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Hematoma da aorta ascendente

Resumos

É relatado o caso de um paciente do sexo masculino com idade de 71 anos, dando entrada no pronto-atendimento com palidez cutaneomucosa, acompanhada de hipertensão arterial sistêmica e dor torácica. Na investigação diagnóstica não foi evidenciada alteração compatível com isquemia miocárdica aguda. A radiografia de tórax evidenciava alargamento importante do mediastino. Ao ecocardiograma, a aorta ascendente media 47 mm, no nível do tronco pulmonar. Um dia após o eco, o paciente foi submetido a exame de ressonância magnética (RNM), quando se evidenciou aorta ascendente de 62 mm, sem evidenciar fluxo em falsa luz ou "flap" intimal, mas mostrando hematoma intramural da aorta ascendente, estendendo-se da raiz da aorta até um terço proximal do arco aórtico. Procedeu-se a correção cirúrgica, sendo realizada substituição da aorta ascendente e parte do arco aórtico (hemiarco), com preservação da valva aórtica pela suspensão das comissuras. Paciente evolui bem sem intercorrência, recebendo alta no nono dia de pós-operatório. Enfatizamos nesse relato de caso a semelhança do quadro clínico do hematoma intramural da aorta com o quadro de dissecção da aorta, a importância de se estabelecer diagnóstico correto e o melhor tratamento.

Aorta ascendente; hematoma


It is reported the case of a 71 year old male patient admitted to the emergency service pale and with systemic arterial hypertension and thoracic pain. In the diagnostic investigation, there was no evidence of compatible with acute myocardial ischemia. The thorax x-ray showed important enlargement of the mediastinum. In the echocardiogram the ascending aorta measured 47mm, at the level of the pulmonary artery. One day after the echo, submitted to exam of magnetic resonance (RNM), the ascending aorta had a diameter of 62mm, without false lumen flow or intimal "flap", but showing intramural hematoma envolving the ascending aorta and the proximal portion of the aorta. It was submitted to the surgical correction, being accomplished by resection of the ascending aorta and part of the aortic arch (hemiarch), with preservation of the aortic valve with suspension of the comissures. The patient had ununventfull recovery, being discharged in the 9th postoperative day. We emphasized the similarity of the clinical presentation of the intramural hematoma of the aorta with that of aortic dissection, the importance of establishing correct diagnosis and the best treatment.


RELATO DE CASO

Hematoma da aorta ascendente

Noedir Antônio G. Stolf; Anderson Benício; Gustavo I. Judas; Roberto Rocha Correia Veiga Giraldez; Wilson Mathias Júnior

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Anderson Benício Alameda Franca, 63/12 01422-000 – São Paulo, SP E-mail: benicio@cardiol.br

RESUMO

É relatado o caso de um paciente do sexo masculino com idade de 71 anos, dando entrada no pronto-atendimento com palidez cutaneomucosa, acompanhada de hipertensão arterial sistêmica e dor torácica. Na investigação diagnóstica não foi evidenciada alteração compatível com isquemia miocárdica aguda. A radiografia de tórax evidenciava alargamento importante do mediastino. Ao ecocardiograma, a aorta ascendente media 47 mm, no nível do tronco pulmonar. Um dia após o eco, o paciente foi submetido a exame de ressonância magnética (RNM), quando se evidenciou aorta ascendente de 62 mm, sem evidenciar fluxo em falsa luz ou "flap" intimal, mas mostrando hematoma intramural da aorta ascendente, estendendo-se da raiz da aorta até um terço proximal do arco aórtico. Procedeu-se a correção cirúrgica, sendo realizada substituição da aorta ascendente e parte do arco aórtico (hemiarco), com preservação da valva aórtica pela suspensão das comissuras. Paciente evolui bem sem intercorrência, recebendo alta no nono dia de pós-operatório. Enfatizamos nesse relato de caso a semelhança do quadro clínico do hematoma intramural da aorta com o quadro de dissecção da aorta, a importância de se estabelecer diagnóstico correto e o melhor tratamento.

Palavras-chave: Aorta ascendente, hematoma.

Hematoma intramural da aorta (HIM) é uma doença aórtica aguda causada por sangramento dentro da parede do vaso, porém, diferentemente da dissecção aguda clássica (DA), sem evidência de ruptura na camada íntima ou fluxo na falsa luz1. Historicamente, atribui-se sua origem à ruptura da vasavasorum dentro da parede da aorta1. Entretanto, alguns autores têm utilizado o termo para definir a entidade como uma possível complicação de uma perfuração da íntima (incapaz de ser visibilizada) por úlcera penetrante da parede da aorta2.

Tais hematomas, assim como as dissecções de aorta, envolvem aorta ascendente, arco aórtico ou ambos (tipo A), ou aorta descendente (tipo B). As apresentações clínicas de pacientes com dissecção de aorta e sua formas variantes, entre elas os HIM, são indistinguíveis3.

Atualmente, os HIM representam pelo menos 6% de todas as síndromes aórticas agudas não-traumáticas, e em alguns estudos de autópsia representam 5% a 13% do número total delas4.

A história natural dos HIM pode envolver a progressão para ruptura e ou dissecção, ou a regressão com desaparecimento da lesão. Muitos autores acreditam que o HIM é um passo na evolução para dissecção da aorta3,5.

A abordagem dessa doença varia de acordo com sua localização, porém não há consenso quanto à indicação cirúrgica precoce para pacientes portadores do tipo A em que não se encontram fatores complicadores, tais como instabilidade hemodinâmica, dor, ruptura, iminência de ruptura ou sinais de tamponamento cardíaco.

Neste artigo é relatado o caso de um paciente portador de HIM em aorta ascendente complicado, que foi submetido a tratamento cirúrgico com sucesso.

Relato do Caso

Paciente do sexo masculino, de 71 anos, internado com história de dor intensa em região pré-cordial, com irradiação para região cervical, de início abrupto, tipo pontada, associada a náuseas e picos subfebris. Refere hipertensão arterial sistêmica com controle inadequado.

À radiografia de tórax, evidenciaram-se área cardíaca aumentada e alargamento de mediastino com eletrocardiograma sem alterações significativas. Ecocardiograma transesofágico constatou ectasia da aorta (47 mm) na porção média da aorta ascendente, insuficiência aórtica discreta com função ventricular preservada e derrame pericárdico moderado. Foi realizada ressonância magnética (RNM), um dia após o ecocardiograma, cujo achado foi de hematoma intramural de aorta ascendente medindo 62 mm em sua porção média (fig. 1).


Ao cateterismo cardíaco, evidenciou-se lesão maior que 90% na artéria interventricular anterior e na primeira diagonal, essa última de pequena importância.

O paciente foi então submetido a tratamento cirúrgico convencional com circulação extracorpórea (CEC), sendo realizada revascularização do ramo interventricular anterior com enxerto da artéria torácica interna esquerda e substituição da aorta ascendente por tubo de Dacron número 28. Em razão da extensão do hematoma para o arco aórtico, canulou-se o tronco braquiocefálico (TBC) para a realização da CEC. Foi então resfriado a 20°C e promovida parada circulatória com perfusão cerebral seletiva anterógrada pelo TBC. A aorta foi aberta, sendo constatado hematoma intramural dissecando a camada média, sem orifício de entrada, estendendo-se desde junto aos seios de valsalva até um terço proximal do arco aórtico.

A correção da delaminação no coto proximal e distal foi feita com tiras de Dacron dentro e fora da aorta, com posterior sutura do tubo (interposição de enxerto de Dacron - 28 mm).

O paciente teve boa evolução no pós-operatório, tendo recebido alta hospitalar no 9ºPO, sem intercorrências.

Discussão

A primeira descrição do hematoma intramural da aorta na literatura é datada de 1920, quando foi demonstrado um hematoma intramural espontâneo da parede da aorta sem a presença de um "flap" intimal4. Desde então, cerca de duzentos casos, a maioria envolvendo a aorta descendente, são descritos na literatura, e a maioria dos estudos que descrevem os HIM tem analisado uma pequena casuística4.

Há maior prevalência da doença em homens (61%) com média de idade para o sexo masculino e feminino de 63 e 68, respectivamente, e com antecedentes de hipertensão arterial sistêmica de 53%. A forma não-traumática é a mais freqüente, sendo encontrada com incidência de 94%. A insuficiência aórtica e os déficits de pulso são vistos menos freqüentemente nos HIM do que nos casos de dissecção de aorta. A presença de sintomas como dor no peito e/ou no dorso esteve presente em mais de 80% dos casos2. Tal sintoma também é o mais comum achado para os casos de dissecção, sendo o tempo de aparecimento dos sintomas similar para ambos os casos. As diferenças quanto ao quadro clínico dizem respeito ao tempo requerido para o diagnóstico da doença e a necessidade de um maior número de exames no HIM em relação aos quadros de dissecção aguda clássicos4.

É bem conhecido que os HIM tipo A podem progredir para dissecção com tamponamento cardíaco ou ruptura da aorta em alguns pacientes tratados clinicamente. Estudos têm demonstrado que tal progressão ocorre na maioria das vezes dentro de um período de até sete dias do início dos sintomas4,5.

Quanto aos métodos diagnósticos empregados, o ecocardiograma transesofágico representa uma ferramenta diagnóstica bastante rápida e de fácil execução com sensibilidade, especificidade e acurácia entre 90% e 99%4.

A tomografia computadorizada (TC) é um valioso método de diagnóstico, sendo capaz de evidenciar uma fraqueza de parede e diferenciá-la de uma trombose intramural. A vantagem da TC sobre o ecocardiograma é a melhor visibilização dos vasos do arco aórtico e sua relação com o HIM ou com a DA. No entanto, existe a desvantagem da utilização de contraste4.

A RNM constitui um método de imagem adicional que pode ser usado no diagnóstico do HIM. Hematomas subagudos com formação de meta-hemoglobina produzem um aumento na intensidade do sinal em T1. Entretanto, pode ser mais difícil detectar casos agudos de HIM, os quais podem simular um processo aterosclerótico na parede do vaso4.

Nos hematomas, a aortografia não é o método mais apropriado para diagnóstico. A imagem é sempre negativa, pela ausência de comunicação entre a falsa luz e a luz verdadeira.

O alto risco de uma conduta não cirúrgica no hematoma tipo A se reflete na taxa de 55% de mortalidade precoce com o tratamento medicamentoso (cerca de 20% evoluem para dissecção). Considerando dados globais de mortalidade precoce, temos 12% para o tratamento cirúrgico e 24% para o tratamento medicamentoso, tais dados confirmam uma tendência de melhor prognóstico com a cirurgia6.

Recentes trabalhos asiáticos, entretanto, têm relatado taxas de mortalidade mais baixas – em torno de 7% – com o tratamento medicamentoso6. Um dos fatores que podem explicar tal diferença é o diagnóstico precoce com o pronto início do tratamento medicamentoso; além disso, o monitoramento próximo desses doentes quanto à progressão para dissecção e uma eventual necessidade de intervenção cirúrgica não levou a aumento de mortalidade7.

A discrepância entre tais dados revela a importância de se estabelecer fatores preditivos de evolução para os HIM. Hematoma proximal envolvendo a aorta ascendente aparece como um preditor importante para progressão precoce para dissecção, e um diâmetro maior que 50 mm na tomografia computadorizada ou uma espessura maior que 12 mm na parede da aorta dentro de duas semanas após o início dos sintomas resultam em valores preditivos positivos e negativos de 80% e 100%, respectivamente8,9. A progressão tardia (mais de trinta dias) é associada à idade jovem, síndrome de Marfan e ausência de terapêutica com betabloqueadores6,8,9.

Considerando uma população mais idosa e uma maior mortalidade e morbidade da cirurgia da aorta, acreditamos que o tratamento clínico nos pacientes com hematoma intramural da aorta ascendente ainda é factível. Entretanto, a opção do tratamento cirúrgico deve ser considerada, uma vez que a sobrevida nesse grupo é superior quando comparada ao tratamento clínico, mesmo que essa conduta ainda precise de mais suporte baseado em investigações com séries mais representativas. No presente relato, o paciente apresentava dor persistente e derrame pericárdico que reforçaram a indicação. Na aorta ascendente a operação consiste na substituição desse segmento do vaso enquanto que na descendente existe a possibilidade do procedimento endovascular.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 21/10/05, revisado recebido em 11/11/05; aceito em 11/11/05.

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  • Correspondência:

    Anderson Benício
    Alameda Franca, 63/12
    01422-000 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      21 Out 2005
    • Revisado
      11 Nov 2005
    • Aceito
      11 Nov 2005
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