Acessibilidade / Reportar erro

Análise de marcadores de estabilização da placa aterosclerótica após evento coronariano agudo

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o tempo para a estabilização da placa aterosclerótica nas síndromes coronarianas agudas (SCA) utilizando-se marcadores inflamatórios. MÉTODOS: Estudo prospectivo, quarenta pacientes com SCA sem supradesnivelamento de ST versus quarenta indivíduos sem doença coronariana. Proteína C-reativa (PCR), fibrinogênio, fator VIIIc, interleucina-6 e TNF (fator de necrose tumoral)-alfa foram coletados na internação, na alta hospitalar e após três e seis meses. RESULTADOS: Comparada ao controle, a PCR foi significativamente maior na internação e na alta, mas não após três e seis meses. Os níveis de fibrinogênio não apresentaram variações, exceto aos seis meses, quando foi significativamente menor que o controle. O fator VIIIc não diferiu do controle na internação, mas foi significativamente maior na alta, e sem diferenças aos três e seis meses. A IL-6 foi significativamente maior que o controle em todos os períodos. Entretanto, houve queda significativa dos seus níveis entre a alta e três meses. O TNF-alfa não foi significativamente diferente do controle em nenhum momento. Somente a IL-6 se correlacionou significativa e independentemente com eventos cardiovasculares futuros. CONCLUSÃO: Quanto a PCR e fator VIIIc, sugere-se estabilização da placa em até três meses; a análise da IL-6 sugere estabilização a partir do terceiro mês, apesar de permanecer elevada em relação ao controle em até seis meses. Apenas a IL-6 mostrou valor prognóstico de eventos futuros em um ano.

Marcadores inflamatórios; angina instável; infarto do miocárdio sem supradesnivelamento de ST


OBJECTIVE: To evaluate the length of time required for atherosclerotic plaque stabilization in acute coronary syndromes (ACS), using inflammatory markers. METHODS: In this prospective study, C-reactive protein (CRP), fibrinogen, factor VIIIc, interleukin-6 (IL-6), and tumor necrosis factor-alpha (TNF-alpha) levels were measured on admission, at discharge, and three and six months post-discharge in 40 patients with non-ST-segment elevation ACS (NSTE-ACS) and 40 healthy subjects. RESULTS: C-reactive protein levels were significantly higher on admission and at discharge, but not at three and six months post-discharge, compared with the control group. Fibrinogen levels remained unchanged, except at six months, when they were significantly lower than in the control group. Factor VIII-c did not differ from that of the control group on admission, but it was significantly higher at discharge, with no differences at three and six months. Interleukin-6 levels were significantly higher than in the control group in all time points. However, they declined significantly between discharge and three months. In no time point was TNF-alpha significantly different from that of the control group. Only IL-6 correlated significantly and independently with future cardiovascular events. CONCLUSION: With respect to CRP and factor VIIIc, plaque stabilization is suggested in up to three months; IL-6 analysis suggests stabilization as from the third month, although it remained higher than that of the control group for up to six months. Only IL-6 showed prognostic value for further events within a year.

Inflammatory markers; stable angina; non-ST-segment elevation myocardial infarction


ARTIGO ORIGINAL

Análise de marcadores de estabilização da placa aterosclerótica após evento coronariano agudo

Osana Maria Coelho Costa Mouco; José Carlos Nicolau; Tatiana da Rocha e Souza; Lilia Nigro Maia; José Antônio Franchini Ramires

Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto — Instituto do Coração do Hospital das Clínicas — FMUSP - São José do Rio Preto - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Osana Maria Coelho Costa Mouco Rua Tiradentes, 2640/122 15025-050 — São José do Rio Preto, SP E-mail: ocoelho@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o tempo para a estabilização da placa aterosclerótica nas síndromes coronarianas agudas (SCA) utilizando-se marcadores inflamatórios.

MÉTODOS: Estudo prospectivo, quarenta pacientes com SCA sem supradesnivelamento de ST versus quarenta indivíduos sem doença coronariana. Proteína C-reativa (PCR), fibrinogênio, fator VIIIc, interleucina-6 e TNF (fator de necrose tumoral)-a foram coletados na internação, na alta hospitalar e após três e seis meses.

RESULTADOS: Comparada ao controle, a PCR foi significativamente maior na internação e na alta, mas não após três e seis meses. Os níveis de fibrinogênio não apresentaram variações, exceto aos seis meses, quando foi significativamente menor que o controle. O fator VIIIc não diferiu do controle na internação, mas foi significativamente maior na alta, e sem diferenças aos três e seis meses. A IL-6 foi significativamente maior que o controle em todos os períodos. Entretanto, houve queda significativa dos seus níveis entre a alta e três meses. O TNF-a não foi significativamente diferente do controle em nenhum momento. Somente a IL-6 se correlacionou significativa e independentemente com eventos cardiovasculares futuros.

CONCLUSÃO: Quanto a PCR e fator VIIIc, sugere-se estabilização da placa em até três meses; a análise da IL-6 sugere estabilização a partir do terceiro mês, apesar de permanecer elevada em relação ao controle em até seis meses. Apenas a IL-6 mostrou valor prognóstico de eventos futuros em um ano.

Palavras-chave: Marcadores inflamatórios, angina instável, infarto do miocárdio sem supradesnivelamento de ST

As síndromes coronarianas agudas (SCA) — angina instável e infarto do miocárdio — desenvolvem-se, principalmente, por ruptura ou erosão da placa aterosclerótica, com formação de trombo associado. A instabilidade da placa é reconhecida, entre outras características, por estar intimamente relacionada ao processo inflamatório1-4.

Dentre os marcadores inflamatórios circulantes, a proteína C-reativa (PCR) é a mais estudada; níveis elevados são vistos em pacientes com SCA e estão associados com mais altas taxas de eventos futuros5. Por sua vez, a interleucina-6, o estimulante para a produção de PCR no fígado, também está elevada em pacientes com SCA e associada com pior prognóstico, reforçando a importância da inflamação nessas síndromes6. O fator de necrose tumoral-a (TNF-a), uma citocina produzida principalmente por macrófagos ativados, estimula a síntese de outras citocinas7. A elevação persistente do TNF-a após infarto agudo do miocárdio (IAM) correlaciona-se com pior prognóstico; entretanto, muito pouca informação encontra-se disponível sobre a cinética do TNF-a nas SCA sem supradesnivelamento do segmento ST8. O fibrinogênio é uma proteína de fase aguda diretamente envolvida na cascata da coagulação; níveis elevados estão associados com maior risco de eventos trombóticos9 e um risco aumentado de eventos em pacientes com SCA10-14. Finalmente, o fator VIII-c, um cofator enzimático procoagulante, também está envolvido na inflamação15, e um marcador de doença cardíaca isquêmica16-18.

Há escassa informação na literatura a respeito de quanto tempo é necessário para que as lesões instabilizadas coronarianas cicatrizem completamente em pacientes com SCA sem supradesnivelamento do segmento ST. Um estudo utilizando moléculas de adesão celular sugeriu que a atividade inflamatória poderia persistir por até seis meses após o evento coronariano agudo19.

O objetivo principal deste estudo foi avaliar o tempo necessário para a estabilização da placa aterosclerótica, de forma indireta, em pacientes com SCA sem supradesnivelamento do segmento ST tratadas clinicamente, através do comportamento dos níveis de marcadores inflamatórios e de coagulação no plasma.

MÉTODOS

Quarenta dos 64 pacientes internados em nosso hospital entre setembro de 2000 e maio de 2001 com diagnóstico de angina instável e IAM sem supradesnivelamento do segmento ST foram incluídos no estudo (22 homens; média de idade de 61 ± 12 anos). Quarenta voluntários sadios com similar sexo e idade agiram como grupo controle. Os pacientes foram seguidos por até um ano.

Os critérios de inclusão foram dor torácica dentro de 24 horas de duração, sugestiva de isquemia miocárdica com padrão acelerado, ou prolongada (> 20 minutos), ou com episódios recorrentes em repouso, ou com mínimo esforço, e pelo menos um dos seguintes: (a) novas ou presumivelmente novas mudanças no ECG (qualquer das seguintes três características): depressão do segmento ST de pelo menos 0,5 mm, elevação transitória (< 20 minutos) do segmento ST de pelo menos 1 mm, inversão de onda T de pelo menos 3 mm em no mínimo duas derivações contíguas; (b) níveis elevados de marcadores cardíacos (CKMB > 2X o limite superior da normalidade).

Os critérios de exclusão foram elevação persistente do segmento ST; angina secundária; história de intervenção coronariana percutânea (ICP) ou cirurgia de revascularização miocárdica nos últimos seis meses, bloqueio de ramo esquerdo ou ritmo de marcapasso; terapia fibrinolítica nas últimas 48 horas; qualquer inflamação, infecção ou doença neoplásica; uso regular ou crônico de antiinflamatórios nos precedentes dois meses; IAM e acidente vascular cerebral nos últimos seis meses; insuficiência cardíaca congestiva grave ou choque cardiogênico; doença sistêmica grave; creatinina sérica > 2,5 mg/dl; cirurgia ou trauma nos últimos trinta dias. Os pacientes também foram excluídos se fossem submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica ou ICP durante o estudo (nove pacientes foram excluídos baseados nesse critério).

Tratamento clínico- As medicações intra-hospitalares foram utilizadas de acordo com a conduta médica (tab.1). O médico assistente também tomou decisões a respeito da estratégia invasiva ou conservadora, e da necessidade de revascularização coronariana.

Amostras sangüíneas- Amostras de sangue venoso periférico foram coletadas na admissão, na alta hospitalar e após três e seis meses. Somente uma medida foi realizada nos controles sadios. Todas as amostras (pacientes e controles) foram centrifugadas, estocadas a -70°C e analisadas para PCR ultra-sensível, IL-6, TNF-a, fibrinogênio e fator VIII-c em uma única série no final do estudo.

Avaliação laboratorial - PCR ultra-sensível foi determinada por imunoturbidimetria de partículas (COBAS INTEGRA 700, Roche Diagnostics). IL-6 e TNF-a foram avaliadas por ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay- R&D Systems). Fibrinogênio foi medido baseado no método automatizado de Clauss (Fibriquik, marca Organon Teknika). A atividade do fator VIII foi medida por meio da determinação da habilidade da amostra testada em corrigir o tempo de coagulação do Plasma Deficiente de Fator VIII, da marca Organon Teknika.

Objetivos - O principal objetivo do estudo foi avaliar, indiretamente, em pacientes portadores de SCA (angina instável e IAM sem supradesnivelamento do segmento ST), o tempo necessário para a estabilização da placa aterosclerótica, por meio da análise de marcadores de sua instabilização (PCR, fibrinogênio, fator VIII, IL-6 e TNF-a), durante seis meses de seguimento após a alta hospitalar. A meta secundária foi correlacionar os níveis plasmáticos desses marcadores com o prognóstico (risco de eventos cardiovasculares futuros) em pacientes com SCA sem supradesnivelamento do segmento ST em até um ano de seguimento.

Análises estatísticas - A estimativa do tamanho amostral de quarenta pacientes foi realizada em razão de propriedades probabilísticas de estimadores de proporções e de médias, uma vez que não há informação a priori utilizável para uma estimativa que leve em conta a precisão final dos resultados. Como a maioria dos valores dos marcadores inflamatórios não foi distribuída normalmente, os dados foram apresentados em mediana (percentil 25-75), e quando havia distribuição normal, os valores foram apresentados em média ± desvio padrão.

Para comparação entre os grupos, utilizou-se o teste de Mann-Whitney (não-paramétrico) quando os valores não apresentavam distribuição normal. O teste t não-pareado com correção por Welch foi utilizado quando os valores apresentavam distribuição normal.

As variáveis categóricas foram apresentadas em número e porcentual. Para as comparações entre essas variáveis, utilizou-se o teste exato de Fisher.

Para comparação entre os diferentes períodos analisados, quando o paciente foi controle dele mesmo, portanto comportando-se como grupos pareados, foi utilizado o teste não-paramétrico de Wilcoxon pareado. Para as mesmas comparações nos diferentes períodos analisados utilizou-se o teste t pareado, quando os marcadores apresentavam distribuição normal.

A correlação entre os valores das citocinas e proteínas de fase aguda foi efetuada utilizando-se a correlação não-paramétrica de Spearman.

Cada marcador foi comparado ao desfecho composto de angina recorrente, reinternação por angina, reinfarto ou óbito por causa cardiovascular, ao final de um ano de seguimento. Nessas análises foram utilizados o teste de Mann-Whitney (comparações univariadas) e análises de regressão logística (análise multivariada).

As diferenças entre os grupos foram consideradas estatisticamente significativas quando o valor de p fosse < a 0,05 (bicaudal).

Considerações éticas - O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto-SP (Famerp) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). O consentimento pós-informação livre e esclarecido foi obtido de todos os pacientes.

RESULTADOS

As características da população estudada são mostradas na tabela 1. Como pode ser visto, os grupos foram pareados de acordo com idade e sexo. Como esperado, o grupo caso mostrou maior proporção de pacientes com fatores de risco e pré-tratamentos específicos.

A figura 1 mostra que os níveis medianos da PCR foram significativamente maiores em pacientes com SCA, comparados com os controles na internação e na alta hospitalar, mas não em três e seis meses. Os níveis medianos da IL-6 diminuíram significativamente entre a alta e três meses. Entretanto, as incidências permaneceram significativamente maiores que os níveis dos controles por até seis meses (fig. 2). Os níveis medianos do TNF-a diminuíram significativamente entre três e seis meses Entretanto, os níveis, comparados com os controles, não alcançaram significância estatística em nenhum momento do segmento (fig. 3). Os padrões de mudanças de acordo com o tempo também foram encontrados com o fibrinogênio (fig. 4), embora os níveis não tenham aumentado significativamente comparados com controles durante o segmento. Os níveis do fator VIII-c foram significativamente maiores na alta hospitalar, em comparação aos controles, mas não em três e seis meses (fig. 5).






Correlações entre proteínas de fase aguda e citocinas - Houve correlações significativas entre os níveis de PCR e IL-6 coletadas na internação (r = 0,5; p < 0,001), na alta hospitalar (r = 0,6; p < 0,001), e em três meses (r = 0,4; p < 0,007); entre os níveis de PCR e fibrinogênio coletados na internação (r = 0,4; p = 0,003), e pela ocasião da alta (r = 0,4; p = 0,003); e entre os níveis de PCR e TNF-a coletados na internação (r = 0,3; p = 0,024), e na alta hospitalar (r = 0,4; p = 0,009). Não houve correlações significativas entre os níveis de PCR e fator VIIIc em nenhum momento do segmento.

Eventos clínicos e níveis dos marcadores inflamatórios em um ano de seguimento - No final de um ano de seguimento, houve 45 eventos cardiovasculares (32 casos de angina recorrente sem hospitalização, quatro mortes, oito re-hospitalizações por angina, um IAM não-fatal). Dos marcadores inflamatórios analisados, somente os níveis de IL-6 na internação correlacionaram-se significativa e independentemente com a meta composta, como pode ser visto nas tabelas 2 e 3.

DISCUSSÃO

PCR - Demonstrou-se no presente estudo que os níveis de PCR estavam elevados em pacientes com angina instável ou IAM sem supradesnivelamento de ST dentro de 24 horas de evolução. Liuzzo e cols.20 demonstraram que 65% dos pacientes apresentaram níveis de PCR > 3 mg/L na internação, sendo similar aos nossos resultados, no qual 62,5% dos pacientes apresentaram níveis de PCR > 4 mg/L (mediana da PCR dos controles) na internação. Por sua vez, níveis de PCR elevados na alta estavam presentes em 65% de nossos pacientes, maior que o descrito por Biasucci e cols.21, (49%), que pode sugerir uma população de maior risco no presente estudo.

Seguindo-se à fase hospitalar, O’Malley e cols.22 não demonstraram diferenças significativas dos níveis de PCR de pacientes e controles após três meses de seguimento, similar aos nossos resultados. Em nosso conhecimento, não há dados comparativos na literatura que analisaram níveis de PCR após três meses de seguimento em pacientes com SCA sem supradesnivelamento de ST.

Diferentes estudos têm enfatizado, em pacientes com SCA, o valor da PCR analisada na fase aguda como marcador de eventos cardíacos futuros12,20,23,24. Entretanto, essa correlação não foi encontrada por outros22,25-28, similarmente aos nossos resultados.

IL-6 - Biasucci e cols.6 mediram os níveis de IL-6 em 38 pacientes com angina instável e em 29 pacientes com angina estável. Os níveis medianos de IL-6 foram de 5,25 pg/ml em pacientes com angina instável, e abaixo do limite de detecção (< 3 pg/ml) na avaliação de pacientes com angina estável. De maneira similar, com a mesma metodologia, encontramos um nível mediano de IL-6 na internação de 6,15 pg/ml no grupo casos, com SCA sem supradesnivelamento de ST, e no grupo controle de indivíduos saudáveis os níveis medianos também foram abaixo do limite de detecção. Esses achados apóiam a hipótese que níveis detectáveis de IL-6 estão relacionados à instabilização da placa aterosclerótica, sugerindo também que isso ocorre de maneira independente da necrose miocárdica, já que essa citocina também é detectável na ausência de aumento dos níveis de creatino-kinase ou troponina T6.

Nesse mesmo estudo6 foi encontrada correlação significativa entre os níveis de IL-6 e PCR (p = 0,013) obtidos na internação. No presente estudo, correlação significativa entre esses dois marcadores foi obtida não somente na internação (p = 0,001), mas também na alta e três meses de seguimento. Esses achados apóiam a hipótese de que, nas SCA, os níveis elevados de proteínas de fase aguda resultam das vias inflamatórias das citocinas.

Relativamente à evolução da IL-6 após a alta, O’Malley e cols.22 encontraram que pacientes instáveis, em comparação aos controles, mostraram níveis significativamente maiores de IL-6 na internação, seguidos por queda em três meses, quando os níveis de IL-6 em ambos os grupos tornaram-se similares. Em nossos resultados, a despeito do fato de que houve no grupo caso uma diminuição significativa na incidência de pacientes com níveis de IL-6 elevados entre a alta e três meses de seguimento, essa incidência permaneceu significativamente maior que aquela obtida pelo controle, em até seis meses de seguimento. Talvez essas diferenças pudessem ser explicadas pelo fato de que no estudo anterior a população com angina instável era de mais baixo risco, se levarmos em conta que o nível mediano da IL-6 na internação (3±3 pg/ml-1) foi a metade do valor da IL-6 coletada na internação do atual estudo. Podemos também especular que os níveis persistentemente elevados em nossos pacientes poderiam estar relacionados à reativação do processo inflamatório.

Quanto ao prognóstico, foi demonstrado recentemente que níveis elevados de IL-6 na internação, em pacientes com SCA sem supradesnivelamento de ST, é um bom marcador de eventos futuros7,29,30. De acordo, no presente estudo, encontramos correlação significante e independente entre níveis de IL-6 na internação e eventos cardiovasculares em até um ano de seguimento.

TNF-a - Muito pouca informação está disponível a respeito dos níveis de TNF-a a SCA sem supradesnivelamento de ST. Simon e cols.31 comparam pacientes com angina instável e indivíduos saudáveis, e nenhuma diferença significativa foi encontrada entre ambos os grupos. Similarmente, no atual estudo, os níveis de TNF-a no grupo casos não foi diferente significativamente, em nenhum dos períodos analisados, em relação ao grupo controle. Isso seria justificado pelos achados de Bazaran e cols., que demonstraram que os valores de pico de TNF-a, em pacientes com IAM e angina instável, ocorreram dentro de seis horas e desapareceram após 24 horas do início dos sintomas. Em nossa análise, os níveis de TNF-a na internação foram mais altos em comparação ao grupo controle, embora não significativamente. De fato, a meia-vida plasmática do TNF-a é curta, e os níveis basais são baixos na maioria dos pacientes32.

Assim como os níveis de TNF-a não se elevaram, de maneira significativa, em relação ao grupo controle em nenhum momento do seguimento, também não se demonstrou, no presente estudo, correlação entre os níveis de TNF-a e eventos futuros. Similarmente, Cusack e cols.30 não encontraram nenhuma diferença nos níveis desse marcador entre pacientes com angina instável que subseqüentemente sofreram um evento coronariano maior.

Ridker e cols.33, por sua vez, analisando uma amostra de pacientes incluídos no estudo CARE (Cholesterol And Recurrent Events), demonstraram que os níveis plasmáticos de TNF-a estavam aumentados vários meses após IAM entre indivíduos com risco elevado para eventos coronarianos recorrentes. O fato de que as amostras sangüíneas foram obtidas em média de nove meses após o IAM sugere que o risco elevado de eventos coronarianos recorrentes associados ao TNF-a não é, simplesmente, o resultado de aumento transitório do marcador, após oclusão coronariana. Os achados também sugerem que instabilidade persistente subclínica pode ser detectada pela presença de marcadores inflamatórios, como o TNF-a. Entretanto, é importante salientar que a origem dos níveis persistentemente elevados de TNF-a entre indivíduos de risco (pós-IAM) permanece desconhecido33.

Fibrinogênio - Becker e cols.34 demonstraram queda inicial nos níveis de fibrinogênio nas primeiras doze a 24 horas, excedendo os valores basais em 96 horas. Esse resultado é compatível com os níveis de fibrinogênio coletados na internação no atual estudo, quando demonstraram-se valores menores de fibrinogênio comparados ao grupo controle, aumentando até a alta. Em resumo, o pico de elevação de fibrinogênio durante a fase aguda parece ocorrer em torno de três a cinco dias, retornando gradualmente aos níveis basais após a resolução da inflamação35.

No presente estudo, os níveis de fibrinogênio no grupo casos não foram significativamente diferentes dos controles durante a hospitalização ou após três meses de seguimento; entretanto, em seis meses de seguimento, o nível médio no grupo casos foi significativamente mais baixo que no grupo controle, sugerindo um efeito rebote negativo, talvez relacionado a uma exacerbação do consumo de fibrinogênio após o episódio agudo. Em nosso conhecimento não há dados analisando o perfil do fibrinogênio até seis meses de seguimento.

Sobre o valor prognóstico dos níveis de fibrinogênio após o evento coronariano agudo, alguns autores descreveram o marcador como útil10-14,34, e outros não36-38, como neste estudo.

Fator VIII-c - Olinic e cols.17 encontraram atividade do fator VIIIc mais elevada significativamente (p < 0,01) em dezessete pacientes com angina instável, em comparação com dez indivíduos controles saudáveis. Em nossa análise, a atividade do fator VIIIc, no grupo casos, foi similar ao grupo controle na internação, e significativamente maior na alta, retornando ao nível normal em três meses de seguimento. De maneira similar, al-Nozha e cols.16 demonstraram que a atividade do fator VIIIc, em pacientes com angina instável, apresentaram progressiva e significante elevação entre oito horas e cinco dias de evolução.

Na presente análise, não houve correlação entre fator VIIIc e eventos futuros nas SCA. De fato, não há evidências na literatura a respeito do valor prognóstico do fator VIIIc elevado nas SCA.

Limitações do estudo - Primeiro, a ausência de correlação entre os vários marcadores analisados e eventos futuros, com exceção da IL-6, precisa ser visto com cautela, em razão do pequeno número de pacientes estudados. Além disso, neste estudo, os pacientes submetidos a procedimentos de revascularização em qualquer época do segmento foram excluídos, a fim de documentar o curso natural da inflamação nas SCA sem supradesnivelamento de ST. A maioria dos estudos inclui esses pacientes nessa população, o que poderia alterar os resultados obtidos. Sugundo, a rotina laboratorial para a dosagem dos marcadores inflamatórios, especialmente das citocinas, apresenta uma série de dificuldades técnicas, parcialmente pelas suas meias-vidas curtas e a presença de fatores bloqueadores39, resultando em diferenças na comparação entre vários estudos. Além disso, não há ainda uma metodologia padronizada e amplamente utilizada, existindo vários kits para a dosagem de um só produto, como a PCR ultra-sensível. A importância do assunto foi enfatizada por Roberts e cols.40, que analisaram quatro métodos de mensurações da PCR ultra-sensível, demonstrando diferenças entre eles na avaliação de uma população saudável. Finalmente, não medimos a troponina T nesses pacientes, porque esse marcador não estava disponível quando o estudo foi realizado.

CONCLUSÃO

A análise temporal indireta da estabilização da placa, após evento coronariano agudo, varia de acordo com os diversos marcadores inflamatórios analisados:

1. Levando-se em conta a PCR e o fator VIII, sugere-se estabilização da placa em até três meses de evolução.

2. A análise da IL-6 sugere estabilização dos níveis a partir do terceiro mês de seguimento, permanecendo esses níveis, entretanto, elevados em relação aos controles em até seis meses de seguimento.

3. O fibrinogênio e o TNF-a não foram úteis na avaliação da estabilização da placa, pelo fato de não se elevarem significativamente em relação ao grupo controle.

Quanto ao prognóstico, dentre os marcadores analisados, somente a IL-6 se correlacionou de maneira significativa e independente com o surgimento de eventos cardiovasculares futuros.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 26/07/05

Aceito em 28/12/05

  • 1. Kinlay S, Selwyn AP, Libby P, Ganz P. Inflammation, the endotelium, and the acute coronary syndromes. J Cardiovasc Pharmacol. 1998; 32 (suppl.3): S62-6.
  • 2. Lettino M, Dailey-Sterling F, Badimon L, Chesebro JH, Badimon JJ. Wall passivation for unstable angina. Semin Interv Cardiol. 1996; 1: 60-6.
  • 3. Van der Wal AC, Becker AE. Atherosclerotic plaque rupture-pathologic basis of plaque stability and instability. Cardiovasc Res. 1999; 41: 334-44.
  • 4. Shah PK. Plaque disruption and thrombosis potential role of inflammation and infection. Cardiol Clin. 1999; 17: 271-81.
  • 5. Ridker PM. Evaluating novel cardiovascular risk factors: can we do better predict heart attacks? Ann Intern Med. 1999; 130: 933-7.
  • 6. Biasucci LM, Vitelli A, Liuzzo G, et al. Elevated levels of interleukin-6 in unstable angina. Circulation. 1996; 94: 874-7.
  • 7. Koukkunen H, Penttila K, Kemppainen A, et al. C-reactive protein, fibrinogen, interkeukin-6 and tumour necrosis factor-alpha in the prognostic classification of unstable angina pectoris. Ann Med. 2001; 33: 37-47.
  • 8. Irwin MW, Mak S, Mann DL, et al. Tissue expression and immunolocalization of tumor necrosis factor-a in postinfarction dysfunctional myocardium. Circulation. 1999; 99: 1492-98.
  • 9. Ridker PM. Role of inflammatory biomarkers in prediction of coronary heart disease. Lancet. 2001; 358: 946-8.
  • 10. ECAT Angina Pectoris Study Group. ECAT Angina Pectoris Study: baseline associations of haemostatic factors with extent of coronary arteriosclerosis and other coronary arteriosclerosis and other coronary risk factors in 3000 patients with angina pectoris undergoing coronary angiography. Eur Heart J. 1993; 14: 8-17.
  • 11. Bolibar I, Kienast J, Thompson SG, Matthias R, Niessner H, Fechtrup C. Relation of fibrinogen to presence and severity of coronary artery disease is independent of other coexisting heart disease. The ECAT Angina Study Group. Am Heart J. 1993; 125: 1601-5.
  • 12. Meade TW, Mellow S, Brozovic M, et al. Haemostatic function and ischaemic heart disease: principal results of the Northwick Park Heart Study. Lancet. 1986; 2: 533-37.
  • 13. Abrignani MG, Novo G, Di Girolamo A, et al. Increased plasma levels of fibrinogen in acute and chronic ischemic coronary syndromes. Cardiologia. 1999; 44: 1047-52.
  • 14. Keshavamurthy CB, Kane GR, Magdum AP, Sahoo PK. Serum fibrinogen and C-reactive protein levels predict major adverse cardiac events in unstable angina. Indian Heart J. 2000; 52: 36-9.
  • 15. Meade TW. Haemostatic function and arterial disease. Br Med Bull. 1994; 50: 755-75.
  • 16. Al-Nozha M, Gader AM, Al-Momen AK, Noah MS, Jawaid M, Arafa M. Haemostatic variables in patients with unstable angina. Int J Cardiol. 1994; 43: 269-77.
  • 17. Olinic D, Brudasca I, Colhon D, Stoia M, Cucuianu M. Increased plasma factor VIII:c activity in patients with unstable angina pectoris. Rom J Intern Med. 1996; 34: 65-71.
  • 18. Tracy RP, Bovill EG, Yanez D, Psaty BM, Fried LP, Heiss G, et al. Fibrinogen and factor VIII, but not factor VII, are associated with measures of subclinical cardiovascular disease in the elderly. Results from The Cardiovascular Health Study. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 1995; 15: 1269-79.
  • 19. Mulvihill NT, Foley JB, Murphy R, Crean P, Walsh m. Evidence of prolonged inflammation in unstable angina and non-q wave myocardial infarction. J Am Coll Cardiol. 2000; 36: 1210-16.
  • 20. Liuzzo G, Biasucci LM, Gallimore JR, et al. The prognostic value of C-reactive protein and serum amyloid A protein in severe unstable angina. N Engl J Med. 1994; 331: 417-24.
  • 21. Biasucci LM, Liuzzo G, Grillo RL, et al. Elevated levels of C-reactive protein at discharge predicts recurrent instability in patients with unstable angina. Circulation. 1999; 99: 855-60.
  • 22. OMalley T, Ludlam CA, Riememrsa RA, Fox KAA. Early increase in levels of soluble inter-cellular adhesion molecule-1 (sICAM-1): potential risk factor for the acute coronary syndromes. Eur Heart J. 2001; 22: 1226-34.
  • 23. Morrow DA, Rifai N, Antman EM, et al. C-reactive protein is a potent predictor of mortality independently or in combination with troponin T in acute coronary syndromes: a TIMI 11A substudy. J Am Coll Cardiol. 1998; 31: 1460-5.
  • 24. Ferreirós ER, Boissonnet CP, Pizarro R, et al. Independent prognostic value of elevated C-reactive protein in unstable angina. Circulation. 1999; 100: 1958-63.
  • 25. Borras PS, Gomez ME, Romero RA, Campos FC, Molina E, Valentin SV. Inflammation study in unstable angina and myocardial infarction without ST segment elevation. Value of ultra-sensitive C-reactive protein. An Med Interna. 2002; 19: 283-8.
  • 26. Curzen NP, Patel DJ, Kemp M, et al. Can C reactive protein or troponins T and I predict outcome in patients with intractable unstable angina? Heart. 1998; 80: 23-7.
  • 27. Benamer H, Steg PG, Benessiano J, et al. Comparison of the prognostic value of C-reactive protein and troponin in patients with unstable angina pectoris. Am J Cardiol. 1998; 82: 845-50.
  • 28. Choussat R, Montalescot G, Collet J, et al. Effect of prior exposure to Chlamydia pneumoniae, Helicobacter pylori, or Cytomegalovirus on the degree of inflammation and one-year prognosis of patients with unstable angina pectoris or non-Q-wave acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 2000; 8: 379-84.
  • 29. Passoni F, Morelli B, Seveso G, et al. Comparative short-term prognostic value of hemostatic and inflammatory markers in patients with non-ST elevation acute coronary syndromes. Ital Heart J. 2002; 3: 28-33.
  • 30. Cusack MR, Marber MS, Lambiase PD, Bucknall CA, Redwood SR. Systemic inflammation in unstable angina is the result of myocardial necrosis. J Am Coll Cardiol. 2002; 39: 1917-23.
  • 31. Simon AD, Yazdani S, Wang W, Schwartz A, Rabbani LE. Circulating levels of IL-1beta, a prothrombotic cytokine, are elevated in unstable angina versus stable angina. J Thromb Thrombolysis. 2000; 9: 217-22.
  • 32. Basaran Y, Basaran MM, Babacan KF, et al. Serum tumor necrosis factor levels in acute myocardial infarction and unstable angina pectoris. Angiology. 1993; 44: 332-7.
  • 33. Ridker PM, Rifai N, Pfeffer M, Sacks F, Lepage S, Braunwald E. Elevation of tumor necrosis factor-a and increased risk of recurrent coronary events after myocardial infarction. Circulation. 2000; 101: 2149-53.
  • 34. Becker RC, Cannon CP, Bovill EG, et al. Prognostic value of plasma fibrinogen concentration in patients with unstable angina and non-Q-wave myocardial infarction (TIMI IIIB Trial). Am J Cardiol. 1996; 78: 142-7.
  • 35. Rosenson RS. Myocardial injury: the acute phase response and lipoprotein metabolism. J Am Coll Cardiol. 1993; 22: 933-40.
  • 36. Friesewinkel O, Marbet GA, Ritz R. Factor VII and protein-C markers are no prognostic indicators in acute coronary heart disease. Schweiz Med Wochenschr. 1993; 123: 82-4.
  • 37. Montalescot G, Philippe F, Ankri A, et al. Early increase of von Willebrand factor predicts adverse outcome in unstable coronary artery disease: beneficial effects enoxaparin. French investigators of the ESSENCE Trial. Circulation. 1998; 98: 294-9.
  • 38. Saitoh M, Matsuo K, Nomoto S, Uchiyama T, Kondoh T, Yanagawa T. Prognostic significance of electrocardiographic change during anginal attack in patients with unstable angina. Intern Med. 2000; 39: 369-74.
  • 39. Gabay C, Kushner I. Acute-phase proteins and other systemic responses to inflammation. N Engl J Med. 1999; 340: 448-54.
  • 40. Roberts WL, Sedrick R, Moulton L, Spencer A, Rifai N. Evaluation of four automated high-sensitivity C-reactive protein methods: implications for clinical and epidemiological applications. Clin Chem. 2000; 46: 461-8.
  • Correspondência:

    Osana Maria Coelho Costa Mouco
    Rua Tiradentes, 2640/122
    15025-050 — São José do Rio Preto, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Jul 2006

    Histórico

    • Aceito
      28 Dez 2005
    • Recebido
      26 Jul 2005
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br