Acessibilidade / Reportar erro

Valor prognóstico do índice de performance miocárdica no pós-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o valor preditivo do índice de performance miocárdica (IPM) para complicações cardiovasculares em pacientes de baixo risco no pós-operatório (PO) de cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) no período de internação hospitalar. MÉTODOS: Foram estudados 80 pacientes submetidos a CRM com função ventricular esquerda adequada no pré-operatório, nos quais o IPM foi medido nas primeiras horas de pós-operatório. Os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar. A análise estatística incluiu teste qui-quadrado de Pearson, teste t de Student e teste de Mann-Whitney, além do cálculo do risco relativo, com intervalos de confiança de 95%, e das propriedades de sensibilidade e especificidade do índice, com elaboração de curva ROC. RESULTADOS: Os dados foram avaliados por dois observadores independentes, cegos aos dados clínicos, com variabilidade intra e interobservador não significativa. Encontrou-se IPM=0,43 como ponto de corte, considerando-se acima de 0,43 os pacientes com maior probabilidade de eventos no pós-operatório. Os eventos relevantes para análise foram IAM (RR 0,87; IC 0,21 - 3,65); fibrilação atrial (RR 0,65; IC 0,24 - 1,76); outras arritmias (RR 1,51; IC 0,36 - 6,33) e disfunção VE (RR 1,74; IC 0,31 - 9,88), não havendo associação entre pacientes com IPM>0,43 e a ocorrência destes eventos. O tempo de internação hospitalar foi similar, entre os grupos (p=0,999). CONCLUSÃO: Não houve associação do IPM com complicações cardiovasculares e maior tempo de internação neste grupo de pacientes, podendo-se considerar esse índice inadequado como método preditivo isolado.

Cirurgia de revascularização miocárdica; índice de performance miocárdica; baixo risco e prognóstico de complicações


OBJECTIVE: Myocardial Performance Index (MPI) obtained by Doppler echocardiography for the non-geometrical evaluation of systolic and diastolic function has been described as a method for prognostic evaluation in patients with acute myocardial infarction (AMI). Using the same condition, the objective of this study was to evaluate the predictive value of MPI for cardiovascular complications in patients at low risk during the postoperative period of CABG. METHODS: Eighty patients submitted to CABG with adequate left ventricular function in the preoperative period were studied, with MPI measured during the first hours postoperatively. Patients were followed until hospital discharge. Statistical analysis included Chi-Square test, Student t test, Mann-Whitney test, and estimation of relative risks with 95% confidence intervals, sensitivity and specificity plus a ROC curve. RESULTS: The data were evaluated by two independent observers blinded to the clinical data with non-significant intra and interobserver variability. MPI=0.43 was found as the cutoff point, considering patients with a higher probability of postoperative events those who had MPI above 0.43. The relevant events for analysis were AMI (RR 0.87 ci 0.21-3.65), atrial fibrillation (RR 0.65 ci 0.24 - 1.76), other arrhythmias (RR 1.51 ci 0.36-6.33), LV dysfunction (RR 1.74 ci 0.32-9.88), with no association between patients with MPI>0.43 and the occurrence of these events. CONCLUSION: No association was found between MPI and cardiovascular complications and longer hospital stay in this group of patients, and this index was considered not adequate as an isolated predictive method.

Coronary artery bypass graft; low risk; morbidity; myocardial performance index (MPI) and prognostic outcome


ARTIGO ORIGINAL

Valor prognóstico do índice de performance miocárdica no pós-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica

Karina Oliveira Azzolin; Iran Castro; Flávia Feier; Fernanda Pandolfo; Carolina Oderich

Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia - Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Iran Castro Rua Disnard, 42 Porto Alegre, RS – 90850-030 E-mail: icastro@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o valor preditivo do índice de performance miocárdica (IPM) para complicações cardiovasculares em pacientes de baixo risco no pós-operatório (PO) de cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) no período de internação hospitalar.

MÉTODOS: Foram estudados 80 pacientes submetidos a CRM com função ventricular esquerda adequada no pré-operatório, nos quais o IPM foi medido nas primeiras horas de pós-operatório. Os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar. A análise estatística incluiu teste qui-quadrado de Pearson, teste t de Student e teste de Mann-Whitney, além do cálculo do risco relativo, com intervalos de confiança de 95%, e das propriedades de sensibilidade e especificidade do índice, com elaboração de curva ROC.

RESULTADOS: Os dados foram avaliados por dois observadores independentes, cegos aos dados clínicos, com variabilidade intra e interobservador não significativa. Encontrou-se IPM=0,43 como ponto de corte, considerando-se acima de 0,43 os pacientes com maior probabilidade de eventos no pós-operatório. Os eventos relevantes para análise foram IAM (RR 0,87; IC 0,21 – 3,65); fibrilação atrial (RR 0,65; IC 0,24 – 1,76); outras arritmias (RR 1,51; IC 0,36 – 6,33) e disfunção VE (RR 1,74; IC 0,31 – 9,88), não havendo associação entre pacientes com IPM>0,43 e a ocorrência destes eventos. O tempo de internação hospitalar foi similar, entre os grupos (p=0,999).

CONCLUSÃO: Não houve associação do IPM com complicações cardiovasculares e maior tempo de internação neste grupo de pacientes, podendo-se considerar esse índice inadequado como método preditivo isolado.

Palavras-chave: Cirurgia de revascularização miocárdica, índice de performance miocárdica, baixo risco e prognóstico de complicações.

A morbimortalidade pós-cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) é de grande interesse, motivando diversos protocolos de manejo pós-operatório e modelos de risco com a finalidade de redução das complicações cardiovasculares1.

A presença de disfunção ventricular esquerda e de insuficiência cardíaca no pré-operatório de CRM tem sido considerada como um dos mais importantes preditores independentes de mortalidade cirúrgica2-5, existindo associação entre gravidade da disfunção ventricular esquerda e risco de complicações (4% a 10% para moderada a importante disfunção ventricular)3.

As complicações da cirurgia cardíaca em pacientes com função ventricular esquerda adequada, no pré-operatório, são de baixa prevalência2, por isso pouco estudadas. Neste grupo, a identificação de mudanças na função global do ventrículo esquerdo, no pós-operatório imediato, possibilitaria intervenções precoces que alterassem a morbimortalidade cirúrgica6,7.

Medidas não-invasivas de intervalos de tempo utilizadas para avaliação das funções sistólica e diastólica foram propostas por Mancini8, através da fonomecanocardiografia e reintroduzidas por Tei e cols.9, em 1995, demonstrando ser facilmente obtidas pelo Doppler convencional, com intervalos de tempo, combinando avaliação do desempenho sistólico e do diastólico do ventrículo esquerdo (VE). Este índice pode ser obtido e reproduzido facilmente, independentemente da geometria ventricular, o que o torna satisfatório para avaliação da função ventricular global em várias situações clínicas10,11.

O índice é definido como a soma do tempo de contração isovolumétrico e tempo de relaxamento isovolumétrico, dividida pelo tempo de ejeção, através da análise ao Doppler do fluxo de entrada mitral e velocidade e tempo do fluxo de saída ventricular esquerda11-26, sendo considerado potencial para avaliação de função cardíaca total e preditor de prognósticos cardíacos10,12,13 .

Vários estudos avaliaram o IPM, em pacientes portadores de infarto agudo do miocárdio, miocardiopatia, doença valvar, entre outras, sendo que o índice apresentou elevado poder de predição para o desenvolvimento de desfechos desfavoráveis10,13-18,26.

O objetivo principal deste estudo é descrever o valor prognóstico do índice de performance miocárdica para complicações cardiovasculares (eventos maiores: IC, IAM, arritmia e morte), no período de internação hospitalar, e eventual aumento no tempo de internação em unidade de pós-operatório por complicações cardiovasculares, em pacientes com adequada função ventricular esquerda no pré-operatório.

Métodos

Foram estudados prospectivamente 80 pacientes (53 homens e 27 mulheres) internados no Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia do RS, para realização de CRM, no período de fevereiro a setembro de 2003. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa local, e todos os pacientes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os pacientes foram selecionados no pré-operatório (1 dia antes da cirurgia) mediante os seguintes critérios de inclusão: CRM isolada, FE>50% (avaliação hemodinâmica, ecocardiográfica (Simpson) ou por medicina nuclear) e ritmo cardíaco sinusal.

Dos 91 pacientes inicialmente elegíveis durante o período do estudo, foram excluídos 11, pelos seguintes critérios: janela ecocardiográfica limitada (3); recusa em assinar o termo de consentimento (1); ausência de medida de FE nos exames pré-operatórios (4); e não realização da ecocardiografia antes da alta hospitalar (3).

A medição do índice foi realizada nas primeiras 24 horas de pós-operatório (imediato), na unidade de intensivismo. O equipamento utilizado foi um Sonos 100 da HP com transdutor 2,5 MHz. O exame foi realizado pela enfermeira pesquisadora ou por médico ecocardiografista, com o paciente em decúbito dorsal ou lateral, dependendo da localização dos drenos de tórax utilizados no pós-operatório de cirurgia cardíaca.

Os registros de Doppler pulsátil foram obtidos sob orientação de imagens no modo bidimensional, com traçado eletrocardiográfico concomitante, gravados em fitas VHS, digitalizados e analisados em estação de trabalho dedicada, utilizando-se o programa echo off line para mensurações e posterior análise.

Com o volume-amostra do Doppler posicionado na porção ventricular da via de entrada do VE, em um corte de quatro câmaras, foram obtidas imagens da velocidade do fluxo, desde a abertura até o fechamento da válvula mitral. O fluxo da via de saída ventricular foi obtido em um corte de cinco câmaras, com o volume-amostra do Doppler pulsátil posicionado abaixo da valva aórtica. Intervalos de tempo ao Doppler foram calculados em estação de trabalho (off line), como mostra a figura 1.


O intervalo "a" da abertura ao fechamento da valva mitral é igual à soma do tempo de contração isovolumétrico, com o relaxamento isovolumétrico e tempo de ejeção. O intervalo "b" é o tempo de ejeção ventricular esquerda. Logo, a soma do tempo de contração e do relaxamento isovolumétricos é obtida subtraindo-se "b" de "a". O índice que combina as funções sistólica e diastólica foi calculado como (a – b)/b (fig. 2).


As medidas dos intervalos "a" e "b" foram realizadas 3 vezes, de forma independente para cada intervalo e, após, calculada a média em planilha própria no aplicativo Excel.

Todas as imagens foram analisadas por um médico ecocardiografista experiente, que também realizou novamente todas as medidas, sendo cego aos dados clínicos dos pacientes e aos resultados das primeiras medidas, para posterior análise interobservador.

Após a realização do exame, era preenchida uma ficha de análise própria com dados dos pacientes, que eram acompanhados até a alta hospitalar. Neste procedimento, foram observadas complicações pós-cirúrgicas, uso e tempo de uso de drogas inotrópicas, tempo de permanência em unidade de intensivismo e hospitalar e exames de controle (ECG e radiografia de tórax), fazendo-se também um exame ecocardiográfico completo, até 24 horas antes da alta hospitalar na Unidade de Métodos Gráficos, conforme rotina deste setor. O resultado do exame era anexado no prontuário do paciente e a segunda via era fornecida à pesquisa.

Os critérios para diagnóstico de IAM perioperatório foram a presença de novas ondas Q no ECG e alterações enzimáticas (CK-MB>40 mU/L e troponina>3,5 ng/mL).

Para diagnóstico de fibrilação atrial e outras arritmias, os critérios adotados foram os da monitorização cardíaca contínua e confirmação pelo ECG.

Para diagnóstico de disfunção de VE, os critérios adotados foram os da avaliação hemodinâmica do paciente (classificação funcional NYHA) com confirmação pela ecocardiografia, e fração de ejeção diminuída pela comparação das medidas pré e pós-operatórias.

A confirmação de congestão pulmonar deu-se pela análise dos laudos dos exames radiológicos realizados.

Para análise estatística, foi utilizado o programa SPSS 11.0 (Chicago Illinois Software).

Os dados foram descritos sob forma de médias e desvios-padrão ou medianas e intervalos interquartis 25-75 para as variáveis contínuas, e de proporções para as variáveis categóricas.

O teste t de Student foi utilizado para comparar as médias dos índices em pacientes com e sem eventos. O índice foi dicotomizado de acordo com sua média. O teste do qui-quadrado foi utilizado para avaliar a associação entre o índice dicotomizado e os eventos, sendo adicionalmente estimados os riscos relativos (RR) e respectivos intervalos de confiança (IC) de 95%.

O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar tempo de internação e uso de drogas com as categorias do IPM.Foi considerado estatisticamente significante um valor de p < 0,05.

Adicionalmente, foram calculadas sensibilidade e especificidade para diferentes pontos de corte do índice, com elaboração de uma curva ROC (receiver operator characteristic curve), no comando SPSS 11.0.

Resultados

Os 80 pacientes portadores de cardiopatia isquêmica, submetidos a revascularização miocárdica cirúrgica, tinham entre 32 e 83 anos de idade e não apresentavam doença valvar significativa. Todas as cirurgias foram eletivas e com circulação extracorpórea. Os grupos foram divididos considerando-se como ponto de corte o valor da média do índice (0,43).

As características da amostra estão sumarizadas na tabela 1 (total da amostra).

A figura 3 demonstra a curva ROC para os diferentes valores do IPM em relação à ocorrência de eventos maiores, não sendo possível identificar, através da curva, um ponto de melhor balanço entre sensibilidade e especificidade.


Para análise de eventos no pós-operatório foram considerados: Grupo A < 0,43 e Grupo B > 0,43. As características da amostra destes grupos encontram-se na tabela 1 (Grupos A e B).

A diferença média da medida do IPM entre os dois observadores (enfermeira e ecocardiografista) foi de 0,0046, sem significância estatística

Não foram observadas diferenças significativas quanto a eventos maiores entre os grupos. As propriedades diagnósticas do índice (> 0,43) para eventos maiores foram: sensibilidade de 0,41 (0,14 - 0,68) e especificidade de 0,51 (0,32 - 0,70). O índice não demonstrou associação significativa com qualquer dos eventos considerados, tanto quando analisado sob a forma contínua como quando categorizado. Os RR e respectivos IC 95% vêm apresentados na tabela 2.

Destaca-se a baixa prevalência destes eventos na amostra total (35%).

A fração de ejeção no pós-operatório, comparada com a do pré-operatório, estava diminuída em 77% dos pacientes do grupo A e em 84% dos do grupo B (p=0,64). Outra variável analisada foi a congestão pulmonar, através dos documentos radiológicos obtidos na sala de recuperação e por ocasião da alta hospitalar, sendo constatada congestão pulmonar em 29% (n=23) dos pacientes, dos quais apenas 39% (n=9) pertenciam ao grupo B.

Uma das variáveis subjetivas analisadas foi dispnéia no pós-operatório, sendo referida por 19% (n=15) dos pacientes, dos quais 47% (n=7) apresentaram IPM> 0,43 (grupo B).

Quanto a drogas inotrópicas (dopamina, dobutamina, noradrenalina), 75% (n=60) dos pacientes usaram-nas no pós-operatório imediato, dos quais 47% (n=28) pertenciam ao grupo B e 53% (n=32) ao grupo A. Também não houve diferença entre os grupos quanto à proporção de pacientes que não utilizaram nenhuma destas drogas.

A análise do tempo de uso de drogas inotrópicas e de internação em unidade de intensivismo e hospitalar não mostra diferença significativa entre os grupos. Quanto ao tempo de uso de drogas inotrópicas, a média foi de 1,5 dia no grupo A e de 1,2 dia no grupo B (p=0,945). Quanto ao tempo de internação em unidade de intensivismo, a mediana foi de 2 (1,88; 2,67) e 2,25 ( 1,70; 3,96) dias, e a média do tempo de internação hospitalar foi de 8±1,3 e de 9±5 dias (p=0,999), respectivamente, nos grupos A e B.

Nenhum dos pacientes necessitou de suporte mecânico (balão intra-aórtico / bio-pump) em qualquer dos grupos no pós-operatório, e apenas 2 pacientes (ambos do grupo A) necessitaram de mais de 24 horas de ventilação mecânica, estando ainda entubados no momento da realização do exame (feito nas primeiras 24 horas).

Discussão

A CRM é um procedimento de grande porte, altamente difundida em todo o mundo, sendo suas complicações relacionadas à situação pré-operatória e particularmente à circulação extracorpórea (CEC). Alguns estudos mostram uma redução de complicações quando a CRM é realizada sem CEC4,5. A avaliação prognóstica dos pacientes a serem submetidos a CRM, através de parâmetros clínicos pré-operatórios, tem sua utilidade e entendimento bem definidos6,7. Porém, em determinadas ocasiões, pacientes classificados como de elevado risco evoluem com baixa morbidade pós-operatória, e pacientes com baixos escores de risco pré-operatório têm uma evolução pós-operatória complicada, ligada a fatores intra-operatórios que interferem diretamente na sua evolução6. Este fato tem despertado interesse de vários pesquisadores, considerando-se todas as variáveis que possam identificar precocemente os pacientes com elevado risco evolutivo.

O IPM tem sido apontado como um bom preditor de resultados adversos em várias doenças cardíacas, como insuficiência valvar13-15, miocardiopatias16, infarto agudo do miocárdio10,17,18,20-22 e toxicidade cardíaca a antraciclina23, não havendo na literatura referência do IPM como preditor de eventos no pós-operatório imediato de revascularização miocárdica em indivíduos com prévia função sistólica adequada.

Outra vantagem deste índice, além da fácil obtenção e do baixo custo, é a possibilidade de mensuração por profissional com treinamento breve em ecocardiografia18. Em nosso estudo, igualmente, não foi constatada diferença na mensuração do IPM entre enfermeira treinada para este fim e ecocardiografista de larga experiência.

O IPM mostrou-se alterado (>0,43) em 37 pacientes (grupo B) nos quais o acompanhamento via observação não mostrou piora na evolução clínica; também o número de eventos neste grupo não foi aumentado, como era o esperado, quando comparado com o grupo A.

O número de complicações no pós-operatório de revascularização miocárdica nos pacientes com adequada função ventricular foi baixo e com ausência de mortalidade, à semelhança de dados de literatura, em que a taxa de mortalidade é em torno de 0,2%2. Em conseqüência, também o tempo total de internação foi semelhante ao registrado em outros estudos (8,3 e 7,3 dias)24,25.

Embora a incidência de fibrilação atrial tenha sido elevada nesta coorte, a evolução pós-operatória dos pacientes foi adequada, sem outras complicações decorrentes e sem aumento do tempo de internação hospitalar, sendo a média da amostra de 8 e 9 dias (grupos A e B) similar à referida na literatura5,24. O IPM não foi preditor destes eventos.

Em oposição aos dados de literatura, nesta observação o IPM não se mostrou efetivo em identificar precocemente os pacientes com possibilidade de complicações no pós-operatório.

Cogita-se, primeiramente, que tais resultados possam ser decorrentes da limitação do estudo pelo tamanho reduzido da amostra e pelo baixo número de complicações no período de observação. No entanto, outras considerações devem ser feitas em relação aos trabalhos que utilizaram o IPM como índice preditor de eventos.

O estudo de Mukhaini e cols.15, que utilizou o índice para resultados adversos em cirurgia de valva mitral, concluiu que o IPM foi um índice potencialmente útil na predição de morte perioperatória ou de desenvolvimento de insuficiência cardíaca. O valor de corte do IPM desses autores foi de 0,7 e, no pré-operatório, 63,6% dos pacientes eram portadores de classe funcional > 2 da NYHA, diferindo do nosso estudo, em que a classe funcional ou função sistólica de VE estava preservada no pré-operatório.

O estudo de Poulsen e cols.10 em pacientes com IAM demonstrou a utilidade do IPM em identificar os pacientes de maior possibilidade de desenvolver insuficiência cardíaca. O trabalho comparou pacientes na fase aguda do IAM a um grupo-controle de indivíduos saudáveis, mostrando IPM significativamente mais alto no grupo de casos. A sensibilidade do IPM foi de 100% com especificidade de 33% para eventos.

Moller e cols.18 realizaram o primeiro grande estudo que comprova a eficácia do IPM como preditor de mortalidade em pacientes pós IAM. Dos 799 pacientes, 197 morreram durante o seguimento de 34 meses, sendo que 66 deles tinham FE normal e IPM alterado, em contraste com apenas 19 mortes entre os pacientes com IPM normal (<0,46). O estudo demonstrou o IPM como melhor preditor independente, superior à função sistólica isolada na avaliação prognóstica do IAM. Os infartos descritos nesses estudos eram de extensão maior do que os observados no pós-operatório de revascularização miocárdica que ocorreu em 8,8% dos integrantes de nossa casuística, sem comprometimento grave da função sistólica.

Nos estudos experimentais de Curi e cols.21 foram utilizadas 33 ratas Wistar, submetidas a IAMs de diferentes tamanhos e falsos operados (grupo-controle). A análise do IPM foi realizada 6 semanas após a intervenção, mostrando-se o índice maior nos infartos moderados e grandes, mas não nos animais com pequeno infarto, que não diferiram dos do grupo-controle. No nosso material, os infartos perioperatórios poderiam corresponder aos pequenos infartos obtidos experimentalmente, não tendo havido, portanto, diferença significativa entre os grupos A e B.

Mais recentemente, Hole e cols.17 realizaram outro estudo para avaliar se alterações no IPM estariam relacionadas com alterações em outros parâmetros ecocardiográficos após IAM, e qual seria o impacto do índice como preditor independente, em 2 anos de seguimento. Assim como em nosso estudo, o IPM não foi considerado preditor independente para mudanças na função sistólica.

Os achados contraditórios entre os estudos iniciais e estes últimos devem-se, provavelmente, à "história natural" da avaliação de um novo teste diagnóstico. Inicialmente, os testes são avaliados em condições extremas, afastadas da prática clínica usual. Quando o teste passa a ser avaliado em situações mais próximas à realidade, usualmente os resultados são menos evidentes, diminuindo sua utilidade clínica. No presente estudo, o IPM foi avaliado em uma população homogênea de pacientes com FE normal, o que contribuiu para reduzir a capacidade discriminatória do teste.

Desta forma, a possibilidade de identificar, entre os pacientes com função ventricular esquerda normal no pré-operatório de revascularização miocárdica, os com risco elevado de complicações no pós-operatório através do IPM, não fica atendida. Também os pacientes com tempo de internação mais prolongado não foram identificados por este método. Salientamos a necessidade de estudo com maior número de pacientes com função ventricular normal, no intuito de comprovar ou não a real eficácia do índice como método prognóstico isolado no pós-operatório de revascularização miocárdica.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 31/03/05

Aceito em 25/07/05

  • 1. Agabiti N, Ancona C, Forastiere F, et al. Evaluating outcomes of hospital care following coronary artery bypass surgery in Rome, Italy. Eur J Cardiothorac Surg 2003; 23:599-6.
  • 2. van Domburg RT, Takkenberg JJM, van Herwerden LA, Venema AC, Bogers AJJC. Short-term and 5-year outcome after primary isolated coronary artery bypass graft surgery: results of risk stratification in a bilocation center. Eur J Cardiothorac Surg 2002; 733-740.
  • 3. Yau TM, Fedak PW, Weisel RD, et al. Predictors of operative risk for coronary bypass operations in patients with left ventricular dysfunction. J Thorac Cardiovasc Surg 1999; 118:1006.
  • 4. Morris DC, St Clair D. Management of patients after cardiac surgery. Curr Probl Cardiol 1999; 166-228.
  • 5. Beauford RB, Goldstein DJ, Sardari FF, et al. Multivessel off-pump revascularization in octogenarians: early and midterm outcomes. Ann Thorac Surg 2003; 76:12-7.
  • 6. Eagle KA, Guyton RA, Davidoff R, et al. ACC/AHA Guidelines for coronary artery bypass graft surgery: A report of the American College of Cardiology/American Heart Association. Task force on practice guidelines (Committee to revise the 1991 guidelines for coronary artery bypass graft surgery). J Am Coll Cardiol 1999; 34:1262-346.
  • 7. Kogan A, Cohen J, Raanani E, et al. Readmission to the intensive care unit after "fast-track" cardiac surgery: risk factors and outcomes. Ann Thorac Surg 2003; 76:503-7.
  • 8. Mancini BG, Costello D, Bhargava V, et al. The isovolumic index: a new noninvasive approach to the assessment of left ventricular function in man. Am J Cardiol 1982; 50:1401-8.
  • 9. Tei C, Ling LH, Hodge DO, et al. New index of combined systolic and diastolic myocardial performance: a simple and reproducible measure of cardiac function: a study in normals and dilated cardiomyopathy. J Cardiol 1995; 26:357-66.
  • 10. Poulsen SH, Jensen SE, Tei C, et al. Value of the Doppler index of myocardial performance in the early phase of acute myocardial infarction. J Am Soc Echocardiogr 2000; 13:723-30.
  • 11. Poulsen SH, Nielsen JC, Andersen HR. The influence of heart rate on the Doppler-derived myocardial performance index. J Am Soc Echocardiogr 2000; 13:379-84.
  • 12. Harjai KJ, Scott L, Vivekananthan K, Nunez E, Edupuganti R. The Tei index: a new prognostic index for patients with symptomatic heart failure. J Am Soc Echocardiogr 2002;15:864-8.
  • 13. Bruch C, Schmermund A, Dagres N, et al. Severe Aortic valve stenosis with preserved and reduced systolic left ventricular function: Diagnostic usefulness of the tei index. J Am Soc Echocardiogr 2002; 15:869-76.
  • 14. Haque A, Otsuji Y, Yoshifuku S, et al. Effects of valve dysfunction on Doppler Tei index. J Am Soc Echocardiogr 2002; 15:877-83.
  • 15. Mukhaini M, Argentin S, Morin JF, Benny C, Cusson D, Huynh T. Myocardial performance index as predictor of adverse outcomes following mitral valve surgery. Eur J Echocardiogr 2003;4:128-134.
  • 16. Nunes MC, Barbosa MM, Barral MM, Fraga FR, Silva AA, Rocha MOC. Análise do índice de performance miocárdica do ventrículo direito nas miocardiopatias chagásica e idiopática. Revista Brasileira de Ecocardiografia 2003; 1:45.
  • 17. Hole T, Skaerpe T. Myocardial performance index (Tei index) does not reflect long-term changes in left ventricular function after acute myocardial infarction. Echocardiography 2003; 20(1):1-7.
  • 18. Moller JE, Egstrup K, Kober L, et al. Prognostic importance of systolic and diastolic function after acute myocardial infarction. Am Heart J 2003; 145(1):147-53.
  • 19. Eidem BW, Sapp BG, Suarez CR, Cetta F. Usefulness of the myocardial performance index for early detection of anthracycline- induced cardiotoxicity in children. Am J Cardiol 2001;87:1120-22.
  • 20. Souza LP, Campos O, Moyses VA, et al. Valor prognóstico de variáveis ecodopplercardiográficas na previsão de insuficiência cardíaca precoce e tardia após o infarto agudo do miocárdio. Revista Brasileira de Ecocardiografia 2003; 1:48.
  • 21. Cury AF, Bonilha A, Saraiva R, et al. Relação entre o índice Doppler de performance miocárdica com os parâmetros de função sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo em ratas com infarto do miocárdio de diferentes tamanhos. Revista Brasileira de Ecocardiografia 2003;1:46
  • 22. Sasao H, Noda R, Hasegawa T, Endo A, Oimatsu H, Takada T. Prognostic value of the Tei index combining systolic and diastolic myocardial performance in patients with acute myocardial infarction treated by successful primary angioplasty. Heart Vessels 2004;19:68-74.
  • 23. Furukawa K, Ikeda S, Naito T, et al. Cardiac function in dialysis patients evaluated by Doppler echocardiography and its relation to intradialytic hypotension: a new index combining systolic and diastolic function. Clin Nephrol 2000; 53:18-24.
  • 24. Kurki TS, Häkkinen U, Lauharanta J, Ramo J, Leijala M. Evaluation of the relationship between preoperative risk scores, postoperative and total length of stays and hospital costs in coronary bypass surgery. Eur J Cardiothorac Surg 2001;1183-1187.
  • 25. Wouters SCW, Noyez L, Verheugt FWA, Brouwer R. Preoperative prediction of early mortality and morbidity in coronary bypass surgery. Cardiovasc Surg 2002;10: 500-505.
  • 26. Özdemir K, Bülent BA, Dams G, et al. Effect of the isolated left bundle branch block on systolic and diastolic functions of left ventricle. J Am Soc Echocardiogr 2001; 14:1075-9.
  • Correspondência:

    Iran Castro
    Rua Disnard, 42
    Porto Alegre, RS – 90850-030
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      25 Jul 2005
    • Recebido
      31 Mar 2005
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br