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O papel da translucência nucal no rastreamento de cardiopatias congênitas

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a acurácia da medida da translucência nucal (TN) entre onze e treze semanas e seis dias como marcador ultra-sonográfico para rastreamento de cardiopatias congênitas (CC). MÉTODOS: Estudo multicêntrico retrospectivo, no qual foram analisadas gestações únicas de fetos euplóides. A medida da TN foi realizada no exame de primeiro trimestre quando os fetos tinham entre 45 e 84 mm de comprimento cabeça-nádega (CCN), segundo os critérios estabelecidos pela Fetal Medicine Foundation. Os casos foram seguidos até um mês após o parto para avaliar a presença de CC. RESULTADOS: Foram analisadas 3.664 gestações, das quais vinte recém-nascidos apresentaram alguma cardiopatia congênita até o primeiro mês de vida (prevalência de 0,55%). A mediana da TN nos fetos com CC foi de 1,70 mm e nos fetos sem CC foi de 1,60 mm; entretanto, não houve diferença significativa entre as duas medianas (Teste de Mann-Whitney, p>0,05). A sensibilidade da TN na detecção de CC variou de 15% a 20%, com probabilidade de falso-positivos de 86,4% a 97,9%, dependendo do ponto de corte utilizado. A razão de chance para CC foi alta, quando comparada com as indicações clássicas de ecocardiografia fetal, variando de 4,7 a 33,7, de acordo com o ponto de corte utilizado. CONCLUSÃO: Apesar da baixa sensibilidade do teste, a TN aumentada é um importante fator de risco para CC, devendo ser incluída na estratégia do seu rastreamento pré-natal.

Translucência nucal; cardiopatia congênita; rastreamento; ultra-som


OBJECTIVE: Assess the accuracy of the nuchal translucency (NT) measurement between 11 and 13 weeks and 6 days of gestation as a sonographic marker to screen for congenital heart defects (CHD). METHODS: Multicentric retrospective study, analyzing single pregnancies from euploid fetuses. NT measurement was performed in the first trimester, when fetuses had from 45 to 84 mm of crown-rump length (CRL), according to the criteria established by the Fetal Medicine Foundation. Cases were followed until 1 month after delivery to verify the presence of CHD. RESULTS: 3,664 pregnancies were analyzed and 20 newborns had CHD diagnosed until the first month of life (prevalence of 0.55%). The median NT of the fetuses with CHD was 1.70 mm and 1.60 mm for fetuses without CHD, however no significant difference was found (Mann-Whitney test, p > 0.05). The sensitivity of NT in detection of CHD varied from 15% to 20%, with a range of false positive probability from 86.4% to 97.9%, depending on the cut-off point used. However, the odds ratio was high, compared to the classic indications of echocardiography, ranging from 4.7 to 33.7 according to the cutt-off point. CONCLUSION: In spite of the low sensitivity of the test, enlarged NT is an important risk factor for CHD and should be used in prenatal screening for CHD.

Nuchal translucency; congenital heart defect; ulrasound


ARTIGOS ORIGINAIS

O papel da translucência nucal no rastreamento de cardiopatias congênitas

Rafael Frederico Bruns; Antonio Fernandes Moron; Carlos Geraldo Viana Murta; Luís Flávio de Andrade Gonçalves; Marina Maccagnano Zamith

Universidade Federal de São Paulo, Clínica Materno-Fetal e Vitória Medifetus - São Paulo, SP – Blumenau, SC

Correspondência Correspondência: Rafael Frederico Bruns Rua Dr. Armando Odebrecht, 70 – S/504 89020-400 – Blumenau, SC E-mail: rafa@bruns.med.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a acurácia da medida da translucência nucal (TN) entre onze e treze semanas e seis dias como marcador ultra-sonográfico para rastreamento de cardiopatias congênitas (CC).

MÉTODOS: Estudo multicêntrico retrospectivo, no qual foram analisadas gestações únicas de fetos euplóides. A medida da TN foi realizada no exame de primeiro trimestre quando os fetos tinham entre 45 e 84 mm de comprimento cabeça-nádega (CCN), segundo os critérios estabelecidos pela Fetal Medicine Foundation. Os casos foram seguidos até um mês após o parto para avaliar a presença de CC.

RESULTADOS: Foram analisadas 3.664 gestações, das quais vinte recém-nascidos apresentaram alguma cardiopatia congênita até o primeiro mês de vida (prevalência de 0,55%). A mediana da TN nos fetos com CC foi de 1,70 mm e nos fetos sem CC foi de 1,60 mm; entretanto, não houve diferença significativa entre as duas medianas (Teste de Mann-Whitney, p>0,05). A sensibilidade da TN na detecção de CC variou de 15% a 20%, com probabilidade de falso-positivos de 86,4% a 97,9%, dependendo do ponto de corte utilizado. A razão de chance para CC foi alta, quando comparada com as indicações clássicas de ecocardiografia fetal, variando de 4,7 a 33,7, de acordo com o ponto de corte utilizado.

CONCLUSÃO: Apesar da baixa sensibilidade do teste, a TN aumentada é um importante fator de risco para CC, devendo ser incluída na estratégia do seu rastreamento pré-natal.

Palavras-chave: Translucência nucal, cardiopatia congênita, rastreamento, ultra-som.

As cardiopatias congênitas (CC) constituem uma importante parcela de todas as malformações congênitas maiores, que estão presentes em 2% a 3% dos recém-nascidos (RN)1. Estima-se que a prevalência de CC na população geral seja de cerca de oito casos para cada mil nascidos vivos2. Quando se estudam casos de óbitos fetais, a incidência de CC varia de 0,5% a 39,5%, de acordo com a idade gestacional em que ocorreu a perda fetal. Os óbitos mais precoces são associados principalmente à presença de CC complexas3. Média de 35% dos óbitos infantis são relacionados com CC4; portanto, as CC constituem um tema importante dentro da mortalidade neonatal e infantil.

Partindo do princípio de que, quanto mais precoce o diagnóstico da CC é realizado, melhor o seu prognóstico5, alguns autores têm estudado o impacto da utilização da ecocardiografia fetal na redução da morbidade e mortalidade neonatal. Resultados animadores são observados, em especial, nas seguintes CC: (1) síndrome hipoplásica do coração esquerdo6,7; (2) transposição das grandes artérias8; e (3) coarctação da aorta9.

Infelizmente, a detecção de CC no período pré-natal é baixa, pois o ultra-sonografista que realiza o exame obstétrico não é preparado para avaliar corretamente a anatomia cardíaca. Estudos populacionais com a realização de exames de rotina demonstram taxas de detecção desapontadoras, variando de 6% a 35%10. Além disso, a solicitação do exame de ecocardiografia fetal especializada baseado em fatores de risco não é capaz de detectar a maioria das CC11.

A translucência nucal (TN) é o espaço hipoecogênico entre a pele e o tecido subcutâneo que recobre a coluna cervical do feto. Desde o início dos anos 1990, diversos estudos com pequenas casuísticas e com populações de alto risco demonstraram associação do aumento da espessura da TN, entre onze semanas e treze semanas e seis dias, e a presença de anomalias cromossômicas12. Os mecanismos fisiopatológicos que explicam esse marcador ultra-sonográfico transitório ainda não estão bem estabelecidos13. Alguns eventos que ocorrem nessa época da gestação poderiam, eventualmente, esclarecer o acúmulo transitório de líquido na região da nuca do feto, que é atribuído a alterações da drenagem linfática fetal e/ou, particularmente, a distúrbio hemodinâmico do feto em razão da insuficiência cardíaca fetal14-16.

Encontrar um marcador, como a TN, capaz de rastrear na população de baixo risco quais pacientes deveriam ser avaliadas por ecocardiografia fetal seria de grande valia. Tendo em vista a utilização da TN aumentada como indicação para ecocardiografia fetal, o objetivo de nosso estudo foi avaliar a acurácia da TN para rastreamento de CC.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo do tipo validação de teste diagnóstico. O estudo foi multicêntrico, incluindo dois centros: o primeiro em Florianópolis (SC) e o segundo em Vitória (ES). As gestantes incluídas no estudo realizaram exame ultra-sonográfico nesses centros para a medida da TN entre onze semanas e treze semanas e seis dias de idade gestacional, estimada pelo comprimento cabeça-nádega (de 45 a 84 mm). Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados: (1) gestações únicas; (2) cariótipo fetal normal e/ou fenótipo normal.

A avaliação cardíaca fetal foi realizada por meio de exame clínico neonatal ou, quando necessário, com ecocardiografia fetal e/ou neonatal. Todos os casos foram seguidos até, pelo menos, um mês após o parto. A aquisição dos dados relevantes foi realizada no banco de dados mantido pelas instituições participantes ou mediante contato com o médico responsável.

Os aparelhos utilizados nos exames foram: Acuson® XP10, Acuson® Aspen™, Medison® SONOACE™ 9900, Toshiba® SSH-140A e Voluson 730 da GE®. Os exames foram realizados pelos médicos do corpo clínico de cada centro, utilizando a técnica preconizada pela Fetal Medicine Foundation (FMF): (1) a imagem deve ser um corte sagital do feto com magnificação suficiente para o pólo cefálico ocupar 75% da imagem; (2) a cabeça fetal deve estar em posição neutra em relação ao corpo; (3) deve-se ter cuidado para distinguir entre a pele fetal e a membrana amniótica; (4) mede-se a espessura máxima do espaço anecóico.

Após a coleta de dados realizou-se uma análise descritiva univariada das variáveis de interesse. Por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov, foi verificado se a distribuição dos valores de TN era normal.

Nas variáveis com distribuição normal, foi utilizada a média para representar a medida de tendência central da amostra. Nos mesmos casos, para medir a dispersão da amostra foi calculado o desvio padrão, e para verificar a ocorrência de significância estatística utilizou-se o teste paramétrico t de Student.

Nas variáveis com distribuição diferente da normal, optou-se por realizar um teste não paramétrico para avaliar a significância estatística, sendo o teste de Mann-Whitney utilizado nesses casos. Uma vez que nas distribuições não-normais a média sofre grande influência dos valores extremos da distribuição (também conhecidos por outliers), optou-se pela mediana para representar a medida central da amostra, e a dispersão foi representada na forma de percentis. Foram considerados significativos valores de p<0,05.

Em seguida, a base de dados foi dividida em dois grupos, sendo o primeiro grupo denominado sem CC e o segundo com CC. Utilizando o grupo sem CC, foram determinados os percentis 1, 5, 10, 25, 50, 75, 90, 95 e 99 do valor absoluto da TN, em milímetros, para toda a amostra de casos normais. Esses percentis também foram determinados em valores relativos, expressos na forma de múltiplos da mediana, levando-se em conta que o valor da mediana da TN varia de acordo com o CCN. Posteriormente, foram feitos os cálculos de sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivo e negativo e probabilidade de falso-positivos e negativos.

O presente estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo em 2 de junho de 2004, processo número 0665/04.

RESULTADOS

A amostra final do estudo compreendeu 3.664 exames. O número de exames realizados em cada centro foi relativamente semelhante, e sendo 56% (2.061) dos exames realizados em Vitória, e 44% (1.603), em Florianópolis.

A idade das pacientes variou de quatorze a 53 anos, com uma média de 32 anos. A média da idade foi maior no grupo de pacientes de Florianópolis do que em Vitória, sendo de 34,5 anos e 30,2 anos, respectivamente (tab. 1).

Foram diagnosticados vinte casos de cardiopatia congênita na amostra estudada. Desses, quinze foram diagnosticados no centro de Florianópolis e cinco no centro de Vitória, representando uma prevalência de 0,94% e 0,24%, respectivamente. Os casos de cardiopatia diagnosticados estão descritos na tabela 2.

Ainda no centro de Florianópolis, durante o exame obstétrico morfológico foram observados: um caso de bradicardia sinusal, dois casos de taquicardia supraventricular e três casos de contrações atriais prematuras. Esses casos não foram incluídos como CC por se tratar primariamente de distúrbios do ritmo cardíaco.

Foi observado um aumento progressivo da prevalência de CC segundo os valores de TN obtidos no exame, conforme exposto na tabela 3.

A distribuição dos valores de TN nos casos sem CC não foi normal, conforme identificado pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, no qual o valor calculado de p foi menor que 0,05. Para demonstrar que a distribuição dos valores de TN não obedeceu a uma curva normal, plotamos o gráfico quantil-quantil normal dos valores de TN (fig. 1).


A mediana da TN foi de 1,70 mm para os casos em que havia CC, e de 1,60 para o grupo no qual não foi detectado CC; entretanto, essa diferença não se mostrou estatisticamente significante, conforme a tabela 4.

Entre os casos sem CC, os valores dos percentis encontrados para a TN foram os seguintes (tab. 5):

Foram utilizados diferentes pontos de corte para avaliar a acurácia da TN no rastreamento de CC. Esses valores podem ser observados na tabela 6.

A figura 2 mostra o gráfico da distribuição dos casos normais e anormais em relação ao CCN e à medida da TN, assinalando os diversos pontos de corte estudados.


Determinou-se ainda a razão de chance da presença de CC, conforme espessura da TN (tab. 7).

Para ilustrar a eficácia do método, calculou-se o número de rastreamentos necessários (NRN). O NRN é um método estatístico novo que vem ganhando atenção como forma de relatar resultados de testes dicotômicos17. O NRN é definido como o número de pacientes que deveriam ser rastreados, em média, para se alcançar algum benefício (no caso, seria o número de pacientes que realizariam ecocardiografia para diagnosticar uma CC) (tab. 8).

DISCUSSÃO

Recentemente, muito se tem discutido sobre a importância do diagnóstico pré-natal das malformações congênitas. Com a melhora da qualidade dos aparelhos de ultra-sonografia nas duas últimas décadas e com o treinamento de profissionais habilitados a realizarem a análise morfológica fetal, a sensibilidade do exame tem alcançado valores próximos a 83%18. O diagnóstico pré-natal das doenças fetais permite que ações que visem ao bem-estar materno-fetal sejam tomadas, melhorando em muito o prognóstico do recém-nascido.

Apesar do avanço na detecção de malformações fetais, contudo, a detecção das CC ainda deixa a desejar. A dificuldade na aquisição de imagens com o órgão em movimento e o grande conhecimento anatômico necessário são apontados como os principais fatores que dificultam o diagnóstico das CC19. Portanto, a análise do coração fetal depende muito da experiência do examinador, e a sensibilidade do exame ultra-sonográfico, para a detecção de CC, pode variar de 40% a 90%, mesmo quando realizado por especialistas em ecocardiografia20.

A TN está consagrada como um marcador para avaliação de risco para doenças cromossômicas. Apesar de ainda não conhecermos por completo a fisiopatologia do aumento da TN nos casos de fetos com doenças cromossômicas, a sua correlação está bem estabelecida. Diversos mecanismos fisiopatológicos têm sido implicados no aumento da TN, incluindo a insuficiência cardíaca.

A insuficiência cardíaca em adultos sabidamente produz um edema de membros inferiores, em particular por ação da gravidade, e esse edema é mais pronunciado ao fim do dia. O aumento da TN foi associado com o aumento da expressão gênica de marcadores de insuficiência cardíaca21. Entretanto, não é explicado como a insuficiência cardíaca no feto seria capaz de produzir um edema restrito à região nucal.

A medida da TN é uma metodologia simples de ser aprendida e facilmente reprodutível. Demonstrar que existe correlação entre o aumento da TN e CC seria extremamente interessante do ponto de vista epidemiológico para o rastreamento de CC, e essa foi a motivação principal para a realização deste estudo.

Em nossa amostra, a utilização da TN como método de rastreamento de CC mostrou ter uma baixa sensibilidade, (sensibilidade de 20% quando usamos o 95º percentil como ponto de corte). Entretanto, a especificidade do método mostrou-se elevada, (para o ponto de corte de 4,0 mm a especificidade foi de 99,4%, e o valor preditivo negativo ficou sempre acima de 99%, nos diferentes pontos de corte). Não foi possível determinar a associação de nenhuma forma de CC (isolada ou grupo que produzisse alteração hemodinâmica semelhante) com o aumento da TN.

A especificidade e o valor preditivo negativo extremamente altos qualificam o teste como importante quanto a tranqüilizar o casal, pois diante de uma TN normal a chance de cardiopatia seria muito pequena, menor que 1%.

As CC, por sua vez, são raras na população de baixo risco, com uma incidência menor que 1%. Realizar um teste de rastreamento e concluir que o risco após o teste (risco a posteriori) é igual ao risco antes do teste (risco a priori) não demonstra nenhuma vantagem na sua utilização.

Dessa forma, possivelmente o teste teria uma importância maior nos grupos de alto risco para CC, como mães que já tiveram um filho com CC, cujo risco de recorrência é de 2%-3% nas gestações subseqüentes22, ou para mães portadoras de CC, cujo risco de recorrência pode ser de 5%-10%23. Em casos em que a CC faz parte de uma síndrome genética, o risco de recorrência é o mesmo atribuído ao risco de recorrência da doença genética. Nesses grupos, um risco a posteriori de menos de 1% seria extremamente tranqüilizador; entretanto, não excluiria a necessidade de avaliação detalhada mediante a ecocardiografia fetal.

A sensibilidade de 20% encontrada em nossa amostra, apesar de não tão animadora quanto os melhores resultados já publicados, está condizente com os valores disponíveis na literatura, que variam de 11,1% a 56%. Em metanálise publicada por Makrydimas e cols.24, a sensibilidade estimada da TN no rastreamento de CC foi de 37%. Essa grande variação da sensibilidade em diferentes estudos deve-se principalmente aos seguintes fatores:

(1) O ponto de corte para separar o grupo de TN normal e alterada é muito variável, podendo ser de 2,5 mm, 3,5 mm, 4,0 mm, 95º percentil e 99º percentil, dependendo do estudo.

(2) A definição de CC não está muito clara na maioria dos estudos. Enquanto alguns autores são extremamente seletivos e incluem como CC apenas aquelas mais graves e que necessitam intervenção cirúrgica nos primeiros meses de vida, outros autores consideram até mesmo a persistência do canal arterial (muito comum em prematuros) como uma CC.

(3) Após a publicação dos resultados obtidos por Hyett e cols.25, demonstrando uma sensibilidade de 56% em um estudo com cerca de 30 mil exames, autores com resultados menos encorajadores possivelmente não publicaram seus trabalhos por acreditarem que seus resultados estivessem errados. Isso é chamado de "viés de publicação"26.

(4) Os primeiros estudos publicados geralmente sofrem falhas de planejamento estatístico e o cuidado em revisar os dados obtidos é pequeno, pois existe um interesse e uma pressão muito grandes em publicar. Por isso, os primeiros estudos publicados, sobre qualquer assunto, devem ser vistos com olhos muito críticos26.

O valor da TN isolado não deve ser utilizado como único método para selecionar os casos que deverão ser submetidos para exame de ecocardiografia detalhado. A probabilidade de falso-positivos variou de 86,4% a 97,9%, dependendo do ponto de corte utilizado. O valor que produziu o menor número de falso-positivos foi o corte de 4,0 mm. Quando se utiliza esse ponto de corte para indicar a ecocardiografia, de cada oito exames realizados tem-se um alterado; entretanto, 85% das CC não serão rastreadas.

Comparando-se o aumento da TN e a presença de CC com as indicações clássicas de ecocardiografia fetal, pode-se observar que a TN aumentada é responsável por um acréscimo significante na razão de chance para CC. A razão de chance é uma forma alternativa de descrever o desempenho de um teste diagnóstico. Ela sumariza o mesmo tipo de informação fornecida pela sensibilidade e a especificidade e pode ser usada para calcular a chance de doença após um teste positivo (tab. 9).

Dessa forma, se a exposição materna a teratógenos e a história de um filho anterior com cardiopatia congênita são indicações para ecocardiografia fetal (razão de chance para CC de 0,9 e 12,4, respectivamente), também a TN aumentada deve ser indicação de ecocardiografia fetal (razão de chance de 4,7 e 25 "para o 95º e 99º percentil, respectivamente")27,28.

Um teste de rastreamento deve ser aplicado a uma população aparentemente normal com o intuito de identificar indivíduos com alta probabilidade de terem uma determinada doença. Um teste de rastreamento positivo acaba por originar, na maior parte dos casos, um teste de diagnóstico. Um bom teste de rastreamento, portanto, deve ter alta sensibilidade e boa especificidade, para reduzir o número de falso-positivos que necessitem posterior investigação. Para que um teste de rastreamento tenha significado clínico, torna-se necessário que, uma vez detectada a doença, existam possibilidades terapêuticas que alterem o desfecho do caso, reduzindo a mortalidade e a morbidade.

O treinamento de ultra-sonografistas para realizar um rastreamento mínimo, avaliando o corte em quatro câmaras e as vias de saída, tem se mostrado uma metodologia eficiente. Em um estudo realizado por Carvalho e cols.29 foi avaliada a eficácia de se adicionar a visualização das vias de saída ao corte de quatro câmaras no ultra-som de rotina, realizado por obstetras. O índice de detecção de CC neste estudo foi de 75%. Os autores atribuíram o sucesso da taxa de rastreamento do programa a uma infra-estrutura dedicada à educação continuada da equipe de ultra-sonografistas por ecocardiografistas fetais.

Outra tecnologia promissora que promete auxiliar na avaliação cardíaca fetal é o STIC (Spatio-temporal image correlation/correlação espaço-temporal de imagem). O STIC armazena blocos tridimensionais do coração fetal, reduzindo a necessidade de experiência do examinador para avaliar a anatomia cardíaca30. Os blocos armazenados não se reduzem a imagens bidimensionais da região de interesse, mas a toda a informação da anatomia adjacente. Como conseqüência, o examinador pode armazenar um bloco para estudo posterior, obtendo planos de corte diferentes. Os blocos podem ainda ser enviados para outros examinadores com maior experiência em ecocardiografia fetal.

Um estudo realizado por Gonçalves e cols.31 verificou a capacidade de se obter o plano de quatro câmaras e a visualização das vias de saída a partir de blocos de STIC previamente adquiridos. Foram obtidos vinte blocos por um investigador; posteriormente, dois investigadores com noções de ecocardiografia fetal foram treinados para manipular os blocos e obter os planos necessários para avaliar a anatomia cardíaca. As imagens obtidas foram classificadas de acordo com sua qualidade. Os escores médios variaram entre aceitável e bom para todos os planos examinados, e não houve diferença significativa entre os examinadores. Portanto, após maiores estudos e com o barateamento dessa tecnologia, o STIC poderá auxiliar a implementar um método de rastreamento mais eficaz e com maior velocidade.

Ressaltamos a importância da detecção pré-natal das CC, dessa forma trazendo comprovado benefício para o recém-nascido. Uma vez que a TN isolada não parece ser um bom método para o rastreamento de CC, sugerimos a implantação de outros métodos, como o treinamento dos ultra-sonografistas na obtenção e análise do corte de quatro câmaras cardíacas e vias de saída. Futuramente, tecnologias como o STIC poderão ser empregadas para melhorar o rastreamento de CC.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, entidade governamental brasileira promotora do desenvolvimento científico e tecnológico, que apoiou financeiramente a realização deste estudo mediante concessão de bolsa de mestrado, Processo n.130495/2003-4.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 08/03/05

Aceito em 12/01/06

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  • Correspondência:

    Rafael Frederico Bruns
    Rua Dr. Armando Odebrecht, 70 – S/504
    89020-400 – Blumenau, SC
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      12 Jan 2006
    • Recebido
      08 Mar 2005
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