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Hipertensão arterial e saúde da família: atenção aos portadores em município de pequeno porte na região Sul do Brasil

Resumos

OBJETIVO: A partir da análise de indicadores, que expressem aproximação à lógica das ações programáticas, foi desenvolvido um estudo transversal com o objetivo de avaliar o desempenho de uma Equipe de Saúde da Família na atenção às pessoas portadoras de hipertensão arterial em município de pequeno porte. MÉTODOS: A pesquisa foi realizada a partir da análise das fichas de cadastro, Ficha A do Sistema de Informação de Atenção Básica, de 418 pessoas portadoras de hipertensão arterial, do registro de informações em 351 prontuários, localizados na unidade básica de saúde, em 376 entrevistas realizadas com os residentes na área de atuação da equipe, no ano de 2003. Foram estudadas as seguintes variáveis: sexo, idade, renda familiar, condições de moradia, serviço de saúde utilizado, presença de diabete melito, cobertura e concentração de atendimento. RESULTADOS: Mulheres com idade acima de sessenta anos predominaram: (65,7% dos casos). A taxa de prevalência de hipertensão arterial referida foi de 18%, sendo distinta entre os sexos: nas mulheres foi de 22,3%, a cobertura foi de 64,1% para consultas médicas, 32,4% para consultas de enfermagem e 36,4% para atendimentos médicos domiciliares. Os registros em prontuário revelaram que 25,8% dos portadores não foram atendidos em 2003 e 52,7% não receberem atendimento no último semestre. A concentração de atendimentos foi abaixo da preconizada. CONCLUSÃO: As informações revelaram distanciamento da organização da atenção na lógica da vigilância à saúde, prevalecendo o atendimento à demanda espontânea, expressando despreparo na utilização dos sistemas de informação para o planejamento e avaliação das ações.

Hipertensão arterial; ações programáticas; saúde da família; sistema de informação


OBJECTIVE: This transversal study was developed from the analysis of indicators which express the desirable approach for programmatic actions, with the objective of evaluating the performance of a Family Healthcare Center in its attendance to patients suffering from arterial hypertension living in a small municipal district. METHODS: The research was carried out starting from the analysis of the records of enrollment in the program, Record A from SIAB (Primary Care Information System), of 418 individuals suffering from arterial hypertension. It was also analyzed the information of 351 files from the health center. In addition, 376 interviews were carried out with individuals living in the vicinity of the health center, in the year of 2003. The following variables were studied: gender, age, family income, home conditions, health services used presence of diabetes mellitus, average number of individuals attended and attendance concentration. RESULTS: Women above 60 years of age prevailed in 65.7% of the cases. The hypertension prevalence rate on individuals who searched for care was of 18%, being different among gender, among women it was of 22.3%. The average number of appointments with a doctor was of 64.1%; 32.4% for appointments with a nurse, and 36.4% for home medical attendance. The information on files revealed that 25.8% of the individuals were not assisted in 2003 and 52.7% received no assistance in the last semester. The concentration of services was below preconization. CONCLUSION: The information revealed no organization on the attention to the preventive health care, focusing the assistance to a spontaneous demand, expressing unpreparedness in the use of information systems for the planning and evaluation of the actions.

Arterial hypertension; programmatic actions; family health; information system


ARTIGO ORIGINAL

Hipertensão arterial e saúde da família: atenção aos portadores em município de pequeno porte na região Sul do Brasil

Luciano Burigo de Sousa; Regina Kazue Tanno de Souza; Maria José Scochi

Universidade Estadual de Maringá - Londrina, PR

Correspondência Correspondência: Regina Kazue Tanno de Souza João Sampaio, 140/1101 86062-100 – Londrina, PR E-mail: regina.tanno@pucpr.br / reginatanno@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: A partir da análise de indicadores, que expressem aproximação à lógica das ações programáticas, foi desenvolvido um estudo transversal com o objetivo de avaliar o desempenho de uma Equipe de Saúde da Família na atenção às pessoas portadoras de hipertensão arterial em município de pequeno porte.

MÉTODOS: A pesquisa foi realizada a partir da análise das fichas de cadastro, Ficha A do Sistema de Informação de Atenção Básica, de 418 pessoas portadoras de hipertensão arterial, do registro de informações em 351 prontuários, localizados na unidade básica de saúde, em 376 entrevistas realizadas com os residentes na área de atuação da equipe, no ano de 2003. Foram estudadas as seguintes variáveis: sexo, idade, renda familiar, condições de moradia, serviço de saúde utilizado, presença de diabete melito, cobertura e concentração de atendimento.

RESULTADOS: Mulheres com idade acima de sessenta anos predominaram: (65,7% dos casos). A taxa de prevalência de hipertensão arterial referida foi de 18%, sendo distinta entre os sexos: nas mulheres foi de 22,3%, a cobertura foi de 64,1% para consultas médicas, 32,4% para consultas de enfermagem e 36,4% para atendimentos médicos domiciliares. Os registros em prontuário revelaram que 25,8% dos portadores não foram atendidos em 2003 e 52,7% não receberem atendimento no último semestre. A concentração de atendimentos foi abaixo da preconizada.

CONCLUSÃO: As informações revelaram distanciamento da organização da atenção na lógica da vigilância à saúde, prevalecendo o atendimento à demanda espontânea, expressando despreparo na utilização dos sistemas de informação para o planejamento e avaliação das ações.

Palavras-chave: Hipertensão arterial, ações programáticas, saúde da família, sistema de informação.

A crescente importância das doenças do aparelho circulatório no perfil epidemiológico da população brasileira, a partir da década de 1960, tem conduzido à proposição de documentos oficiais visando subsidiar a programação e implementação de atividades sistemáticas, com a finalidade de melhorar a saúde cardiovascular dos indivíduos. Nesse sentido, evidencia-se o controle da hipertensão arterial como importante condição para se evitar ocorrência dos agravos dessa natureza1,2.

Na Norma Operacional da Assistência à Saúde do Sistema Único de Saúde (NOAS/SUS)3, entre as ações estratégicas mínimas de responsabilidade dos municípios, o controle da hipertensão arterial, a ser desenvolvido por meio do diagnóstico de casos, no cadastramento de portadores, na busca ativa, no tratamento e nas ações educativas, figura como destaque na atenção básica.

Essas ações, previstas para serem executadas pelo Programa Saúde da Família (PSF), são apontadas pelo Ministério da Saúde como principal estratégia de organização da assistência primária. O que se percebe é que, apesar da orientação da vigilância à saúde das famílias e dos seus entornos, predomina, em grande parte do país, a falta de vínculo entre os portadores de hipertensão arterial e as unidades de saúde2.

Em muitas situações os atendimentos ocorrem de modo não sistemático ou nos serviços de emergência, identificando-se dificuldades da rede de agir baseada em critérios de risco. As equipes não estão preparadas para atuar programaticamente, sobressai o atendimento à demanda espontânea em contraposição à alternativa do trabalho programático e da oferta organizada, expressando ausência de planejamento para uma base populacional e despreparo no monitoramento e na avaliação da efetividade das ações desenvolvidas.

Conforme ressaltam Sala e cols.4, avaliar o desempenho dos serviços de saúde é, na atualidade, uma importante necessidade para as proposições que buscam aprimorar a qualidade da atenção. Assim sendo, a partir da análise da captação e cobertura da demanda programática para hipertensão arterial, da concentração de algumas modalidades de atendimento e da situação dos indicadores de acompanhamento das ações desenvolvidas, estabelecidos no Manual de Organização da Atenção Básica5, no presente estudo avalia-se o desempenho de uma Equipe de Saúde da Família de um município de pequeno porte da região Sul do país, na atenção à hipertensão arterial.

Utilizando como referência as proposições de Sala e cols.6, quanto às categorias orientadoras dos processos de avaliação em trabalhos organizados com base nas necessidades de saúde e no seguimento sistemático, analisam-se os indicadores que expressem a aproximação do trabalho de uma equipe à lógica da atenção assentada no princípio da vigilância à saúde e ações programáticas.

Métodos

O estudo foi desenvolvido em município de pequeno porte, com população aproximada de quinze mil habitantes, localizado na região Noroeste do Estado do Paraná, Sul do Brasil. O sistema de saúde é constituído por um hospital público e cinco equipes de saúde da família que cobrem 100% dos moradores.

A população de estudo foi constituída pelos indivíduos que referiram hipertensão arterial no ano de 2003, cadastrados no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), residentes na região urbana, sob a responsabilidade de uma equipe de saúde da família.

A fonte de dados foi constituída pelas informações contidas nas fichas A do SIAB, no caderno dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para o registro de atividades diárias, nos prontuários dos pacientes localizados na unidade básica de saúde e nas entrevistas domiciliares.

As variáveis estudadas foram: sexo, idade, alfabetização, renda familiar, número de pessoas na família, condições de moradia, presença de diabete melito, serviço de saúde utilizado, cobertura e concentração de atendimento.

Inicialmente, foi solicitado consentimento ao responsável pela instituição para coleta de dados. Com a autorização, o projeto foi encaminhado ao Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, para apreciação, aprovado pelo Parecer n.082/2004 - COPEP.

Na fase de coleta de dados, o ponto de partida foi a identificação de pessoas registradas como portadoras de hipertensão arterial nas fichas de cadastramento (Ficha A) do SIAB. Com os dados de identificação como sexo, idade, endereço, foi realizada uma conferência desses com os dos registros de atividades diárias nos cadernos dos ACS, excluindo-se as pessoas que, embora constassem no cadastro, não confirmaram a condição de portadores de hipertensão arterial por ocasião da visita domiciliar ou não eram residentes na área de abrangência da equipe de saúde da família (ESF) no ano de 2003. Além disso, procedeu-se à inclusão de pessoas não cadastradas no sistema de informação, mas que faziam parte do registro dos ACS. Assim, uma listagem com 385 pessoas, contendo nome, sexo e endereço, conforme as informações dos cadernos de registro do ACS, foi confeccionada (fig.1).


A fase seguinte foi o treinamento dos ACS para a coleta de dados no domicílio, utilizando um formulário específico. Toda coleta de dados foi supervisionada pelo pesquisador principal, médico da ESF (LBS). Antecedendo a coleta de dados, os ACS procediam à leitura do Termo de Consentimento e, das 385 pessoas identificadas, 376 assinaram e concordaram em fornecer as informações solicitadas.

A segunda etapa da coleta consistiu na consulta aos prontuários, pelo médico da ESF, para complementação dos dados, com revisão de 296 prontuários. Ressalte-se que, apesar de 351 pessoas incluídas no estudo terem prontuário na unidade, problemas como de arquivamento e outras dificuldades que inviabilizaram a localização impediram a obtenção de dados referentes a todas as variáveis estudadas. O processamento de dados foi realizado utilizando-se pacote Statistica 6,0.

A análise dos resultados foi realizada a partir dos seguintes definições:

- Capacidade de identificação/captação da demanda programática da hipertensão arterial baseada na prevalência referida da doença por ocasião do contato dos ACS com as famílias e, portanto, nem sempre com diagnóstico médico confirmado.

- Taxa de cobertura foi obtida relacionando-se número de pessoas da população estudada que utilizaram o atendimento médico ou do enfermeiro pelo menos uma vez durante o ano de 2003, dividido pelo número total de pessoas incluídas no estudo.

- Concentração de atendimentos, número de atendimentos realizados pelo médico ou enfermeiro durante o ano de 2003 e devidamente registrados no prontuário do paciente.

- Controle da hipertensão arterial – as categorias de análise foram definidas conforme a classificação apresentada nas IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial7.

Resultados

Das 418 pessoas registradas no SIAB em 2003 como portadoras de hipertensão arterial, 75 não fizeram parte da população estudada, em razão de: um por óbito antes de 2003; dois por mudança de endereço para fora da área de atuação da equipe; dez por não haver sido confirmada a hipertensão arterial nos registros da unidade de saúde e 62 cadastrados no sistema como residentes na área, mas não localizados pelos agentes comunitários nos endereços. A consulta a outra fonte de dado (registro das atividades dos agentes comunitários de saúde) revelou, ainda, que 42 casos que não constavam na ficha A estavam sendo acompanhados como hipertensos.

As inclusões e exclusões não ocorreram uniformemente nas cinco micro-áreas de atuação da equipe de saúde da família, pois 69,7% das inclusões e 80,9% das exclusões ocorreram em uma micro-área. Assim, a população de estudo foi constituída por 385 pessoas residentes na área de atuação da ESF, que em algum momento referiram hipertensão arterial e estavam sob acompanhamento dos ACS em 2003.

O estudo revelou um índice de identificação/captação (prevalência referida) de 12,6% de portadores de hipertensão arterial entre os residentes na área de atuação da ESF. Ao considerar as pessoas com vinte anos e mais esse índice passa para 18%. Essa identificação foi distinta de acordo com sexo e faixa etária. No sexo feminino a taxa de prevalência referida foi de 22,3%; no masculino foi de 13,2% (razão de 1,67). Observou-se aumento progressivo das taxas de acordo com a faixa etária e as razões de prevalência, tendo por categoria referência a faixa etária vinte a 39 anos. Nos demais grupos etários de quarenta a 49 anos; cinqüenta a 59 anos e sessenta ou mais anos, essas foram de 5,6; 10,7 e 24,3, respectivamente. Nenhum caso em menores de vinte anos foi observado. A idade variou de 21 a 103 anos, sendo a média de 63,6 e desvio padrão de 13,8 anos. Houve predomínio de idosos (65,7% com sessenta anos e mais) e das mulheres que corresponderam a 64,7% dos casos (tab. 1).

Quanto ao perfil sociodemográfico verificou-se baixo nível de escolarização, e mais de 80% cursaram no máximo até a quarta série do ensino fundamental; desses, metade é analfabeta. Em relação ao número de residentes no domicílio, 11,6% moram sozinhos e a maioria coabita domicílios com mais uma ou duas pessoas (62,7%). No que diz respeito às moradias, apenas 1,1% vivem em residências com até dois cômodos, e aproximadamente 90% com cinco ou mais cômodos. A renda familiar de 71,7% dos entrevistados foi de, no máximo, dois salários mínimos mensais, e 9% referiram renda familiar superior a cinco salários mínimos. Quanto à utilização de serviços de saúde, 91,8% dos entrevistados referiram utilizar o Sistema Único de Saúde (SUS), 5% eram usuários de plano de saúde com cobertura integral e 6,4% com cobertura parcial. A utilização de serviços particulares de saúde foi mencionada em 17,2% dos casos (tab. 2).

Entre as 385 pessoas estudadas, a prevalência referida de diabete melito foi de 16,4%. Constatou-se, ainda, a ocorrência de quatro óbitos (taxa de mortalidade de 10,4 por mil), treze referências a internações hospitalares por infarto agudo do miocárdio e 23 por acidente vascular cerebral. Na ocasião da última consulta, mais de 59% desses pacientes apresentavam pressão arterial elevada, sendo 50,9% com a pressão sistólica acima de 139 mmHg e 36,9% com pressão diastólica acima de 89 mmHg (tab. 3).

Relativamente ao tempo de hipertensão arterial, mais de 38% referiram que são portadores dessa doença há menos de seis anos. Com relação à data do último atendimento na unidade de saúde, o registro nos prontuários revelou que 25,8% não foram atendidos em 2003 e apenas 52,7% foram atendidos (na unidade básica ou em seu domicílio) no último semestre.

Entre as pessoas identificadas como portadoras da hipertensão arterial, a cobertura da Unidade Básica de Saúde, em 2003, foi de 64,1% para consulta médica, 32,4% para consulta de enfermagem e 36,4% para atendimento médico domiciliar. Relativamente à concentração de consultas médicas, 35,9% não consultaram nenhuma vez, 31,4% consultaram até duas vezes e 21,5% entre três e cinco vezes. Em 5,6% dos prontuários foram registrados mais de sete comparecimentos para essa finalidade. Quanto às consultas de enfermagem, a cobertura foi bem inferior, e 67,6% não consultaram com a enfermeira uma única vez, apesar de em um caso verificarem-se nove comparecimentos. No que diz respeito ao atendimento médico domiciliar, 36,4% dos usuários receberam atenção médica em suas moradias e em cinco casos (1,3%) o número de atendimentos foi superior a seis (tab. 4).

Discussão

A análise das exclusões (75) e inclusões (42) revela uma discordância entre os registros do SIAB e o caderno dos ACS. Essa situação provavelmente decorre da falta de utilização desses dados conforme as finalidades estabelecidas no Manual do SIAB, que em sua concepção visava, primordialmente, produzir relatórios e auxiliar as equipes, as unidades básicas de saúde e os gestores municipais no acompanhamento do trabalho e na avaliação da sua qualidade8.

Ressalte-se que, no serviço estudado, nenhum ACS tem acesso aos dados consolidados, e por essa razão estabeleceram sistema paralelo de anotação (cadernos) no acompanhamento das famílias da área em que atuam. Outras questões possivelmente relacionadas à baixa confiabilidade dos dados do SIAB referem-se à não-utilização pelos demais membros da equipe e à ausência de uma prática de supervisão dos ACS. Isso dificulta o conhecimento de suas atribuições e muitas vezes ocupa seu tempo com atividades alheias aos objetivos do programa de saúde da família. Ilustram também essa situação os 40,3% de analfabetos encontrados nas entrevistas, quase o dobro do valor registrado no SIAB.

Em relação às características socio-demográficas da população estudada, a ocorrência de 49,4% das residências com um ou dois moradores deve-se à elevada média de idade da população e à saída dos filhos para constituir novos núcleos familiares ou mudança de município, em busca de oportunidades de emprego. A média de pessoas por domicílio (2,8) foi inferior aos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios9, que trazem uma média de 3,4 para a população brasileira e 3,3 para a região Sul do país. A renda familiar também se mostrou inferior à da população brasileira, com 71,7% dos entrevistados com renda familiar mensal de até dois salários mínimos, diferindo dos 27,8% referidos para a população brasileira e dos 22,2% para a região Sul10. Provavelmente essa situação se explique pela alta proporção de idosos. A baixa renda, assim como o porcentual de analfabetismo, revela piores condições socio-econômicas das pessoas portadores de hipertensão arterial residentes na área de atuação da equipe, comparativamente ao conjunto da população.

A taxa de prevalência referida de hipertensão arterial de 18% (para faixa etária de vinte anos e mais), encontrada pelo estudo para a área de atuação da equipe de saúde da família, apesar de superior à prevalência de 16,4% do município8, pode estar subestimada, visto que é inferior aos 20% apresentados pelo Ministério da Saúde5 para essa mesma faixa etária. Nas IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial a taxa de prevalência mencionada varia de 23,3% a 43,9%7.

A tendência crescente de hipertensão arterial com o aumento da idade também é concordante aos outros estudos semelhantes4,6,11,12. Analisando isoladamente a população feminina, a taxa de prevalência de 22,3% está mais próxima da referida na literatura. Já na população masculina, a taxa encontrada foi consideravelmente baixa (13,2% aproximadamente). Esses resultados diferem do estudo realizado em Araraquara SP, onde Lolio e cols.12 encontraram taxas de 32% para a população masculina e 25,3% para a população feminina.

Provavelmente a subidentificação no sexo masculino, encontrada neste estudo, se deva ao fato de os homens procurarem menos os serviços de saúde que as mulheres, pois Sala e cols.13 observaram uma maior demanda de mulheres em uma unidade básica de saúde do bairro do Butantã, em São Paulo. Além disso, conforme Almeida e cols.14, as mulheres tendem a informar, mais do que os homens, os problemas de saúde. A partir de 75 anos, a prevalência de hipertensão, observada na população masculina, aproximou-se da observada na população feminina.

Uma possível explicação seria o fato de os homens mais idosos apresentarem uma maior freqüência de comorbidades que os levam a procurar um serviço de saúde, assim como pelo fato de terem maior disponibilidade de tempo nessa faixa etária.

Essa situação, contudo, apresenta-se como preocupante: a menor prevalência referida entre os homens é sugestiva das barreiras enfrentadas pelos adultos jovens, principalmente do sexo masculino, na utilização de serviços. As dificuldades de acesso aos serviços e os aspectos de comportamento que determinam a procura espontânea de cuidados curativos ou preventivos são fatores que podem influenciar na prevalência de complicações de órgãos-alvo da hipertensão arterial15.

Nesse sentido, os mecanismos de captação definidos pela equipe, baseados na morbidade referida, têm se mostrado insuficientes, pois, conforme estudo realizado por Oliveira & Nogueira16, em município próximo, a prevalência estimada foi de 35,3%, verificando também os autores que 53,4% dos hipertensos desconheciam sua condição.

Essas constatações se revestem de maior relevância ao considerar que o porcentual de utilização do SUS é superior a 90%, bem acima do divulgado pela Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar9. Conforme esta pesquisa, 49,3% das pessoas que consultaram nas duas semanas que antecederam a entrevista utilizaram o SUS. Para os portadores de doenças crônicas, como é o caso da hipertensão, o porcentual de utilização do serviço público chegou a 53,1%. Ressalta-se, no presente estudo, que até mesmo entre os 8,2% que responderam que não utilizam o SUS, 12,9% consultaram pelo menos uma vez na unidade básica de saúde.

Acresce ainda o fato de, entre os que referiram utilizar serviço de saúde particular (17,2%), 44,6% terem consultado na unidade básica de saúde e 20% desses consultaram de três a cinco vezes. Por fim, a análise das características revela uma população de baixo poder aquisitivo, com grande importância do SUS na sua atenção, pois apenas uma pequena parte tem acesso aos serviços de saúde alternativos ao sistema público.

A cobertura por consulta foi baixa, pois quase 36% dos portadores de hipertensão arterial não consultaram com o médico nenhuma vez; para a enfermagem, esse porcentual foi mais elevado ainda (67,6%).

Em um estudo realizado em São Paulo5, com portadores de doenças crônicas (hipertensão e diabetes), observou-se que 47,9% destes pacientes consultaram entre três e cinco vezes. A diferença entre os números do presente estudo explica-se pela falta de sistematização do atendimento para portadores de doenças crônicas, como a hipertensão arterial, apesar da existência de vários documentos oficiais sobre o tema, em especial, voltados para a atenção básica1,2,5.

No caso das visitas domiciliares, a cobertura das visitas médicas está de acordo com a esperada, tendo em vista a priorização das famílias com indivíduos acamados e as internações domiciliares.

Conforme destacam Sala e cols.13, a obtenção de uma cobertura expressiva de indivíduos com risco para doenças cardiovasculares é fundamental para se observar modificação significativa no perfil epidemiológico, pois o grupo de indivíduos com risco para doenças cardiovasculares não produz a maioria dos casos de doença, na medida em que é um grupo numericamente bem menor que o dos indivíduos de baixo risco (muitas vezes não objeto dos programas de saúde).

A dificuldade de reversão do modelo assistencial também se torna notória ao se analisar os dados relativos ao último atendimento, pois apenas 32% dos entrevistados foram atendidos no último trimestre de 2003. Esses resultados revelam a dificuldade de efetivação das normas e condutas padronizadas, apesar de oficialmente estabelecidos desde 1983 com a divulgação do "Guia para controle de hipertensão arterial"1.

No tocante à efetividade, que se constitui em medida do alcance dos resultados estratégicos apreensíveis nos usuários do serviço, o indicador, no caso do controle e tratamento de hipertensão, tem sido o coeficiente de hospitalização por acidente vascular cerebral (AVC) e infarto agudo do miocárdio (IAM)5,6.

Desse modo, relativamente aos casos de IAM, possivelmente pode ter acontecido uma superidentificação, haja vista que não houve nenhum caso de óbito decorrente dessa doença no ano de 2003. Outras doenças isquêmicas do coração podem ter sido confundidas com infarto do miocárdio. No que se refere aos casos de AVC, pode ter ocorrido o mesmo fato, pois houve apenas um caso de óbito por essa doença, e o Ministério da Saúde2 faz referência a uma taxa de letalidade de 50% no primeiro mês, entre os casos acometidos. Os resultados obtidos por meio de relato dos entrevistados sugerem baixa confiabilidade quanto a esse aspecto e aponta a necessidade da equipe, no seu trabalho de monitoramento das complicações, utilizar vários sistemas de informação, como o de Mortalidade (SIM) e de Internação Hospitalar (SIH).

Com relação aos óbitos, dois ocorreram por doenças neoplásicas, um por acidente vascular cerebral e um teve sua causa ignorada pelo estudo. A taxa de mortalidade encontrada (10,6 por mil habitantes) não foi superior aos 10,8 por mil da população geral da equipe de saúde estudada. Esperava-se uma mortalidade maior, em razão da hipertensão arterial e da idade das pessoas incluídas na pesquisa. Entretanto, o valor encontrado foi superior à taxa de mortalidade de 7,6 por mil do município, conforme dados oficiais, e a do país e do estado (6,3 por mil e 6,2 por mil respectivamente). Provavelmente, as taxas observadas para a população estudada retratem a realidade, pois, sendo o óbito um evento marcante, para os familiares e comunidade, dificilmente deixaria de ser mencionado pelos familiares entrevistados e os resultados se devam a flutuações que podem ocorrer nos dados de mortalidade entre um ano e outro, quando o número de eventos é bastante reduzido.

Os casos de hospitalizações, contudo, assim como os problemas na confiabilidade dos dados do SIAB recomendam a necessidade de apropriação de múltiplos sistemas de informações, no planejamento das ações, a fim de evitar tanto as superestimações quanto as subenumerações.

O elevado número de pacientes com pressão arterial alterada, apesar da maior parte já estar realizando algum tipo de tratamento, demonstra a falta de efetividade da atenção dirigida a esses pacientes. A exemplo do que ocorre com a hipertensão, possivelmente estejam ocorrendo falhas no controle a outras doenças crônicas (diabetes, dislipidemias, obesidade), o que aumenta consideravelmente o risco para complicações cardiovasculares. É provável que os problemas encontrados não sejam específicos da atenção aos portadores de hipertensão, mas refletem dificuldade de implementar modelo assistencial alternativo. Fica clara a importância da reorganização do trabalho com base nas necessidades de saúde e atuação na lógica da vigilância da saúde e das ações programáticas. Evidencia-se a necessidade de uma definição da abrangência populacional (adscrição de clientela) para um melhor conhecimento da realidade das famílias com ênfase nas suas características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas, para a prestação de uma assistência integral à população adscrita, conforme ressalta o Guia Prático do Programa Saúde da Família3. Outro ponto importante diz respeito ao ajuste da relação oferta-demanda, visando ofertar recursos adequados e oportunos para garantir à população e às equipes de saúde da família o enfrentamento dos problemas e a continuidade dos tratamentos.

A identificação insuficiente dos casos de hipertensão, principalmente no gênero masculino, constitui outro impedimento para o efetivo funcionamento da assistência à população. Para superação dessa dificuldade destaca-se a necessidade de intensificação da busca ativa para obtenção de diagnóstico, até por que, segundo Almeida e cols.14, a morbidade auto-referida tende a subestimar a prevalência de hipertensão arterial.

A prevalência referida de 18%, a baixa cobertura dos serviços, da mesma forma que a quantidade inadequada de atendimento é decorrente da falta de uma prática avaliativa das ações coletivamente desenvolvidas pela equipe, e por isso a não-valorização dos sistemas de informação disponíveis. Esses sistemas devem ser vistos como uma ferramenta para a avaliação e planejamento das atividades, ressaltando a sua importância e evitando seu preenchimento com a finalidade pura e simples de receber incentivos federais. Conforme ressaltam Pinheiro & Escosteguy17, é necessário incorporar a avaliação da qualidade dos serviços de saúde no planejamento e na tomada de decisão em nível local que possibilite, em última análise, a melhoria da qualidade da oferta dos serviços de saúde.

Recebido em 12/04/05

Aceito em 08/12/05

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  • Correspondência:

    Regina Kazue Tanno de Souza
    João Sampaio, 140/1101
    86062-100 – Londrina, PR
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Recebido
      12 Abr 2005
    • Aceito
      08 Dez 2005
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