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Comportamento das variáveis cardiovasculares, ventilatórias e metabólicas durante o exercício: diferenças entre crianças e adultos

ATUALIZAÇÃO CLÍNICA

Comportamento das variáveis cardiovasculares, ventilatórias e metabólicas durante o exercício: diferenças entre crianças e adultos

Danilo Marcelo Leite de Prado; Rodrigo Gonçalves Dias; Ivani Credidio Trombetta

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – InCor, Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo - FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Danilo Marcelo Leite do Prado Av. Dr. Arnaldo, 455, Sala 4305 05403-900 – São Paulo, SP E-mail: danilomprado@usp.br

Palavras-chave: Crianças, exercício físico, comportamento cardiovascular, ventilatório e metabólico.

Com a crescente popularidade e a ênfase sobre os benefícios do condicionamento físico na criança, devemos compreender os aspectos fisiológicos relacionados ao exercício na população pediátrica. As crianças não devem ser vistas como "miniatura de adultos"1, elas são únicas e apresentam particularidades em cada estágio do seu crescimento. O desenvolvimento dos sistemas musculoesquelético, nervoso e endócrino dita, em grande parte, seus limites fisiológicos e metabólicos diante do esforço1,2. Atualmente, tem-se verificado um interesse crescente na pesquisa sobre o crescimento e desenvolvimento fisiológico de crianças e adolescentes e, conseqüentemente, sobre os mecanismos envolvidos no comportamento cardiorrespiratório e metabólico observado na população pediátrica durante a prática do exercício físico. De fato, certos autores2-5 atribuem as diferentes respostas fisiológicas e metabólicas observadas em crianças durante a prática do exercício físico ao nível de maturação biológica apresentado por elas, já que à medida que elas crescem, também desenvolvem quase todas as suas capacidades funcionais.

Num elegante estudo, Vinet e cols.3 observaram que crianças pré-púberes apresentam menores valores de débito cardíaco no pico do exercício, quando comparadas a jovens adultos. Com relação ao metabolismo celular, vários estudos têm observado que as crianças apresentam uma atenuada eficiência na atividade glicolítica durante a prática do exercício físico quando comparadas a indivíduos adultos1,5-7. Na fase do estirão de crescimento pubertário importantes hormônios (somatotropina, fatores de crescimento semelhantes à insulina e hormônios esteróides sexuais) são liberados na corrente sangüínea1,2. Nesse período há aumento da massa corporal magra, e essa mudança na composição corporal influencia positivamente o desenvolvimento das capacidades físicas e desempenho durante a adolescência.

Vários aspectos das adaptações biológicas ao exercício em crianças e adolescentes devem, portanto, ser considerados. Quais alterações fisiológicas em resposta ao exercício ocorrem com a idade, quando crianças e adolescentes estão com o mesmo dispêndio absoluto de potência ao desempenhar suas tarefas? Há diferenças significativas nas respostas cardiovasculares, ventilatórias e metabólicas às diferentes demandas (submáxima ou máxima) de exercício no indivíduo em crescimento? (Tab. 1)

A seguir serão apresentados diferentes estudos que mostram os possíveis mecanismos morfofuncionais que tornam diferenciada a responsividade cardiovascular, ventilatória e metabólica durante o esforço físico observado em crianças.

Aspectos cardiovasculares

No que diz respeito aos parâmetros cardiovasculares, tais como freqüência cardíaca (FC), volume de ejeção sistólico (VS), débito cardíaco (DC) e diferença arteriovenosa de oxigênio (diferença a-vO2), é sabido que a população pediátrica apresenta um comportamento diferenciado tanto no nível submáximo como no máximo de esforço, em relação ao observado em seus congêneres adultos2,3,8,9. As possíveis causas podem ser: 1) menor volume cardíaco e sangüíneo2,3,8; 2) maior estimulação dos quimiorreceptores periféricos8; 3) níveis mais baixos de catecolaminas circulantes10; 4) menor responsividade dos receptores beta-adrenérgicos11 e 5) diferença no ajuste dos mecanismos de termorregulação12,13.

Freqüência cardíaca

A freqüência cardíaca, um importante parâmetro utilizado no controle de intensidade do treinamento físico, apresenta uma resposta exacerbada em crianças2,3,8,9,12. Para Vinet e cols.3, essa maior atividade cronotrópica observada em crianças para uma mesma demanda de trabalho deve-se a um mecanismo compensatório relacionado ao menor volume do coração, menor volume sangüíneo e, subseqüentemente, a um menor volume de ejeção sistólico (fig. 1). Turley & Wilmore8, por sua vez, atribuem a essa resposta cronotrópica exacerbada a maior ativação dos quimiorreceptores periféricos em relação a um maior acúmulo de subprodutos do metabolismo muscular. Segundo esses autores, essa maior estimulação aferente observada em crianças pode estar relacionada ao recrutamento de menor quantidade absoluta de tecido muscular para uma mesma demanda de trabalho, impondo maior solicitação mecânica por unidade de músculo.


Esse parece ser o caso, pois estudos comparando a resposta cronotrópica em indivíduos adultos para uma mesma demanda de trabalho encontraram maior freqüência cardíaca para os exercícios realizados com pequenos grupos musculares, em relação aos que utilizaram os grandes grupos musculares14,15. Entretanto Turley16, em sua investigação com o propósito de analisar a influência metaborreflexa no cronotropismo durante o exercício isométrico, observou que o metaborreflexo muscular influencia de modo semelhante a resposta cronotrópica entre crianças e adultos.

Para Bar-Or12, o maior cronotropismo observado em crianças para uma dada intensidade submáxima de exercício pode estar relacionado em parte às diferenças na modulação da temperatura corporal. As crianças apresentam uma reduzida capacidade evaporativa de dissipação do calor corporal, em razão de que dependem mais das vias da convecção e radiação12,13. A efetiva perda de calor por essas vias (convecção e radiação) aumenta a redistribuição do fluxo sangüíneo para as áreas superficiais corporais às expensas do volume sangüíneo central, provocando desse modo um desvio para cima da frequência cardíaca (desvio cardiovascular) para manutenção de um dado débito.

Volume de ejeção sistólico

O volume de ejeção sistólico, ou seja, a quantidade de sangue ejetada do ventrículo esquerdo durante uma sístole, apresenta uma cinética curvilínea em crianças durante o exercício físico progressivo3,9,17,18, o mesmo comportamento observado em indivíduos adultos19,20. Num elegante estudo, Rowland e cols.17, utilizando a ecocardiografia com Doppler e bidimensional atribuiu, a esse comportamento curvilíneo (platô) os seguintes mecanismos: 1) a vasodilatação periférica desempenhando um importante papel no aumento inicial do VS (menor pós-carga); 2) valores mais altos de freqüência cardíaca nas cargas mais elevadas de trabalho, mantendo estável o VS (platô) e a dimensão diastólica ventricular esquerda e 3) a maior responsividade em relação a contratilidade (inotropismo) auxiliando na manutenção do VS em relação as cargas mais elevadas de trabalho.

Já para Nottin e cols.18, o comportamento curvilíneo observado em crianças deve-se a uma combinação de pré-carga, pós-carga e contratilidade miocárdica. Segundo os autores18, o principal achado da presente investigação foi o fato de que crianças e adultos utilizam mecanismos similares em relação a adaptação do VS diante do exercício físico progressivo. Apesar da cinética do VS ser semelhante entre crianças e adultos, a população pediátrica apresenta uma resposta inotrópica atenuada e, como conseqüência, menores valores de VS, tanto no repouso como durante a realização do exercício (submáximo ou máximo), em relação ao observado em seus congêneres adultos2,3,8,9 (fig. 2). Os possíveis mecanismos sugeridos para essa atenuada atividade sistólica observada em crianças são: 1) menor volume cardíaco e sangüíneo2,3,8; 2) níveis mais baixos de catecolaminas circulantes10; 3) menor responsividade dos receptores beta-adrenérgicos11 e 4) menor inotropismo das células miocárdicas21.


Para Rowland e cols.9, o menor VS observado em crianças tanto no repouso como durante o exercício físico está estreitamente relacionado aos aspectos morfológicos (menor volume cardíaco e menor volume sangüíneo) e não aos funcionais, conforme postulado por outros estudos11,21. Segundo os autores, não há indícios de que a contratilidade miocárdica possa ser menor em crianças e tenda a aumentar na maturidade física. Os autores chegaram a essa conclusão observando valores idênticos entre crianças e adultos para o tempo de intervalo sistólico (marcador da contratilidade miocárdica) e na fração de ejeção ventricular esquerda, quantificada por meio da ecocardiografia.

Débito cardíaco

O débito cardíaco, ou seja, o produto da frequência cardíaca pelo volume de ejeção sistólico pode ser definido como o volume de sangue ejetado do ventrículo esquerdo a cada minuto22. De fato, essa variável apresenta menores valores para todos os níveis de intensidade relativa de exercício na população pediátrica3,8,23 (fig.3). Para Vinet e cols.3, os menores valores de débito cardíaco observados em crianças para uma determinada demanda de trabalho estão relacionados principalmente ao menor volume sangüíneo e cardíaco. Turley & Wilmore8 observaram que o débito cardíaco para uma dada demanda de trabalho (VO2) foi de 1,0 a 2,9 l/min mais baixo em crianças, em relação ao verificado em indivíduos adultos ao se exercitarem tanto em bicicleta como em esteira ergométrica, respectivamente. Os autores8 atribuíram esses achados ao menor volume cardíaco, assim como ao menor volume de ejeção sistólico.


Já Miyamura e cols.23 observaram em estudos transversais que o débito cardíaco máximo aumentou de 12,5 para 21,1 l/min em garotos com idade entre dez e vinte anos, respectivamente. Segundo Malina & Bouchard2, as dimensões do coração aumentam no transcorrer da idade até o alcance da maturação biológica paralelamente ao crescimento da massa corporal, e esse aumento está relacionado tanto com a elevação do volume de ejeção sistólico como do débito cardíaco.

Diferença a-vO2

A diferença arteriovenosa de oxigênio pode ser definida como a diferença no conteúdo de oxigênio entre o sangue arterial e venoso misto22. Essa variável fisiológica reflete a eficiência na extração de oxigênio em nível periférico por parte dos tecidos metabolicamente ativos. De fato, para uma determinada intensidade submáxima absoluta de exercício (VO2), as crianças apresentam valores mais elevados de diferença a-vO2 para compensar o menor débito cardíaco em relação ao observado em suas contrapartes adultas2,8,24 (fig. 4). Para Turley & Wilmore8, a maior eficiência observada em crianças no que concerne à extração de oxigênio em nível periférico está relacionada: 1) à intensificação na liberação de oxigênio pela hemoglobina em razão de maior acúmulo de coprodutos do metabolismo tecidual, assim como maior produção de calor por unidade de músculo (efeito Bohr); e 2) à maior vasodilatação das arteríolas que irrigam os músculos ativos com possível aumento da perfusão sangüínea muscular. Primeiramente, as crianças gastam mais energia por quilograma de peso para desempenhar o mesmo trabalho que os adultos (elas apresentam uma economia de energia muito pobre, durante o exercício); esse é o motivo de a criança produzir uma quantidade maior de calor relativo à sua massa corporal do que produzem os adultos para o desempenho do mesmo trabalho2. Esse mecanismo, conhecido como efeito Bohr, é um fator crucial para a maior descarga de oxigênio pela hemoglobina22,25.


Koch26,27 observou, em crianças ao se exercitarem em cicloergômetro, maior perfusão sangüínea muscular em relação ao verificado em indivíduos adultos para uma mesma demanda de trabalho. No entanto, para níveis máximos de trabalho, a população pediátrica apresenta menores valores3,9. Rowland e cols.9 observaram valores mais baixos de diferença a-vO2 no pico do exercício em crianças em relação ao verificado em indivíduos adultos, sendo esses valores de 13,9 e 17,2 ml/100ml, respectivamente. Segundo os autores9, esse achado pode ser explicado em parte pela menor concentração de oxigênio no sangue arterial, refletida por níveis mais baixos de hemoglobina circulante conforme observado em crianças2,8.

Aspectos ventilatórios

Os volumes e as capacidades pulmonares estáticas, como volume corrente, volume de reserva inspiratório, volume de reserva expiratório, capacidade vital forçada, volume pulmonar residual e capacidade pulmonar total, assim como os volumes pulmonares dinâmicos, tais como volume expiratório forçado e ventilação voluntária máxima, fornecem indícios da evolução e da eficiência funcional do crescimento do sistema respiratório da criança2. Esses volumes e capacidades apresentam alterações acentuadas com a idade, com todos os volumes pulmonares aumentando até o final do crescimento2,22.

Alterações desses volumes e capacidades, no entanto, combinam com as alterações da ventilação máxima que podem ser conseguidas durante o exercício exaustivo; essa ventilação máxima é denominada ventilação expiratória máxima (VEmáx), ou ventilação minuto máxima22. Por exemplo, estudos transversos mostram que a média da VEmáx é de aproximadamente 40 l/min para meninos de quatro a seis anos de idade, e aumenta para 110 a 140 l/min na maturidade completa. Essas alterações estão associadas ao crescimento do sistema pulmonar, o qual acompanha os padrões gerais de crescimento da criança22. Para Malina & Bouchard2, o aumento dos volumes e das capacidades pulmonares, tanto estáticos quanto dinâmicos, estão intimamente relacionados com o crescimento em estatura da criança.

Ventilação minuto

A ventilação minuto (VE), ou seja, o produto da freqüência respiratória (FR) pelo volume corrente (VC), pode ser definida como o volume de ar movimentado pelos pulmões a cada minuto22. De fato, variáveis ventilatórias como FR, VC e VE estão estreitamente associadas com as características antropométricas da criança, particularmente massa corporal e estatura28. Rowland & Cunningham4 observaram em crianças pré-púberes que, com o avançar da idade, a FR mostra um declínio progressivo e o VC apresenta um aumento linear estabilizando-se na maturidade física, tanto para uma dada intensidade submáxima como para máxima de trabalho.

Quando as crianças são submetidas a uma determinada intensidade submáxima absoluta de exercício, por exemplo 60 watts em um cicloergômetro, a intensidade das respostas ventilatórias mostra-se exacerbada em relação ao verificado em indivíduos adultos, diminuindo progressivamente com o transcorrer da idade2,4. Rowland & Cunningham4 verificaram, num período de cinco anos, um declínio progressivo na variável equivalente ventilatória de oxigênio (VE/VO2) tanto para uma determinada intensidade submáxima absoluta como para o pico do esforço (fig. 5).


Parte da explicação para essa menor eficiência ventilatória observada na população pediátrica relaciona–se à mecânica da ventilação. De fato, Lanteri & Sly29 verificaram que, com o avançar da idade, há elevação progressiva na complacência do tecido pulmonar e diminuição da resistência ao fluxo aéreo. Em contrapartida, Springer e cols.30, assim como Gratas-Delamarche e cols.31, atribuem a menor eficiência ventilatória observada em crianças, a mecanismos neuro-humorais. Segundo esses autores, as crianças apresentam um setpoint dos quimiorreceptores periféricos mais baixo para modulação da PCO2 arterial, resultando em uma hiperpnéia exacerbada. Esses dados são refletidos por valores mais elevados de VE/VO2 para uma mesma demanda metabólica, em comparação a seus congêneres adultos.

Para níveis máximos de trabalho, no entanto, as crianças apresentam menores valores de ventilação minuto. Rowland & Cunningham4 observaram uma relação positiva entre idade cronológica e ventilação minuto máxima. Já Prioux e cols.32 verificaram uma relação direta entre aumento de massa corporal magra e ventilação minuto máxima. Rutenfranz e cols.33 observaram em crianças com idade entre oito e dezessete anos a existência de uma relação positiva entre estatura e ventilação minuto máxima.

Certamente, os valores mais elevados de VE no pico do exercício, alcançados pela população pediátrica com o avançar da idade, estão relacionados com os níveis de maturação somática, apresentando uma relação direta com o crescimento do sistema pulmonar2,32,33.

Aspectos metabólicos

Metabolismo anaeróbico

A produção de energia anaeróbica é importante, pois muitas das atividades realizadas por crianças envolvem explosões de dispêndio de energia ou sprints, ao contrário de atividades de intensidade moderada por períodos mais prolongados2. As necessidades energéticas da criança em exercício, portanto, nem sempre podem ser atendidas pela predominância das propriedades oxidativas do tecido muscular em atividade, quando os mecanismos de produção de energia anaeróbia devem entrar em cena para permitir a realização dessas tarefas.

De fato, a população pediátrica apresenta menor capacidade anaeróbica em relação ao verificado em indivíduos adultos1,2,5-7, não sendo possível identificar um fator morfológico, fisiológico ou bioquímico isolado que determine essa menor capacidade de desempenho sob condições de anaerobiose. Pelo contrário, a menor eficiência anaeróbica observada em crianças advém da interação desses fatores, da qual algumas das possíveis explicações para essa atenuada capacidade anaeróbica são: 1) diferenças no padrão de recrutamento das unidades motoras1,34; 2) diferenças na tipagem das fibras musculares esqueléticas1,35,36; 3) níveis tissulares mais baixos de glicogênio intramuscular1,37-39; 4) reduzida atividade de catálise das enzimas glicolíticas-chave como a fosfofrutoquinase (PFK) e a lactato desidrogenase (LDH)1,2,6,7,38 e 5) reduzida atividade glicogenolítica muscular por modificação covalente40. Evidências sugerem que parte da melhoria observada no desempenho anaeróbico em crianças, à medida que crescem, deve-se ao aumento da mielinização das fibras nervosas no córtex motor22, melhorando desse modo a coordenação e ativação das unidades motoras34.

Num elegante estudo, Atomi e cols.35 observaram que a área porcentual das fibras musculares oxidativas (tipo I) é maior em crianças antes da puberdade, quando comparada à das fibras musculares glicolíticas (tipo II). Além disso, existem evidências em estudos transversais de que crianças possuem uma alta porcentagem de fibras musculares oxidativas em relação às fibras musculares glicolíticas, comparando-se com adultos, sugerindo a possibilidade de mudança com maior participação das fibras musculares glicolíticas com o avançar da idade36. Dentro de um outro espectro, estudos37,38 mostram que o conteúdo tissular de glicogênio muscular em crianças é cerca de 50% a 60% da concentração de adultos.

Eriksson & Saltin39 observaram em crianças com média de idade de 11,6 anos uma concentração de glicogênio intramuscular por volta de 54 mmol/kg, e em crianças com média de idade de 12,6, 13,5, e 15,5 anos os níveis desse substrato energético foram de 70, 69 e 87 mmol/kg, respectivamente. Em outra investigação, Eriksson e cols.37 encontraram uma atividade de catálise cerca de 50% mais baixa para a enzima fosfofrutoquinase (PFK) em crianças pré-púberes, em relação ao observado em indivíduos adultos. Confirmando essa imaturidade glicolítica observada em crianças, é sabido que elas apresentam menor taxa de conversão do glicogênio muscular em lactato para refosforilação dos estoques limitados de ATP, durante atividades de caráter de predomínio tanto aeróbico quanto anaeróbico. Parte da explicação para essa reduzida atividade glicogenolítica muscular relaciona-se a menor liberação de epinefrina, o que pode estar associado com uma baixa atividade nervosa simpática, refletindo uma atenuada ativação da glicogenólise muscular por modificação covalente9.

A quantificação da influência dos aspectos maturacionais biológicos sobre o metabolismo energético infantil pode ser analisada por meio da espectroscopia por ressonância nuclear magnética de fósforo. Num elegante estudo, Zanconato e cols.40 verificaram que as crianças apresentam um menor aumento na relação entre fosfato inorgânico/creatina fosfato (Pi/PC) e menor diminuição do pH intramuscular, em relação ao observado em suas contrapartes adultas, sugerindo que a população pediátrica apresenta menor capacidade de ativação da refosforilação do ATP através das vias anaeróbias (alática e lática) durante o exercício físico de alta intensidade.

Metabolismo aeróbico

O metabolismo aeróbico, também denominado oxidativo, está relacionado diretamente com a capacidade dos tecidos metabolicamente ativos (musculatura esquelética) em atender às demandas de ATP do exercício, por meio das reações acopladas do ciclo de Krebs e da cadeia de transporte de elétrons que se processam nas mitocôndrias22. Os fatores que irão caracterizar uma alta capacidade oxidativa tecidual periférica são41: 1) maior quantidade das fibras musculares esqueléticas do tipo I; 2) maior densidade mitocondrial; 3) maior concentração e atividade de catálise das enzimas oxidativas e 4) maior densidade capilar.

Conforme abordado antes, diferentes estudos1,35,36 observaram em crianças um alto percentual de fibras do tipo I sugerindo maior capacidade oxidativa periférica em relação às suas contrapartes adultas. Em sua investigação, Haralambie42 verificou que as enzimas oxidativas do ciclo de Krebs (isocitrato desidrogenase, fumarase e malato desidrogenase) apresentam atividade de catálise exacerbada em crianças, quando comparadas aos adultos. No mesmo estudo, o autor observou uma diferença na razão da fosfofrutoquinase/isocitrato desidrogenase entre crianças e adultos (0,884 e 1,633, respectivamente), indicando maior taxa de oxidação do piruvato por parte da população pediátrica.

Utilizando os procedimentos da espectroscopia por ressonância nuclear magnética de fósforo, Zanconato e cols.40 sugeriram que crianças apresentam uma taxa elevada de fosforilação oxidativa durante exercícios intensos, atribuindo esse achado tanto à maior densidade capilar como à mitocondrial. No entanto, Bell e cols.43 encontraram uma relação entre volume mitocondrial e miofibrilar similar entre crianças pré-púberes e indivíduos adultos.

Rowland e cols.44, utilizando a análise dos gases expirados (ergoespirometria) como forma indireta de inferir a mistura de macronutrientes que está sendo metabolizada durante um exercício físico em ritmo estável (steady–state)1, observaram que, para uma determinada intensidade submáxima absoluta de exercício, crianças pré-púberes apresentam valores significantemente menores de RER (razão da troca respiratória) em relação a indivíduos adultos. Esses dados sugerem que as crianças são mais adaptadas para a utilização das gorduras como fonte provedora de energia durante um exercício em ritmo estável, o que pode estar associado a um maior maquinismo metabólico, isto é (maior densidade mitocondrial e maior concentração e atividade das enzimas oxidativas)1,22.

Considerações Finais

As crianças, ainda em fase de crescimento, apresentam tanto as características morfológicas quanto as funcionais em processo de desenvolvimento. Muitas dessas características maturacionais-dependentes respondem de modo diferenciado ao estresse fisiológico induzido pelo exercício físico. É importante levarmos em consideração essas particularidades apresentadas pelo organismo infantil, em que o correto entendimento dos aspectos fisiológicos e metabólicos durante a realização do exercício físico é de suma importância para uma correta prescrição do treinamento físico. Dessa forma, um programa de treinamento físico para a população pediátrica merece atenção e cuidados em sua formulação.

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Recebido em 14/10/05

Aceito em 08/12/05

  • Correspondência:

    Danilo Marcelo Leite do Prado
    Av. Dr. Arnaldo, 455, Sala 4305
    05403-900 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006
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