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Indicação de cintilografia de perfusão do miocárdio para a detecção de doença arterial coronariana, baseada em evidências ergométricas e clínico-epidemiológicas

Resumos

OBJETIVO: Avaliar quando se devem realizar exames de cintilografia de perfusão do miocárdio (CPM), baseando-se em informações objetivas obtidas do teste ergométrico e da análise dos fatores clínico-epidemiológicos para doença arterial coronária (DAC). MÉTODOS: Foram submetidos a CPM 2.100 pacientes que foram classificados segundo o resultado da cintilografia, do escore de Duke e de escore clínico-epidemiológico, baseado em Framingham. Os pacientes com cintilografia positiva foram acompanhados a fim de definir se os resultados eram verdadeiros positivos. Foram utilizadas receiver operating characteristic (ROC) curvas para definir a eficiência e os melhores pontos de corte dos escores de Duke e clínico-epidemiológico, na seleção dos pacientes que deveriam ser submetidos a cintilografia. RESULTADOS: Observou-se que, restringindo a solicitação da cintilografia a pacientes com escore de Duke abaixo de 7,5 e/ou escore clínico-epidemiológico acima de 4, deixaríamos de realizar cerca de 50% dos exames com riscos mínimos de perda de diagnóstico. CONCLUSÃO: A utilização do escore de Duke e de escore clínico-epidemiológico para orientar a solicitação da CPM pode diminuir expressivamente o número de exames desnecessários.

Doença arterial coronária; cintilografia; perfusão; ergometria; epidemiologia; escore Duke


OBJECTIVE: To establish when the myocardial perfusion scintigraphy (MPS) should be performed based on well-defined information obtained from treadmill test results and clinical-epidemiological parameters for coronary artery disease (CAD). METHODS: 2,100 patients who underwent MPS were classified according to the results of scintigraphy, the Duke score and a clinical-epidemiological score based on Framingham study. The patients with positive results on MPS were followed to define whether the results were true positives. Receiver operating characteristic (ROC) curves were used to establish the efficiency and the best Duke and clinical-epidemiological scores to define patients that should be submitted to scintigraphy. RESULTS: It was observed that the MPS use restriction in patients with Duke score below 7.5 and/or clinical-epidemiological score above 4 could decrease the utilization of this method by 50% without exposing the patients to a significant misdiagnosis risk. CONCLUSION: The utilization of the Duke score and a clinical-epidemiological score to classify the patients expressively decreased the number of unnecessarily requested scintigraphies.

Coronary artery disease; perfusion scintigraphy; treadmill; epidemiology; Duke score


ARTIGO ORIGINAL

Indicação de cintilografia de perfusão do miocárdio para a detecção de doença arterial coronariana, baseada em evidências ergométricas e clínico-epidemiológicas

Paulo Schiavom Duarte; Luiz Eduardo Mastrocolla; Célia Regina E. P. S. Sampaio; João Manoel Rossi; Paola Emanuela Smanio; Luiz Roberto Fernandes Martins; Júlio César Rodrigues Pereira

Fleury - Centro de Medicina Diagnóstica e Faculdade de Saúde Pública - USP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Paulo Schiavom Duarte Av. Angélica, 2389/111B 01227-200 – São Paulo, SP E-mail: paulo.duarte@fleury.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar quando se devem realizar exames de cintilografia de perfusão do miocárdio (CPM), baseando-se em informações objetivas obtidas do teste ergométrico e da análise dos fatores clínico-epidemiológicos para doença arterial coronária (DAC).

MÉTODOS: Foram submetidos a CPM 2.100 pacientes que foram classificados segundo o resultado da cintilografia, do escore de Duke e de escore clínico-epidemiológico, baseado em Framingham. Os pacientes com cintilografia positiva foram acompanhados a fim de definir se os resultados eram verdadeiros positivos. Foram utilizadas receiver operating characteristic (ROC) curvas para definir a eficiência e os melhores pontos de corte dos escores de Duke e clínico-epidemiológico, na seleção dos pacientes que deveriam ser submetidos a cintilografia.

RESULTADOS: Observou-se que, restringindo a solicitação da cintilografia a pacientes com escore de Duke abaixo de 7,5 e/ou escore clínico-epidemiológico acima de 4, deixaríamos de realizar cerca de 50% dos exames com riscos mínimos de perda de diagnóstico.

CONCLUSÃO: A utilização do escore de Duke e de escore clínico-epidemiológico para orientar a solicitação da CPM pode diminuir expressivamente o número de exames desnecessários.

Palavras-chave: Doença arterial coronária, cintilografia, perfusão, ergometria, epidemiologia, escore Duke.

Nos últimos anos, os gastos com assistência à saúde, tanto dos pacientes quanto dos órgãos pagadores (convênios, seguros-saúde e sistemas governamentais) têm progressivamente aumentado1,2. Uma parte deste aumento de gastos decorre da grande quantidade de recursos tecnológicos utilizados nos processos diagnósticos e terapêuticos3. Este problema crescente, que há muito gera discussões em países de alto poder aquisitivo, é ainda mais preocupante em países em desenvolvimento como o Brasil, cujo montante de recursos financeiros disponível para ser gasto em saúde é menor, e para o qual o desperdício destes recursos gerará maiores problemas. Desta maneira, se a discussão sobre como racionalizar os usos de recursos diagnósticos e terapêuticos tem se tornado constante em países desenvolvidos, é importante que esta discussão seja ainda mais intensa em países como o Brasil, uma vez que o uso desregrado destes recursos trará conseqüências ainda mais expressivas para estes últimos.

A doença arterial coronária (DAC) é uma das principais causas de mortalidade e morbidade no mundo4. O seu diagnóstico é importante, a fim de instituir a terapêutica necessária e evitar as conseqüências da doença. No entanto, o diagnóstico desta patologia tem se tornado complexo, em decorrência dos múltiplos exames possíveis de serem realizados, das imperfeições inerentes a todo método diagnóstico, e da dificuldade em integrar os resultados destes exames, não somente entre si mas com as outras evidências provenientes da análise de fatores epidemiológicos e da história clínica do paciente.

Devido à alta prevalência e incidência desta doença, a quantidade de recursos gasta no seu diagnóstico é imensa. Estima-se que mais de um milhão de pacientes foram submetidos à cinecoronariografia, nos EUA, no ano de 1993, e que este número deverá ser de 3 milhões no ano de 20105. Segundo dados publicados no ACC/AHA Guidelines for Exercise Testing (guia publicado pelo American College of Cardiology/American Heart Association sobre a realização do teste ergométrico)6 somente no ano de 1996 o MEDICARE foi responsável pelo pagamento de cerca de 875 mil testes ergométricos simples, 889 mil cintilografias de perfusão do miocárdio, 213 mil ecocardiogramas de estresse e 728 mil cinecoronariografias. Desta forma, se considerarmos o alto volume de exames realizados, a complexidade da análise destes exames e a dificuldade de integração dos resultados obtidos, perceberemos o potencial de desperdício de recursos que pode ocorrer na tentativa de diagnosticar a DAC.

Além do problema de desperdício de recursos, quando se utilizam métodos diagnósticos de forma inadequada, é importante lembrar que, devido à acurácia da maioria dos métodos diagnósticos para DAC não ser perfeita, isto é, tanto a especificidade do método quanto a sensibilidade não são 100% garantidas, o seu desempenho diagnóstico dependerá não só destes dois fatores, mas também da probabilidade pré-teste de doença7. Desta maneira, o valor preditivo positivo de um teste com especificidade inferior a 100%, em uma população com baixa prevalência de doença, poderá ser tão baixo que não justifique sua utilização.

Logo, quando se utiliza exame caro em uma população com baixa probabilidade de doença, estão se desperdiçando recursos, pois já se sabe, previamente à realização do exame, que a grande maioria dos pacientes não tem doença, e corre-se o risco de encaminhar alguns dos pacientes sem doença, mas com resultados falsos positivos, para a realização de outros exames ou procedimentos desnecessários, inclusive invasivos que, além de gerarem mais gastos de recursos, podem ser causa de morbidade ou mortalidade.

Na tentativa de diminuir estes problemas, as sociedades de Cardiologia e grupos de pesquisa têm se empenhado em criar guias e algoritmos diagnósticos, que têm como finalidades auxiliar os médicos na solicitação dos diversos exames, na interpretação destes exames e na integração dos resultados obtidos, bem como tentar "hierarquizar" estas solicitações, objetivando definir o diagnóstico a partir de estratégias mais simples e baratas (como a história clínico-epidemiológica e o exame físico) e ir progressivamente aumentando a complexidade e os custos envolvidos, conforme se justifique, pela probabilidade pré-teste de doença.

Vários grupos de pesquisa têm publicado trabalhos propondo algoritmos para se estabelecer a melhor estratégia diagnóstica da DAC8-12.

Apesar do trabalho destes grupos em tentar organizar as estratégias diagnósticas da doença arterial coronária, esta informação tem sido subutilizada por grande parte dos médicos, devido à dificuldade em se definir critérios objetivos que sugiram a necessidade de se progredir nos algoritmos diagnósticos propostos.

Um dos principais métodos não invasivos para a detecção da coronariopatia obstrutiva e que está presente na maioria dos algoritmos propostos é a cintilografia de perfusão do miocárdio. No entanto, esta é uma metodologia cara e deve ser utilizada quando a análise dos fatores clínico-epidemiológicos e dos resultados do teste ergométrico não diminuírem expressivamente a probabilidade de doença obstrutiva8-12. Desta forma, é importante que se definam critérios objetivos, tanto baseados na análise dos fatores clínico-epidemiológicos como no resultado do teste ergométrico, que possam servir de guia para a indicação da cintilografia de perfusão do miocárdio.

O propósito deste trabalho é avaliar quando se devem realizar exames de cintilografia de perfusão do miocárdio, baseando-se em informações objetivas obtidas do teste ergométrico e da análise dos fatores clínico-epidemiológicos para coronariopatia.

Métodos

Foi estudado um grupo de 2.100 pacientes encaminhados para avaliação diagnóstica de doença coronária obstrutiva, utilizando-se teste ergométrico e cintilografia de perfusão do miocárdio, no período de agosto de 2000 a julho de 2003. Este grupo representava aproximadamente 33% dos cerca de 6.400 pacientes submetidos a exame de cintilografia de perfusão do miocárdio, associado ao teste ergométrico ou ao estímulo farmacológico com dipiridamol, durante o período referido.

Foram excluídos da análise pacientes que apresentavam diagnósticos estabelecidos de doença arterial coronária, por exemplo: infarto do miocárdio, revascularização cardíaca, angioplastia e cinecoronariografia com diagnóstico de obstrução. Foram também excluídos da análise pacientes com alterações no eletrocardiograma de repouso que sugerissem infarto prévio.

Todos os pacientes do grupo estudado foram submetidos à cintilografia do miocárdio, utilizando-se estresse físico, e atingiram pelo menos 85% da freqüência cardíaca máxima preconizada para a idade, durante o teste ergométrico. Foram excluídos, também, os pacientes que apresentavam fatores de confusão no teste ergométrico como: utilização de marca-passo, bloqueio de ramo esquerdo, fibrilação atrial persistente, arritmia ventricular complexa, Wolf-Parkinson-White, ou qualquer outro padrão eletrocardiográfico que alterasse a acurácia deste teste.

Destes 2.100 pacientes, 86 apresentaram cintilografia de perfusão do miocárdio interpretada como anormal.

Realizamos controle evolutivo de 84 dos 86 pacientes com cintilografia interpretada como anormal, não sendo possível obter o seguimento de dois deles após várias tentativas de contato telefônico.

Trinta e sete (44%) destes pacientes apresentaram eventos menores durante o seguimento (cirurgia de revascularização do miocárdio ou angioplastia), sendo que destes, dois apresentaram também eventos maiores (infarto). Os 47 pacientes restantes não apresentaram eventos durante o seguimento.

A média de tempo decorrido entre o exame e o acompanhamento foi de 20 meses, sendo que este tempo variou de 9 a 40 meses para os pacientes que não apresentaram eventos, e de 1 a 30 meses para os pacientes com eventos.

As variáveis clínico-epidemiológicas utilizadas na análise foram: idade, sexo, pressão arterial, níveis de colesterol, diabetes, tabagismo e a presença de dor precordial e suas características.

Os parâmetros epidemiológicos escolhidos foram baseados no Statement of Healthcare Professional from the American Heart Association and the American College of Cardiology13, o qual se fundamenta nos dados do estudo de Framingham.

As informações sobre a idade, o sexo e a presença de fatores de risco (diabetes, tabagismo e dor precordial) foram obtidas na avaliação clínica que precedia a realização do teste ergométrico.

As informações sobre os níveis de colesterol foram obtidas do prontuário eletrônico do paciente e utilizaram-se tanto os níveis de colesterol total quanto os níveis de HDL- colesterol.

A medida de pressão arterial foi realizada previamente ao teste ergométrico e foi obtida com o paciente em posição ortostática.

Estes parâmetros foram integrados utilizando-se variação do escore estabelecido no Statement of Healthcare Professional from the American Heart Association and the American College of Cardiology13, para a classificação de risco de patologias cardiovasculares.

A modificação do escore inicial foi realizada com a finalidade de integrar a este o critério de dor precordial e de ajustá-lo às características da nossa população.

Este ajuste baseou-se numa análise do impacto que os fatores de risco acima citados têm no diagnóstico dos nossos pacientes.

Em trabalho prévio, apresentado no V Simpósio Ibero-Americano de Cardiologia Nuclear14, realizou-se análise retrospectiva da freqüência de exames de cintilografia de perfusão do miocárdio com diferentes graus de alteração, em um grupo de 3805 pacientes consecutivos. Utilizando-se o teste do qui-quadrado avaliou-se a associação das alterações à cintilografia com alguns fatores de risco para coronariopatia (tab. 1). Observou-se que a diabetes e a dor típica estão associadas a um aumento expressivo na freqüência de alterações na cintilografia de perfusão do miocárdio. A dislipidemia está associada a aumento discreto na freqüência de alterações cintilográficas. O tabagismo, a hipertensão arterial sistêmica e os antecedentes familiares não estão aparentemente associados à freqüência aumentada de alterações na perfusão miocárdica.

Com base neste estudo prévio, procedeu-se à adaptação dos escores estabelecidos pela análise do Statement of Healthcare Professional from the American Heart Association and the American College of Cardiology13, o que resultou nos valores mostrados na tabela abaixo (tab. 2), que podem variar de –8 a +26.

O teste ergométrico (TE) foi realizado segundo os protocolos de Bruce, Bruce Modificado e Ellestad; o escore de Duke foi utilizado para classificação dos testes.

O protocolo de um dia com Sestamibi-[Tc-99m] (MIBI), nas fases de repouso e estresse, foi utilizado para a realização de imagens tomográficas (Single Photon Emission Tomography - SPECT) de perfusão do miocárdio. As imagens de repouso foram adquiridas 30 minutos após a injeção de 370 MBq (10 mCi) de MIBI. A fase de estresse foi realizada 4 horas após a fase de repouso. O estresse cardíaco foi induzido pelo exercício programado em esteira, utilizando-se um dos seguintes protocolos já citados acima: Bruce, Bruce modificado ou Ellestad. Durante o pico do exercício, ou quando o paciente apresentava sintomas limitantes, 1,11 GBq (30 mCi) de MIBI foram injetados por via endovenosa. As imagens foram adquiridas 45 a 60 minutos após a injeção, com e sem correção de atenuação. As imagens de esforço foram adquiridas de maneira sincronizada ao eletrocardiograma do paciente (técnica de Gated), o que possibilita a avaliação simultânea da motilidade do ventrículo esquerdo, nesta fase do exame.

Nos casos em que a existência do defeito perfusional era questionada (suspeita de artefatos de atenuação), os médicos nucleares analisaram também as imagens com correção de atenuação e as imagens representativas da motilidade do miocárdio, para aumentar a especificidade do diagnóstico.

Utilizaram-se curvas ROC (Receiver Operating Characteristic), para selecionar os valores do escore de Duke e do escore clínico-epidemiológico que deveriam ser empregados para definir se o paciente deveria ser submetido à cintilografia. O software estatístico SPSS® foi utilizado para calcular as áreas abaixo das curvas e seus intervalos de confiança, e definir a sensibilidade e especificidade de cada valor dos escores. Neste trabalho, foram considerados positivos os exames que apresentavam defeitos perfusionais fixos e/ou transitórios, estabelecidos pela análise visual dos médicos nucleares e que durante o seguimento apresentaram evento (37 pacientes).

Resultados

A distribuição dos resultados das cintilografias com relação aos escores clínico-epidemiológicos e de Duke está demonstrada no diagrama de dispersão mostrado na figura 1.


O escore clínico epidemiológico criado apresenta área abaixo da curva ROC de 0,84 (95% IC: 0,78 – 0,90) (fig. 2).


Os valores de especificidade e sensibilidade para alguns valores do escore clínico epidemiológico estão demonstrados na tabela 3.

O escore de Duke apresenta área abaixo da curva ROC de 0,85 (95% IC: 0,81 – 0,90) (fig. 3).


Os valores de especificidade e sensibilidade para alguns valores do escore de Duke estão demonstrados na tabela 4.

Avaliou-se, também, o desempenho do escore de Duke naqueles pacientes com maior probabilidade de apresentar coronariopatia após a avaliação clínico-epidemiológica, isto é, restringiu-se a análise do Duke para aqueles pacientes que apresentavam escore clínico-epidemilógico superior a 4 (tab. 3). Para esta população, o escore de Duke apresenta área abaixo da curva ROC de 0,84 (95% IC: 0,79 – 0,89) (fig. 4).


Os valores de especificidade e sensibilidade para alguns valores do escore de Duke numa população com escore clínico-epidemiológico acima de 4, estão demonstrados na tabela 5.

Discussão

A própria análise inicial dos pacientes utilizados neste trabalho mostra a importância de se criarem mecanismos efetivos para se solicitar os exames de cintilografia de perfusão do miocárdio. Do grupo de 2.100 pacientes utilizados neste trabalho, somente 86 (4%) apresentaram alteração na cintilografia de perfusão do miocárdio e destes últimos, somente 37 apresentaram coronariopatia confirmada durante o seguimento. Logo, se considerarmos o custo de um exame particular de cintilografia de perfusão do miocárdio (cerca de R$ 1.000,00 reais), a detecção de pacientes com cintilografia alterada que, no seguimento, evoluíram com procedimento, custará acima de R$ 50.000,00 reais. Ao se avaliar o gráfico de dispersão mostrado na figura 1, fica evidente que pacientes com escores de Duke alto ou clínico epidemiológico baixo, raramente apresentam cintilografia positiva; e a realização deste exame neste grupo de pacientes está pouco indicada. Se fossem excluídos da investigação de coronariopatia pacientes que apresentam escore clínico-epidemiológico abaixo de 5, cerca de 35% deles não seria submetido a cintilografia de perfusão do miocárdio ou mesmo a teste ergométrico simples; tais procedimentos seriam predominantemente desnecessários, uma vez que nenhum paciente considerado positivo apresentou escore clínico-epidemiológico abaixo deste valor (sensibilidade de 100% na tabela 3) e cerca de 35% dos pacientes considerados negativos tem escore inferior a este valor (especificidade de 37% na tabela 3). Mesmo se utilizássemos critério mais conservador para excluir os pacientes (escore clínico-epidemiológico inferior a 4) poderíamos deixar de realizar exames em cerca de 25% deles (especificidade de 23% na tabela 3). O mesmo pode ser dito de pacientes que apresentam escore de Duke acima de 7. Caso se encerrasse a investigação para coronariopatia obstrutiva nos pacientes com escore de Duke acima deste valor, evitar-se-ia a realização do exame em cerca de 35% deles, com risco mínimo de se deixar de investigar pacientes com coronariopatia significativa; isto fica comprovado na tabela 4, na qual se vê que nenhum paciente considerado positivo apresentou escore de Duke acima de 7 (sensibilidade de 100% na tabela 4) e cerca de 35% dos exames negativos apresentou escore clínico-epidemiológico acima deste valor (especificidade de 36% na tabela 4).

Desta maneira, a criação de um escore clínico-epidemiológico baseado em Framingham e a análise do seu desempenho, utilizando curvas ROC, possibilita ao médico estimar a pertinência de prosseguir a investigação do paciente e os riscos de não realizar esta investigação. Como já mencionado acima, pacientes com escore clínico-epidemiológico abaixo de 5 têm baixo risco de apresentar alterações à cintilografia e eventos, podendo-se optar por encerrar a investigação e reavaliá-los no futuro. Pacientes com escore acima deste valor têm maior risco de apresentar doença coronária obstrutiva e o médico deve, na medida do possível, prosseguir a investigação. No caso de limitações nos recursos disponíveis, o médico poderá escolher escore com sensibilidade um pouco menor, porém com especificidade mais elevada, sabendo, no entanto, que perderá alguns diagnósticos. Utilizando-se escore acima de 6, por exemplo, ocorrerão sensibilidade entre 75% e 85% e especificidade ao redor de 65% (tab. 3).

No caso de decidir continuar a investigação, o próximo passo poderia ser a realização de teste ergométrico, visto que, em comparação aos outros exames não invasivos, este é o mais barato e simples de ser realizado. Segundo dados publicados no ACC/AHA Guidelines for Exercise Testing6 baseados em informações do MEDICARE, o custo de um teste ergométrico é cerca de 20% daquele da cintilografia de perfusão do miocárdio, 40% de um ecocardiograma de estresse e 5% de uma cinecoronariografia.

Pelos resultados observados no presente trabalho, o escore de Duke apresentou bom desempenho na separação do grupo de pacientes com cintilografia alterada e com evento durante seguimento, do restante dos pacientes. A área abaixo da curva ROC, para este escore, foi 0,85 (95% IC: 0,81 – 0,90).

Como já comentado acima, a maior aplicação do Duke não seria para o grupo todo de pacientes e sim para aqueles em que o risco de coronariopatia obstrutiva não tivesse sido expressivamente diminuído pela análise clínico-epidemiológica. Para os pacientes com escore clínico-epidemiológico > 4, se prosseguisse a investigação somente naqueles com escore de Duke menor que 7,5, seriam deixados de realizar novos exames em cerca de 35% destes pacientes, sem riscos expressivos de perda de diagnóstico (tabela 5). Se fossem excluídos da investigação os pacientes com escore Duke acima de 3, poderiam deixar de ser realizados exames extras em 60% destes pacientes, mantendo-se uma sensibilidade elevada (ao redor de 90%) para a detecção daqueles com cintilografia alterada e que evoluíram com evento (tabela 5).

Desta forma, se fossem utilizados ambos os escores para definir a pertinência da realização da cintilografia, poder-se-ia deixar de realizar este exame em cerca de 55% dos pacientes da população estudada, com risco mínimo de perda de diagnóstico. Isto reduziria os custos de detecção de uma cintilografia positiva que evoluiu com evento de 50.000,00 reais, como já mostrado acima, para cerca de 20.000,00 reais, o que, evidentemente, acarretaria uma grande economia para o sistema de saúde.

Uma possível crítica a este trabalho é o fato de terem sido classificadas como verdadeiras positivas as cintilografias que foram positivas e que no acompanhamento apresentaram evento, sendo que as 47 cintilografias que não apresentaram evento foram classificadas como falsas positivas. Devido ao acompanhamento mínimo ter sido de apenas 9 meses, não se tem certeza de que algumas destas cintilografias realmente são falsas positivas, uma vez que nem todos estes pacientes foram submetidos ao cateterismo cardíaco. No entanto, ao se olhar o gráfico de dispersão, nota-se que a maioria das cintilografias positivas (aproximadamente 75%) que não evoluíram com evento apresentou escores de duke e clínico-epidemiológicos na região estabelecida como de pertinência para a realização do exame cintilográfico (CE > 4 e Duke < 7,5), o que , no caso de serem falsas positivas, influenciaria pouco nos resultados deste trabalho. Foram observados somente 12 pacientes neste grupo (aproximadamente 25%) com escore clínico epidemiológico < 5 e ou escore de Duke > 7. Destes, 3 foram submetidos à arteriografia coronária, não se observando coronariopatia significativa; 3 não apresentaram evento num período superior a 30 meses; um deles apresentava hipertrofia septal assimétrica; portanto, a isquemia era decorrente de um aumento da demanda miocárdia e não de coronariopatia. Dois apresentaram cintilografia negativa alguns meses após, sendo a anterior considerada falsa positiva. Os três pacientes restantes não apresentaram eventos após 14 meses de acompanhamento. Logo, as cintilografias positivas em pacientes com escore de Duke alto e clínico-epidemiológico baixo devem corresponder, na maioria das vezes, a exames falsos positivos, corroborando as considerações feitas na introdução, de que exames com especificidade inferior a 100%, realizados em população com baixa probabilidade pré-teste de doença, têm grande chance de apresentar resultados falsos positivos. Além disso, mesmo que alguns destes resultados sejam verdadeiros positivos, devem representar alterações coronarianas com melhor prognóstico, visto que nenhum deles apresentou eventos coronários no período de seguimento. Desta maneira, ao se deixar de realizar a cintilografia nestes pacientes, estes não estão sendo submetidos a riscos consideráveis de evento.

Outro ponto a se discutir é a ausência de seguimento dos pacientes com cintilografia normal. Apesar deste segmento ser importante para se saber o valor prognóstico de um exame cintilográfico normal (informação exaustivamente demonstrada em outros trabalhos15-19), para os objetivos do trabalho aqui apresentado, este acompanhamento é irrelevante, uma vez que se está interessado em determinar, previamente à realização da cintilografia, aqueles pacientes que têm maior chance de apresentar este exame verdadeiramente positivo e, neste caso, se o resultado da cintilografia negativa for falso ou verdadeiro, não alterará os achados do trabalho.

Conclusão

A utilização de critérios bem definidos baseados no escore de Duke e em escore clínico-epidemiológico pode ser de grande auxílio ao clínico, na solicitação de cintilografia de perfusão do miocárdio, evitando a realização de uma grande quantidade de exames desnecessários, sem risco significativo de perda de diagnósticos.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 24/05/05

Aceito em 22/08/05

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  • Correspondência:

    Paulo Schiavom Duarte
    Av. Angélica, 2389/111B
    01227-200 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Recebido
      24 Maio 2005
    • Aceito
      22 Ago 2005
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