam sido submetidos a procedimentos associados de revascularização miocárdica ou troca valvar mitral e tiveram os tempos de anóxia e de circulação extracorpórea maiores que 120 minutos, o que pode justificar o maior sangramento. Dois (10%) pacientes precisaram ser reoperados: em um, o diagnóstico foi de coagulopatia, e, no outro, a hemorragia era proveniente de um ramo de veia safena, sendo esse o paciente que evoluiu para o óbito, na UTI, como já descrito anteriormente.

Quanto aos tempos médios de extubação e de permanência na UTI, respectivamente de 18 horas e de 3,3 ± 3,23 dias, acreditamos que são compatíveis com a média de idade dos pacientes operados e com o tipo de procedimento realizado.

A média dos gradientes entre o ventrículo esquerdo e a aorta, avaliada no período de pós-operatório por meio de ecocardiografia transtorácica, foi de 25,39 ± 7,82 mmHg, ligeiramente maior que os descritos na literatura mundial. Trabalhos têm sido publicados, demonstrando gradientes tão baixos quanto em torno de 10 a 15 mmHg em repouso19,25,26, não se alterando com o exercício27, e muito próximos aos encontrados quando se utiliza homoenxertos criopreservados28,29, o que chama a atenção para o uso dessas próteses, já que isso demonstra melhor desempenho hemodinâmico e favorece a redução da hipertrofia miocárdica e melhora a função ventricular30,31. Uma possível explicação para a obtenção de gradientes ligeiramente maiores que os encontrados na literatura pode estar nas diferenças existentes entre os diversos modelos de biopróteses sem suporte existentes no mercado32. Neste estudo, foram utilizadas as biopróteses da Braile Biomédica®, que apresentam um fino anel em sua base que pode determinar esse maior gradiente observado.

Além disso, na literatura, a prótese mais utilizada foi a porcina e a utilizada neste estudo foi a de pericárdio bovino; talvez isso também possa influenciar nesse maior gradiente observado.

Neste trabalho, a redução da massa ventricular não foi significativa porque somente o período de pós-operatório imediato foi analisado. Estudos randomizados demonstram que a redução da massa ventricular pode ocorrer mais rapidamente quando se utilizam biopróteses sem suporte33, não havendo diferença, porém, em relação as outras próteses, a longo prazo23,26,34.

Uma preocupação freqüente após o implante das próteses stentless é a possibilidade de ocorrer insuficiência valvar, em razão da distorção dos postes comissurais. Neste trabalho, oito (40%) pacientes apresentaram refluxo leve, e apenas um (5%), refluxo leve a moderado. É importante observar o aspecto da prótese após o implante, verificando a superfície de coaptação dos folhetos, pois esse contato pode impedir o refluxo de sangue para a cavidade ventricular. Alguns autores recomendam a utilização de ecocardiografia intra-operatória para detectar e avaliar a insuficiência da prótese, bem como a presença de insuficiência paravalvar (leak)10. Este, por sinal, é mais raro quando se utilizam duas linhas de sutura, como fizemos em nosso estudo.

Em relação às outras comorbidades encontradas no período analisado, fibrilação atrial em três (15%) pacientes, acidente vascular encefálico isquêmico em dois (10%) e infecção pulmonar em quatro (20%), os autores acreditam que estão dentro dos valores encontrados na literatura e são condizentes com a faixa etária dos pacientes e com o tipo de procedimento realizado. Certamente, elas contribuíram para uma permanência maior na UTI e no hospital, mas não alteraram a mortalidade imediata e nem o desempenho hemodinâmico das próteses implantadas.

Estudos realizados com cinco, oito e dez anos de seguimento após o implante de biopróteses stentless demonstraram excelentes resultados em termos de durabilidade da prótese, persistindo as vantagens já conhecidas, tais como: baixos gradientes de via de saída de ventrículo esquerdo, amplo orifício valvar efetivo e regressão de massa ventricular22,35,36.

Conclui-se que as biopróteses de pericárdio bovino sem suporte (stentless) podem ser utilizadas no tratamento cirúrgico das doenças da valva aórtica com morbidade e mortalidade hospitalar similar à descrita na literatura para outros tipos de prótese e seu desempenho hemodinâmico é satisfatório, com baixo índice de insuficiência da prótese e baixo gradiente transvalvar.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 09/09/05

Aceito em 28/10/05

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  • Correspondência:
    Wesley Ferreira de Araújo
    Rua Salvador Cosso, 19/33
    14020-580 — Ribeirão Preto, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Jul 2006

    Histórico

    • Recebido
      09 Set 2005
    • Aceito
      28 Out 2005
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