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A avaliação do stent coronariano pela tomografia computadorizada cardiovascular

EDITORIAL

A avaliação do stent coronariano pela tomografia computadorizada cardiovascular

Carlos Eduardo Rochitte

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP – São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Carlos Eduardo Rochitte InCor Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Andar AB 05403-904 – São Paulo, SP E-mail: rochitte@incor.usp.br

O tratamento percutâneo da doença arterial coronariana (DAC) apresentou grande evolução com a utilização das endopróteses coronariana (stents)1. A angioplastia coronariana com implante de stents é, hoje, o procedimento mais utilizado nessa afecção (mais de 80%). O uso de stents farmacológicos2 na doença multiarterial eleva ainda mais o número de stents implantados.

Paralelamente a esse fenômeno, a tomografia computadorizada cardiovascular (TCC), em particular a angiografia coronariana por tomografia de múltiplos detectores (TCMD), está levando à detecção cada vez mais freqüente de DAC, o que, potencialmente, acarreta maior número de tratamentos percutâneos.

A expectativa é de que o implante de stents atinja um número jamais previsto. Embora o stent farmacológico tenha diminuído o porcentual de reestenose, o grande número de implantes e o uso ainda corrente em nosso meio do stent não-farmacológico, em especial pelo Sistema Único de Saúde (SUS), fazem com que a reestenose ainda seja um problema clínico muito importante.

A despeito da disponibilidade de outros métodos não-invasivos de diagnóstico de isquemia miocárdica (métodos funcionais), nenhum deles tem a capacidade de localizar a doença coronariana anatomicamente e de diferenciar, no paciente com stent, se a estenose coronariana significativa se encontra na região do stent ou fora dela. Atualmente, a TCC é o único método não-invasivo capaz de definir anatomicamente (método anatômico) a DAC e, portanto, localizá-la precisamente dentro da árvore coronariana.

Nesse cenário, o artigo de Pinto e cols.3 ganha grande importância. Esse trabalho, que representa uma das primeiras experiências em nosso meio, teve como características de destaque o aspecto quantitativo e o uso do ultra-som intracoronariano e de um único tipo de stent. Bem controlado e realizado, esse trabalho mostra o potencial da nova tecnologia de TCC. Uma limitação abordada no artigo é o uso dos equipamentos de primeira geração de TCMD, que contavam com apenas quatro colunas de detectores. Na verdade, essa limitação constitui, de forma paradoxal, a força desse trabalho pioneiro, que demonstra o potencial dos equipamentos atuais de 64 colunas de detectores.

Recentemente, trabalhamos na construção da primeira Diretriz de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovasculares (RMC e TCC) da SBC, uma realização do Grupo de Estudos de Ressonância e Tomografia (GERT). Nesse intenso e prazeroso trabalho, ocorreram grandes discussões sobre como classificar a indicação da avaliação do stent coronariano por TCC. Vários cardiologistas de renome, que auxiliaram os especialistas da área de TCC, solicitaram fortemente a classificação IIa, sugerindo que o conjunto de informações e opiniões disponíveis apóia essa indicação clínica. Embora na tabela final tenha recebido classificação IIb, na minha opinião essa indicação poderia ser potencialmente de nível IIa, no paciente sintomático, tendo em vista a grande evolução tecnológica dos equipamentos de 64 colunas de detectores4. Essa discussão reforça a importância dos dados quantitativos apresentados por Pinto e cols3.

De fato, a capacidade dos novos tomógrafos de detectar estenose intra-stent depende de uma gama de aspectos técnicos, como o tipo e o design da liga metálica constituinte do stent, o diâmetro e a expansão final do stent, o ângulo do feixe de raio X em relação ao stent, a resolução espacial (hoje na marca do voxel isotrópico de 0,35 mm3), as técnicas de aquisição e reconstrução (como o Kernel de convolução que controla a relação entre definição e ruído da imagem), a concentração do contraste, a potência do tubo de raio X, a freqüência e a regularidade cardíacas no momento da aquisição, etc. É pela ação conjunta desses fatores que se obtém uma imagem precisa da luz intra-stent ou uma imagem com artefatos, em particular um brilho exagerado da malha do stent (blooming) que invade a luz e imagens escuras intraluminais que mimetizam a hiperplasia neo-intimal, porém são resultados do endurecimento do feixe de raio X (beam hardening).

Novos desenvolvimentos, como aumento do número de detectores, múltiplas fontes de raio X e algoritmos de aquisição e reconstrução especializados para a visualização do stent coronariano, deverão melhorar ainda mais a capacidade desses equipamentos de avaliar a estenose intra-stent.

Hoje, com os melhores equipamentos disponíveis, pode-se visibilizar mais de 50% da luz da maioria dos stents comercialmente disponíveis. Minha experiência e minha impressão pessoal são ainda mais otimistas. Em exame de ótima qualidade, na maioria dos stents que chegam para minha avaliação a visualização da luz intra-stent é de cerca de 80% a 90%.

Recentemente, em editorial5, tentei responder a uma questão comum a todo cardiologista: já é possível indicar a TCC para o diagnóstico de reestenose de stent? A resposta genérica foi "sim". No entanto, adverti para o fato de que a literatura ainda carece de maiores informações sobre os aspectos de custo-efetividade. Ainda em tempo e a despeito de meu particular otimismo, devo ressaltar documentos recentes que nos sugerem encarar de forma conservadora a utilização da TCC em geral. O primeiro é um trabalho multicêntrico com tecnologia de 16 colunas de detectores6, o qual, embora confirme o enorme valor preditivo negativo dessa técnica (o exame negativo praticamente descarta doença coronariana obstrutiva significativa), alerta para o risco do alto número de falsos positivos, que levaria a mais procedimentos e maior custo. Critico nesse trabalho o fato de segmentos não-avaliáveis terem sido considerados como positivos para doença obstrutiva, o que me parece muito rigoroso e não realístico na clínica. Além disso, a tecnologia superior de 64 colunas de detectores, já em uso clínico rotineiro, tem trabalho multicêntrico internacional em fase final de realização, o que deverá trazer informações sobre a melhor tecnologia disponível. O segundo documento, resultado da opinião de especialistas americanos em TCC e RMC7, considerou a indicação da avaliação de stents por TCC inapropriada no paciente assintomático e incerta no sintomático. Concordo que, no paciente assintomático e sem testes funcionais indicando suspeita de isquemia, não há motivo para a avaliação rotineira do stent; porém, com sinais duvidosos ou sugestivos de DAC obstrutiva, a indicação da TCC pode trazer benefícios.

Assim, a despeito de dúvidas e controvérsias, o bom senso e o conhecimento dos profissionais adequadamente treinados nos permitirão utilizar o melhor dessa tecnologia em proveito de nosso paciente, hoje, sem causar danos pelo seu uso excessivo ou indiscriminado.

Referências

1. Rankin JM, Spinelli JJ, Carere RG, et al. Improved clinical outcome after widespread use of coronary-artery stenting in Canada. N Engl J Med. 1999;341:1957-65.

2. Sousa JE, Costa MA, Abizaid A, et al. Lack of neointimal proliferation after implantation of sirolimus-coated stents in human coronary arteries: a quantitative coronary angiography and three-dimensional intravascular ultrasound study. Circulation. 2001;103:192-5.

3. Pinto IMF, Sousa AGMR, Ishikama W, et al. Avaliação tardia de endopróteses coronarianas com sirolimus: comparação da tomografia computadorizada por múltiplos detectores com a angiografia quantitativa e o ultra-som intracoronariano. Arq Bras Cardiol. 2006; 87:575-82.

4. Seifarth H, Ozgun M, Raupach R, et al. 64-versus 16-slice CT angiography for coronary artery stent assessment: in vitro experience. Invest Radiol. 2006;41:22-7.

5. Rochitte CE. Angiotomografia multislice no diagnóstico de reestenose de stent. Já podemos indicar? Rev Bras Cardiol Invas. 2005;13(1):10-1.

6. Garcia MJ, Lessick J, Hoffmann MH. Accuracy of 16-row multidetector computed tomography for the assessment of coronary artery stenosis. JAMA. 2006;296:403-11.

7. Hendel RC. ACCF/ACR/SCCT/SCMR/ASNC/NASCI/SCAI/SIR appropriateness criteria for cardiac computed tomography and cardiac magnetic resonance imaging. J Am Coll Cardiol. 2006;48(7). Electronic Citation: http://www.acc.org/qualityandscience/clinical/pdfs/CCT.CMR.pdf

  • Correspondência:
    Carlos Eduardo Rochitte
    InCor
    Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Andar AB
    05403-904 – São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2006
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