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Peptídeos natriuréticos no prognóstico de insuficiência cardíaca congestiva

EDITORIAL

Peptídeos natriuréticos no prognóstico de insuficiência cardíaca congestiva

Susan Isakson BA; Alan Maisel MD FACC

Divisão de Cardiologia e Departamento de Medicina do Sistema de Saúde para Veteranos e Universidade da Califórnia, San Diego - San Diego, CA - USA

Correspondência Correspondência: Alan Maisel MD VAMC Cardiology 111-A - 3350 La Jolla Village Drive San Diego, CA 92161 – USA E-mail: eliasj@terra.com.br, jeneto@cardiol.br

A insuficiência cardíaca congestiva (ICC) é uma síndrome clínica freqüentemente caracterizada por pressões de enchimento ventricular esquerdo elevadas (PDFVE). O tratamento da ICC descompensada visa a normalizar as pressões de enchimento, levando, portanto, a uma melhora dos sintomas e dos resultados. Entretanto, o tratamento orientado por medidas diretas de pressão de enchimento não é prático na maioria dos pacientes, concentrando-se atenção em medidas substitutivas não invasivas de PDFVE para a individualização do tratamento da insuficiência cardíaca.

Os níveis de peptídeos natriuréticos (PN) estão intimamente correlacionados com a PDFVE, que está sempre elevada na insuficiência cardíaca descompensada. Na ausência de insuficiência mitral aguda e edema pulmonar agudo e na presença de sobrecarga de volume, os níveis de PN são uma indicação útil da pressão capilar pulmonar (PCPE). Em um estudo de Kazanegra e cols., foram verificados os níveis de BNP e parâmetros hemodinâmicos a cada 2 horas nas primeiras 24 horas e a cada 4 horas nas próximas 24-48 horas nos pacientes internados por ICC descompensada. Houve redução da PCPE de 33 para 25 mmHg nas primeiras 24 horas, enquanto que os níveis de BNP diminuíram de 1472 para 670 pg/ml. No entanto, não foi observada nenhuma alteração no BNP em pacientes com insuficiência cardíaca em fase terminal, mesmo com a queda da pressão capilar pulmonar1.

No estudo de Pereira-Barretto e cols.2, nesta edição (O Nível Sérico de NT-proBNP é um Preditor Prognóstico em Pacientes com Insuficiência Cardíaca Avançada) 105 indivíduos com comprometimento da função de VE e sintomas importantes foram avaliados em termos de níveis basais de PN e mortalidade subseqüente. Os níveis de peptídeo natriurético, neste caso, de NT-proBNP, foram fortes preditores de sobrevida de 90 dias. Apesar das limitações do desenho do estudo (heterogeneidade de pacientes, escassez de eventos e ausência de amostragem seriada), este estudo se soma a um crescente conjunto de evidências de que os peptídeos natriuréticos, dosados no período de descompensação, fornecem uma estratificação de risco importante.

Os níveis de PN são ferramentas úteis na avaliação de pacientes mesmo antes da hospitalização. O estudo REDHOT (Rapid Emergency Department Heart Failure Outpatient Trial) examinou a relação entre a gravidade da doença conforme percebida pelos médicos e a gravidade indicada pelos níveis de BNP. Os pacientes que receberam alta hospitalar apresentavam níveis mais elevados de BNP dos que os internados para tratamento. O nível médio de BNP para os pacientes que receberam alta foi de 976 pg/ml, quando comparado a um valor médio de BNP de 766 pg/ml para os pacientes que foram internados. Os pacientes com níveis de BNP menores do que 200 pg/ml tiveram um prognóstico excelente, com mortalidade de 0% aos 30 dias e de apenas 2% aos 90 dias3.

A inclusão dos PNs no processo de decisão clínica tem-se mostrado economicamente vantajosa e capaz de melhorar a qualidade dos cuidados no contexto hospitalar e de emergência. O estudo BASEL na Suíça explorou a vantagem de custo do uso do teste de BNP como auxiliar das ferramentas clínicas padrão. Os pacientes admitidos no estudo foram randomizados em um dos dois grupos – dosagem de nível de BNP sanguíneo à chegada no Departamento de Emergência e durante a internação, ou grupo de cuidados-padrão sem usar os níveis de BNP. Os pacientes submetidos ao teste de BNP à chegada apresentaram 10% menos internações, menor permanência hospitalar em média de três dias, e custo total médio do tratamento 26% menor. Isto sugere que o uso de BNP na avaliação de dispnéia aguda melhora o custo e a qualidade do atendimento4.

Alterações nos níveis de PN durante a internação são indicadores prognósticos importantes do estado de saúde do paciente durante os meses subseqüentes a uma internação por insuficiência cardíaca. Em um estudo, apenas 16% dos pacientes com queda nos níveis de BNP durante a internação apresentaram evento cardíaco subseqüente, enquanto que 52% dos que apresentaram aumento dos níveis de BNP durante o tratamento foram reinternados ou evoluíram para morte cardíaca. Os pacientes cujos níveis de BNP à alta caíram abaixo de 430 pg/ml apresentaram uma probabilidade razoável de não serem reinternados dentro dos 30 dias subseqüentes5. Esses dados foram corroborados por um estudo de Bettencourt e cols. que verificaram que a ausência de queda dos níveis de BNP durante a internação foi fator preditivo de morte/reinternação e que níveis à alta < 250 pg/ml foram preditivos de sobrevivência livre de eventos 6.

As medidas de PN durante a internação provavelmente devem ser obtidas no mínimo à admissão e à alta. Os níveis de PN medidos 24 horas após o início do tratamento têm-se mostrado úteis para se determinar se o paciente necessita de tratamento mais agressivo. Pacientes portadores de insuficiência cardíaca no estado euvolêmico apresentam um nível "seco" de PN elevado, mas moderadamente estável. Observa-se um aumento importante dos níveis de PN nesses pacientes quando há sobrecarga aguda de volume. Em relação ao BNP, níveis <200-300 pg/ml provavelmente representam um estado euvolêmico verdadeiro. É importante estabelecer o nível seco de BNP do paciente à alta com o propósito de individualizar o tratamento de modo a atingir condições ideais e para posteriormente monitorar o estado de volemia ambulatorialmente.

Nos pacientes em que não se verifica queda dos níveis de PN com o tratamento, várias possíveis causas devem ser consideradas. Pacientes com insuficiência cardíaca classe funcional IV da NYHA possuem níveis "secos" de BNP muito altos e, portanto, níveis altos de BNP podem não necessariamente refletir sobrecarga aguda de volume. Pacientes com edema periférico importante e/ou ascite grave podem não apresentar uma diminuição imediata dos níveis de PN. Nesses pacientes, uma diminuição de PN pode ser observada apenas após a eliminação de vários litros de urina. Este efeito decorre da mobilização e excreção de volume do terceiro espaço precedendo qualquer redução direta na pressão capilar pulmonar. Quando não há queda do nível de PN com o tratamento, também é possível que a causa primária dos sintomas não seja insuficiência cardíaca aguda descompensada, devendo-se considerar outros diagnósticos diferenciais. A piora da função renal durante a diurese também pode paradoxalmente causar níveis aumentados de PN.

O tratamento individualizado e consultas médicas após a alta hospitalar com base nos níveis de BNP à alta passaram a ser conduta comum. Logeart e cols. observaram que os pacientes que receberam alta com níveis de BNP acima de 350 pg/mL apresentavam risco muito maior de eventos adversos do que aqueles com níveis menores. Além disso, os pacientes com níveis de BNP à alta maiores que 700 pg/mL apresentavam uma prevalência de 31% de morte ou reinternação por insuficiência cardíaca um mês depois. Essa prevalência aumentou para 93% após seis meses7.

Como mostrado por Pereira-Barretto e cols. nesta edição, os peptídeos natriuréticos têm-se tornado ferramentas cada vez mais importantes na avaliação e tratamento de pacientes portadores de insuficiência cardíaca descompensada. PNs não são exames independentes e há uma curva de aprendizado associada ao seu uso. Novas pesquisas provavelmente ajudarão a elucidar e refinar nossa compreensão e uso clínico dos níveis de peptídeos natriuréticos.

REFERÊNCIAS

1. Kazanegra R, Cheng V, Garcia A, et al. A rapid test for B-type natriuretic peptide correlates with falling wedge pressures in patients treated for decompensated heart failure: a pilot study. J Card Fail. 2001;7:21-9.

2. Pereira-Barretto AC, Oliveira Jr MT, Strunz CC, Del Carlo CH, Scipioni AR, Ramires JAF. O nível sérico de NT-proBNP é um preditor prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca avançada. Arq Bras Cardiol. 2006; 87:174-77.

3. Maisel A, Hollander JE, Guss D, et al. Primary results of the Rapid Emergency Department Heart Failure Outpatient Trial (REDHOT). A multicenter study of B-type natriuretic peptide levels, emergency department decision making, and outcomes in patients presenting with shortness of breath. J Am Coll Cardiol. 2004;44:1328-33.

4. Mueller C, Scholer A, Laule-Kilian K, et al. Use of B-type natriuretic peptide in the evaluation and management of acute dyspnea. N Engl J Med. 2004;350:647-54.

5. Cheng V, Kazanagra R, Garcia A, et al. A rapid bedside test for B-type peptide predicts treatment outcomes in patients admitted for decompensated heart failure: a pilot study. J Am Coll Cardiol. 2001;37:386-91.

6 Bettencourt P, Ferreira S, Azevedo A, et al. Preliminary data on the potential usefulness of B-type natriuretic peptide levels in predicting outcome after hospital discharge in patients with heart failure. Am J Med. 2002;113:215-19.

7. Logeart D, Thabut G, Jourdain P, et al. Predischarge B-type natriuretic peptide assay for identifying patients at high risk of re-admission after decompensated heart failure. J Am Coll Cardiol. 2004;43:635-41.

  • Correspondência:
    Alan Maisel MD
    VAMC Cardiology 111-A - 3350 La Jolla Village Drive
    San Diego, CA 92161 – USA
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006
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