Acessibilidade / Reportar erro

Versão em português, adaptação transcultural e validação de questionário para avaliação da qualidade de vida para pacientes portadores de marcapasso: AQUAREL

Resumos

RESUMO OBJETIVO: Traduzir, adaptar culturalmente e avaliar a reprodutibilidade e a validade da versão em português do questionário AQUAREL (Assessment of QUAlity of life and RELetad events), específico para avaliação da qualidade de vida em portadores de marcapasso cardíaco. MÉTODOS: Foram avaliados 202 pacientes portadores de marcapasso, sendo 63 na etapa de adaptação cultural e 139 pacientes na avaliação da reprodutibilidade e da validade. A tradução do questionário foi revista até que todas as questões alcançassem entendimento correto por > 85% dos pacientes. A reprodutibilidade da versão final foi testada pela aplicação do questionário em duas entrevistas em 69 pacientes, realizadas por um único entrevistador. A validade foi aferida pela correlação entre os escores obtidos nos domínios do AQUAREL e os domínios do questionário SF36, a classificação funcional e a distância caminhada no teste de seis minutos. RESULTADOS: A consistência interna do AQUAREL foi adequada, com índices Alfa de Cronbach variando de 0,59 a 0,85. A reprodutibilidade foi boa, com coeficientes de correlação elevados (0,68-0,89) e distribuição aleatória dos dados obtidos no gráfico de Bland and Altman, sem viés sistemático dos valores obtidos. Houve associação significativa (p < 0,01) entre os domínios do questionário AQUAREL e a classificação funcional e os domínios do questionário SF36, mas não com a distância caminhada ao teste de seis minutos. CONCLUSÃO: A versão em português do questionário AQUAREL, de fácil e rápida administração, pode ser usada como questionário específico para avaliação da qualidade de vida em portadores de marcapasso.

Qualidade de vida; marcapasso; adaptação transcultural; tradução


OBJECTIVE: To translate, to make the cultural adaptation and to evaluate reproducibility and validity of the Portuguese version of the AQUAREL (Assessment of QUAlity of life and RELated events) questionnaire, which is a specific tool to assess quality of life in pacemaker patients. METHODS: We evaluated 202 pacemaker patients: 63 patients during the cross-cultural adaptation stage and 139 during the reproducibility and validity evaluation stages. The questionnaire translation was reviewed repeatedly until > 85% of patients correctly understood the questions. Reproducibility of the final version was tested in 69 patients in whom the interview was performed twice by the same researcher. Validity was checked by the correlation between scores obtained in AQUAREL domains and those obtained in SF36 domains, in the functional class and the distance walked in the six-minute test. RESULTS: The internal consistency of AQUAREL was adequate, with Cronbach’s alpha coefficient varying between 0.59 and 0.85. Reproducibility was good, with high correlation coefficients (0.68-0.89) and random distribution of data in Bland and Altman plots, without systematic bias. A significant association was observed among AQUAREL domains and those obtained in SF36 domains and the functional class (p<0.01), although significant correlations with the distance walked in the six-minute test were not found. CONCLUSION: The Portuguese version of the AQUAREL questionnaire is easy and rapid to apply, and could be used as a specific questionnaire to assess quality of life in pacemaker patients.

Quality of life; pacemaker; cross-cultural adaptation; translation


ARTIGO ORIGINAL

Versão em português, adaptação transcultural e validação de questionário para avaliação da qualidade de vida para pacientes portadores de marcapasso: AQUAREL

Bruna Guimarães Oliveira; Jorge Gustavo Velasquez Melendez; Rozana Mesquita Ciconelli; Leonor Garcia Rincón; Ana Amélia Soares Torres; Lidiane Aparecida Pereira de Sousa; Antônio Luiz Pinho Ribeiro

Faculdade de Medicina, Escola de Enfermagem e Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Federal de São Paulo - Belo Horizonte, MG - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Antonio Luiz Pinho Ribeiro Rua Campanha, 98/101 30310-770 – Belo Horizonte, MG E-mail: tom@hc.ufmg.br

RESUMO

OBJETIVO: Traduzir, adaptar culturalmente e avaliar a reprodu­tibilidade e a validade da versão em português do questionário AQUAREL (Assessment of QUAlity of life and RELetad events), específico para avaliação da qualidade de vida em portadores de marcapasso cardíaco.

MÉTODOS: Foram avaliados 202 pacientes portadores de marcapasso, sendo 63 na etapa de adaptação cultural e 139 pacientes na avaliação da reprodutibilidade e da validade. A tradução do questionário foi revista até que todas as questões alcançassem entendimento correto por > 85% dos pacientes. A reprodutibilidade da versão final foi testada pela aplicação do questionário em duas entrevistas em 69 pacientes, realizadas por um único entrevistador. A validade foi aferida pela correlação entre os escores obtidos nos domínios do AQUAREL e os domínios do questionário SF36, a classificação funcional e a distância caminhada no teste de seis minutos.

RESULTADOS: A consistência interna do AQUAREL foi adequada, com índices Alfa de Cronbach variando de 0,59 a 0,85. A reprodutibilidade foi boa, com coeficientes de correlação elevados (0,68-0,89) e distribuição aleatória dos dados obtidos no gráfico de Bland and Altman, sem viés sistemático dos valores obtidos. Houve associação significativa (p < 0,01) entre os domínios do questionário AQUAREL e a classificação funcional e os domínios do questionário SF36, mas não com a distância caminhada ao teste de seis minutos.

CONCLUSÃO: A versão em português do questionário AQUAREL, de fácil e rápida administração, pode ser usada como questionário específico para avaliação da qualidade de vida em portadores de marcapasso.

Palavras-chave: Qualidade de vida, marcapasso, adaptação transcultural, tradução.

Nas últimas décadas, as intervenções em saúde têm objetivado não só prolongar a vida, como alcançar a melhoria da sua qualidade. Instrumentos de mensuração da qualidade de vida foram desenvolvidos e são, hoje, ferramentas úteis para se testar, objetivamente, se uma intervenção é capaz de possibilitar que o paciente viva melhor1,2. Na área de estimulação cardíaca artificial, os avanços tecnológicos a cada dia disponibilizam novos recursos. Dessa forma, a avaliação do impacto de diferentes formas de estimulação e recursos de programação sobre a qualidade de vida é fundamental para a escolha da forma de tratamento a ser instituída e na definição da sua relação custo benefício3-7.

Quando se estuda um grupo populacional específico, é importante ter certeza de que a intervenção proposta é capaz de trazer benefício tanto sobre os aspectos gerais do bem-estar do paciente como sobre as limitações e sintomas relacionados especificamente à doença em questão. A utilização exclusiva de instrumentos genéricos de avaliação de qualidade de vida em portadores de marcapasso pode reduzir a capacidade da investigação em reconhecer potenciais benefícios alcançados, cujo efeito poderia ter sido reconhecido caso um instrumento especifico tivesse sido usado8,9. Considera-se ideal que a avaliação da qualidade de vida em portadores de marcapasso seja feita pela associação de um instrumento genérico com outro específico10.

Stofmeel e cols.11,12 propuseram um questionário específico de avaliação da qualidade de vida para pacientes portadores de marcapasso, composto por vinte questões distribuídas em três domínios (desconforto no peito, arritmia, dispnéia ao exercício) denominado AQUAREL (Assesment of QUAlity of life and RELated events). O AQUAREL deveria ser utilizado como extensão do questionário genérico Medical Outcomes Study 36-item Short Form (SF-36), formado por 36 itens agrupados em oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental, já traduzido e validado em língua portuguesa13.

O objetivo do presente estudo foi traduzir, adaptar culturalmente e avaliar a reprodutibilidade e a validade da versão em português do questionário AQUAREL (Assessment of QUAlity of life and RELetad events), específico para avaliação da qualidade de vida em portadores de marcapasso cardíaco.

MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional transversal, com componente descritivo e analítico, realizado no Laboratório de Avaliação e Controle de Estimulação Cardíaca Artificial do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no período de 2002 a 2003. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG e todos os pacientes assinaram termo de consentimento pós-informação.

Foram incluídos no estudo pacientes que se apresen­taram ao Laboratório, para consulta de rotina, com mais de dezessete anos e em seguimento clínico após implante (mais de três meses), e que não apresentavam quadro clínico instável ou limitações de fala, audição e entendimento que impedissem a comunicação necessária para a entrevista. Para os testes da reprodutibilidade, considerou-se também como critério de inclusão a disponibilidade do paciente em retornar à unidade para a reaplicação do questionário AQUAREL. Dos 202 pacientes estudados, 63 participaram da etapa de adaptação cultural e 139 da etapa de avaliação da reprodutibilidade e validade da versão traduzida do questionário. Nos testes de caminhada de seis minutos, método utilizado no processo de validação, participaram 74 pacientes que apresentavam condição física de caminhar sem auxílio, vontade de fazer o teste e inexistência de contra-indicações clínicas, como angina instável, insuficiência cardíaca congestiva Classe IV ou doença cardiovascular ou sistêmica grave. Os pacientes foram selecionados aleatoriamente de um universo de cerca de 1.400 indivíduos cadastrados no Laboratório, sem nenhum outro critério adicional de seleção, sendo a amostra considerada representativa do universo de pacientes acompanhados numa clínica de marcapasso numa capital brasileira.

O questionário AQUAREL foi submetido ao processo de validação após tradução e adaptação cultural para uso em população de língua portuguesa, de acordo com recomendações apresentadas pela literatura. Conforme tais recomendações, todo o processo de tradução e adaptação cultural foi acompanhado por Comitê Revisor, constituído pela equipe de especialistas que compõem o Laboratório de Marcapasso: três médicos cardiologistas, um enfermeiro, além de dois acadêmicos. O Comitê Revisor foi responsável pela coordenação e execução dos ajustes que se fizeram necessários na etapa da adaptação cultural, além do registro de todo o processo executado.

A tradução e adaptação cultural seguiram o roteiro descrito na figura 1, elaborado com base na metodologia de tradução de questionários para outras línguas proposta na literatura específica14-16. Foram realizadas três traduções que deram origem a uma síntese. Na etapa da retrotradução, buscou-se evidenciar as possíveis falhas ocorridas na tradução através da versão da síntese traduzida para o português, novamente para o inglês. Os ajustes na etapa da adaptação cultural foram realizados pelo Comitê, após teste do entendimento na população na qual se pretendia utilizar o questionário, com base nos registros do entendimento do paciente sobre as perguntas do questionário, transcritos pelos entrevistadores. As respostas foram classificadas em entendimento correto e entendimento incorreto ou duvidoso. Foram reajustadas todas as questões que não alcançaram entendimento correto por 85% ou mais dos pacientes testados. As adaptações consideraram, além do relato dos pacientes, o aspecto que busca ser medido na versão original do questionário. Foram necessárias três avaliações e dois momentos de ajuste realizado pelo Comitê, para que se chegasse à versão final considerada traduzida e culturalmente adaptada.


A reprodutibilidade da versão final em português do questionário AQUAREL foi testada mediante aplicação do questionário em duas entrevistas, realizadas por um único entrevistador. O intervalo entre as entrevistas para responder ao questionário apresentou período mínimo de seis dias e máximo de quinze, e foram realizadas no mesmo período do dia para cada paciente. Assim, a amostra testada durante essa fase foi constituída de 69 pacientes, sendo 47,6% do sexo feminino e 52,4% do masculino, com disponibilidade para retornar ao serviço em um segundo momento. Os questionários foram codificados e digitados em banco de dados, aplicando-se algoritmo para cálculo do valor dos escores individuais, obtidos para cada domínio do questionário AQUAREL (desconforto no peito, arritmia, dispnéia ao exercício), de acordo com a definição na versão original11. Os valores obtidos variam de zero (que representa todas as queixas) a cem (que representa ausência de queixas), esse último valor representando perfeita qualidade de vida. A análise estatística para avaliação da reprodutibilidade foi feita por diferentes métodos: 1) comparação das médias dos escores médios obtidos pela população em cada entrevista, usando-se o teste t-Student para amostras dependentes. Foram considerados indicadores de adequada reprodutibilidade as diferenças de médias não estatisticamente distintas de zero (valor p > 0,05); 2) método de Bland e Altman17 que demonstra graficamente a diferença dos escores obtidos dessas entrevistas ao longo do conjunto de valores médios; 3) coeficiente de correlação de Pearson entre os valores individuais obtidos na primeira e na segunda entrevistas.

A análise da consistência interna dos componentes de cada domínio do questionário foi realizada através do cálculo do Alfa de Cronbach18 . Valores de alfa superiores a 0,5 indicam consistência interna aceitável, considerando-se ideal, valores superiores a 0,7.

A validade da versão final em português do questionário AQUAREL foi aferida com a participação de 139 pacientes pelo estudo da associação entre os escores obtidos nos domínios do questionário AQUAREL e os domínios do questionário SF36, o escore de classificação funcional e a distância caminhada no teste de seis minutos (realizado em 74 pacientes). A escolha desses parâmetros, considerados aqui como padrão de referência para a aferição da validade do instrumento em reconhecer diferenças clinicamente significativas, levou em consideração a sua importância clínica e a utilização desses na validação do questionário AQUAREL em sua versão original.

O SF-36 se apresenta como questionário genérico largamente utilizado e devidamente validado que compõe a avaliação dos aspectos gerais. Espera-se encontrar correlação positiva entre os escores dos domínios do questionário SF-36 e o questionário em avaliação. A classificação funcional foi avaliada pelo pesquisador utilizando-se de escala de atividade específica de classificação funcional de I a IV, análoga à da New York Heart Association, proposta por Goldman e cols.19. O teste de caminhada de seis minutos é um método de avaliação da capacidade funcional submáxima. Antes da aplicação os voluntários permaneciam em repouso por no mínimo dez minutos e, durante esse tempo eram coletados dados pessoais, além de ministradas as orientações necessárias. Eram analisadas, ainda, possíveis contra-indicações para a realização do procedimento. Os participantes foram treinados previamente e submetidos a dois testes com intervalo de vinte minutos entre eles, para descanso. A realização de duas avaliações pelo teste de caminhada de seis minutos objetivou eliminar o efeito aprendizado do procedimento. Além disso, caso fosse encontrada diferença superior a 10% da distância percorrida entre o primeiro e o segundo teste, seria realizada uma terceira avaliação20. Os voluntários foram encorajados de maneira padronizada durante o teste e, caso apresentassem dor precordial, dispnéia desproporcional ao esforço, sudorese excessiva, palidez ou indisposição durante a realização do teste, esse seria interrompido imediatamente. Considerado um teste simples, de fácil execução pelos pacientes, reflete atividades próximas das cotidianas. Além disso, necessita de poucos equipamentos, é de rápida e segura aplicação e apresenta boa correlação com outros tipos de exercício como o teste de esteira ou bicicleta21-23. A avaliação da validade da versão portuguesa do questionário AQUAREL foi realizada por meio de análise de correlação de Pearson, bem como comparação das médias, usando-se análise de variância e teste de Tukey. As relações foram consideradas estatisticamente significativas a um valor de p < 0,05.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 202 pacientes, com média de idade de 60,1 anos (17-82), sendo 56,4% do sexo feminino, 61,4% aposentados ou licenciados (tab. 1). Mais de 50% referiram união conjugal, 84,7% relataram ter freqüentado a escola por menos de quatro anos, e 32,7% nunca a freqüentaram. Uma proporção maior dos 139 pacientes submetidos à avaliação das propriedades de medida (reprodutibilidade e validade) estava aposentada, mas outras diferenças significativas entre os dois grupos não foram encontradas.

Foram realizados três testes com dois momentos de ajuste cultural até se alcançar os índices definidos do mínimo de 85% de entendimento correto. No primeiro teste (com dez pacientes) dezesseis das vinte questões apresentaram mais de 15% de entendimento incorreto ou duvidoso; no segundo teste (23 pacientes) dez questões precisaram ser ajustadas; e no terceiro teste (trinta pacientes) todas as questões apresentaram índices preestabelecidos como aceitáveis de menos de 5% de entendimento incorreto ou duvidoso.

Dos 139 pacientes que participaram da segunda etapa do estudo, 69 pacientes (47,5%) participaram do estudo de reprodutibilidade, retornando para a segunda aplicação do questionário AQUAREL após, em média, sete dias. Na tabela 2 estão apresentados as médias e os desvios-padrão dos escores obtidos em ambas as entrevistas. Não se observam diferenças significativas entre os escores obtidos nos dois momentos em nenhum dos domínios do questionário AQUAREL, de forma que a diferença média entre os escores obtidos é próxima de zero, apesar de um intervalo de confiança relativamente largo (fig. 2 a 4 ).



Os coeficientes de correlação intra-observador obtidos entre a primeira e a segunda entrevista foram elevados e altamente significativos (p < 0,001) nos domínios desconforto no peito (fig. 2A ), dispnéia (fig. 3A) e arritmia (fig. 4A ) do questionário AQUAREL. Os diagramas de Bland e Altman, apresentados também nas figuras 2 a 4 (B) , mostram a ausência de viés sistemático entre a primeira e a segunda avaliações nos três domínios, revelando, porém, uma variação relativamente ampla dos escores entre uma e outra entrevista.

Na tabela 3 são mostrados os valores calculados para verificação da consistência interna entre os itens que compõem cada domínio através do Alfa de Cronbach. Os escores variaram de 0,678 a 0,849 na primeira aplicação do questionário e de 0,592 e 0,818 na segunda aplicação, estando os menores escores no domínio arritmia.

A validade do questionário foi avaliada em 139 pacientes, dos quais 74 (53,2%) realizaram o teste de caminhada de seis minutos. Pacientes em classe funcional II ou III apresentaram escores significativamente mais baixos do que pacientes em classe I (tab. 4). Observaram-se, ainda, elevados coeficientes de correlação ente os domínios do AQUAREL e do SF-36 (tab. 5). Não obstante, não se observou variação dos escores de qualidade de vida do questionário AQUAREL em relação à distância caminhada ao teste de seis minutos (tab. 6).

DISCUSSÃO

Na tradução e na retrotradução, nenhuma grande discrepância existiu entre as três traduções e a retrotradução realizadas neste estudo.

Na adaptação cultural os baixos índices de escolaridade em geral se manifestaram em todas as fases da aplicação e ajuste do questionário traduzido. Houve necessidade da inclusão de expressões explicativas no intuito de manter fidelidade ao propósito da versão original. A melhora progressiva do entendimento demonstrado nas diversas fases de teste da adaptação cultural mostra que a simples tradução não garante a equivalência com o questionário original. Ressalta-se, assim, a importância dada pela literatura à utilização de um guia sistematizado no processo de tradução e adaptação cultural14,16.

A alta porcentagem de pacientes iletrados (32,7% de analfabetos) neste estudo justificou a utilização do questionário na forma de entrevista.

A reprodutibilidade, também chamada confiabilidade, é a propriedade demonstrada pelo instrumento de reproduzir resultados semelhantes quando aplicado em situações semelhantes13. Os resultados do teste de reprodutibilidade neste estudo demonstram a existência de confiabilidade adequada do questionário nesse grupo de pacientes, verificado por meio da inexistência de diferenças significativas entre as médias dos escores obtidos nos domínios do questionário quando esse é aplicado de forma repetida, assim como pelos elevados valores (0,68 a 0,89) dos coeficientes de correlação intra-observador. Entretanto, os intervalos de confiança de 95% das diferenças dos escores entre os dois momentos foram relativamente amplos, de cerca de vinte pontos nos domínios de arritmia e dispnéia, e próximo de trinta pontos no domínio desconforto no peito (fig. 2 a 4 ), o que demonstra a potencial limitação da utilização desse instrumento para avaliação individual da qualidade de vida.

Um aspecto que merece ser destacado é que as diferenças foram aleatórias em relação aos valores médios dos escores de qualidade de vida de ambos os resultados obtidos em duas entrevistas distintas (fig. 2 a 4 ), indicando que não há vícios sistemáticos dos valores obtidos. Com referência à consistência interna da versão traduzida do questionário AQUAREL, verificada pelo Alfa de Cronbach, os escores encontrados se apresentam dentro dos limites considerados aceitáveis para os domínios arritmia e dispnéia (>0,5) e ideais para o domínio de desconforto no peito (>0,7). Embora a versão original do AQUAREL tenha apresentado reprodutilidade interobservador aceitável, uma limitação digna de nota do presente estudo foi a ausência de avaliação da reprodutilidade entre observadores diferentes.

A validação é o processo pelo qual se busca demonstrar a capacidade de um instrumento e medir o que se propõe. São muitas as dificuldades envolvidas na validação de medidas complexas e subjetivas como qualidade de vida que não contam com um padrão de referência. A validade só é confirmada após sucessivos estudos demonstrarem aspectos relevantes do instrumento avaliado. No presente estudo, compararam-se os escores obtidos nos domínios do questionário AQUAREL e com a distância caminhada ao teste de caminhada de seis minutos, a classificação funcional e o questionário SF-36, parâmetros que foram usados também para demonstrar a validade do questionário AQUAREL em sua versão original em inglês12.

As correlações observadas entre os escores dos domínios do AQUAREL e instrumentos já reconhecidamente validados, como o questionário SF-36 e a classificação funcional por escala de atividades específicas de Goldman, sugerem que o AQUAREL é um instrumento de avaliação de qualidade de vida capaz de registrar pela variação de seus escores específicos, mudanças nas sensações subjetivas do ponto de vista dos pacientes com marcapasso.

Os escores de cada domínio do AQUAREL não se correlacionaram com a distância percorrida pelo paciente no teste de caminhada de seis minutos. Houghton e cols.23 também não encontraram correlação significativa entre o teste de caminhada de 6 minutos e questionário de avaliação de qualidade de vida em pacientes portadores de insuficiência cardíaca congestiva, enquanto Olsson e cols.24, em revisão sistemática recente, ressaltaram a fraca relação entre a distância caminhada ao teste de seis minutos e os sintomas de gravidade da insuficiência cardíaca. Adicionalmente, a idade é um fator de confundi­mento importante, já que sabidamente se associa com a distância caminhada e aos escores de qualidade de vida (Sousa e cols., dados não publicados).

Observa-se, dessa maneira, que é desejável o aprofundamento do processo construtivo de validação, com a comparação com outros marcadores de bem-estar, a determinação do nível de mudança de escores que indica mudanças importantes na saúde dos portadores de marcapasso e a determinação da sensibilidade da versão em português do questionário AQUAREL25. Importante também registrar que este estudo contou com número significativo, mas limitado, de pacientes, tendo sido realizado numa única instituição, restringindo o universo estudado. Estudos em outras regiões do país e com clientelas distintas são desejáveis antes da utilização plena do questionário na prática clínica.

Em conclusão, uma versão em português do questionário AQUAREL foi obtida a partir de tradução e adaptação cultural realizada conforme diretrizes atuais. As melhorias alcançadas na compreensão dos pacientes durante a adaptação cultural reforçam a necessidade de se seguir rigorosamente os processos preconizados de adaptação de um questionário a uma outra língua. O questionário AQUAREL, versão em português, apresentado neste estudo, é prático, de fácil aplicação e apresentou reprodutibilidade e validade satisfatórias. Nossos resultados sugerem que a versão na língua portuguesa do questionário AQUAREL pode ser usada, quando associada ao questionário genérico SF-36, para avaliação da qualidade de vida em grupos de portadores de marcapasso. Novos estudos são desejáveis para determinar sua sensibilidade e comprovar sua aplicabilidade em outras regiões do país.

Recebido em 04/10/05

Aceito em 28/12/05

ANEXO 1

Questionário AQUAREL, versão em português. Específico para avaliação de qualidade de vida para pacientes portadores de marcapasso.

Instruções: Esta pesquisa questiona você sobre sua saúde. Estas informações nos manterão informados de como você se sente em algumas situações de vida diária, nas últimas quatro semanas. Não existem respostas certas ou erradas – o importante é você relatar como realmente se sente nas situações descritas. Caso você esteja inseguro em como responder, por favor escolha a resposta que mais se aproxima da situação que você vive. Não deixe nenhuma questão sem resposta.

Nas últimas quatro semanas:

1. Você tem sentido algum desconforto no peito como dor, aperto ou peso?

a) Nenhum desconforto; b) Desconforto muito leve; c) Desconforto leve; d) Desconforto moderado; e) Desconforto grande.

2. Você tem sentido algum desconforto no peito como dor, aperto ou peso quando sobe escada ou morro?

a) Nenhum desconforto; b) Desconforto muito leve; c) Desconforto leve; d) Desconforto moderado; e) Desconforto grande.

3. Você tem sentido algum desconforto no peito como dor, aperto ou peso quando caminha rápido em local plano, sem subida ou descida?

a) Nenhum desconforto; b) Desconforto muito leve; c) Desconforto leve; d) Desconforto moderado; e) Desconforto grande.

4. Você tem sentido algum desconforto no peito como dor, aperto ou peso quando caminha em local plano no mesmo ritmo, no mesmo passo que pessoas da sua idade?

a) Nenhum desconforto; b) Desconforto muito leve; c) Desconforto leve; d) Desconforto moderado; e) Desconforto grande.

5. O desconforto no peito como dor aperto ou peso tem dificultado, atrapalhado você a fazer alguma atividade física?

a) Nenhuma dificuldade; b) Dificuldade muito leve; c) Dificuldade leve; d) Dificuldade grande; e) Dificuldade muito grande.

6. Você tem sentido algum desconforto no peito como dor aperto ou peso enquanto está repousando?

a) Nenhum desconforto; b) Desconforto muito leve; c) Desconforto leve; d) Desconforto moderado; e) Desconforto grande.

Nas últimas quatro semanas

7. Você tem sentido falta de ar quando sobe escada ou morro?

a) Nenhuma; b) Falta de ar muito leve; c) Falta de ar leve; d) Falta de ar moderado; e) Falta de ar grande.

8. Você tem sentido falta de ar quando caminha rápido em local plano, sem subida ou descida?

a) Nenhuma; b) Falta de ar muito leve; c) Falta de ar leve; d) Falta de ar moderado; e) Falta de ar grande.

9. Você tem sentido falta de ar quando caminha em local plano no mesmo ritmo, no mesmo passo que pessoas da sua idade?

a) Nenhuma; b) Falta de ar muito leve; c) Falta de ar leve; d) Falta de ar moderado; e) Falta de ar grande.

10. A falta de ar tem dificultado, atrapalhado você a fazer alguma atividade física?

a) Nenhuma dificuldade; b) Dificuldade muito leve; c) Dificuldade leve; d) Dificuldade grande; e) Dificuldade muito grande.

11. Você tem sentido falta de ar enquanto está repousando?

a) Nenhuma; b) Falta de ar muito leve; c) Falta de ar leve; d) Falta de ar moderado; c) Falta de ar muito grande.

12. Você tem acordado durante o sono por falta de ar?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

Nas últimas quatro semanas

13. Você tem tido inchação nos tornozelos (na região dos pés)?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

14. Você tem sentido o coração bater irregular, fora do ritmo?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

15. Você tem sentido o coração bater mais forte?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

16. Você tem sentido batimento forte no pescoço ou abdome (barriga)?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

17. Você tem tido sensação de desmaio?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

18. Você tem se sentido cansado e exausto após ter dormido uma noite de sono?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

19. O cansaço ou a falta de energia tem dificultado, atrapalhado você a fazer suas atividades diárias?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

20. O cansaço tem levado você a precisar se sentar ou deitar durante o dia?

a) Nunca; b) Raramente; c) De vez em quando; d) Quase sempre; e) Sempre.

  • 1. Ciconelli RM. Medidas de avaliação de qualidade de vida. Rev Bras Reumatol. 2003; 43: 9-13.
  • 2. Ferrans CE. Development of a conceptual model of quality of life. Sch Inq Nurs Pract. 1996; 10: 293-304.
  • 3. Lamas GA, Orav EJ, Stambler BS, et al. Quality of life and clinical outcomes in elderly patients treated with Ventricular Pacing as compared with dual-chamber pacing. N Engl J Med. 1998; 338: 1097-104.
  • 4. Lamas GA, Lee KL, Sweeney MG, et al. Ventricular pacing or dual-chamber pacing for sinus-node dysfunction. N Engl J. Med 2002; 346(24): 1854-62.
  • 5. Lau W, Paquette M, Irvine J, et al. Quality of life improves after pacing in the Canadian trial of physiologic pacing (CTOPP) independent of pacing mode. Pacing Clin Eletctrophysiol. 1999; 22: 905.
  • 6. Malcolm AB, Charles RK, Stuart JC. Survival, quality of life, and clinical trials in pacemaker patients. In: Ellenbogen KA, Kay GN, Wilkoff BL. Clinical Cardiac Pacing and Defibrillation. Clinical Cardiac Pacing and Defibrillation, 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders; 2000: 383-404.
  • 7. Newman D, Lau C, Tang ASL, et al. Effect of pacing mode on health-related quality of life in Canadian trial of physiologic pacing. Am Heart J. 2003; 145: 430-7.
  • 8. Linde C. How to evaluate quality of life in pacemaker patients: Problems and Pitfalls. Pacing Clin Eletctrophysiol. 1996; 19: 391-7.
  • 9. Montanes A, Hennekens CH, Zebede J, Lamas G. Pacemaker mode selection: the evidence from randomized trials. Pacing Clin Eletctrophysiol. 2003; 26: 1270-82.
  • 10. Stofmeel MA, Post MW, Kelder JC, Grobbee DE, Van Helmel NM. Quality-of-life of pacemaker patients: a reappraisal of current instruments. Pacing Clin Eletctrophysiol. 2000; 23: 946-52.
  • 11. Stofmeel MA, Post MW. Kelder JC, Grobbee DE, Van Helmel NM. Changes in Quality-of-life After Pacemaker Implantation: Responsiveness of the AQUAREL Questionnaire. Pacing Clin Eletctrophysiol. 2001; 24: 288-94.
  • 12. Stofmeel MA, Post MW, Kelder JC, Grobbee DE, Van Helmel NM. Psychometric properties of AQUAREL: a disease-specific quality of life questionnaire for pacemaker patients. J Clin Epidemiol. 2001; 54: 157-65.
  • 13. Ciconelli RM. Tradução para o português e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida "Medical Outcomes Study 36- item Short-Form Health Survey (SF-36)". Tese de doutorado. UNIFESP - Escola Paulista de Medicina. São Paulo, 1997: 143p.
  • 14. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the Process of Cross-Cultural Adaptation of Self-Report Measures. Spine. 2000; 25(24): 3186-91.
  • 15. Ferraz MB. Cross cultural adaptation of questionnaires: what is it and when should it be performed? J Rheumatol. 1997; 11: 2066-8.
  • 16. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-Cultural adaptation of Health-Related Quality of Life Measures. Literature Review and Proposed Guidelines. J Clin Epidemiol. 1993; 46: 1417-32.
  • 17. Bland JM, Altman DG. Statistical methods for assessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986; 1(8476):307-10.
  • 18. Kirsshner B, Guyatt G. A methodological framework for assessing health indices. J Chron Dis. 1985; 38: 27-36.
  • 19. Goldman L, Hashimoto B, Cook EF, Loscalzo A. Comparative reproducibility and validity for assessing cardiovascular functional class: advantages of a new specific activity scale. Circ. 1981; 64: 1227-33.
  • 20. Steele RNB. Timed walking tests of exercise capacity in chronic cardiopulmonary illness. J Cardiopulmonary Rehabil. 1996; 16: 25-33.
  • 21. Langenfeld H, Sclneider B, Grimm W, Beer M, Knoche M, Riegger G, et al. The Six-Minute Walk - An Adequate Exercise Test for Pacemaker Patients? Pacing Clin Eletctrophysiol. 1998; 13: 1761-65.
  • 22. Provenier F, Jordaens L. Evaluation of six minute walking test in patients with single chamber rate responsive pacemakers. Br Heart J. 1994; 72: 192-6.
  • 23. Houghton AR, Harrison M, Cowley AJ, Hampton JR. Assessing exercises capacity, quality of life and haemodynamics in heart failure: do the tests tell us the same thing? Eur J Heart Fail. 2002; 4: 289-95.
  • 24. Olsson LG, Swedberg K, Clark AL, Witte KK, Cleland JG. Six minute corridor walk test as an outcome measure for the assessment of treatment in randomized, blinded intervention trials of chronic heart failure: a systematic review. Eur Heart J. 2005; 26: 778-93.
  • 25. Oliveira BG. Medida da qualidade de vida em portadores de marcapasso: tradução e validação de instrumento específico. Dissertação de mestrado. Escola de Enfermagem da UFMG. Belo Horizonte, MG, 2003:100p.
  • Correspondência:

    Antonio Luiz Pinho Ribeiro
    Rua Campanha, 98/101
    30310-770 – Belo Horizonte, MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      28 Dez 2005
    • Recebido
      04 Out 2005
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br