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Potenciais tardios ao eletrocardiograma de alta resolução no domínio do tempo em portadores de insuficiência cardíaca de diferentes etiologias

Resumos

OBJETIVO: Avaliar freqüência, correlações clínicas e influência prognóstica do potencial tardio no eletrocardiograma de alta resolução, em portadores de insuficiência cardíaca de diferentes etiologias. MÉTODOS: Foi estudado o eletrocardiograma de alta resolução, durante 42 meses, em 288 portadores de insuficiência cardíaca de diferentes etiologias, 215 homens (74,65%) e 73 mulheres (25,35), de idades entre 16 e 70 anos (média 51,5, desvio-padrão 11,24). As etiologias da insuficiência cardíaca foram: cardiomiopatia hipertensiva, 78(27,1%); cardiomiopatia dilatada idiopática, 73(25,4%); cardiomiopatia isquêmica, 65(22,6%); cardiomiopatia da doença de Chagas, 42(14,6%); cardiomiopatia alcoólica, 9(3,1%); cardiomiopatia periparto, 6(2,1%); valvopatias em 2(4,2%) e miocardite viral, 3(1,04%). Foram avaliadas a duração do QRS Standard, duração do QRS filtrado, duração do sinal abaixo de 40µV e a raiz quadrada nos últimos 40ms quanto a idade, sexo, etiologia, achados do eletrocardiograma de repouso de 12 derivações, do ecocardiograma, do eletrocardiograma de longa duração e mortalidade. Para a análise estatística, foram utilizados os testes: exato de Fisher, t de Student, de Man-Whitney, análise de variância, Log-HanK e o método de Kaplan-Meyer. RESULTADOS: O potencial tardio foi diagnosticado em 90 (31,3%) pacientes e não houve correlação com as etiologias. Sua presença associou-se a: menor consumo máximo de oxigênio a cicloergoespirometria (p=0,001); taquicardia ventricular sustentada e não sustentada ao Holter (p=0,001), morte súbita e mortalidade (p<0,05). Houve uma maior sobrevida nos pacientes sem potencial tardio. CONCLUSÃO: A presença de potencial tardio não se associou às etiologias e mostrou-se um marcador de pior prognóstico.

Insuficiência cardíaca; eletrocardiograma de alta-resolução; prognóstico


OBJECTIVE: To evaluate the frequency, clinical correlations and prognosis influence of late potentials on the of heart failure patients with different etiologies using the signal averaged electrocardiogram. METHODS: A 42 month study of the signal averaged electrocardiograms of 288 heart failure patients with different etiologies was conducted. The group of patients included 215 males (74.65%) and 73 females (25.35%) between the ages of 16 and 70 (mean 51.5, standard deviation 11.24). The heart failure etiologies were: hypertensive heart disease (78 patients, 27.1%); idiopathic dilated cardiomyopathy (73 patients, 25.4%); ischemic cardiomyopathy (65 patients, 22.6%); Chagas disease (42 patients, 14.6%); alcoholic cardiomyopathy (9 patients, 3.1%); peripartum cardiomyopathy (6 patients, 2.1%); valvular heart disease (2 patients, 4.2%) and viral myocarditis (3 patients, 1.04%). The variables included the duration of the standard QRS complex, duration of the filtered QRS complex, duration of the signal below 40µV and the root mean square of the last 40ms which were analyzed in regard to age, gender, etiology and mortality as well as the findings of the 12-lead electrocardiogram at rest, echocardiogram and ambulatory electrocardiogram. The statistical analysis tests used were: the Fisher exact probability test, Student’s t-test, Mann Whitney test, variance analysis, Log-Hank and the Kaplan-Meyer method. RESULTS: Late potentials were diagnosed in 90 patients (31.3%) and there was no association with the etiologies. The presence of this condition is associated with: a lower maximum oxygen uptake during the ergospirometry (p=0.001); sustained and non-sustained ventricular tachycardia during Holter monitoring (p=0.001), sudden death and mortality (p<0.05). Patients that did not present late potentials had a higher overlife rate. CONCLUSION: The presence of late potentials was not associated with the etiologies and proved to be an indication of a worse prognosis.

Heart failure; signal averaged electrocardiogram; prognosis


ARTIGOS ORIGINAIS

Potenciais tardios ao eletrocardiograma de alta resolução no domínio do tempo em portadores de insuficiência cardíaca de diferentes etiologias

Ernani de Sousa Grell; Rogério Silva de Paula; Nancy Maria Martins de Oliveira Tobias; Paulo Jorge Moffa; César José Grupi; Alfredo José Mansur

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Ernani de Sousa Grell Rua Corinto, 739/62-A 05586-060 - São Paulo, SP E-mail: egrell@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar freqüência, correlações clínicas e influência prognóstica do potencial tardio no eletrocardiograma de alta resolução, em portadores de insuficiência cardíaca de diferentes etiologias.

MÉTODOS: Foi estudado o eletrocardiograma de alta resolução, durante 42 meses, em 288 portadores de insuficiência cardíaca de diferentes etiologias, 215 homens (74,65%) e 73 mulheres (25,35), de idades entre 16 e 70 anos (média 51,5, desvio-padrão 11,24). As etiologias da insuficiência cardíaca foram: cardiomiopatia hipertensiva, 78(27,1%); cardiomiopatia dilatada idiopática, 73(25,4%); cardiomiopatia isquêmica, 65(22,6%); cardiomiopatia da doença de Chagas, 42(14,6%); cardiomiopatia alcoólica, 9(3,1%); cardiomiopatia periparto, 6(2,1%); valvopatias em 2(4,2%) e miocardite viral, 3(1,04%). Foram avaliadas a duração do QRS Standard, duração do QRS filtrado, duração do sinal abaixo de 40µV e a raiz quadrada nos últimos 40ms quanto a idade, sexo, etiologia, achados do eletrocardiograma de repouso de 12 derivações, do ecocardiograma, do eletrocardiograma de longa duração e mortalidade. Para a análise estatística, foram utilizados os testes: exato de Fisher, t de Student, de Man-Whitney, análise de variância, Log-HanK e o método de Kaplan-Meyer.

RESULTADOS: O potencial tardio foi diagnosticado em 90 (31,3%) pacientes e não houve correlação com as etiologias. Sua presença associou-se a: menor consumo máximo de oxigênio a cicloergoespirometria (p=0,001); taquicardia ventricular sustentada e não sustentada ao Holter (p=0,001), morte súbita e mortalidade (p<0,05). Houve uma maior sobrevida nos pacientes sem potencial tardio.

CONCLUSÃO: A presença de potencial tardio não se associou às etiologias e mostrou-se um marcador de pior prognóstico.

Palavras-chave: Insuficiência cardíaca, eletrocardiograma de alta-resolução, prognóstico.

Os potenciais tardios são sinais de alta freqüência e baixa amplitude, da ordem de micro Voltz (mV), no final do complexo QRS e início do segmento ST, que estão relacionados a atividade elétrica fragmentada e retardada nos ventrículos, o que possibilita a gênese de taquicardia ventricular sustentada por mecanismo de reentrada -, e que podem ser identificados através do eletrocardiograma de alta resolução (ECGAR)1 . A presença de potencial tardio foi detectada em portadores de aneurisma ventricular2,3, de taquicardia e fibrilação ventricular4, de displasia arritmogênica do ventrículo direito5, e revelou-se associada à maior freqüência de morte súbita cardíaca6.

Em portadores de insuficiência cardíaca, a presença de potenciais tardios foi estudada em casuísticas pequenas e que não incluíram portadores de cardiomiopatia da doença de Chagas6- 8.

Admite-se que 40% das mortes em portadores de insuficiência cardíaca são súbitas por arritmias cardíacas9-12. O ECGAR é um método não invasivo e de aplicação sem excessiva complexidade, constituindo uma ferramenta interessante para identificar pacientes sob maior risco de arritmias cardíacas letais. Formulamos a hipótese de que, o achado do potencial tardio poderia contribuir para identificar portadores de insuficiência cardíaca sob maior risco de óbito.

Delineamos o presente estudo para avaliar a presença de potencial tardio em uma coorte de portadores de insuficiência cardíaca de diferentes etiologias, suas correlações clínicas e relação com a mortalidade.

MÉTODOS

Pacientes - Foi estudada uma coorte de 288 pacientes ambulatoriais, de idades entre 16 e 70 anos (51,5 ± 11,2), 215 homens (74,7%) e 73 mulheres (25,4%).

A avaliação clínica compreendeu a história clínica, o exame físico, a radiografia de tórax, o eletrocardiograma de 12 derivações, o eletrocardiograma de longa duração, o eletrocardiograma de alta resolução, o ecocardiograma e a ergoespirometria. A data de início do seguimento foi a realização do ECGAR e a data final, a última observação clínica ou óbito, período este compreendido entre julho de 1998 a dezembro de 2001, com tempo de seguimento de 8 a 42 (36,0 ± 4,5) meses.

Foram avaliados 288 indivíduos: 78 (27,1%) portadores de cardiomiopatia hipertensiva; 73 (25,4%) portadores de cardiomiopatia dilatada idiopática; 65 (22,6%) portadores de cardiomiopatia isquêmica; 42 (14,6%) portadores de cardiomiopatia da doença de Chagas; 12 (4,2%) portadores de cardiopatia valvar; 9 (3,1%) portadores de cardiomiopatia alcoólica; 6 (2,1%) portadores de cardiomiopatia periparto e 3 (1,0%) portadores de miocardite viral. Com o objetivo de facilitar a análise estatística, as quatro últimas etiologias supracitadas foram dispostas em um único grupo denominado outras, totalizando um número de 30 indivíduos (10,3%).

Os pacientes foram divididos em dois grupos: Grupo 1, com potencial tardio ausente e Grupo 2, com potencial tardio presente. Foi considerado desfecho o óbito do paciente.

Critérios diagnósticos - O diagnóstico de insuficiência cardíaca foi feito com base nos critérios de Framingham13 e foi estabelecido pela presença simultânea de, no mínimo, dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores.

O diagnóstico da etiologia de insuficiência cardíaca foi feito de acordo com os critérios previamente publicados na literatura (Word Healthy Organization / Intenational Society and Federation of Cardiology, 1980, Report of 1995 Word Healthy Organization / International Society and Federation of Cardiology Task Force on the Definition and Classification of Cardiomyopathies, 1996 e Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, décima revisão – CID 10, 1993) em portadores de insuficiência cardíaca sintomática e disfunção sistólica ventricular esquerda. O Diagnóstico da cardiomiopatia isquêmica foi realizado com base nos pacientes portadores de insuficiência cardíaca sintomática e disfunção ventricular esquerda, na presença de história de infarto do miocárdio, angioplastia transluminal percutânea, revascularizaçao do miocárdio, angina do peito estável, com alterações eletrocardiográficas, isquemia miocárdica demonstrada por teste ergométrico alterado, por cintilografia de perfusão miocárdica ou cineangiocoronariografia mostrando obstrução maior que 75%.

Critérios de inclusão - Foram incluídos pacientes com idade entre 16 a 70 anos, com diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva sintomática por disfunção ventricular sistólica.

Critérios de exclusão - Foram excluídos os portadores de aneurisma de aorta, de marcapasso artificial, de fibrilação ou flütter atrial, de gestação, de infarto do miocárdio ou de cirurgia cardíaca recentes (menos de 3 meses), de angina de peito instável, de isquemia miocárdica no teste ergométrico, de cardiomiopatia hipertrófica, de infecção sistêmica recente, de doença pulmonar obstrutiva crônica e neoplasias. Não foram excluídos indivíduos em uso de amiodarona.

Eletrocardiograma de alta resolução (ECGAR) - O registro do eletrocardiograma de alta resolução foi realizado pelo Sistema ART (Arritmia Research Tecnology Inc.) com uma unidade 1200 EPX. Foram empregadas as derivações eletrocardiográficas ortogonais X,Y e Z de Frank e utilizado filtro bidirecional de faixa ampla (0,05 a 250HZ) com o corte de freqüência (valor inferior) de 40Hz e foi aceito o valor do ruído final quando < 0,3mV com ganho de 2000/4000.

Diagnóstico da presença de potencial tardio - A presença de potencial tardio foi detectada com base nos critérios do American College of Cardiology: 1) duração do QRS final > 114ms; 2) duração do sinal abaixo de 40mV > 38ms; 3) voltagem da raiz quadrada dos últimos 40ms < 20mV. Para os portadores de bloqueio de ramo, foi adotado, segundo Moraes14, somente o critério de voltagem da raiz quadrada dos últimos 40ms < 14µV.

Variáveis estudadas - Foram estudados: a) idade; b) sexo; c) etiologia da insuficiência cardíaca; d) área inativa ao eletrocardiograma de 12 derivações; e) presença de bloqueios de ramo ao eletrocardiograma de 12 derivações; f) diâmetros diastólico e sistólico do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma; g) fração de ejeção do ventrículo esquerdo no ecocardiograma; h) consumo máximo de oxigênio no exame ciclo ergoespirométrico; i) taquicardia ventricular sustentada no eletrocardiograma de longa duração e; j) duração do QRS standard; k) duração do QRS filtrado; l) duração do sinal abaixo de 40mV; e m) a voltagem da raiz quadrada dos últimos 40ms, no eletrocardiograma de alta resolução.

Análise estatística – Com relação às comparações feitas entre os dois grupos (com potencial tardio ausente e presente) e dados de um mesmo grupo, foram utilizados os seguintes testes estatísticos: 1) teste do qui-quadrado ou teste exato de Fischer, para comparações entre duas variáveis categóricas com duas categorias cada uma; 2) teste t de Student, para comparações entre as médias de dois grupos para variáveis contínuas; 3) teste de Mann – Whitney (não paramétrico), para comparações entre os dois grupos (potencial tardio presente e ausente), quando as variáveis eram provenientes de contagens (número de ocorrências); 4) ANOVA (análise de variância), para comparações entre mais de dois grupos, no caso de variáveis contínuas; 5) teste de log-rank para comparação de curva de sobrevivência; 6) método de Kaplan-Meier para variáveis associadas ao óbito. As variáveis operacionais utilizadas foram: sensibilidade, especificidade, acurácia, valor preditivo positivo e valor prediditivo negativo.

O nível de significância foi p<0,05. A análise estatística foi realizada pelo pacote estatístico SPSS para Windows.

Aspectos éticos - O protocolo foi aprovado pela Comissão Científica e de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os pacientes foram esclarecidos quanto à natureza do estudo e incluídos no protocolo, após assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Potencial tardio no eletrocardiograma de alta resolução - Foi diagnosticado em 90 (31,3%) pacientes de 288 indivíduos estudados (tab. 1).

A duração do QRS standard variou de 80 a 242ms (124,9 ± 31,3); a duração do QRS filtrado variou de 76 a 254ms (131,7 ± 33,90); a duração do sinal abaixo de 40mV variou de 6 a 183ms (33,0 ± 20,57); a voltagem da raiz quadrada, nos 40ms finais, variou de 4,20 a 267,30mV (44,0 ± 42,42).

Potencial tardio em relação às variáveis clínicas - Pacientes com potencial tardio presente tiveram média de idade maior (54,5 ± 10) anos vs (50,1± 11,5) anos; (p=0,004).

Pacientes com potencial tardio presente apresentaram maior freqüência de taquicardia ventricular sustentada (32/37 - 86,5% vs. 5/37 - 13,5%;) ao eletrocardiograma de longa duração (p=0,001). A sensibilidade do potencial tardio quanto à identificação desta arritmia foi de 86,5%; especificidade de 76,9%; acurácia de 78,1%; valor preditivo positivo de 35,6% e valor preditivo negativo de 97,5%.

Não foi encontrada associação entre a etiologia da insuficiência cardíaca e a presença de potencial tardio. Entretanto, quanto à duração do QRS standard e à duração do QRS filtrado, foram observados indícios de diferenças entre os valores médios na cardiomiopatia da doença de Chagas e na cardiomiopatia dilatada em relação às demais etiologias (tab. 2).

A presença de potencial tardio não apresentou correlação quanto ao sexo, à etiologia da insuficiciência cardíaca, à presença de área eletricamente inativa ao eletrocardiograma de repouso, à presença de bloqueio de ramo direito ou esquerdo e quanto às dimensões das câmaras cardíacas ao ecocardiograma.

Foram observados 142 óbitos (49,3%) dentre os 288 pacientes estudados; 49 (17,0%) possuíam potencial tardio presente e 93 (32,3%) possuíam potencial tardio ausente.

A causa mortis foi dividida em: evolução da insuficiência cardíaca, morte súbita e outras causas não correlacionadas à insuficiência cardíaca (pneumonia, hemorragia digestiva, acidente vascular cerebral etc.). Oitenta pacientes (56,3% do total das mortes) morreram em decorrência da evolução da insuficiência cardíaca. Destes 80, 21 (26,3%) apresentavam potencial tardio presente e 59(73,7%) ausente. A morte súbita ocorreu em 29 pacientes (10,1%); 26 destes apresentavam potencial tardio presente (89,5% dos casos de morte súbita vs 3(10,3%) com potencial tardio ausente, p<0,05). Dos 29 pacientes que sofreram morte súbita, 17 (58,6%), apresentaram um episódio pregresso de taquicardia ventricular sustentada e todos os 17 possuíam potencial tardio presente (tab. 3).

Quanto à evolução dos pacientes, observaram-se: a) evolução adversa (taquicardia ventricular sustentada, morte súbita ou óbito decorrente da evolução da insuficiência cardíaca) e b) boa evolução (nenhuma das complicações descritas). Cento e setenta e sete pacientes (61,5%) tiveram boa evolução, sendo que 42(46,7%) apresentaram potencial tardio presente e 135(68,2%) ausente. Já a evolução adversa ocorreu em 111(38,5%), sendo que 48(53,3%) apresentaram potencial tardio presente e 63(31,8%), potencial tardio ausente. (p=0,001) (tab. 4).

A sobrevida foi menor no grupo com potencial tardio presente.

Potencial tardio em relação aos achados ecocardiográficos – Foram analisados o diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo, o diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo, o diâmetro do átrio esquerdo e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo. O diâmetro do átrio esquerdo variou de 27 a 80mm (média 47,36; desvio-padrão 7,47). O diâmetro do ventrículo esquerdo na diástole variou de 40 a 105mm (média 73,98; desvio-padrão 9,57). O diâmetro do ventrículo esquerdo na sístole variou de 30 a 95mm (média 63,71; desvio-padrão 8,64). Não foram encontradas diferenças significativas com relação ao potencial tardio para as variáveis analisadas ao ecocardiograma.

Potencial tardio em relação à esgoespirometria – A análise do consumo máximo de oxigênio variou de 4,6 a 33,7 ml/Kg/min (média 19,59; desvio-padrão 8,53). Nos pacientes que apresentavam potencial tardio presente, encontrou-se um valor de 16,99 ml/kg/min com desvio-padrão 8,16, ao passo que para os indivíduos com potencial tardio ausente, este valor foi significativamente maior, ou seja, 20,78 ml/kg/min com desvio-padrão; 8,45 (p=0,001).

DISCUSSÃO

Através deste estudo, algumas observações importantes foram realizadas. O achado mais importante foi a constatação de que a presença de potencial tardio na insuficiência cardíaca congestiva está relacionada a um prognóstico adverso, com maior incidência de taquicardia ventricular sustentada e morte súbita cardíaca. Mais da metade dos pacientes (53,3%) com potencial tardio presente apresentaram evolução ruim, sendo que 26, dentre os 29 pacientes que apresentaram morte súbita, apresentavam potencial tardio presente. Os achados deste estudo vão ao encontro dos de Ohnishi e cols.6. Estes autores descreveram alta incidência de arritmias ventriculares e morte súbita em 54 pacientes com cardiomiopatia dilatada e eletrocardiograma de alta resolução alterado, utilizando-se dos seguintes critérios para potencial tardio presente: duração do QRS filtrado >120ms ou voltagem da raiz quadrada nos 40ms finais < 20mV. Entretanto, há controvérsias. Estudos de Meinhertz e cols.7 e Middlekauff e cols.8 não encontraram o eletrocardiograma de alta resolução como preditivo para morte súbita ou arritmia ventricular. Em ambos estudos, o número de pacientes foi baixo (30 e 22 pacientes, respectivamente) e os critérios para a presença de potencial tardio, diferentes. Dos 30 pacientes do grupo de Meinhertz e cols.7 com cardiomiopatia não isquêmica, apenas um apresentou eletrocardiograma de alta resolução alterado. Onze mortes ocorreram durante o segmento e 5 delas decorreram da evolução da insuficiência cardíaca. O autor concluiu que o eletrocardiograma de alta resolução não foi preditivo para morte súbita, embora com casuística muito baixa para qualquer afirmação.

O achado de uma maior incidência de indivíduos do sexo masculino 215 (74,7%) com insuficiência cardíaca vai ao encontro de estudos consistentes, como o próprio estudo de Framingham. Entretanto, a maior incidência de potencial tardio com o avançar da idade, no presente trabalho, foi um fato novo, apesar de a idade avançada já ser um fator de pior prognóstico, como mostrou o estudo de Framingham, em que, para cada década de vida no sexo masculino, a mortalidade aumentou 27% e no feminino, 61%.

Não foi encontrada associação entre etiologia da insuficiência cardíaca e potencial tardio. Provavelmente, um mecanismo comum na geração de potencial tardio e arritmia cardíaca esteja envolvido nas diversas etiologias que levam à insuficiência cardíaca. Fibrose intersticial e hipertrofia miocárdica freqüentemente são encontrados em biópsias de pacientes com cardiomiopatia dilatada, na cardiomiopatia da doença de Chagas, cardiomiopatia isquêmica etc. Isto pode resultar em uma condução elétrica anormal. O eletrocardiograma de alta resolução mostrou-se útil para identificar pacientes com ativação ventricular retardada e, conseqüentemente, com um substrato para desencadear arritmias. Este trabalho mostrou uma correlação entre QRS standard e QRS filtrado em relação à cardiomiopatia dilatada e cardiomiopatia da doença de Chagas. É sabido que estas patologias levam a um processo fibrótico difuso no miocardio. Um estudo específico, para possibilitar a investigação não invasiva da extensão da fibrose miocárdica e variáveis do eletrocardiograma de alta resolução, foi proposto por Yamada e cols.15. O grupo estudou 32 pacientes com cardiomiopatia dilatada através de biópsia miocárdica e eletrocardiograma de alta resolução e encontrou estreita correlação entre extensão da área de fibrose com duração do QRS filtrado (p<0,001), duração do sinal abaixo de 40mV (p<0,001) e voltagem da raiz quadrada dos 40ms finais (p<0,005).

A presença de potencial tardio ao eletrocardiograma de alta resolução já mostrou seu valor preditivo para morte súbita na insuficiência coronariana16-19. O presente trabalho teve por objetivo levantar correlações semelhantes para a insuficiência cardíaca congestiva, causada não só pela insuficiência coronariana bem como por outras etiologias.

Quanto aos achados ao ecocardiograma, surpreendentemente, nem a fração de ejeção ou diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo, variáveis tidas como quantificadoras da capacidade central na insuficiência cardíaca, mostraram correlação com alterações ao eletrocardiograma de alta resolução. Entretanto, o consumo máximo de oxigênio à cicloergoespirometria mostrou correlação, sendo esta uma boa variável para a análise do componente periférico da insuficiência cardíaca.

Indivíduos com bloqueio de ramo do feixe de His, em geral, são excluídos de estudos sobre o ECGAR no domínio do tempo, pois a alteração da ativação ventricular pode tanto mascarar como simular potenciais tardios. Em portadores de bloqueio de ramo, zonas miocárdicas anormais gerando sinais de baixa amplitude podem ser completamente obscurecidas pela ativação retardada das regiões do miocárdio normal. Porém, resultados falso-positivos podem ser obtidos quando na aplicação de filtros de alta freqüência sobre a porção final do QRS de amplitude menor do que a normal.

Há discordância quanto à exclusão de pacientes com bloqueio de ramo dos trabalhos envolvendo o eletrocardiograma de alta resolução no domínio do tempo. Segundo Moffa20, a incidência de arritmia ventricular maligna neste grupo é alta em relação àqueles indivíduos sem anomalia de condução (14% versus 4%). Além do mais, a incidência de bloqueio de ramo é relativamente alta em indivíduos com insuficiência cardíaca. (Neste trabalho foi de 121 pacientes - 42,0%). Alguns autores estabeleceram critérios diferentes para identificar a presença de potencial tardio em pacientes com bloqueios de ramo. Para Nalos e cols.21, o potencial tardio é considerado positivo na presença de bloqueio de ramo, quando todas as três variáveis analisadas no domínio do tempo forem anormais, utilizando-se os seguintes valores de referência: QRS filtrado > 120 ms, duração do sinal abaixo de 40mV > 40ms e voltagem da raiz quadrada nos últimos 40ms < 15 mV. Para Fontaine e cols.22, os critérios que consideram de maior utilidade são a voltagem da raiz quadrada nos últimos 40ms <17mV, isoladamente ou não, com duração do sinal abaixo de 40 mV > 55ms. Para estes autores, a adição da exigência de um QRS filtrado > 180ms a estes critérios não altera a acurácia preditiva total.

Neste estudo, o potencial tardio nos pacientes com bloqueio de ramo foi identificado através dos critérios de Moraes14 método utilizado posteriormente em outros trabalhos 23.

A duração do QRS standard maior ou igual a 120ms apresentou uma correlação importante com o prognóstico (já comprovado em portadores de bloqueio de ramo esquerdo) segundo o qual 63 (70%) pacientes apresentaram má evolução.

A possível influência de medicamentos é um ponto a ser questionado. Pacientes em uso de drogas antiarritmicas do grupo I e de amiodarona têm a interpretação dos resultados do eletrocardiograma de alta resolução prejudicada, segundo a experiência de alguns autores24,25. No entanto, um estudo prospectivo26 com 27 casos de cardiomiopatia dilatada, com o objetivo de estudar o uso de amiodarona e sua correlação com o eletrocardiograma de alta resolução, utilizou gravações seriadas do eletrocardiograma de alta resolução e eletrocardiograma convencional antes da administração de amiodarona e após 2 meses e subseqüentemente com intervalos de 3 meses. Em comparação com os achados iniciais, houve um aumento da duração do QRS filtrado e não ocorreu alteração na voltagem do QRS nos 40ms finais. A incidência de potencial tardio manteve-se constante. Neste estudo, 21 (7,3%) dos indivíduos faziam uso de amiodarona e a droga não foi suspensa por tratar-se de um grupo com insuficiência cardíaca importante e com alto risco de arritmia cardíaca.

CONCLUSÃO

A etiologia que levou à insuficiência cardíaca não guarda correlação com a incidência de potencial tardio ao eletrocardiograma de alta resolução no domínio do tempo. A presença do potencial tardio está relacionada à maior incidência de taquicardia ventricular sustentada e à morte súbita cardíaca. A sobrevida foi menor nos indivíduos que apresentaram potencial tardio presente. Portanto, a presença de potencial tardio ao eletrocardiograma de alta resolução mostrou-se um marcador de mau prognóstico em portadores de insuficiência cardíaca congestiva.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 28/11/04

Aceito em 17/10/05

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  • Correspondência:

    Ernani de Sousa Grell
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      17 Out 2005
    • Recebido
      28 Nov 2004
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