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Estratificando o risco na angina instável com a ecocardiografia sob estresse com dobutamina

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a importância da ecocardiografia sob estresse pela dobutamina (EED) na estratificação de risco de pacientes com angina instável (AI) de baixo a moderado risco, quanto à capacidade de predizer os eventos clínicos combinados (morte de causa cardiovascular, infarto agudo do miocárdio (IAM), AI recorrente, necessidade de revascularização miocárdica) no seguimento de 6 meses. MÉTODOS: Estudo prospectivo, multicêntrico. Os pacientes incluídos estavam internados, assintomáticos havia 24 horas e a medicação em uso não era suspensa para a realização do exame. O EED era realizado preferencialmente até 72 horas da chegada ao hospital. RESULTADOS: Foram avaliados 95 pacientes consecutivos. O EED foi positivo para isquemia em 40 pacientes (42,1%) e em 55 (57,9%), foi negativo. Eventos ocorreram em 28 pacientes, 26 dos quais tinham o EED positivo para isquemia miocárdica. Os outros 67 pacientes não tiveram eventos; desses, 53 tinham o EED negativo. A sensibilidade, especificidade, acurácia, valor preditivo positivo e negativo do teste frente aos desfechos foram: 92,9%, 79,1%, 83,2%, 65% e 96,4%, respectivamente. Sobrevida livre de eventos após 6 meses para os pacientes com EED negativo foi de 96%, comparada com 35% nos que tiveram o EED positivo (p<0,001). A análise univariada identificou classificação da AI, fração de ejeção do VE, índice de movimentação parietal do VE pré e pico, resultado do EED e antecedentes de IAM prévio como fatores prognósticos associados com os desfechos. Somente a variável resultado do EED permaneceu com uma associação significativa com o desfecho através da análise multivariada (p<0,01). CONCLUSÃO: O EED apresentou excelente valor preditivo negativo, permitindo alta hospitalar precoce dos pacientes, sem necessidade de exames adicionais. O resultado do exame foi o único fator prognóstico independente para os eventos.

Angina instável; estratificação de risco; ecocardiografia sob estresse


OBJECTIVE: To evaluate the role of dobutamine stress echocardiography (DSE) in the risk stratification of low to moderate risk unstable angina (UA) patients, to predict the combined clinical outcome of cardiovascular death, myocardial infarction (MI), recurrent UA and the need of revascularization procedures in a 6 month period. METHODS: Multicenter prospective study. Patients should be admitted to the hospital and asymptomatic in the last 24 hours. The exam was performed up to 72 hours from the hospital admission and no medication was stopped prior to the test. RESULTS: Ninety-five consecutive patients were evaluated by DSE. Forty patients (42,1%) had a positive ischemic test and fifty five (57,9%) had a negative one. Clinical events occurred in twenty eight patients, twenty six of whom had a positive test. The rest of the patients (67) did not have clinical events and fifty three of them, had a negative test. The sensibility, specificity, accuracy, positive predictive value and negative predictive value of the test related to the clinical events were: 92,9%, 79,1%, 83,2%, 65% and 96,4%, respectively. Event-free survival after 6 months for pacients with a negative DSE was 96% compared to 35% for those with a positive DSE (p<0,001). The UA classification, left ventricular ejection fraction, rest and peak wall motion score index, DSE result and history of previous MI were associated with the combined end point by univariate analysis. The test result was the only independent predictor of cardiac events by multivariate analysis (p<0.001). CONCLUSION: O DSE has shown an excellent negative predictive value allowing for early hospital discharge without further exams. The positive test result was the only independent predictor for adverse cardiac events.

Unstable angina; risk stratification; stress-echocardiography


ARTIGOS ORIGINAIS

Estratificando o risco na angina instável com a ecocardiografia sob estresse com dobutamina

Brivaldo Markman Filho; Maria Celita Almeida; Manuel Markman; Andrea Chaves; Miguel A. Moretti; José A. F. Ramires; Luiz A. César

Serviço de Cardiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - Recife, PE

Correspondência Correspondência: Brivaldo Markman Filho Av. Visconde de Jequitinhonha, 2544/1902 Recife, PE E-mail: brimark@cardiol.br ou brivaldomarkman@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a importância da ecocardiografia sob estresse pela dobutamina (EED) na estratificação de risco de pacientes com angina instável (AI) de baixo a moderado risco, quanto à capacidade de predizer os eventos clínicos combinados (morte de causa cardiovascular, infarto agudo do miocárdio (IAM), AI recorrente, necessidade de revascularização miocárdica) no seguimento de 6 meses.

MÉTODOS: Estudo prospectivo, multicêntrico. Os pacientes incluídos estavam internados, assintomáticos havia 24 horas e a medicação em uso não era suspensa para a realização do exame. O EED era realizado preferencialmente até 72 horas da chegada ao hospital.

RESULTADOS: Foram avaliados 95 pacientes consecutivos. O EED foi positivo para isquemia em 40 pacientes (42,1%) e em 55 (57,9%), foi negativo. Eventos ocorreram em 28 pacientes, 26 dos quais tinham o EED positivo para isquemia miocárdica. Os outros 67 pacientes não tiveram eventos; desses, 53 tinham o EED negativo. A sensibilidade, especificidade, acurácia, valor preditivo positivo e negativo do teste frente aos desfechos foram: 92,9%, 79,1%, 83,2%, 65% e 96,4%, respectivamente. Sobrevida livre de eventos após 6 meses para os pacientes com EED negativo foi de 96%, comparada com 35% nos que tiveram o EED positivo (p<0,001). A análise univariada identificou classificação da AI, fração de ejeção do VE, índice de movimentação parietal do VE pré e pico, resultado do EED e antecedentes de IAM prévio como fatores prognósticos associados com os desfechos. Somente a variável resultado do EED permaneceu com uma associação significativa com o desfecho através da análise multivariada (p<0,01).

CONCLUSÃO: O EED apresentou excelente valor preditivo negativo, permitindo alta hospitalar precoce dos pacientes, sem necessidade de exames adicionais. O resultado do exame foi o único fator prognóstico independente para os eventos.

Palavras-chave: Angina instável, estratificação de risco, ecocardiografia sob estresse.

A angina instável (AI), juntamente com o infarto agudo do miocárdio (IAM) não Q, compõem, face às similaridades anátomo-patológicas e clínicas, o que se denomina síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis sem supradesnível do segmento ST. Processos fisiopatológicos múltiplos são implicados na sua gênese, com a ruptura da placa aterosclerótica coronariana associada à trombose não oclusiva do vaso, o mais comumente encontrado1. A AI abrange um grupo heterogêneo de pacientes, com prognósticos variados, de eventos clínicos adversos2, a curto e longo prazos. Portanto, a estratificação de risco nestes pacientes permitiria racionalizar a melhor estratégia terapêutica, diminuir o período de internação hospitalar e, conseqüentemente, poupar recursos financeiros3.

O ecocardiograma sob estresse pela dobutamina (EED) tem se firmado como um método complementar versátil e acurado no diagnóstico e acompanhamento da doença coronariana4. Tem sido utilizado na estratificação de risco de pacientes que se submetem à cirurgia não cardíaca5, após episódio de IAM6 e na investigação de dor torácica7. Seu valor na avaliação de pacientes portadores de AI é limitado8,9. Portanto, realizamos um estudo prospectivo, para testar a importância do EED na estratificação de risco de pacientes admitidos em ambiente hospitalar com o diagnóstico de AI de baixo a moderado risco de eventos adversos, com relação à capacidade de predizer os desfechos clínicos combinados (morte de causa cardiovascular, IAM não fatal, novo episódio de AI, necessidade de tratamento com revascularização miocárdica) no intervalo de tempo de 6 meses, a partir da data da realização do EED.

MÉTODOS

Tratou-se de um estudo prospectivo, envolvendo quatro hospitais da região metropolitana da cidade do Recife, dotados de serviço de cardiologia, a saber: Procárdio Diagnósticos e Urgências Cardiológicas LTDA., Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Hospital Agamenon Magalhães e Hospital Universitário Oswaldo Cruz. O estudo recebeu aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa clínica e todos os pacientes participantes entenderam e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Para inclusão, os pacientes tinham que ter as seguintes características: 1-estar livres de sintomas há 24 horas; 2- estar ainda no período de internação hospitalar, 3- preencher os critérios clínicos de risco intermediário e baixo de AI conforme a diretriz vigente10. Excluímos aqueles com as seguintes condições: com diagnóstico de AI de alto risco ou AI secundária10 e doenças graves limitantes, tais como neoplasias com metástases, insuficiência renal com creatinina > 2,5 mg/dl, diabetes melito descompensado e insuficiência hepática com ascite. O EED era realizado preferencialmente até 72 horas da chegada ao hospital e a medicação em uso não era suspensa antes da realização do exame.

O ecocardiógrafo utilizado foi o HDI 3000 – Philips Medical SystemsR. com módulo de ecocardiografia de estresse integrado - KodakR. A infusão da dobutamina fez-se de forma contínua, com incrementos da dose a intervalos regulares de três minutos, da seguinte maneira: 5, 10, 20, 30 e 40 µg/kg/min, sendo essa última considerada a dose pico ou então a dose imediatamente anterior, caso os objetivos para término do exame tivessem sido alcançados. Se a freqüência cardíaca (FC) sub-máxima [(220-idade do paciente) x 0,85] não fosse atingida, administração de atropina na dose de 0.25 mg/min, até uma dose máxima de 2 mg, era realizada11,12. Nesse momento e, a critério do examinador, os pacientes eram orientados a comprimir com uma das mãos uma bola de borracha (manobra de "handgrip"), com o objetivo de potencializar o efeito cronotrópico positivo da atropina. O início da administração da atropina podia ser feito precocemente, na dose de 20 µg/kg/min, se FC < 100 bpm13,14. A FC e a presssão arterial foram continuamente monitorizadas durante todo o procedimento. Com o intuito de analisar a contratilidade regional, utilizou-se um modelo de divisão em 16 segmentos do ventrículo esquerdo (VE), de acordo com as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia15. O EED foi considerado positivo para isquemia miocárdica com o surgimento de uma alteração da contratilidade segmentar do VE (hipocinesia, acinesia ou discinesia) ou com a piora de uma alteração contrátil pré-existente. Resposta bifásica caracterizada por uma melhora do padrão contrátil de um segmento do VE já alterado em repouso, em resposta a baixas doses de dobutamina, com posterior piora com doses mais elevadas, indicando respectivamente viabilidade com componente de isquemia, foi também considerada como teste positivo12. Atribuíram-se pontos de acordo com a resposta do segmento do VE durante o exame, variando de 1 para os segmentos normais até 4 para as regiões discinéticas. Hipocinesia e acinesia receberam 2 e 3 respectivamente. Calculou-se então o índice de movimentação parietal do VE (IMPVE) que se considerou como a soma dos pontos dos 16 segmentos do VE, dividida pelo número dos segmentos analisados16,17. Uma contratilidade uniforme de todos os segmentos do VE implicou em um IMPVE igual a um. Valores superiores foram considerados anormais.

O período de acompanhamento dos pacientes foi de pelo menos seis meses, visto que as complicações mais importantes ocorrem dentro deste período de evolução após a alta hospitalar18,19. O seguimento se deu através de consulta aos prontuários, entrevista telefônica ou avaliação médica dos pacientes pelos investigadores ou mesmo entrevista com o médico assistente do mesmo.

Análise estatística - A análise dos dados constou de duas etapas com procedimentos estatísticos distintos. Na primeira etapa, realizou-se um estudo descritivo e comparativo das variáveis, através de distribuições de freqüências (absolutas e relativas) e medidas descritivas tais como média e desvio-padrão. A comparação das médias das variáveis contínuas de interesse, em pacientes com eventos e sem eventos, foi realizada através do teste t de Student para amostras independentes. Os testes foram considerados significantes para valores de p < 0,05. A sobrevida livre de eventos foi descrita através do método de Kaplan – Meier, com as diferenças entre os grupos comparadas pelo teste log-rank. Após, foi realizada uma análise de regressão logística para identificar e quantificar a associação daqueles fatores considerados como potencialmente preditivos para um dos desfechos. A seguir, após análise univariada, selecionamos aquelas variáveis passíveis de compor um modelo logístico multivariado. O critério de escolha baseou-se no valor de p e, seguindo a recomendação de Hosmer e Lemeshow20, foram escolhidas aquelas variáveis para as quais o correspondente valor de p, obtido na análise univariada, foi < 0,25.

RESULTADOS

No período compreendido entre Janeiro de 2000 a Junho de 2002, 95 pacientes consecutivos que preencheram os critérios de inclusão e exclusão, foram avaliados através do EED. Os exames foram realizados em um único centro (Procárdio) por dois ecocardiografistas com experiência no método. As características clínicas dos pacientes encontram-se na tabela 1.

Dos 95 pacientes estudados, 62 (65,3%) eram portadores de AI de moderado risco e 33 pacientes (34,7%) eram de baixo risco. Em relação ao intervalo de tempo decorrido entre a internação hospitalar e a realização do EED, 70 pacientes (73,7%) realizaram o exame nas primeiras 72 horas. A dose média de dobutamina utilizada foi de 29,5±6,4 µg/kg/min. Atropina foi administrada em associação à dobutamina em 84% dos pacientes, com dose média de 0,61±0,30 mg. O EED foi positivo para isquemia miocárdica em 40 pacientes (42,1%) e em 55 pacientes (57,9%), foi negativo. Ao longo do período de observação, apresentaram eventos 28 pacientes; destes, 26 pacientes tinham EED positivo para isquemia miocárdica. Os outros 67 pacientes não tiveram eventos e destes, 53 tinham o EED negativo. Desse modo, a sensibilidade, especificidade, acurácia, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo do teste frente aos desfechos clínicos foram: 92,9%, 79,1%, 83,2%, 65% e 96,4%, respectivamente. Apenas 2 pacientes dos 55 que apresentaram EED negativo apresentaram um dos eventos clínicos ao final dos 6 meses de observação, correspondendo à angioplastia coronária com implante de stents, em ambos. O restante dos eventos, em 26 pacientes, ocorreu no grupo do EED compatível com isquemia miocárdica, correspondendo a 11 cirurgias de revascularização miocárdica, 9 angioplastias coronárias e 6 internações hospitalares por AI recorrente. Portanto, a sobrevida livre de eventos dos pacientes com EED negativo foi de 96%, comparada com 35% para os pacientes com EED positivo (log-rank 45,3; p < 0,001), conforme disposto na figura 1.


A tabela 2 mostra a associação entre possíveis variáveis clínicas e eletrocardiográficas e eventos, enquanto a tabela 3 mostra a associação das variáveis do EED e eventos, ambas através da análise univariada.

Verificou-se que a classificação de AI, a fração de ejeção do VE (FEVE), o IMPVE pré e pico, o resultado do EED e os antecedentes de IAM prévio apresentaram associação estatisticamente significante com os eventos, com p<0,05.

Em seguida, foi realizada a análise multivariada e, então, apenas a variável resultado do EED permaneceu com uma associação estatisticamente significante com os eventos (p< 0,01; OR 49,2; IC-95% para o OR: 10,4 a 232,8).

Em relação ao perfil de segurança do EED, os efeitos colaterais observados nos 95 pacientes estudados encontram-se dispostos na tabela 4.

O episódio de fibrilação atrial (FA) paroxística ocorreu na fase de recuperação e se reverteu após a infusão do metoprolol por via endovenosa. Quanto à HAS, foram 2 episódios de hipertensão sistólica – 250mmHg e 240mmHg respectivamente e 1 episódio de hipertensão diastólica – 130mmHg. Ocorreram no último estágio do exame, no pico de infusão da dobutamina e os pacientes não apresentaram sintomas. Após a administração do metoprolol, os níveis tensionais retornaram aos valores basais. Hipotensão arterial foi observada em 1 paciente, ao final do protocolo de infusão, revertida com a administração endovenosa de solução fisiológica a 0,9%. Dor precordial leve, sem o surgimento de déficit contrátil segmentar do VE associado, não era condição para o término do protocolo de infusão. Não houve nenhum episódio de taquicardia ventricular, IAM, fibrilação ventricular ou morte nos pacientes estudados, durante ou imediatamente após o exame.

DISCUSSÃO

O conceito de estratificação de risco não invasiva, para pacientes estabilizados clinicamente durante episódio de AI, aplica-se aos que apresentam baixo a moderado risco de eventos adversos a curto e médio prazo, segundo as diretrizes vigentes10,21,22. No nosso estudo, a maior parte dos pacientes, aproximadamente 2/3 da amostra, era composta pelos que tinham moderado risco para desenvolvimento de eventos isquêmicos, exatamente o grupo no qual se evidencia maior divergência em relação ao manuseio, através de uma conduta invasiva precoce ou não. Pacientes de baixo risco compunham aproximadamente 1/3 da amostra e, comparados os desfechos, a AI de baixo risco, como esperado, teve um efeito protetor no que se refere aos eventos isquêmicos, visto que 85% dos pacientes desta classe não apresentaram eventos.

Entre as variáveis clínicas de interesse, a história de IAM prévio tem sido demonstrada como sendo um fator preditivo de risco independente para eventos cardíacos, bem como tem sido um fator prognóstico de eventos adversos na análise univariada, por exemplo, em estudo que utilizou a EED para estratificar o risco na angina instável8. Em nosso estudo, ter antecedente de IAM prévio foi um fator preditivo de risco estatisticamente significante, pela análise univariada, mas não alcançou significância estatística à análise multivariada, neste caso, provavelmente pela casuística não tão grande.

Considerando agora a função sistólica do VE, esta é um fator determinante do prognóstico de pacientes portadores de cardiopatia, no momento de isquemia aguda e também cronicamente23,24. A FEVE é uma das medidas mais comumente utilizadas na prática clínica visando à quantificação desta função, sendo de extrema valia para a estratificação de risco após o evento agudo. Apenas sete pacientes (7,4%), na nossa amostra, apresentavam FEVE<0,50, com cinco desses apresentando eventos. Houve associação estatisticamente significante entre a FEVE e os eventos, embora a magnitude ou força desta associação fosse prejudicada pelo pequeno número de pacientes com FE diminuída.

Uma análise semiquantitativa da contratilidade foi feita partindo da divisão do VE em 16 segmentos, como recomenda a Sociedade Americana de Ecocardiografia15, através do cálculo do IMPVE. Quanto maior o índice, pior a contratilidade miocárdica e um índice superior a 1,6 parece estar relacionado a um pior prognóstico25. Durante a realização do EED, o IMPVE está intimamente relacionado ao desenvolvimento de isquemia miocárdica, refletida pela alteração da contratilidade segmentar do VE. Diversos ensaios clínicos têm demonstrado a importância do IMPVE como fator preditivo independente para o desenvolvimento de eventos cardíacos adversos26-28. Nosso estudo evidenciou forte associação do IMPVE pré e no pico do estresse com eventos. Através da análise univariada, verificamos que IMPVE igual a um foi um forte fator de proteção contra o acontecimento de eventos, tanto no pré quanto no pico de infusão da dobutamina.

Estudos europeus investigando com EED pacientes com diagnóstico de AI de baixo a moderado risco foram recentemente publicados8,9. Tais estudos ressaltaram a importância do resultado positivo para isquemia miocárdica como fator preditivo independente de eventos ao longo do período de observação (18 meses em média). Os nossos resultados estão em consonância com a literatura, ressaltando a boa capacidade da ecocardiografia de estresse para estratificar o risco nestes pacientes com AI8,9,29-31. O valor preditivo negativo alcançado (96,4%) nesta casuística confirma o excelente prognóstico dos pacientes que apresentam um EED negativo, classificando-os como um grupo de muito baixo risco para eventos e que não necessitariam de investigação diagnóstica suplementar, bem como poderiam ser candidatos à alta hospitalar precoce32. A análise multivariada demonstrou que o EED positivo para isquemia miocárdica, dentre os fatores potencialmente preditivos de resultados adversos, foi o único a alcançar significância estatística.

Alguns estudos têm avaliado a segurança do EED em pacientes sabidamente portadores de coronariopatia crônica ou em fase de investigação33,34. Mesmo quando utilizado em um grupo de pacientes com um maior potencial para complicações durante e após a sua realização, o EED apresentou um perfil de segurança bastante aceitável, sem registro de intercorrências mais graves9. Na nossa casuística, corroborando o estudo anteriormente citado, não aconteceram eventos graves como morte, IAM ou arritmias malignas (fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sustentada).

Embora a disponibilização do resultado do EED para uma parte dos médicos assistentes possa ter introduzido algum viés na decisão de encaminhar os pacientes para a realização de cinecoronariografia, cumpre salientar que a realização do estudo cinecoronariográfico não fazia parte dos eventos clínicos relacionados neste estudo. Com certeza, a realização da cinecoronariografia permitiu identificar graves lesões coronarianas, levando à indicação de procedimentos de revascularização. Além do mais, a quase impossibilidade de realização de outro método complementar com acurácia semelhante, ou seja, a cintilografia miocárdica, em tempo hábil para comparação com o EED, de modo que o resultado deste não fosse acessado pelos clínicos, principalmente nos hospitais públicos participantes desse estudo, inviabilizaria o processo de estratificação não invasiva neste grupo de pacientes.

Os autores agradecem a valiosa ajuda do Prof. José Natal Figueiroa, na análise dos dados estatísticos deste estudo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 11/03/05

Aceito em 11/11/05

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  • Correspondência:

    Brivaldo Markman Filho
    Av. Visconde de Jequitinhonha, 2544/1902
    Recife, PE
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Nov 2005
    • Recebido
      11 Mar 2005
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