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Percepções sobre diagnóstico e manuseio da insuficiência cardíaca: comparação entre cardiologistas clínicos e médicos de família

Resumos

OBJETIVO: Comparar as percepções sobre diagnóstico e manuseio da insuficiência cardíaca (IC) entre cardiologistas clínicos (CC) e médicos de família (MF) de Niterói. MÉTODOS: Utilização de questionário qualitativo validado no estudo EURO-HF, que foi submetido a 54 MF e 62 CC. Esses profissionais forneceram informações sobre a forma de diagnóstico da IC, acesso aos exames complementares e quais são mais utilizados; nome dos medicamentos utilizados, doses, efeitos adversos e quais fármacos reduzem mortalidade. RESULTADOS: MF e CC relataram como os sinais e sintomas mais freqüentemente identificados nos pacientes com IC dispnéia, edema e cansaço (96,3% vs 100%, 74% vs 58% e 22,2% vs 67,7%). A classificação de severidade de IC mais utilizada pelos MF foi leve/moderada/grave (53,8%) e pelos CC foi da NYHA (72,7%). CC solicitam ecocardiograma com maior freqüência que os MF (p < 0,001). CC diferenciam IC com função sistólica preservada da IC com disfunção sistólica mais freqüentemente que os MF (p < 0,001). CC usam mais freqüentemente betabloqueadores (p < 0,001), IECA (p < 0,001) e espironolactona (p < 0,001) que MF. As doses de IECA utilizadas pelos CC são maiores que as usadas pelos MF (p < 0,001) e as doses de espironolactona mais próximas às recomendadas na literatura. CONCLUSÃO: CC utilizam uma investigação diagnóstica mais intensa, bem como utilizam os fármacos que reduzem a morbidade e mortalidade dos pacientes com IC com maior propriedade.

Insuficiência cardíaca; diagnóstico; manuseio


OBJECTIVE: To compare the perceptions of heart failure (HF) diagnosis and management between clinical cardiologists (CC) and family doctors (FD) in the city of Niterói. METHODS: A qualitative questionnaire, validated by the EURO-HF study, was submitted to 54 FD and 62 CC. These professionals supplied the following information: HF diagnosis; availability of complementary tests; which tests were used more often; names, dosages and adverse effects of the medications prescribed; and which pharmaceuticals reduced mortality. RESULTS: FD and CC reported that the most common signs and symptoms identified by HF patients were: dyspnea, edema and fatigue (96.3% vs. 100%, 74% vs. 58% and 22.2% vs. 67.7%). The HF classification method used most often by FD was mild/moderate/severe (53.8%) while the CC used the NYHA method (72.7%) more often. CC request echocardiograms more often than FD (p < 0.001). CC differentiate HF with preserved systolic function from HF with systolic dysfunction more often than FD (p < 0.001). CC use beta-blockers (p < 0.001), angiotensin-converting enzyme inhibitors (p < 0.001) and spironolactone (p < 0.001) more often than FD. The angiotensin-converting enzyme (ACE) inhibitor dosages used by CC are greater than those used by FD (p < 0.001) and the spironolactone dosages used by CC are closer to those recommended in medical literature. CONCLUSION: CC use a more intensive investigative diagnosis and medications that are more effective in reducing morbidity and mortality rates for HF patients.

Heart failure; diagnosis; management


ARTIGO ORIGINAL

Percepções sobre diagnóstico e manuseio da insuficiência cardíaca: comparação entre cardiologistas clínicos e médicos de família

Leandro Reis Tavares; Luis Guilhermo Cocca Velarde; Verônica Alcoforado de Miranda; Evandro Tinoco Mesquita

Universidade Federal Fluminense e Projeto Médico da Família – FMS – Niterói, RJ

Correspondência Correspondência: Leandro Reis Tavares Rua Otávio Carneiro, 110/201 24230-191 – Niterói, RJ E-mail: lreistavares@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar as percepções sobre diagnóstico e manuseio da insuficiência cardíaca (IC) entre cardiologistas clínicos (CC) e médicos de família (MF) de Niterói.

MÉTODOS: Utilização de questionário qualitativo validado no estudo EURO-HF, que foi submetido a 54 MF e 62 CC. Esses profissionais forneceram informações sobre a forma de diagnóstico da IC, acesso aos exames complementares e quais são mais utilizados; nome dos medicamentos utilizados, doses, efeitos adversos e quais fármacos reduzem mortalidade.

RESULTADOS: MF e CC relataram como os sinais e sintomas mais freqüentemente identificados nos pacientes com IC dispnéia, edema e cansaço (96,3% vs 100%, 74% vs 58% e 22,2% vs 67,7%). A classificação de severidade de IC mais utilizada pelos MF foi leve/moderada/grave (53,8%) e pelos CC foi da NYHA (72,7%). CC solicitam ecocardiograma com maior freqüência que os MF (p < 0,001). CC diferenciam IC com função sistólica preservada da IC com disfunção sistólica mais freqüentemente que os MF (p < 0,001). CC usam mais freqüentemente betabloqueadores (p < 0,001), IECA (p < 0,001) e espironolactona (p < 0,001) que MF. As doses de IECA utilizadas pelos CC são maiores que as usadas pelos MF (p < 0,001) e as doses de espironolactona mais próximas às recomendadas na literatura.

CONCLUSÃO: CC utilizam uma investigação diagnóstica mais intensa, bem como utilizam os fármacos que reduzem a morbidade e mortalidade dos pacientes com IC com maior propriedade.

Palavras-chave: Insuficiência cardíaca, diagnóstico, manuseio.

A insuficiência cardíaca (IC) é um grave problema de saúde pública para os países ocidentais1. Sua elevada prevalência e incidência2, os altos custos médico-hospitalares pelas freqüentes reinternações hospitalares3, a necessidade de estratégias que promovam a aplicação de polifarmacoterapia com comprovada eficácia4 e acompanhamento multidisciplinar5, a elevada morbidade e mortalidade6 e o grave impacto sobre a qualidade de vida7,8 dos pacientes levaram a Organização Mundial de Saúde a recomendar atenção especial das organizações de saúde para essa síndrome.

Quase cinco milhões de norte-americanos têm o diagnóstico de IC, e cerca de 550 mil novos casos surgem anualmente, causando mais de 280 mil óbitos9. Segundo os dados do Sistema Único de Saúde (Datasus – www.datasus.gov.br), tivemos cerca de 398 mil internações por IC no ano de 2000, com 26 mil mortes. Essas internações correspondem a mais de 30% das internações e consumiram 33% dos gastos com doenças do aparelho circulatório. A IC é a primeira causa de internação dos pacientes acima dos 65 anos no SUS.

Estima-se que em 2025 o Brasil tenha a sexta maior população de idosos do mundo, cerca de trinta milhões de pessoas, ou 15% da população total, tendo a IC como a primeira causa de morte por doença cardiovascular.

Muitos avanços ocorreram nas últimas décadas com a publicação de diversos estudos que estabeleceram as bases contemporâneas do tratamento da IC. A introdução dos IECA10,11, betabloqueadores12,13 e espironolactona14 no arsenal terapêutico tem produzido impacto nos portadores de IC, melhorando a qualidade de vida, retardando a progressão da doença, reduzindo sintomas, número de reinternações – 70% dos gastos com IC são relativos à hospitalização – e mortalidade.

A utilização da polifarmacoterapia e a mudança de hábitos de vida, em especial o condicionamento cardiovascular, fundamentam o atual tratamento da IC. As sociedades especializadas vêm disseminando, entre os cardiologistas, a necessidade da busca por esses pacientes (objetivando tratamento precoce) e as orientações para a correta investigação diagnóstica e abordagem terapêutica15.

Tão importante quanto a utilização dos medicamentos que reduzem a morbidade e mortalidade na IC é a sua utilização em doses adequadas. Sabe-se que a subutilização dos IECA tem impacto nos desfechos dos pacientes16, bem como a utilização de espironolactona em doses acima das recomendadas nos estudos pode determinar uma pior evolução dos pacientes17.

Muitos dos pacientes com IC, pelo grande número de comorbidades que apresentam, por serem idosos e pela dificuldade de acesso ao especialista, são freqüentemente tratados por generalistas e não por cardiologistas obrigatoriamente18. A necessidade de se avaliar essa realidade motivou diversos países a comparar a prática clínica na IC entre generalistas e cardiologistas com vários desfechos. Comparações foram feitas sobre as diferenças nos aspectos diagnósticos19,20, avaliando a prática clínica de cada especialidade20 e os resultados obtidos com os tratamentos: taxas de utilização dos medicamentos19,20, tempo médio de hospitalização21,22 e mortalidade21,23.

Não há estudos nacionais que comparem os generalistas com os cardiologistas no cenário da IC, e esses dados têm importância maior para o planejamento de estratégias que objetivem melhorar a disseminação das informações sobre IC. Conhecendo nossa realidade, poderemos melhorar nossos pontos mais fracos sempre com o objetivo de otimizar a assistência a esses pacientes.

Niterói é uma cidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, com aproximadamente 500 mil habitantes, sendo considerada pelo Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas a terceira cidade em qualidade de vida no Brasil. Pioneiramente no nosso país, a partir de 1992, desenvolveu-se o projeto "Médico de Família", no qual generalistas foram treinados para oferecer assistência médica integral a mil habitantes por médico. Esse projeto foi construído a partir da experiência do modelo cubano. No ano de 1994, o Ministério da Saúde do Brasil definiu como estratégia a disseminação para todo o país de um projeto chamado "Programa de Saúde da Família"; um modelo de assistência semelhante ao iniciado em Niterói. Atualmente, noventa médicos integram o projeto "Médico de Família", atendendo com dedicação exclusiva uma população de cerca de noventa mil habitantes de baixa renda.

Diante da lacuna de dados nacionais e da possibilidade de trabalharmos com um grupo de generalistas que fazem parte de um projeto bem-sucedido e com experiência de uma década, desenvolvemos este estudo, que comparou as percepções diagnósticas e de manuseio da IC entre médicos de família (MF) (generalistas) e cardiologistas clínicos (CC) na cidade de Niterói.

MÉTODOS

Para o desenvolvimento do estudo utilizou-se um questionário qualitativo já validado em um estudo europeu chamado EURO-HF24. Esse questionário foi traduzido para o português e adaptado para o Brasil com a supressão da pergunta sobre a prevalência de IC no país do respondedor e a retirada de uma série de casos clínicos. Essa pergunta foi suprimida, pois o comitê organizador do estudo julgou não haver dados nacionais para validarmos a resposta. Os casos clínicos foram suprimidos por não permitir objetividade nas respostas dificultando o tratamento estatístico. As perguntas abordaram temas como: as bases do diagnóstico de IC, quais exames estão disponíveis para diagnóstico de IC e quais são mais utilizados, quais medicamentos os pacientes desses médicos têm em uso, bem como dose diária e quais reduzem mortalidade na opinião dos médicos.

O objetivo do estudo foi comparar as percepções sobre diagnóstico e manuseio de pacientes com IC em acompanhamento ambulatorial, comparando as respostas dos CC e dos MF.

O questionário foi submetido aos noventa médicos de família de Niterói e foi respondido por 54. Apesar de já existir até residência médica em Medicina de Família, o projeto da prefeitura de Niterói antecede o aparecimento dessa especialidade na Universidade Federal Fluminense. Dessa forma, há um amplo espectro de especialidades médicas entre os profissionais que compõem o projeto "Médico de Família". Para evitar que as diferenças entre a formação do médico e a área de atuação possam prejudicar o desempenho, a prefeitura de Niterói associou ao projeto do "Médico de Família" um núcleo de treinamento continuado que trabalha com esses médicos promovendo treinamento sistematizado e voltado para a realidade de trabalho deles. Quanto às especialidades de formação desses MF, 39% eram pediatras, 24% eram clínicos gerais, 9% já tinham a formação em MF, 7,5% eram cirurgiões e 20,5% tinham outras especialidades. Na tabela 1 encontram-se as características dos médicos expressos em média (DP).

Uma amostra aleatória de cem CC de Niterói também recebeu o questionário, tendo sido respondido por 62. Usamos o anuário da SOCERJ para obtenção dos endereços, telefones e nomes.

Os questionários foram entregues aos médicos com as instruções. Nesse material havia uma explicação sobre o estudo, a identificação do questionário (EURO-HF), a garantia da confidencialidade do conteúdo das respostas, e foi feita uma solicitação de que os questionários fossem respondidos com os conhecimentos individuais sem consulta a nenhum tipo de material suplementar. Após serem respondidos, os questionários foram devolvidos à comissão organizadora do estudo para que as respostas dos MF fossem comparadas com as dos CC.

Comparações de proporções foram realizadas pelos testes de qui-quadrado ou exato de Fisher. Para comparações de médias entre dois grupos usamos o teste de Wilcoxon.

O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software estatístico SAS® System.

RESULTADOS

O estudo incluiu 116 médicos: 54 MF e 62 CC. Quando questionados sobre os três sinais e sintomas que seriam mais sugestivos de IC, tanto os MF quanto os CC relataram em maior freqüência a dispnéia, o edema de membros inferiores e o cansaço. Somente o cansaço foi relatado mais freqüentemente pelos CC (p < 0,001) (tab. 2).

Tanto os MF quanto os CC fazem o diagnóstico de IC baseados somente em sintomas ou em sinais mais sintomas em proporções semelhantes. Maior proporção de CC só faz o diagnóstico de IC após exames complementares, e mais MF somente fazem o diagnóstico de IC após referência a um especialista (p < 0,001) (tab. 3).

O modelo de classificação de IC mais usado pelos MF foi leve/moderada/grave, enquanto os CC usaram mais freqüentemente a classificação da NYHA (I/II/III/IV). Somente 1,8% dos MF e 17,7% dos CC (p < 0,001) optaram por A/B/C/D (o modelo de estagiamento de doença correntemente aceito) para classificar IC (tab. 4).

Os MF e os CC dispõem facilmente de eletrocardiograma (ECG), telerradiografia de tórax (Rx de tórax) e ecocardiograma (ECO); entretanto, os CC dispõem mais facilmente de cintilografia miocárdica (p<0,001), cineangiocoronariografia (p < 0,001) e prova de função respiratória (PFR) (p = 0,007) (tab. 5).

Quando questionados sobre quais exames solicitam para fazerem o diagnóstico de IC, verificamos que os CC utilizam mais freqüentemente o ecocardiograma (p < 0,001) e a cintilografia miocárdica (p < 0,001) (tab. 6).

Apenas 37% dos MF diferenciam na prática clínica IC com função sistólica preservada, enquanto 85,5% dos CC o fazem (p < 0,001).

Em seguida, foram analisados aspectos relacionados ao tratamento da IC. Aos médicos foi perguntado qual porcentagem de seus pacientes está em uso de diuréticos de alça, diuréticos tiazídicos, digoxina, betabloqueador, inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e espironolactona. Os resultados estão na tabela 7 expressos por média (DP).

A tabela 8 contém as doses máximas diárias dos medicamentos usados no tratamento de IC. Verificou-se que os CC utilizam doses de furosemida (diuréticos de alça) (p < 0,001) e captopril (IECA) (p < 0,001) maiores que os MF, que por sua vez utilizam doses de digital (p = 0,03) e espironolactona (p < 0,001) maiores que os CC. As doses de betabloqueador não puderam ser comparadas, pois o betabloqueador utilizado pelos MF foi o propranolol, enquanto o utilizado pelos CC foi o carvedilol.

Mais CC (p < 0,001) consideram que o betabloqueador reduz sintomas no paciente com IC, enquanto proporções de MF e CC, sem diferença estatística, consideram que diuréticos de alça, tiazídicos, digital, IECA e espironolactona melhoram os sintomas desses pacientes (tab. 9).

Os CC consideram, com maior freqüência, que betablo­queadores, IECA e espironolactona reduzem a mortalidade do paciente com IC, enquanto os MF consideram, com maior freqüência, que os diuréticos tiazídicos reduzem a mortalidade desses pacientes (tab. 10).

DISCUSSÃO

Este estudo fornece dados nacionais acerca da conduta dos MF e CC diante de um paciente com IC, o que vem sendo bastante estudado em todo o mundo. Sabe-se que grande parte dos portadores de IC é tratada por generalistas; entretanto, a adesão desses profissionais no nosso país às diretrizes para diagnóstico e manuseio da IC é desconhecida. Muitos dos comportamentos identificados no presente estudo são encontrados nos estudos internacionais.

Os sinais e sintomas relatados pelos MF e cardiologistas brasileiros (dispnéia, edema e cansaço) também são os mais identificados por esses dois grupos profissionais na Noruega20. Entre os generalistas do EURO-HF24 os sinais e sintomas mais relatados foram edema de membros inferiores (75%), dispnéia (58%), crepitações (28%) e cansaço (20%).

Cerca de 75% dos MF e 71% dos CC fazem o diagnóstico de IC embasados em sintomas ou sinais mais sintomas. Sessenta e seis por cento dos generalistas avaliados pelo EURO-HF24 fazem o diagnóstico nas mesmas bases; entretanto, sinais e sintomas não conferem isoladamente uma boa especificidade no diagnóstico de IC25. Apesar da maioria dos MF e CC assim se posicionarem, um maior número de CC somente faz o diagnóstico de IC após exames complementares de cardioimagem (ECO e cintilografia miocárdica) (p < 0,001), conforme as diretrizes para diagnóstico e manuseio da IC. A dosagem dos peptídeos natriuréticos ainda não está disponível na prática clínica privada e pública em Niterói.

A maioria dos CC utiliza a classe funcional (NYHA) do paciente como forma de classificação da IC, enquanto a maioria dos MF usa leve/moderada/grave para essa classificação. A/B/C/D foi relatada por somente 1,8% dos generalistas e 17,7% dos cardiologistas (p < 0,001) como a classificação por eles aplicada no dia-a-dia.

A vasta maioria dos profissionais, independentemente da especialidade, informou dispor de ECO, ECG e Rx de tórax como exames complementares disponíveis; entretanto, verificamos que o ECO é utilizado pelos cardiologistas com maior freqüência (p < 0,001), assim como a cintilografia miocárdica (p = 0,008). Apenas 22% dos generalistas do EURO-HF têm acesso a ECO, uma freqüência muito menor que a dos nossos MF (88,8%). Apesar de utilizar menos o ECO que os CC, nossos MF utilizam esse método muito mais freqüentemente que os generalistas europeus (68,5% vs 38%). Comparados aos cardiologistas, generalistas americanos26 e noruegueses20 também subutilizaram a ecocardiografia para o diagnóstico de IC.

Os nossos dados mostram uma maior taxa de utilização de IECA, betabloqueador e espironolactona pelos CC (p < 0,001 para esses fármacos). Em relação a betabloqueadores e IECA, as taxas de utilização pelos MF poderiam ser maiores já que são medicamentos de uso precoce após o diagnóstico de IC e que têm importante impacto na morbidade e mortalidade desses pacientes. Essa menor intensidade no uso de medicamentos que reduzem a morbidade e mortalidade na IC dos generalistas foi descrita também por Edep e cols.26, Houghton e cols.27, e Rutten e cols.20,28. Em Niterói, Brasil, deve-se ressaltar que o paciente atendido pelo MF é pobre e o betabloqueador que há disponível nas farmácias públicas é o propranolol, que tem baixa tolerabilidade, principalmente nos pacientes mais graves. O EURO-HF24 mostra que os generalistas europeus utilizam ainda menos esses fármacos: 6,2% dos pacientes usam betabloqueadores, e 55,4% usam IECA. Os CC, comparados aos MF, utilizam doses mais apropriadas de IECA (125,8 mg vs 84,7 mg – p < 0,001), espironolactona (32,2 mg vs 75 mg – p < 0,001), digital (0,23 mg vs 0,26 mg – p = 0,03) e furosemida (67,4 mg vs 45,9 mg – p < 0,001). Já são conhecidos os impactos na morbidade e mortalidade dos pacientes do uso de subdoses de IECA16 e doses inapropriadas de espironolactona17.

Os CC julgam mais freqüentemente que os betablo­queadores melhoram sintomas dos pacientes com IC, assim como reduzem mortalidade. O emprego dos IECA e espironolactona não difere estatisticamente entre MF e CC quanto à melhora sintomática, porém esses são citados em maior freqüência por CC como redutores de mortalidade.

Muitos CC e MF ainda consideram que diuréticos e digital também reduzem mortalidade no paciente com IC, e a freqüência dos cardiologistas que consideram o digital redutor de mortalidade é maior que a dos MF. Esses dados reforçam a necessidade da disseminação dos conhecimentos sobre IC.

Estudos internacionais relatam um pior prognóstico23 do paciente com IC cuidado por generalistas, assim como maior tempo de hospitalização22, maior taxa de re-hospitalização19 e custos maiores26. Os nossos achados podem, em parte, explicar as possíveis causas para esses dados.

A partir dos nossos achados podemos estabelecer um programa de treinamento e educação permanente visando melhorar o desempenho desses profissionais. A formação de profissionais especializados na medicina de família pode promover uma melhora no desempenho desses profissionais, e o treinamento continuado pode promover disseminação de conhecimento beneficiando os pacientes. O conhecimento da realidade brasileira permite o desenvolvimento de estratégias loco-regionais para atender às nossas demandas educacionais.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 21/07/05

Aceito em 11/11/05

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  • Correspondência:

    Leandro Reis Tavares
    Rua Otávio Carneiro, 110/201
    24230-191 – Niterói, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Nov 2005
    • Recebido
      21 Jul 2005
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