Acessibilidade / Reportar erro

Fechamento percutâneo de comunicação interatrial por punção trans-hepática

Resumos

O fechamento percutâneo da comunicação interatrial (CIA) ostium secundum (OS) é procedimento bem estabelecido, sendo atualmente considerado o tratamento de escolha por seus bons resultados e sua baixa morbidade e mortalidade. O procedimento é realizado rotineiramente pela veia cava inferior (VCI). Ocasionalmente, entretanto, essa via de acesso não é possível por causa da obstrução ou da ausência congênita da VCI. Apresentaremos um caso de fechamento de CIA por punção trans-hepática decorrente de impossibilidade de uso da VCI.

Fechamento de CIA; punção trans-hepática; veia hepática


The percutaneous closure of ostium secundum (OS) atrial septal defect (ASD) is a well-established procedure and is today considered the treatment of choice due to its good results and low morbidity and mortality. The procedure is routinely performed through the inferior vena cava (IVC). However, this route of access is not always available due to the obstruction or congenital absence of the IVC. We will present a case of ASD closure by means of transhepatic puncture due to the impossibility of using the IVC.


RELATO DE CASO

Fechamento percutâneo de comunicação interatrial por punção trans-hepática

Edmundo Clarindo Oliveira; Helder Machado Pauperio; Bráulio Muzzi Ribeiro Oliveira; Rogério Augusto Pinto da Silva; Fabrício Maia Torres Alves; Gustavo Lobato Adjuto

Hospital Luxemburgo de Belo Horizonte - Belo Horizonte, MG

Correspondência Correspondência: Edmundo Clarindo Oliveira Rua Teodomiro Cruz, 65/102 30240-530 – Belo Horizonte, MG E-mail: clarindo@pib.com.br

RESUMO

O fechamento percutâneo da comunicação interatrial (CIA) ostium secundum (OS) é procedimento bem estabelecido, sendo atualmente considerado o tratamento de escolha por seus bons resultados e sua baixa morbidade e mortalidade. O procedimento é realizado rotineiramente pela veia cava inferior (VCI). Ocasionalmente, entretanto, essa via de acesso não é possível por causa da obstrução ou da ausência congênita da VCI. Apresentaremos um caso de fechamento de CIA por punção trans-hepática decorrente de impossibilidade de uso da VCI.

Palavras-chave: Fechamento de CIA, punção trans-hepática, veia hepática.

O fechamento percutâneo de comunicação interatrial (CIA) é realizado rotinei­ramente pela veia cava inferior (VCI). Ocasionalmente, entretanto, essa via de acesso não é possível devido à obstrução ou ausência congênita da mesma, e nem sempre se obtém sucesso com a utilização da VCI. A paciente apresentada era portadora de CIA-ostium secundum grande e ausência congênita da VCI. Através de punção da veia hepática direita, por punção trans-hepática com agulha Chiba (Cook Inc.), o procedimento foi realizado com sucesso e em tempo igual ao gasto por via convencional. A punção trans-hepática é uma boa alternativa para pacientes sem outras vias de acesso venoso central e, por ser executada em veias calibrosas, permite a colocação de bainhas com grandes diâmetros, mesmo em neonatos de baixo peso. Essa técnica deveria ser lembrada na impossibilidade em usar as vias de acesso habituais.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 18 anos, encaminhada para fechamento percutâneo de comunicação interatrial (CIA), apresentando, ao exame físico, sinais de aumento de ventrículo direito, desdobramento fixo da segunda bulha, sopro sistólico ejetivo em borda esternal esquerda (BEE) alta e sopro mesodiastólico suave em BEE baixa.

Os exames complementares mostravam ritmo sinusal e bloqueio de ramo direito de segundo grau ao eletrocardiograma, leve aumento da área cardíaca pela radiografia de tórax e CIA-OS de 18 mm de diâmetro pelo ecocardiograma transesofágico (ECO-TE). (fig. 1).


O procedimento foi planejado pela técnica convencional. Feita a punção da veia femoral, identificou-se ausência do segmento supra-hepático da VCI, que continuava como ázigo para a veia cava superior (VCS). Fez-se então punção da veia jugular interna direita, posicionando-se o fio-guia em veia pulmonar inferior esquerda. Em seguida, cumpriram-se as etapas clássicas para fechamento de CIA, sem obtenção de um bom posicionamento para liberar a prótese. Diante disso, o procedimento foi suspenso e replanejado. Após obtenção de autorização da paciente e de seus pais, o procedimento foi realizado, duas semanas mais tarde, por punção trans-hepática de veia hepática obedecendo às seguintes etapas: 1) anestesia geral com tubo endotraqueal; 2) ecocardiograma transesofágico; 3) ultra-sonografia abdominal; 4) cefalotina 2,0 gramas EV; 5) preparo da região do hipocôndrio direito e punção trans-hepática na parte alta do terço inferior do fígado no nível da linha axilar anterior, utilizando-se agulha Chiba 0,018 (Cook Inc.) (fig. 2), a agulha foi posicionada paralelamente ao piso da sala de hemodinâmica e direcionada para a coluna vertebral, a até 2 cm de alcançá-la. Retirado o estilete, conectou-se uma seringa de 5 ml com contraste não-iônico. A agulha foi recuada lentamente, fazendo-se aspiração até o retorno de sangue. Nesse ponto, fez-se pequena injeção manual de contraste, confirmando-se a posição em veia hepática (fig. 3). Em seguida, um fio-guia 0,035 foi introduzido e posicionado em átrio direito. Após, procedeu-se a: dilatação com introdutor 7F, introdução de hemaquet 7F, 5.000 U/kg de heparina EV, medida de pressões com cateter multipurpose, posicionamento do cateter em veia pulmonar superior esquerda (VPSE), e introdução de um fio-guia rígido e mantido nessa posição. Mediu-se o tamanho distendido do CIA com balão número 34 (AGA Medical) (fig. 4) introduzido diretamente na pele sobre o fio-guia. Posteriormente, o balão foi substituído por bainha longa número12 com o introdutor avançado até VPSE, o introdutor foi recuado mantendo-se a bainha na entrada da veia hepática com o átrio direito (AD). Após verificar-se o retorno de sangue, a bainha foi introduzida até o átrio esquerdo (AE). Deu-se continuidade ao procedimento, seguindo-se as etapas rotineiras, liberação do primeiro disco em AE, do segundo em AD, conferência da posição com ECO-TE em várias posições e liberada a prótese (fig. 5). O diâmetro distendido da CIA foi de 27,5 mm, implantando-se prótese Amplatzer número 30. O procedimento transcorreu sem intercorrências, com tempo de 10 minutos para a punção da veia hepática e de 55 minutos para o procedimento total. A bainha foi retirada e 50% da dose de heparina foram neutralizados com protamina. Feita compressão manual do hipocôndrio direito por 10 minutos. 6) Encaminhamento da paciente para a Unidade de Tratamento Intermediário (UTI), mantendo-a em decúbito lateral direito por 2 horas.





Paciente queixou-se de dor no ombro e no hipocôndrio direito, sendo tratada com morfina endovenosa na dose de 2 mg de 6/6 horas nas primeiras 24 horas, e com diclofenaco de sódio 50 mg três vezes ao dia por 48 horas. Uma ultra-sonografia abdominal foi realizada 6 horas após o procedimento e não mostrou alterações. A paciente evoluiu bem, recebendo alta da UTI no dia seguinte, e do hospital após 48 horas. Atualmente, completando-se cinco semanas de seguimento, ela se mantém assintomática, em uso de 200 mg de ácido acetilsalicílico. A paciente foi orientada a realizar profilaxia para endocardite, manutenção do ácido acetilsalicílico por 6 meses e controle clínico com um, 6 e 12 meses.

DISCUSSÃO

O fechamento percutâneo da CIA-OS é um procedimento seguro, eficaz e de baixa morbidade e mortalidade, constituindo-se, por isso, em tratamento de escolha para essa doença. Várias próteses têm sido utilizadas, sendo a Amplatzer a mais empregada atualmente em todo o mundo, pela facilidade de manuseio, pelo alto índice de sucesso e pela possibilidade de sua retirada após ser liberada. O procedimento tem sido realizado rotineiramente por punção da veia femoral, utilizando-se a conexão normal da VCI com átrio direito. Ocasionalmente, essa via clássica não pode ser utilizada por causa da obstrução da VCI ou da ausência congênita de sua conexão com o AD, o que demanda outras alternativas. Pode-se, por exemplo, utilizar a veia cava superior, através de suas tributárias1, mas nem sempre se consegue sucesso, principalmente em CIA grandes.

As veias hepáticas são calibrosas, representando uma boa alternativa nesses casos e também para intervenções em prematuros de baixo peso, que não seriam possíveis pelas vias habitualmente utilizadas, dado o pequeno calibre dos vasos. Bainhas entre 7 e 10F poderão ser usadas em crianças2, inclusive em prematuros.

A punção pode ser feita orientada por ultra-sonografia abdominal ou pela inserção de cateter em uma veia hepática através da veia cava superior; essas medidas, entretanto, não são indispensáveis. No caso apresentado a punção foi feita baseada na primeira técnica descrita a seguir, sem utilização do ultra-som, apesar de estar disponível.

Várias técnicas têm sido descritas para a punção: 1) Inserir a agulha na parte alta do terço inferior do fígado ou no meio da distância entre o diafragma e a borda inferior do fígado, guiando-a por fluoroscopia ou ultra-som, ao nível da linha axilar anterior. Progredir a inserção da agulha, paralelamente ao piso da sala, até aproximadamente 2 cm da coluna vertebral. Retirar o estilete da agulha, puxando-o lentamente, enquanto se injeta pequena quantidade de contraste. Após certificação de que se está dentro da veia hepática, introduzir fio-guia, dilatador e bainha e seguir as etapas habituais para a realização do cateterismo e da intervenção2,3. 2) Punção ao nível da linha axilar média abaixo das costelas, direcionando-se levemente a agulha, nos sentidos posterior e superior, em direção à coluna4,5. Deve-se ter o cuidado de evitar punção da vesícula biliar. Em seguida, proceder às etapas descritas anteriormente. 3) Semelhante à anterior, fazendo-se a punção ao nível da linha axilar anterior6.

A maioria dos autores recomenda a retirada lenta do cateter com pequenas injeções, e quando fora da veia hepática, a colocação de molas ou Gelfoam para evitar sangramento2,6. Outros apenas mantêm o paciente em decúbito lateral direito por 2 a 4 horas, como realizamos7. Ocasionalmente, a punção trans-hepática deve ser feita ao nível do hipocôndrio esquerdo em razão da posição do fígado7 nessa região ou predominante nela.

É comum os pacientes queixarem-se de dor abdominal e no ombro nas primeiras 24 horas após o procedimento, sendo necessário medicá-los.

Na impossibilidade de uso das vias de acesso venoso habituais, a punção trans-hepática pode ser utilizada para acesso venoso prolongado, como em caso de alimentação parenteral ou quimioterapia8, e de biópsias miocárdicas repetidas9 e implante de marcapasso10 . A punção trans-hepática pode também ser usada como primeira opção para a realização de cateterismo cardíaco diagnóstico ou terapêutico em prematuros, por permitir a utilização de bainhas mais calibrosas. Complicações como hemobilia, sangramento retroperitoneal, abscesso hepático, colangite, pneumotórax, trombose da veia hepática e embolia pulmonar4,7 ocorrem raramente.

Na literatura internacional há poucos relatos do uso da punção trans-hepática para acesso venoso central. Apesar de termos conhecimento, por meio de congressos internacionais, de sua utilização ocasional para fechamento percutâneo de CIA, em pesquisa feita pela Medline foi encontrado apenas um artigo com relato de dois casos de fechamento de CIA por essa via de acesso11. Na literatura nacional não foram encontrados relatos de sua utilização para nenhum tipo de cateterismo ou como via de acesso venoso central. No caso apresentado, o procedimento realizou-se sem dificuldades, e sem complicações. O tempo do procedimento foi semelhante ao tempo gasto quando se utiliza a via convencional. Pacientes com pressão venosa central alta apresentam maior risco de sangramento, e nesses casos é aconselhável o uso de molas ou Gelfoam para evitá-lo. Em casos de pacientes com pressão venosa normal essas medidas poderão ser dispensadas, como ocorreu no caso apresentado. A punção trans-hepática constitui uma boa alternativa para a realização de cateterismo cardíaco diagnóstico e terapêutico e para acesso venoso prolongado em pacientes sem outras vias disponíveis ou com necessidade de veias mais calibrosas que as habitualmente utilizadas. Hemodinamicistas, principalmente pediátricos, deveriam estar preparados para executá-la em situações especiais.

Recebido em 04/10/05

Aceito em 08/12/05

O arquivo disponível sofreu correções conforme ERRATA publicada no Volume 87 Número 3 da revista.

  • 1. Sullebarger JT, Sayad D, Gerber L, Ettedgui J, Jimmo-Waumans S, Alcebo PC. Percutaneous closure of atrial septal defect via transjugular approach with the Amplatzer septal occluder after unsuccessful attempt using the CardioSEAL device. Catheter Cardiovasc Interv. 2004; 62: 262-5.
  • 2. Shim D, Lloyd TR, Cho KJ, Moorehead CP, Beekman RH III. Transhepatic cardiac catheterization in children: evaluation of efficacy and safety. Circulation. 1995; 29: 1526-30.
  • 3. Bravo RP, Sánchez J, Sarachaga IH, Cazzaniga M, Pineda LF, Cañete RB. Cateterismo cardíaco transhepático em niños. Anales Españoles Pediatria. 2000; 52(5): 488-90.
  • 4. Sommer RJ, Golinko RJ, Mitty HA. Initial experience with percutaneous transhepatic cardiac catheterization in infants and children. Am J Cardiol. 1995; 75: 1289-91.
  • 5. Punamiya K, Beekman RH, Shim D, Muller DWM. Percutaneous transhepatic mitral commissurotomy. Catheter Cardiovasc Diag. 1996; 39: 204-6.
  • 6. Perry SB. Manual techniques of cardiac catheterization. In: Lock JE, Keane JF, Perry SB. Diagnostic and Interventional Catheterization in Congenital Heart Disease. 2nd ed. Boston: Kluwer Academic Publishers; 2000: 21.
  • 7. Johnson JL, Fellows KE, Murphy JD. Transhepatic central access for cardiac catheterization and radiologic intervention. Catheter Cardiovasc Diag. 1995; 35: 168-71.
  • 8. Azizkhan RG, Taylor LA, Jaques PF, Mauro MA, Lacey SR. Percutaneous translumbar and transhepatic inferior vena caval catheters for prolonged vascular access in children. J Ped Surg. 1992; 27: 165-9.
  • 9. Book WM, Raviele AA, Vincent RN. Repetitive percutaneous transhepatic access for myocardial biopsy in pediatric cardiac transplants recipients. Catheter Cardiovasc Diag. 1998; 45: 167.
  • 10. Adwani SS, Sreeram N, DeGiovanni JV. Percutaneous transhepatic dual chamber pacing in children with Fontan circulation. Heart. 1997; 77: 574-5.
  • 11. Shim D, Lloyd TR, Beekman RH 3rd. Transhepatic Therapeutic cardiac catheterization: a new option for the pediatric interventionalist. Catheter Cardiovasc Interv. 1999; 47: 41-5.
  • Correspondência:

    Edmundo Clarindo Oliveira
    Rua Teodomiro Cruz, 65/102
    30240-530 – Belo Horizonte, MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      04 Out 2005
    • Aceito
      08 Dez 2005
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br