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Complicação infecciosa indica mau prognóstico no infarto agudo do miocárdio

Resumos

OBJETIVO: Determinar a incidência e o impacto das complicações infecciosas do infarto agudo do miocárdio (IAM) no tempo de permanência e na letalidade. MÉTODOS: Trata-se de um estudo clínico e retrospectivo, tipo caso-controle, realizado por meio de análise de prontuários. A população do estudo foi constituída por pacientes internados na Unidade Coronariana do InCor do Hospital das Clínicas da FMUSP com diagnóstico de IAM, entre janeiro de 1996 e dezembro de 1999. RESULTADOS: Foram analisados 1.227 pacientes, e sessenta (5%) preenchiam os critérios diagnósticos de complicação infecciosa do IAM (grupo infectados). Os demais 1.167 pacientes constituíram o grupo controle. A média das idades (67,5 versus 62,6 anos), o tempo de permanência hospitalar (26,6 versus 12,0 dias) e a mortalidade hospitalar (45% versus 12%) foram maiores no grupo infectados. Pacientes submetidos a mais de três procedimentos invasivos apresentaram índice de mortalidade mais elevado (68% e 32%, p = 0,006). As infecções mais freqüentes foram as pulmonares (63%), do trato urinário (37%) e hemoculturas positivas sem sítio identificado (8%). CONCLUSÃO: Na população estudada, a incidência de complicação infecciosa foi de 5%. O tempo de internação prolongado e a taxa de mortalidade elevada sugerem que a complicação infecciosa tem um grande impacto sobre os pacientes internados com o diagnóstico de IAM em unidade coronariana.

Infarto do miocárdio; infecção; complicação; mortalidade


OBJECTIVE: To determine both the incidence and impact of infectious complications of acute myocardial infarction (AMI) on length of hospital stay and mortality. METHODS: This is a retrospective, case-control clinical trial involving medical records review. The study population consisted of patients admitted to the Coronary Care Unit (CCU) of the Hospital das Clínicas Heart Institute of the University of São Paulo Medical School - FMUSP - with AMI between January 1996 and December 1999. RESULTS: One thousand two hundred and twenty-seven patients were analyzed, and 60 (5%) met diagnostic criteria for infectious complication of AMI (infected group). The other 1167 patients served as control group. Mean age (67.5 versus 62.6), hospital length of stay (26.6 versus 12.0 days), and in-hospital mortality (45% versus 12%) were higher in the infected group. Mortality rate was higher among patients who underwent more than three invasive procedures (68% and 32%, p = 0.006). The most frequent infections were pulmonary (63%), urinary tract (37%) and positive blood cultures with no identifiable site of infection (8%). CONCLUSION: In the population studied, infectious complication rate was 5%. Prolonged hospital stay and high mortality rate suggest that infection complication has a great impact on AMI patients admitted to the coronary care unit.

Myocardial infarction; infection; complication; mortality


ARTIGOS ORIGINAIS

Complicação infecciosa indica mau prognóstico no infarto agudo do miocárdio

Leandro Carlos Grandini Júnior; Bruno Caramelli

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Bruno Caramelli Rua Cravinhos, 92/101 01408-020 – São Paulo, SP E-mail: bcaramel@usp.br/ brunoc@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a incidência e o impacto das complicações infecciosas do infarto agudo do miocárdio (IAM) no tempo de permanência e na letalidade.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo clínico e retrospectivo, tipo caso-controle, realizado por meio de análise de prontuários. A população do estudo foi constituída por pacientes internados na Unidade Coronariana do InCor do Hospital das Clínicas da FMUSP com diagnóstico de IAM, entre janeiro de 1996 e dezembro de 1999.

RESULTADOS: Foram analisados 1.227 pacientes, e sessenta (5%) preenchiam os critérios diagnósticos de complicação infecciosa do IAM (grupo infectados). Os demais 1.167 pacientes constituíram o grupo controle. A média das idades (67,5 versus 62,6 anos), o tempo de permanência hospitalar (26,6 versus 12,0 dias) e a mortalidade hospitalar (45% versus 12%) foram maiores no grupo infectados. Pacientes submetidos a mais de três procedimentos invasivos apresentaram índice de mortalidade mais elevado (68% e 32%, p = 0,006). As infecções mais freqüentes foram as pulmonares (63%), do trato urinário (37%) e hemoculturas positivas sem sítio identificado (8%).

CONCLUSÃO: Na população estudada, a incidência de complicação infecciosa foi de 5%. O tempo de internação prolongado e a taxa de mortalidade elevada sugerem que a complicação infecciosa tem um grande impacto sobre os pacientes internados com o diagnóstico de IAM em unidade coronariana.

Palavras-chave: Infarto do miocárdio, infecção, complicação, mortalidade.

Segundo os dados do SUS, no ano de 2000 ocorreram 40.143 internações hospitalares por infarto agudo do miocárdio (IAM), com uma média da permanência hospitalar de 7,7 dias e a uma taxa de letalidade de 16%1. A maior parte das mortes relacionadas ao IAM, entretanto, ocorre antes da internação hospitalar, geralmente secundárias a arritmias cardíacas graves2. Após a internação, as complicações do IAM são responsáveis por uma porcentagem significativa das mortes. Entre elas estão as complicações elétricas, hemodinâmicas ou mecânicas, as inflamatórias e as infecciosas. A taxa de mortalidade a elas associada, a sua incidência e a sua gravidade são motivo de preocupação por parte dos profissionais envolvidos no tratamento do paciente com IAM. O pronto-diagnóstico e o estabelecimento do tratamento adequado dessas complicações são fundamentais na tentativa de melhorar a evolução clínica.

Estudos recentes sugerem, contudo, estar ocorrendo uma modificação no perfil demográfico da população internada com o diagnóstico de IAM. O aumento da faixa etária desses pacientes é um dos dados mais relevantes1,3. Esse fenômeno pode representar um aumento na prevalência de outras doenças, como comorbidade, entre os indivíduos internados com IAM. De fato, já foi identificado, em alguns estudos, um aumento na prevalência de diabete melito como doença associada ao IAM3. Esses fatores poderiam, por sua vez, aumentar a incidência de complicações infecciosas no IAM, a exemplo do que foi observado em outras doenças que incidem em pacientes idosos e/ou diabéticos4-7.

Tanto a mudança no perfil demográfico (pacientes mais idosos) quanto a maior incidência de diabete melito como comorbidade no infarto agudo do miocárdio podem ter contribuído para que esses resultados fossem observados. Entre as outras causas possíveis para desenvolvimento de complicações infecciosas estão a imobilização prolongada, os procedimentos invasivos e a presença de outras comorbidades. A ausência de informações conclusivas na literatura sobre a incidência e sobre o impacto das complicações infecciosas do IAM na morbidade e mortalidade foi a razão para a realização do presente estudo.

População - Foi realizada uma análise retrospectiva dos prontuários de todos os pacientes com o diagnóstico de IAM internados na Unidade Coronariana do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, no período de janeiro de 1996 a dezembro de 1999. Os critérios utilizados para o diagnóstico de IAM foram os mesmos utilizados em estudos anteriores2. Dentre os 1.227 pacientes internados nesse período com o diagnóstico de IAM, 120 apresentavam infecção nosocomial como comorbidade. Foram excluídos os pacientes que apresentavam pelo menos uma das seguintes características: doença auto-imune ou infecção pelo vírus da Aids, neoplasias, hepatopatias, histórico de infecção ou febre nas últimas duas semanas antes da internação ou insuficiência renal crônica (valor de creatinina plasmática superior a 2,0 mg/dl) no momento da internação. Restaram sessenta pacientes que constituíram o grupo infectados. Os 1.167 pacientes restantes constituíram o grupo controle, que representava o conjunto dos pacientes com diagnóstico de IAM que não apresentaram complicação infecciosa.

MÉTODOS

Foram analisadas as características demográficas, a anamnese e evolução clínica durante a internação hospitalar, o exame físico, os exames laboratoriais e a causa do óbito. As variáveis de interesse foram tempo de internação e letalidade hospitalar. As variáveis categóricas dicotômicas estudadas foram gênero, diagnóstico de hipertensão arterial ou diabete melito na anamnese, desvio à esquerda no leucograma (bastonetes > 10% segmentados), leucocitose (> 10.000/mm3) e o tratamento intervencionista (angioplastia ou cirurgia). As variáveis categóricas policotômicas foram a localização do infarto, o número de procedimentos invasivos realizados, o local de infecção, causas de óbito e outras complicações. Os procedimentos invasivos analisados foram: cateterismo cardíaco, sondagem vesical, intubação orotraqueal, acesso venoso central, marcapasso, traqueostomia, além do uso de balão intra-aórtico, diálise peritoneal, cateter de artéria pulmonar, dreno de tórax e hemodiálise.

As variáveis contínuas foram idade, tempo de internação, índice de massa corporal e tempo de aparecimento da infecção. Foi pesquisada a utilização de tratamento intervencionista (cateterismo cardíaco, angioplastia ou cirurgia de revascularização do miocárdio) durante a internação.

Com relação à infecção como complicação do IAM, foram pesquisados: o sítio de infecção, o tempo de aparecimento desta, o tipo de tratamento administrado e sua evolução (desenvolvimento de insuficiência renal, novos focos de infecção, óbito etc.).

Conceituamos infecção nosocomial como qualquer processo infeccioso adquirido no ambiente hospitalar, após 48 horas de internação, que não estivesse em período de incubação ou que fosse diagnosticada após realização de procedimento invasivo. As condições clínicas infecciosas analisadas foram: infecção do trato urinário sintomática, bacteriúria assintomática, infecção do sítio cirúrgico (incisão superficial), pneumonia, sepsi clínica, miocardite ou pericardite, infecções do trato respiratório superior e hepatite segundo critérios descritos na literatura 8.

Análise estatística - A comparação entre a média das idades dos dois grupos foi realizada por meio do teste t-Student. Para verificar a existência de associação entre as variáveis gênero e grupo foi feito um teste qui-quadrado. O comportamento da variável tempo de permanência hospitalar não apresentou distribuição Normal. Assim, foi necessário realizar uma transformação nessa variável, visando resolver o problema de assimetria. A transformação que se mostrou adequada foi a logarítmica. A comparação entre as médias dos logaritmos dos tempos de permanência hospitalar dos dois grupos foi feita por meio do teste t-Student. Para verificar a existência de associação entre as variáveis mortalidade e grupo foi feito um teste qui-quadrado.

No grupo infectados foi pesquisada a existência de relação entre o número de procedimentos invasivos realizados para cada paciente e a taxa de mortalidade hospitalar. Para essa análise foi utilizado um teste qui-quadrado.

O nível de significância adotado para todos os testes foi o de 0,05.

RESULTADOS

O número de pacientes que apresentaram complicação infecciosa do IAM foi igual a sessenta, correspondendo a uma incidência de 5%. Os dados referentes às variáveis idade, tempo de permanência, gênero e mortalidade estão representados na tabela 1.

As características clínicas dos pacientes com infarto agudo do miocárdio complicado por infecção (grupo infectados) estão representadas na tabela 2.

O número médio de procedimentos invasivos realizado nos pacientes do grupo infectados foi de 3,38. Foi pesquisada a existência de relação entre o número de procedimentos invasivos realizados para cada paciente e a taxa de mortalidade hospitalar (tab. 3).

A tabela 3 parece sugerir um aumento na taxa de mortalidade com o aumento no número de procedimentos realizados. Entretanto, há um número progressivamente menor de pacientes que foi submetido a um grande número de procedimentos. Ou seja, para esses grupos, altas taxas de mortalidade podem estar relacionadas a apenas um ou dois óbitos. Por esse motivo, não foi possível o estudo da relação entre a taxa de mortalidade e o número de procedimentos dessa maneira, em virtude do número pequeno de pacientes para a realização de uma análise estatística com uma divisão em um número tão grande de classes (oito). Reduções no número de classes com o agrupamento de classes adjacentes foram tentadas, mas a única redução que tornou viável uma análise estatística foi a redução para apenas duas com o ponto de corte que as separasse em dois conjuntos com um número considerável de indivíduos em cada um. O ponto de "corte" escolhido para separação em duas classes conforme o número de procedimentos invasivos realizado considerou um a três procedimentos versus quatro ou mais. O número de três procedimentos foi escolhido por se tratar da "moda" ou o número de procedimentos mais freqüentemente encontrado e o mais próximo do valor médio (3,38).

Para verificar a existência de associação entre o número de procedimentos e a mortalidade foi feito um teste qui-quadrado. A estatística do teste foi c2 = 7,54 com um nível descritivo p = 0,006, ou seja, há associação entre as duas variáveis. Observando a tabela 4, verificamos que a taxa de mortalidade entre os pacientes infectados é de 45%. Logo, a proporção esperada de óbitos, se não houvesse associação entre as duas variáveis, seria essa, independentemente do número de procedimentos realizados. O que observamos, no entanto, é que essa proporção é menor (29%) no grupo de pacientes que sofreu de um a três procedimentos, e é maior (64%) no grupo de pacientes que sofreu pelo menos quatro procedimentos. Ou seja, a taxa de mortalidade está associada ao número de procedimentos, sendo mais elevada se o número de procedimentos é de pelo menos quatro, e menor se esse número é de até três procedimentos.

Observamos, entretanto, que o número médio de procedimentos foi igual a 2,19 entre os pacientes classificados com Killip I, II, e 4,29 entre aqueles com Killip III, IV. Essa mortalidade elevada reflete a maior gravidade dos pacientes com maior número de procedimentos. Os pacientes mais graves (Killip III, IV) exigem estratégias mais agressivas como cateterismo de veia central, cateter de artéria pulmonar, intubação orotraqueal, balão intra-aórtico, sendo o número de procedimentos um marcador de pior prognóstico e não um fator de risco.

Dessa forma, demonstrou-se que a mortalidade esteve associada ao número de procedimentos, sendo mais elevada se o número de procedimentos é de pelo menos quatro, e menor se esse número é de até três procedimentos como demonstrado na figura 1.


A letalidade hospitalar foi maior entre os pacientes do sexo feminino (20% versus 12%) e a idade dos que morreram foi significativamente maior (71,24 +/- 10,92 versus 61,59 +/- 12,24 anos). A partir dessas observações, investigamos se as relações entre a idade e o sexo com a mortalidade realmente existem ou se era apenas a variável grupo que estava por trás dessas relações, ou seja, se o fato de estar com uma complicação infecciosa não representava um fator de confundimento. Para tanto, foi ajustado um modelo de regressão logística no qual inicialmente colocamos as três variáveis que tínhamos interesse em estudar (idade, gênero e grupo), bem como as possíveis interações entre elas. No modelo final ficaram as variáveis idade, grupo e a interação entre elas; ou seja, tanto a idade quanto o grupo parecem ser importantes na explicação da mortalidade. Além disso, a presença da interação no modelo significa que o efeito da idade na mortalidade não é a mesma nos dois grupos, ou que o fato de o paciente ser infectado ou não exerce influência na mortalidade de maneira diferente, dependendo da idade. O modelo final ajustado foi:

Probabilidade(óbito) =

onde Z = – 4,5400 –2,5331 x grupo + 0,0516 x Idade + 0,0249 x grupo x Idade

(Na equação, a variável grupo assume os valores –1 se o paciente for do grupo infectados, e 1 se o paciente for do grupo controle).

A partir desse modelo, calculamos a probabilidade estimada de óbito para pacientes de diversas idades, de acordo com o grupo a que ele pertence (fig. 2).


Assim, quanto mais idoso o paciente, maior a probabilidade de óbito, e essa probabilidade é sempre maior no grupo infectados. Também foi calculada a razão de chances (odds ratio) de óbitos: - Para cada um dos grupos, de acordo com determinado aumento na idade do paciente.

Na tabela 5 observa-se que, apesar de os pacientes do grupo infectados terem uma maior probabilidade de óbito, o incremento na idade aumenta mais a razão de chances de óbito no grupo controle. Em outras palavras, a variável idade afeta mais (no sentido de aumentar a razão de chances) o grupo controle. Entre os grupos (infectados e controle), para as diferentes idades.

Pode ser observado que a razão de chances de óbito entre o grupo infectados e o grupo controle é bem maior entre os pacientes mais novos, e vai diminuindo com o aumento da idade. Em outras palavras, a variável grupo afeta mais (no sentido de aumentar a razão de chances) os pacientes mais novos.

A distribuição do tempo de permanência hospitalar por faixa etária (> 65 anos e < 65 anos) dos pacientes com IAM complicado por infecção foi semelhante nos dois grupos (28,4+33,5 e 24,5+17,0 dias, respectivamente, p = 0,59). O sítio de infecção mais freqüente nessa população foi o pulmonar (63%), seguido por trato urinário (37%), hematológico (8%), cutâneo (7%) e hepático (2%). Não foi observada associação entre a presença de leucocitose, desvio à esquerda no hemograma ou infecção pulmonar e mortalidade entre os pacientes com infecção como complicação do IAM.

As causas de óbito na população de pacientes com infecção como complicação do IAM foram: choque cardiogênico (41%), choque séptico (30%), fibrilação ventricular (22%) e insuficiência respiratória (7%).

DISCUSSÃO

A mortalidade hospitalar no infarto agudo do miocárdio tem diminuído progressivamente nos últimos 30 anos, a partir do advento das unidades coronarianas 9. Desde então, medidas terapêuticas como a cardioversão elétrica, a administração de agentes antiarrítmicos, vasodilatadores, betabloqueadores, trombolíticos, antiagregantes plaquetários e inibidores de enzima de conversão têm produzido efeitos expressivos na redução da mortalidade e têm lugar obrigatório no arsenal terapêutico do IAM9.

Com a introdução das unidades coronarianas, alguns autores procuraram estratificar o risco de complicações para os pacientes com IAM, identificando variáveis ou desenvolvendo escores relacionados com a morbidade e mortalidade como a classificação de Killip-Kimbal10. Esse índice ou escore fundamenta-se em variáveis obtidas durante a internação hospitalar. Estudos mais recentes determinaram que a mortalidade no IAM está diretamente relacionada com o sexo feminino, com a idade mais elevada, com a história prévia de infarto, com o IAM de parede anterior, com a extensão da área isquêmica, com sinais de significativa disfunção ventricular esquerda e com a hipotensão arterial11-15.

Ao contrário do que foi observado em outras situações clínicas, não há informações disponíveis na literatura sobre a incidência de complicações infecciosas do infarto agudo do miocárdio nem sobre sua influência na morbidade e mortalidade hospitalares4,7.

Não encontramos estudos que tivessem analisado a incidência de infecções em unidades coronarianas, unidades que têm características próprias desde a estrutura física (quartos individuais), o tipo de paciente internado e suas doenças e os profissionais especializados que ali trabalham. Com relação às unidades de terapia intensiva (UTI), entretanto, as informações relativas às infecções nosocomiais e seu impacto na morbi-mortalidade são abundantes. O estudo EPIC mostrou que, de um total de 10.038 pacientes internados em diversas UTI, em dezessete países da Europa ocidental, 4.501 (45%) tinham adquirido infecções hospitalares. Pneumonia (47%), infecções do trato respiratório baixo (18%), do trato urinário (18%) e septicemia (12%) foram os tipos mais freqüentemente encontrados.

Nesse mesmo estudo foram identificados alguns fatores de risco para aquisição de infecção: aumento da permanência na UTI, sonda vesical de demora, cateterização venosa central e de artéria pulmonar e ventilação mecânica16. A menor incidência de infecção (5% contra 21% no estudo EPIC), observada em nosso trabalho, poderia refletir a maior gravidade dos pacientes internados nas UTI, onde os elevados índices de mortalidade estão de acordo com essa hipótese17. Embora analisando uma população com características clínicas diferentes e muito heterogênea, o estudo EPIC compartilha as mesmas bases de associação com o presente estudo. Nos dois estudos trata-se da análise do impacto da mesma complicação (infecção nosocomial) sobre pacientes graves. Nesse sentido, independentemente do diagnóstico de base, a prevenção de complicações infecciosas nosocomiais deve ser uma meta importante para pacientes críticos nas diversas condições clínicas.

Leu e cols.18, analisando casos de pneumonia nosocomial entre 1979 e 1983, observaram que, entre outras variáveis, a idade elevada, o uso de ventilação mecânica prévia e a doença neoplásica mostraram uma relação direta com a mortalidade. Os autores sugeriram que a pneumonia nosocomial seria responsável por 33% da mortalidade, contribuindo significativamente para um custo econômico maior relacionado a um tempo de internação prolongado. Em nosso trabalho, observamos que a infecção pulmonar foi o tipo de complicação infecciosa mais freqüente (63%). Além disso, a taxa de mortalidade e o tempo de internação hospitalar, nessa população, foram bem maiores do que no grupo controle (45% versus 14%, e 26 versus 12 dias). Esses achados indicam uma pior evolução nesse grupo de pacientes, a exemplo do que encontraram Leu e cols.

A idade é uma variável de risco no IAM já descrita há muitos anos. O mecanismo responsável por essa interrelação ainda não é muito claro, mas, provavelmente, esteja relacionado à reduzida reserva coronária e miocárdica encontrada nos indivíduos mais idosos, uma vez que esses pacientes têm maior incidência de diabetes, hipertensão arterial ou de insuficiência cardíaca congestiva13,19. No presente estudo também observamos o aumento da mortalidade em faixas etárias mais elevadas. No subgrupo de pacientes que apresentaram infecção como complicação do IAM, entretanto, ocorreu uma atenuação do efeito da idade sobre a mortalidade, ou seja, a idade influenciou mais a mortalidade no grupo controle. Em outras palavras, para um paciente com infarto agudo do miocárdio, quanto maior a sua idade, maior a probabilidade de óbito, principalmente se ocorrer uma complicação infecciosa.

A relação entre sexo feminino e maior mortalidade hospitalar no IAM também é conhecida, e alguns autores sugerem que esta é uma variável independente relacionada à mortalidade13,19-23. Em nosso estudo, verificamos que a proporção de mulheres no grupo infectados é maior, indicando uma maior chance de complicação infecciosa no sexo feminino. Esse fato, entretanto, não pode explicar a maior mortalidade entre os pacientes com a complicação infecciosa. O modelo de regressão logística identificou a idade, o fato de estar infectado e a interação entre eles como os fatores mais importantes na explicação da mortalidade. À semelhança do que dissemos para a variável idade, o fato de ter uma complicação infecciosa atenuou, chegando inclusive a eliminar a influência da variável sexo na mortalidade dentro do modelo de regressão logística.

Observamos uma prevalência elevada de diabete melito no grupo infectados (42%). Provavelmente, a faixa etária mais elevada dos pacientes nesse grupo poderia explicar esse fenômeno, já que o diabetes é doença de maior prevalência nos segmentos etários mais elevados3,24. Além de um maior risco para desenvolvimento de IAM, os pacientes diabéticos apresentam elevada taxa de mortalidade nessa situação, o que pode ter contribuído, ao menos em parte, para a taxa encontrada em nosso estudo25.

A relação entre procedimentos invasivos (cateteres, tubos orotraqueais, sondas etc.) e o desenvolvimento de infecções hospitalares já foi descrita por diversos autores, em diferentes grupos populacionais17,26-28. No Brasil, Velasco e cols.28 analisaram 370 episódios de infecção hospitalar em 623 pacientes internados em UTI por doenças oncológicas. Os autores encontraram uma incidência global de infecção de 50%, e a pulmonar (29%) e a urinária (26%) foram os tipos mais freqüentes, e a taxa de utilização de procedimentos invasivos foi de 2%. Nessa amostra, foi constatada uma forte correlação entre a incidência de infecção hospitalar e a utilização de procedimentos invasivos 28.

Em nosso estudo, observamos uma taxa média de 3,38 procedimentos invasivos realizados por paciente no grupo infectados. Esse número, muito mais elevado que no estudo de Velasco e cols., pode ser explicado pelo fato de que um grande número dos pacientes (41%) foi submetido a angioplastia coronariana, procedimento no qual há necessidade de utilização de cateteres venosos e arteriais. Observamos ainda que existe uma associação entre a taxa de mortalidade e o número de procedimentos. Nessa população, entretanto, o número elevado de procedimentos invasivos não pôde ser classificado como fator de risco, uma vez que o número de procedimentos foi maior entre os pacientes Killip III e IV (4,29 contra 2,19 nos Killip I e II), em que os índices de mortalidade são mais elevados.

Wilcox & Dave29 descreveram que, em média, o paciente com infecção hospitalar tem o seu tempo de internação elevado em 2,5 vezes, e um custo de 3.000 libras esterlinas maior para o tratamento em comparação com um paciente similar não-infectado. Embora os dados referentes ao custo não tenham sido analisados em nossa amostra, observamos que ocorreu um aumento no tempo de permanência hospitalar em torno de 2,1 vezes. Essa informação é de grande interesse, pois está associada a um aumento de custo no tratamento do IAM.

Na população estudada, a incidência de complicação infecciosa foi de 5%. O tempo de internação prolongado e a taxa de mortalidade elevada sugerem que a complicação infecciosa tem um grande impacto sobre os pacientes internados com o diagnóstico de IAM em unidade coronária. No presente estudo, a utilização do modelo matemático de probabilidades, relacionado às complicações infecciosas no IAM, abre um novo campo de investigação e discussão sobre o tratamento dessa população. A exemplo do que acontece com pacientes em situações clínicas semelhantes, a prevenção de complicações infecciosas nosocomiais é importante para pacientes críticos. Dessa forma, parece claro que as complicações infecciosas devam ser analisadas em futuros estudos, dentro de uma estratégia de estratificação de risco após o IAM.

Limitações do estudo - As características clínicas do grupo controle, à exceção dos dados demográficos e de permanência hospitalar, não estavam disponíveis para análise neste estudo retrospectivo, constituindo uma limitação do mesmo. Por esse motivo não foi possível realizar análise que permitisse determinar uma possível relação entre as diversas variáveis clínicas inerentes ao IAM (classe Killip, tratamento trombolítico etc.) e a mortalidade e permanência hospitalar. Entretanto, as relações entre estas variáveis e a morbidade e mortalidade no IAM já são conhecidas da literatura. No presente estudo, embora essa relação não tenha sido determinada pela ausência das informações relativas ao grupo controle, é plausível supor que essas variáveis também tenham importância nesse grupo específico.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 21/11/04

Aceito em 29/08/05

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  • Correspondência:

    Bruno Caramelli
    Rua Cravinhos, 92/101
    01408-020 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      29 Ago 2005
    • Recebido
      21 Nov 2004
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