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Caso 2/2006 - criança de três anos com estenose subaórtica, estenose mitral por valva em pára-quedas, estenose supravalvar mitral, coartação da aorta (Síndrome de Shone) associada a comunicação interventricular e canal arterial

CORRELAÇÃO CLÍNICO-RADIOGRÁFICA

Caso 2/2006 – criança de três anos com estenose subaórtica, estenose mitral por valva em pára-quedas, estenose supravalvar mitral, coartação da aorta (Síndrome de Shone) associada a comunicação interventricular e canal arterial

Edmar Atik

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Edmar Atik InCor Av. Dr. Eneas C. Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo, SP E-mail: conatik@incor.usp.br

DADOS CLÍNICOS

Criança de 3 anos, do sexo masculino e de cor branca, havia sido operada com 3 meses de idade para a correção de grande comunicação interventricular perimembranosa de 10 mm de diâmetro, pequeno canal arterial e ressecção de membrana supravalvar mitral discreta. A melhora da insuficiência cardíaca foi nítida e pesava 3.545 g, na ocasião, cerca de 1.000 g a mais que ao nascer. Tornou-se eupnéico e sem hepatomegalia com 8 meses de idade, quando pesava 6.000 g. Houve reaparecimento de sopro intenso desde 14 meses de idade na borda esternal esquerda, com sinais discretos de coartação da aorta. Acresceu-se com 3 anos de idade, quadro de cansaço em crises esporádicas, acompanhado de sudorese, respiração entrecortada, de duração entre 15 a 30 minutos. Obteve melhora com diurético e digital. Ademais havia outros defeitos extracardíacos como fenda palatina e labial, corrigidos com 18 meses, ausência de conduto auditivo à direita, orelhas mal formadas, hemivértebra, hidrocele e dedos alongados. Ao exame físico estava eupnéico, acianótico, ativo e com pulsos normais nos quatro membros. O peso era de 9.180 g, a altura 83 cm, a pressão arterial em membro superior esquerdo 100/70 mmHg, a pressão arterial de membro inferior direito 80/50 mmHg e a freqüência cardíaca 113 bpm. A aorta não foi palpada. No precórdio havia discretas impulsões na borda esternal esquerda e o ictus cordis era palpado no 4º espaço intercostal esquerdo, músculo-valvar +, limitado por uma polpa digital. As bulhas eram hiperfonéticas e havia sopro sistólico, ++, rude, de ejeção, na área aórtica, fúrcula e borda esternal esquerda, acompanhado de frêmito. O fígado era palpado a 3 cm da reborda costal direita.

O eletrocardiograma salientou sinais clássicos de bloqueio do ramo direito, presente desde a opera­ção realizada com 3 meses de idade. SÂP:+20º, SÂQRS:+150º, SÂT:+40 o. O eletrocardiograma prévio à operação mostrava sobrecarga biventricular com predomínio da direita dada a maior voltagem das ondas S que R de V4 a V6. A onda R em V1 era de 20 mm e o SÂQRS situava-se a +150º.

IMAGEM RADIOGRÁFICA

Mostra área cardíaca discretamente aumentada com arco esquerdo arredondado e com ponta elevada, duplo contorno à direita por aumento atrial esquerdo, arco médio discretamente abaulado e sinais nítidos de congestão venocapilar pulmonar com acentuação da trama nos lobos superiores (fig.1).


IMPRESSÃO DIAGNÓSTICA

Esta imagem sugere a presença de cardiopatia obstrutiva à esquerda com hipertensão venocapilar pulmonar retrógrada, tipo estenose da valva mitral.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Todas as lesões estenóticas esquerdas se exteriorizam dessa maneira e devem ser lembradas. O conjunto de defeitos obstrutivos da síndrome de Shone também pode se expor de maneira semelhante, acrescentando a hipertrofia, originada pela estenose subaórtica e pela coartação da aorta.

CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA

Os elementos clínicos orientaram ao diagnóstico da estenose subaórtica em face do sopro cardíaco na área aórtica e irradiado à borda esternal esquerda, ademais à coartação discreta da aorta pelo gradiente de 20 mmHg entre os membros. Não havia sinais clínicos de obstrução da valva mitral. A congestão pulmonar na radiografia de tórax ajudou-nos no entendimento do raro quadro de dispnéia paroxística que o acometia mais recentemente. O ecocardiograma mostrou gradiente de 60 mmHg na via de saída do ventrículo esquerdo por espícula subvalvar aórtica, gradiente de 20 mmHg na região ístmica aórtica por discreto estreitamento, valva mitral em paraquedas com abertura valvar correspondente a 1,4 cm2, considerada não obstrutiva. O átrio esquerdo estava aumentado. As medidas corresponderam a ventrículo direito de 12 mm, diâmetro diastólico de ventrículo esquerdo de 25 mm, diâmetro sistólico de ventrículo esquerdo de 12 mm, aorta 19 mm, átrio esquerdo 30 mm, septo 7 mm, parede posterior 6 mm, fração de encurtamento da fibra miocárdica de 52% e fração de ejeção de 86%. O cateterismo cardíaco mostrou os aspectos diagnósticos mais precisos salientando que a estenose da via de saída de ventrículo esquerdo era acentuada com gradiente de pressão de 90 mmHg, que a estenose valvar mitral era crítica levando à pressão média capilar pulmonar a 33 mmHg com gradiente de 15 mmHg em relação à pressão diastólica de ventrículo esquerdo. A coartação da aorta era discreta com gradiente de 10 mmHg na região ístmica. As pressões foram de 170/18 para o ventrículo esquerdo, 80/40 para a aorta ascendente, 70/40 para a aorta descendente, 33 o capilar pulmonar e 90/40 mmHg o tronco pulmonar.

CONDUTA

Em face da repercussão dos defeitos a operação corretiva foi realizada logo a seguir. A valva mitral em pára-quedas foi aberta pela incisão na ponta do ventrículo esquerdo através de papilarotomia e por discreta comissurotomia. O anel fibromuscular da via de saída do ventrículo esquerdo foi aliviado através da incisão da aorta ascendente e também pela ponta ventricular. A coartação da aorta não foi aliviada dada a discreta repercussão da mesma. A evolução foi excelente em face da eliminação adequada das obstruções.

Editor da Seção: Edmar Atik

  • Correspondência:

    Edmar Atik
    InCor
    Av. Dr. Eneas C. Aguiar, 44
    05403-000 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006
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